Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Sempre Esteve Em Mim
Sempre Esteve Em Mim
Sempre Esteve Em Mim
E-book187 páginas2 horas

Sempre Esteve Em Mim

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Monalisa é uma advogada que trabalha em um escritório especializado em violência doméstica e se vê em conflito ao sofrer agressões do seu companheiro. Como orientar devidamente aquelas mulheres se o que lhes diz é exatamente o que deveria fazer?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de fev. de 2024
Sempre Esteve Em Mim

Relacionado a Sempre Esteve Em Mim

Ebooks relacionados

Ficção Geral para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Sempre Esteve Em Mim

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Sempre Esteve Em Mim - M. Genice

    O reflexo no espelho

    Quando se olhou no espelho, na manhã daquele dia, o sangue coagulado ainda marcava o supercílio do olho direito e os cantos dos lábios estavam inchados e arroxeados. Tentou sem sucesso disfarçar as lesões com a maquiagem. O resultado ficou pior do que antes da aplicação da base. Desistiu.

    Telefonou para o escritório de advocacia em que trabalhava e informou aos colegas que permaneceria em home office nos próximos dias, mas que protocolizaria todas as demandas sob sua responsabilidade, sem prejudicar a prestação dos serviços.

    ─ Ah, Doutora, você tem uma audiência agendada para amanhã às quatorze horas e a cliente ligou hoje pedindo orientações.

    ─ Por favor, doutora Regina, ajude-me dessa vez e vá em meu lugar. Nós atuamos juntas nesse processo, você está atualizada em relação ao pleito e a procuração também lhe confere poderes. Poderia me fazer esse grande favor?

    ─ Eu sei, Doutora. Minha dificuldade é que até agora não fiz nenhuma audiência sozinha e ainda não me sinto totalmente segura. Eu li a petição e reconheço que essa demanda não é tão complexa assim e, cedo ou tarde, precisarei encarar esse momento. Mas você acha mesmo que já estou preparada?

    ─ Sem dúvida, doutora Regina. E é com a prática que obtemos segurança em tudo o que fazemos. É assim que acontece em qualquer profissão. Você estudou, é muito capacitada e confio muito no seu desempenho.

    ─ Obrigada pela confiança, Doutora.

    ─ Apesar de eu ser mais velha, minha experiência nessa profissão não é tão grande como você imagina. Nós duas começamos quase ao mesmo tempo. No início, eu também senti bastante esse desconforto, mas tenho certeza de que logo você se sentirá mais confiante.

    ─ Eu irei sim, não se preocupe. Vou dar mais uma olhada no processo para avaliar todas as possibilidades e ir com maior segurança.

    ─ Não tenho a menor dúvida de que você se sairá bem. E se tiver alguma dificuldade, estarei disponível para ajudar no que for possível. Basta ligar que estarei a postos. É que preciso realmente de que você me faça esse favor amanhã.

    ─ Farei o possível para manter tudo nos termos que pedimos. Vou ligar agora para a cliente e passar todas as orientações para ela.

    ─ Fico muito agradecida, doutora Regina. Ah! Ia me esquecendo, você pode, por mais uma gentileza, regar a minha rosa de pedra que está sobre a mesa? Apenas um pouquinho de água na terra do vaso. Sem molhar a planta.

    ─ Claro. Farei isso sim. Devo regá-la todos os dias?

    ─ Não. Isso poderia apodrecer suas raízes. Molhe somente hoje e será suficiente até o meu retorno, pois logo estarei de volta. E mais uma vez obrigada pela ajuda, Regina.

    ─ Não tem de quê.

    ─ Em outra oportunidade, conte comigo para auxiliá-la em algum trabalho que esteja acumulado. Como se diz, uma mão lava a outra. Até mais.

    ─ Não se preocupe com isso, Doutora. Aqui somos todos integrantes de uma equipe em trabalho coletivo e sempre podemos contar uns com os outros. Pode ficar tranquila. Até mais.

    Manteve as atividades daquele dia evitando as reuniões com imagens. A câmera do notebook permaneceu desligada e ela evitou usar aquele recurso. As comunicações através do WhatsApp foram enviadas como mensagem de voz ou por escrito. Nenhuma chamada de vídeo foi atendida.

    Após o horário do almoço, quando subiu do pavimento inferior e se dirigia para o escritório ao lado da suíte, tropeçou em uma tábua mal fixada do assoalho, desequilibrou-se e bateu com o braço na quina do aparador, provocando um hematoma e as lástimas pelo descuido.

    ─ Que porcaria! Essa tábua quase me quebra a cabeça novamente e deixou meu braço dolorido. Já tenho lesões demais, por dentro e por fora. Não precisava de mais um machucado.

    Resmungou irritada. Apesar da queda que lhe somou um ferimento no membro de maior destreza, Monalisa realizou todas as atividades de sua agenda sem qualquer prejuízo e adiantou uma petição de divórcio envolvendo uma cliente que deixou o lar após sofrer violência doméstica.

