O Segundo Chamado: A essência de um caminho de descobertas
De Antônio Jr.
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O Segundo Chamado - Antônio Jr.
O Primeiro Chamado
É curioso, mas não me recordo quando foi exatamente que recebi meu primeiro chamado para fazer o Caminho de Santiago. Só me lembro dos momentos em que, já em meio às pesquisas, convidava colegas para se juntar a mim e definia qual data seria a melhor para partir.
São vários Caminhos de Santiago que partem de toda Europa e adentram pela Espanha e cada um possui um itinerário diferente. Eis alguns deles: Caminho Francês – parte da França e por isso leva esse nome; Caminho Português – que percorre muitas cidades portuguesas antes de entrar na Espanha. Caminho do Norte; Caminho Primitivo; Caminho Aragonês, Via de la Plata e Caminho de Finisterra – esse é o único caminho que começa em Santiago de Compostela e termina na cidade de Finisterra.
Depois de acompanhar relatos de peregrinos e avaliar o tempo disponível que eu tinha, resolvi fazer o Caminho Francês, o mais tradicional dos Caminhos de Santiago, de bicicleta, saindo de Saint Jean Pied de Port, passando por Santiago de Compostela e chegando até Finisterra.
Iniciei os estudos, que me fizeram entender que o caminho era mais do que só caminhar. Relatos comoventes de como o caminho transformou positivamente a vida de peregrinos me fez acreditar que, se eu fosse de mente e coração abertos, essa transformação poderia ocorrer comigo também.
Então, em setembro de 2014, lá fui eu
rumo a Compostela.
Esta jornada de 16 dias, longe dos compromissos do cotidiano e em cima de uma bicicleta, me fez colecionar vivências, aprendizados e muitas emoções. As sensações passaram do cinestésico ao sensitivo.
Foram dias e mais dias em um lugar desconhecido e em contato com o inusitado. Aliás, a rotina faz parte desta jornada e a preparação mental e um bom planejamento tendem a segurar a ansiedade e facilitar a jornada.
Minhas tarefas físicas diárias eram basicamente pedalar, comer e dormir. Para o resto, me deixei levar, me recordando sempre que o aprendizado está no caminho e não no destino. Mais do que chegar a Santiago de Compostela, eu queria aproveitar os ensinamentos que estavam diante dos meus olhos e ouvidos, dia após dia!
Fiz o caminho focado, pronto para enfrentar qualquer adversidade que viesse, como chuvas fortes, dores, cansaço, lesão ou até mesmo a falta de hospitalidade de pessoas que cruzassem o meu caminho.
E, uma das coisas que aprendi é que fazer o caminho é buscar algo que, na maioria das vezes, nem se sabe bem o que é. Aprendi também que as transformações são inevitáveis, se soubermos aceitar e extrair do caminho o que ele tem a nos ensinar.
O Segundo Chamado
Voltei da Espanha com um lema: para o Caminho nunca devemos dizer Adeus.
A ideia de peregrinar de novo pelos campos espanhóis – desta vez a pé – começou a permear meus pensamentos.
Li uma frase de um amante do Caminho que explica bem o sentimento que temos após a peregrinação:
Quando um peregrino vai pela primeira vez para o Caminho de Santiago, tem como desafio uma quantidade de quilômetros que nunca viu pela frente e se prepara para enfrentá-los. Depois de terminada a jornada, volta para a sua casa e mentalmente sabe que um dia voltará. Isso chega a ser um pensamento diário… No seu dia a dia o peregrino começa enfrentar desafios no seu trabalho, na sua vida e percebe que ainda há caminhos aqui que percorrer e não são nada fáceis, muito menos prazerosos. Encarar os desafios do nosso cotidiano e, acima de tudo, superá-los nos dá uma certeza: um novo Caminho já está começando e a cada amanhecer a distância diminui até o dia que os seus pés estarão em Saint Jean Pied de Port.
Jorge Cárceres
E é exatamente assim: o Caminho planta uma semente que cresce e fortifica dentro de nós. O esforço físico é momentâneo e logo passa, as bolhas saram, as pernas se fortalecem, o cansaço é superado e, então, chega a nostalgia!
O nascimento do Guilherme foi o divisor de águas da minha vida. Pelo meu filho eu queria encontrar a minha melhor versão e foi por ele que embarquei novamente em busca do meu verdadeiro EU.
Atendi ao Segundo Chamado e me embrenhei pelas estradas empoeiradas e pelas calçadas históricas do Caminho de Santiago. E eu sabia que esse seria, de novo, um passo importante para meu crescimento.
Com outros olhos, em outro momento e com outro propósito eu poderia respirar novas histórias, viver uma nova festa e voltar com uma bagagem maior. Bagagem que não pesa, que não se perde ou se rouba.
Por tudo isso, aceitei o momento de refazer a jornada para dentro de mim e ajustar novos parafusos
e sabia que, lá no final de tudo, eu diria novamente: Até breve!
Minha Preparação
Como a maioria das pessoas, eu não podia caminhar despretensiosamente e sem prazo para finalizar o Caminho. Eu tinha um limite de dias para realizar a peregrinação e, por isso, um bom plano e uma boa preparação física foram fundamentais.
