Siga a seta: caminhando até Caravaggio
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Siga a seta - Carina Patrícia Luft
CONSELHO EDITORIAL EDIPUCRS
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Reitor Evilázio Teixeira | Vice-Reitor Manuir José Mentges
Carlos Eduardo Lobo e Silva Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Adriana Justin Cerveira Kampff Pró-Reitora de Graduação e Educação Continuada
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Alam de Oliveira Casartelli Pró-Reitor de Administração e Finanças
Luciano Aronne de Abreu (Editor-Chefe e Presidente), Adelar Fochezatto, Antonio Carlos Hohlfeldt, Antonio de Ruggiero, Cláudia Musa Fay, Lívia Haygert Pithan, Lucia Maria Martins Giraffa, Luis Rosenfield, Maria Martha Campos, Moisés Evandro Bauer, Norman Roland Madarasz.
MEMBROS INTERNACIONAIS
Fulvia Zega - Universidade de Gênova, Jaime Sánchez - Universidad de Chile, Moisés Martins - Universidade do Minho, Nicole Stefane Edwards - University Queensland, Sebastien Talbot - Universidade de Montréal.
Conforme a Política Editorial vigente, todos os livros publicados pela editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) passam por avaliação de pares e aprovação do Conselho Editorial.
© EDIPUCRS 2024
CAPA BIANCA STEQUES
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA CAMILA BORGES
REVISÃO DE TEXTO GAIA REVISÃO TEXTUAL
http://dx.doi.org/10.15448/1710
Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
L949s Luft, Carina
Siga a seta [recurso eletrônico] : caminhando até
Caravaggio / Carina Luft. – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre : ediPUCRS, 2024.
1 Recurso on-line (168 p.).
Modo de Acesso:
ISBN 978-65-5623-414-4
1. Rio Grande do Sul - Descrições e viagens. 2. Peregrinos
e peregrinações cristãs. I. Título.
CDD 23. ed. 370.1
Tamara da Rosa Silva CRB10/2812
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Aos peregrinos.
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Sumário
PREFÁCIO - Gilberto José Galafassi
Prólogo
PARTE 1
Marco zero
Dia anterior
Dia 1
Dia 2
Dia 3
Dia 4
Dia 5
PARTE 2
Dia 6
Dia 7
Dia 8
PARTE 3
Dia 9
Dia 10
PARTE 4
Dia 11
Dia 12
Dia 13
Dia 14
Epílogo
Agradecimentos
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PREFÁCIO
Desde 2019, quando passei a me dedicar aos Caminhos de Caravaggio, após ser uma das primeiras quatro pessoas a fazer o caminho pela primeira vez, sem sinalização, seguindo a intuição, deve ser mais ou menos por aqui
, recebo mensagens via WhatsApp quase que diariamente. Em agosto de 2022, recebi uma muito especial de dois peregrinos dizendo que gostariam de me conhecer. Esse casal havia concluído o trecho 8 e, provavelmente, chegaria em Caravaggio na sexta-feira ou no sábado, dependendo do tempo. E eu respondi me avisa que vou lá receber vocês
.
Sábado, tocando minha vida como é de praxe, às 11h22, quando chego em casa, lembro-me que peregrinos me contataram para dizer que chegariam ao Santuário naquele dia. Então, envio uma mensagem de texto perguntando como ficou a chegada. Às 11h43, recebo uma mensagem de volta informando que eles estavam a um quilômetro do Santuário, mas, na verdade, ficaram com receio de me incomodar num dia de descanso. Às 11h47, fui à cozinha, onde minha esposa fervia água para o macarrão, pedi que adiasse a refeição e fui ao Santuário.
Chegando lá, encontrei dois peregrinos eufóricos e emocionados, e eles me conquistaram no primeiro olá
. Fomos até o Campanário, onde recebemos os caminhantes de Caravaggio e fazemos os trâmites de registro, a emissão de certificado e o acionamento do sino. Naquele momento, foi uma falação, pois cada um de nós queria contar algo diferente e marcante. Embora tenha sido uma conversa rápida, pude perceber que se tratava de pessoas com sensibilidade ímpar, que vivenciaram o caminho e curtiram cada quilômetro, não reclamaram de nada, só agradeceram – que é o que fazem os verdadeiros peregrinos.