    A cliente alegava repetidas ameaças por parte do marido e já solicitara medidas protetivas. Apesar da proteção legal, ela queria desfazer o vínculo matrimonial o mais rápido possível, pois pretendia distanciar-se ainda mais do agressor para que pudesse se sentir mais segura.

    Quem ali a observasse no desempenho das suas obrigações profissionais e domésticas, não imaginaria quão revolto estava o seu íntimo. Os seus pensamentos oscilavam de uma reflexão para outra, sem conseguir entender o que se passara consigo.

    E o dia arrastou-se com Monalisa remediando as lesões físicas e mediando as perturbações interiores. Não sabia como deveria agir diante da situação que experenciou. Não podia sequer conceber a ideia de aceitar aquela atitude tão agressiva e gratuita, nem queria agir impulsivamente e tomar uma decisão sem se dar a chance de ajustar, de consertar os erros que, talvez, tenham sido impulsionados por um momento insólito, excepcional.

    E assim, refletiu que precisava agir com equilíbrio e compreensão para ter a certeza de tomar a decisão mais acertada, embora sua razão, sensatamente, mostrava-lhe que não havia muitos caminhos, só uma decisão firme e resoluta seria mais correta diante do que acontecera.

    Depois de muito pensar, decidiu então que não deixaria passar sem nada dizer. Assim que o visse, iria manifestar toda sua indignação e deixar muito claro que episódio igual não mais poderia ocorrer. E murmurou seus pensamentos com firmeza:

    ─ Nunca novamente! Jamais permitirei que isso ocorra outra vez.

    No final do dia, quando ouviu o barulho de chaves na porta e Renato, seu companheiro, entrou na sala ruidosamente, sentiu seu coração agitar-se, mas manteve-se de costas, sem manifestar, com nenhum gesto, a receptividade costumeira. Naquele instante, buscava autocontrole para iniciar uma conversa absolutamente necessária e pouco desejada.

    Fingia limpar o quadro na parede, porém não conseguiu manter-se assim por muito tempo. Voltou-se para o companheiro sem encará-lo. Monalisa sentia um misto de indignação e desencanto e procurava as palavras certas para iniciar o debate. Essa era uma discussão que todo seu ser rejeitava travar.

    Renato se aproximou e permaneceu parado diante dela por alguns segundos, observando as lesões antes de declarar seu espanto.

    ─ Santo Deus!

    Monalisa ouviu atônita a expressão de Renato e arriscou um breve olhar para o companheiro. Ameaçou falar, hesitou e não sentiu conforto em permanecer expondo em seus olhos os sentimentos retidos. Desviou o olhar para o vazio tentando entender o que ali se passava.

    ─ Você tropeçou novamente naquela tábua solta e se machucou? Preciso consertar aquilo imediatamente.

    Demonstrando perplexidade, Renato fez a associação das lesões que via em seu rosto com um acidente doméstico que em outra ocasião ocorrera.

    Aturdida, Monalisa permaneceu ali diante de Renato, imóvel, fitando-o com o olhar inexpressivo, estático, até que algo a impeliu à resposta, que ressoou maquinal, sem reflexão aparente.

    ─ Sim, Renato. Tropecei e bati o braço no aparador do corredor.

    ─ Vista-se que vou levá-la agora ao pronto socorro. Não a deixarei assim machucada, sem atendimento médico. Vamos imediatamente cuidar desses ferimentos.

    ─ Não é necessário. Eu estou bem. A pancada não foi tão forte e não há fraturas ou sangramentos.

    ─ Tem certeza disso? Seu rosto e seus lábios estão inchados e há um hematoma se formando abaixo do olho direito.

    ─ Tenho sim. Eu ainda preciso digitalizar um trabalho para enviar hoje e, se sair agora, não finalizarei a tempo. Caso eu sinta algum incômodo, irei ao médico amanhã.

    ─ Seria melhor você ir o quanto antes e se submeter a uma avaliação médica. Não é prudente deixar essas coisas para depois.

    ─ Os arranhões logo saram.

    Expressou secamente e afastou-se dali. Estava confusa e não queria prosseguir com aquela conversa. Não era essa a abordagem que havia planejado durante todo o dia, nem desejava continuar com tamanho fingimento.

    Por alguma razão ela não falara o que queria, o que sentia, nem o que achava que era necessário dizer. Contudo, sabia que aquilo que ocorrera não era um simples incidente sobre o qual poderia silenciar. Era impossível silenciar.

    Incapaz de compreender a reação de Renato, que lhe pareceu realmente surpreso, Monalisa entendeu menos ainda o próprio comportamento, ao se retirar sem abordar o assunto sobre aquela agressividade gratuita que lhe pareceu ser latente.

    Entrou no seu escritório e manteve a porta fechada. Sabia que ele não viria ali. Não que houvesse qualquer proibição, mas cada um respeitava o ambiente de trabalho do outro. Quando um estava trabalhando, o outro evitava interromper. Era como se houvesse um acordo tácito entre eles.

    ─ Como pude me calar diante dele! Eu estou machucada. Devo ignorar isso?

    Murmurou incrédula e passou as mãos pelo rosto para espantar a aflição que a abalava. Sentiu no toque dos dedos a presença do corte no supercílio. Aquele ferimento, bem palpável, não era resultado de uma queda.