Sou corredor de montanhas e já estou acostumado com diferentes pisos, subidas íngremes e descidas escorregadias mas, antes da viagem, quis focar em treinos de caminhadas e não em corridas, pois, apesar de semelhantes, possuem algumas diferenças fundamentais.
Procurei fazer treinamentos em terrenos parecidos ao do caminho, ou seja, em estradas de terra com subidas e descidas, em asfalto, em grama e em terreno cascalhado. Treinei com minha mochila, mas cometi dois erros graves: não utilizei nos treinos o calçado que usei na caminhada e não imaginava que minha mochila ficaria tão pesada por causa dos equipamentos que teria que levar. Vou explicar melhor: treinei com a mochila leve e peregrinei de calçado novo!
Mesmo preparado fisicamente, no início é normal sentir um peso no corpo, mas depois vai-se acostumando e entrando no ritmo. Quanto antes conseguirmos um controle do corpo e da mente, mais chances temos de desfrutar tudo o que o Caminho oferece, já que o desgaste pode prejudicar nesse aspecto, nos obrigando, em alguns casos, a pôr um fim ao caminho antes da hora.
Para o Caminho Francês, eu considero apropriado percorrê-lo em 30-35 dias. Para isso, deve-se caminhar uma média de 23 a 27 quilômetros diários. Repito: é fundamental que você programe seus dias de caminhada de acordo com a sua condição física!
E mais importante ainda: não cometa os erros que cometi com relação à mochila e ao calçado para evitar surpresas desagradáveis na estrada.
Os Ciclos
Dizem que o Caminho de Santiago é uma metáfora da vida. E é verdade! Dentro dele vivemos ciclos, assim como na vida real.
O outono
Minha primeira experiência no Caminho foi no outono. E não foi por acaso! Precisava desacelerar e o outono sugere exatamente isso, já que é a estação onde a natureza se recolhe para passar por sua principal transformação e seguir o seu ritmo natural.
Mas a natureza cumpre seu papel sem esforço e de maneira suave, passando por todos os ciclos necessários para sua continuidade. Para mim não foi bem assim…
Eu estava enfrentando o outono da minha alma e era necessário olhar para dentro de mim, confrontar minha essência, reciclar meus valores. Era necessário colocar em um balaio as coisas que realmente me emocionam e me fazem caminhar para frente. Era necessário juntar tudo para conseguir correr, sem medo, atrás dos meus sonhos. Era necessário acertar a estrada, sem ter que optar por rotas alternativas.
Era hora do desapego! Hora de reciclar! Hora de renovar para fortalecer o novo ciclo que estava por vir.
A primavera
Diferente do outono, que possui nuances monocromáticas, a primavera é multicor. As mesetas se apresentam em tons vivos de verde, as flores colorizam vários ambientes. Uma pena os maravilhosos girassóis ainda não terem despertado …
A primavera é o milagre do recomeço! Após a reciclagem do outono, vem a nova chance de encontrar um novo significado! E assim o fiz!
A escolha de refazer o Caminho na primavera também não foi por acaso. Encarei como um renascimento. O início de um ciclo de prosperidade que inclusive me faz estar escrevendo essas palavras nesse livro.
Voltei com gana de experimentar coisas novas e que me fazem feliz, principalmente porque nessa vida nada é para sempre.
Estou plantando novas sementes, vivenciando o que me causa furor, fazendo mais pelo próximo, me envolvendo com o bem estar comum e sendo cada dia mais grato pela vida, pela minha família e pela oportunidade de viver de forma plena.
Véspera
É essencial viver a experiência do dia anterior à partida. Estar ali novamente, prestes a iniciar uma nova jornada, me fez sentir um grande sentimento de gratidão. Gratidão é a palavra deste dia!
Em 2014…
Quando comecei a estudar sobre o Caminho de Santiago para minha primeira travessia, o nome da cidade que foi o meu ponto de partida me chamou bastante a atenção. O nome Saint Jean Pied de Port me gerou tanta curiosidade que só me aquietei quando descobri o significado: São João ao Pé da Montanha. Na ocasião, eu não compreendi direito, mas depois descobri que fazia total sentido!
Cheguei em Saint Jean na estação de ônibus por volta das 16 horas. No ônibus, conheci a Jussara, a Luciene e a Dani, brasileiras que estavam ali para fazer o Caminho pela primeira vez. Conversamos e marcamos de nos encontrar para jantar. Não imaginava, neste momento, que essas três mulheres teriam parte importante mais à frente em minha jornada. Da estação, eu segui direto para o albergue, onde eu já tinha a minha reserva. Para maior tranquilidade, nas duas vezes em que me hospedei na cidade, deixei um hostal reservado. Afinal, dali em diante, minha rotina seria um pouco diferente: encontrar um albergue municipal e torcer para ter vaga.
Com o check-in feito e a mochila acomodada no guarda-volumes, saí em busca de uma credencial na Oficina de Peregrinos, que fica na rua principal da área histórica, mesma rua do meu albergue: Rue de La Citadelle, número 44.
Em 2014, levei minha credencial e a vieira, ambas fornecidas pela Associação de Amigos do Caminho de Santiago (ACACS) em São Paulo. Dessa vez, deixei para adquirir tudo logo quando eu chegasse em Saint Jean.
Fui até a Oficina de Peregrinos e solicitei minha credencial. Quanto à vieira, tinha o pensamento de adquirir a primeira que eu visse quando já estivesse com a credencial nas