Pude sentir que eles estavam curtindo o caminho como se fosse seu décimo, entretanto, era apenas o primeiro. O primeiro. Combinamos de nos falar e, de lá até hoje, trocamos mensagens diárias. Foi aí que eu soube que a Carina é escritora e registraria sua experiência nos Caminhos de Caravaggio num livro. Eu, meio ousado, falei: este é um livro que gostaria de prefaciar
. Que honra!
– respondeu ela. – Eu aceito, será um privilégio ter o prefácio assinado por Gilberto Galafassi
. E aqui estou.
Sempre fui mais de falar do que escrever, mas esta é uma oportunidade de apresentar uma obra que vem do fundo da alma de alguém que vivenciou uma experiência diferente e intensa e tem a coragem e a capacidade de se arriscar levando-a a público. Com certeza, é uma oportunidade de viajar nos pensamentos e, quem sabe, se permitir a viver duas experiências: fazer o caminho e compartilhar com os outros.
Sempre penso que imortalidade significa permanecer na memória das pessoas, pois quando lembramos de alguém, ou de fatos, envolvendo-as, estamos, de certa forma, imortalizando aquele indivíduo.
É uma honra ver a Carina apresentar este trabalho e poder imortalizar nós mesmos e o Caminho, que, com certeza, ainda será percorrido por muita gente. E que Nossa Senhora de Caravaggio permita que cada um possa vivenciar a melhor versão de si próprio nesse Caminho.
Quem faz e engrandece o caminho são os peregrinos, mas quem o imortaliza são pessoas corajosas como vocês, Carina e Daniel.
Gilberto José Galafassi
Presidente da Associação de Voluntários e
Apoiadores dos Caminhos de Caravaggio (AVACC)
http://www.caminhosdecaravaggio.org
Prólogo
Ah, a tão criticável falta de fé!
Algumas vezes, ao longo dos meus 50 anos, ouvi que me falta fé, como se eu fosse vazia de crenças, quando, na verdade, eu estava repleta delas. Eu acreditava no amor, nas boas ações, nos movimentos transformistas, na física quântica e no universo de átomos e moléculas que vibram conforme a nossa sintonia. Se tudo estivesse em equilíbrio, tudo daria certo. Só que nem sempre funcionava assim. Era aí que me perguntava por onde andava Deus. Por que Ele não nos amparava e nos trazia soluções? Então diziam-me: reza mais, te falta fé
. Mas fé tem a ver com reza?
Há poucos dias, consegui entender o real sentido da minha fé. Demorei anos para ver onde eu me encaixava nesse cenário, se estava sendo protagonista ou coadjuvante nas cenas desenhadas pelos outros. Eu era gente de alimentar crenças, louvar deuses e deusas, agradecer conquistas, rezar vez ou outra, ir a templos, mas não me reverenciava pessoa de fé. Essa palavra curta e potente parecia não pertencer à minha realidade.
Até aquele momento, eu pensava que credos estavam relacionados a um dogma, e eu teria que ser uma seguidora-praticante de uma única religião para ser alguém de fé. Será mesmo? Ambas precisavam andar com as mãos entrelaçadas para ter valor? Precisaríamos ser devotos de algum santo ou doutrina para que fôssemos considerados pessoas de fé?
Nunca me vi assim: pessoa de religião única, crente, defensora de um credo. Eu sou movida por energias, filosofias, conceitos, ações do bem, sensações, intuições, sinais e curiosidades. Busco o melhor de cada culto sem estigmatizá-lo. Eu queria ser aquela pessoa que diz Graças a Deus, poderia ter sido pior!
mesmo diante de uma tragédia.
Ainda que me dissessem te falta fé
, eu seguia acreditando na minha crença secreta: credo é algo maior do que catecismos. É uma energia que exerce forças que permeiam cada átomo da matéria, gerando transformações inesperadas. Evidente que podemos atrelar a isso as doutrinas religiosas por meio de orações e louvores, rituais e práticas. A religião é apenas um dos ingredientes da fé.