    ─ Isso é real, Monalisa!

    Sentia que precisa repensar sua atitude e sentou-se na poltrona de leitura para assimilar melhor a situação. O que acontecera ali afinal? Renato estaria fingindo que nada daquilo ocorrera? Monalisa não conseguia entender aquela expressão de espanto que se fez no olhar do seu companheiro quando ele visualizou as suas lesões.

    Ou tinha sido ela mesma que conscientemente se deixara enganar diante de um teatro bem arquitetado e apresentado? Ou será que ele a agredira e verdadeiramente não mais se lembrava? Isso foi o que lhe pareceu acontecer ali.

    Lembrou-se de que já ouvira relatos de pessoas que agiam assim. Pessoas que, em decorrência do uso abusivo do álcool, sofrem blecaute alcoólico, que se caracteriza pela incapacidade de se lembrar de fragmentos ou até períodos inteiros de eventos ocorridos no decurso da bebedeira.

    Ela já lera em algum lugar que esses blecautes são períodos de amnésia durante os quais a pessoa realiza atividades habituais como caminhar, comer, praticar atividade sexual e pode até se envolver em brigas, entretanto o cérebro é incapaz de formar memórias de tais eventos.

    Também, lembrou-se Monalisa, de que já ouvira relatos sobre outras pessoas que fingem que não se lembram do que fazem. E muitos que lançam a culpa da sua agressividade na bebida. São atitudes de pessoas que não querem responder pelas consequências dos seus atos e se escondem nessas desculpas. Seria uma falha de caráter de Renato? Não, não é esse o caso, ele não poderia ser assim. Afastou de si o desapontamento.

    E Monalisa, generosamente, concluiu que o mais provável foi que o excesso na ingestão de bebida alcoólica alterou momentaneamente o comportamento de Renato e que ele agiu por impulso, sem saber o que fazia. E culminou num blecaute en bloc, pois suas memórias não se formaram e não puderam ser recuperadas e que, portanto, ele não teve nenhuma consciência do que fez.

    Internamente, o que a contrariava ainda mais era o fato de não ter expressado nada da sua indignação. Principalmente por se considerar uma hábil articuladora das palavras quando compunha um discurso em defesa de vítimas de qualquer tipo de agressão. Por que então silenciara? Não conseguia compreender sua atitude. Calar-se num momento assim, diante daquela situação inconcebível, era o mesmo que ser conivente com uma gravíssima violação de direitos. Aceitaria isso? Também ela iria fingir que nada ocorrera?

    ─ Talvez um outro momento seja mais oportuno para falarmos sobre isso.

    Ponderou sem a mínima convicção e murmurou em voz firme na tentativa de se convencer da pertinência da sua decisão:

    ─ Vou só esperar um pouco mais e avaliar o comportamento dele.

    Monalisa escolheu seguir adiante, no entanto, sentia um sinal de alerta, alguma coisa que parecia não acomodar dentro de si, mas era algo que ela, naquele momento, não queria muito aclarar.

    Permitiu que seu olhar vazio vagasse pelo ambiente e fosse atraído para um pequeno vaso de cerâmica que estava sobre sua escrivaninha acomodando outra pequena rosa de pedra.

    ─ Parece que essa pequena Echeveria elegans Rose não está dando conta das energias por aqui. ─ Murmurou desanimada.

    Pensou que se concentrando no trabalho poderia afastar tantas incertezas. Buscou o notebook e fez um esforço para se concentrar na petição que iniciara naquela tarde. Precisava incluir pedido de manutenção de medidas protetivas contra violência doméstica e conhecia bem os fundamentos da conhecida Lei Maria da Penha, mas não conseguiu avançar com a digitação do pedido, pois lágrimas teimosas rolaram turvando sua visão.

    Naquele momento se sentia totalmente desalentada. Jamais se imaginou aceitando ou não reagindo a um episódio de tamanha gravidade. Por que silenciara diante de Renato? A pergunta ficava repisando sua angústia. E tudo nela se recusava a buscar essa resposta com franqueza. Aquietou-se e ali mesmo adormeceu.

    Despertou com uma sensação incômoda e demorou alguns segundos para entender que se encontrava novamente na poltrona do escritório com o notebook sobre suas pernas. Nesse momento o corpo parecia doer mais do que a alma.

    Levantou-se e escutou com atenção, torcendo para que Renato já tivesse saído para o trabalho. Tudo lá fora era silêncio. Olhou o relógio para certificar-se da hora e decidiu sair.

    Entrou na suíte e, ao dirigir-se para o banheiro, deu de encontro com Renato que saía do banho. Ele abriu um meio sorriso e advertiu:

    ─ Você está trabalhando demais, Doutora. Não deve ficar sem dormir assim. Umas boas horas de sono são preciosas para a saúde.

    ─ Sentei na poltrona para pesquisar uns artigos de lei, estava cansada e acabei pegando no sono ali mesmo.

    ─ Vai ao escritório central hoje?

    ─ Não.

    ─ Ótimo. Vou mandar um rapaz para arrumar essa tábua do

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1