Quando os anos terminavam, quieta em minha casa, ia percebendo que as energias e as ações positivas, e sistêmicas, haviam produzido um efeito profícuo. Vinha de forma intuitiva até, mas factual. Universo, conexões, física quântica, forças, matérias, acontecimentos, boas ações, fatos, rezas, cânticos, esforços, agradecimentos, dedicações, louvores...
No meu imaginário, o poder da fé aparecia na figura de um átomo. No núcleo, a crença; no entorno, uma série de circunferências carregando ações, doutrinas, energias, rituais, coisas com diversos significados que iam girando e girando e girando. Então aí, o rótulo de pessoa sem fé foi despregando, desgrudando, caindo, saindo da psique.
Se meu lado pragmático poderia ser chamado de fé, ela começou a ter novo sentido para mim. Eu já havia experimentado crises e euforias, viagens incríveis e difíceis, doenças brandas e dolorosas, amores impossíveis, sensações estranhas. Na minha vida já havia tido amigos, inimigos, afetos, desafetos; sofrido com verdades, mentiras, traições, acidentes; e tive muitas alegrias. Tudo que faz parte de uma vida completa. Mas faltava uma coisa: voltar no tempo e degustar o metabolismo dos peregrinos. Agradecer pelas justiças e injustiças vividas até ali e contemplar outros saberes. Eu desejava provar algo maior, deixar de lado construções severas, rotinas, conceitos de antepassados, coisas pequenas que mais ferem do que curam.
Algo ilimitado chamava-me. Um caminho, uma nova estrada, uma vida virgem de experimentos; uma causa não mais imaginária, não mais distante, não mais restrita. E eu só tinha uma coisa a fazer: seguir a seta amarela com a mesma coragem e determinação de toda uma vida, carregando no íntimo aquela coisa análoga chamada fé.
Marco zero
Era preciso vestir um agasalho próprio para temperaturas baixas. Não aquele de altas montanhas, com sobreposições de segunda e terceira pele, mas cairia bem uma blusa quente, um par de luvas, touca – talvez boné – lenço, meias e calçados confortáveis. Era Serra. Sul do Brasil. Um dia de agosto que não me cabe decifrar. Calendários, datas que me remetem para lembranças de agendas, compromissos e afins eu prefiro deletar desta história.
Os bastões de trekking, assim como roupas e calçados adequados para hiking e os rollers estavam sempre conosco. Itens obrigatórios do carro. Posso dizer, inclusive, que foi a nossa primeira sorte, visto que o plano era passar uma semaninha de férias em Canela. Passeio urbano, trivial e de poucas novidades, sem necessidade do aparato para longas caminhadas.
Daniel perguntou-me se vaselina, Band-aid, esparadrapos, agulhas e linhas estavam na mala, pois certamente precisaríamos delas para perfurar as bolhas, enquanto vestia a ecohead protegendo as orelhas do vento, diante de um espelho comprido e largo.
– Agulha e linha, não, né? Por que traria agulha e linha pra Canela?
Dia anterior
Pablo Neruda e Salvador Dalí, um Schnauzer e um Daschund, dão o ritmo aos nossos passos. No meio das viagens, sempre há uma parada estratégica para eles urinarem, beberem água e caminharem um pouco. Foi na Tenda Pouso das Águias, na rodovia para Nova Petrópolis – um dos pontos de parada dos Caminhos de Caravaggio – que estacionamos.
Havíamos estudado o trajeto um ano antes, organizado tudo, imaginado as sensações, os delírios e os receios, mapeado o percurso, digitado e imprimido o roteiro, mas um contratempo interrompeu o plano. Veio uma remarcação. Duas remarcações. Outro revés. Outro impedimento. Então Natal. Superlotação. Calor. E uma missão abortada. Uma frustração. Duas frustrações... Um silêncio irritante entre mim e Daniel.
O verão me deprime, e aquele não foi diferente. Uma ambição havia falhado, e eu ainda não conseguia lidar bem com as desilusões. No entanto, o caminho continuava lá. Já