Currículo crítico, educação transformadora :: políticas e práticas - volume II
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Sobre este e-book
Os nove capítulos que compõem essa coletânea promovem reflexões díspares, permeadas por uma amplitude de problematizações, robustamente enfrentadas e discutidas por autores e autoras atentos(as) às controvérsias conceituais e que almejam a sistematização de saberes em prol de uma educação crítica e emancipadora, especialmente, no campo do currículo.
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Currículo crítico, educação transformadora : - Teodoro Zanardi
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva - CRB 6/2086
© 2023 – Todos os direitos reservados pela Editora PUC Minas. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem a autorização prévia da Editora.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Teodoro Zanardi
Cristina Rezende Eliezer
Júlia Guimarães
(ORGANIZADORES)
CURRÍCULO CRÍTICO, EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA:
POLÍTICAS E PRÁTICAS - VOLUME II
Prefácio de Amauri Carlos Ferreira
Belo Horizonte
2023
CURRÍCULO CRÍTICO, EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA:
POLÍTICAS E PRÁTICAS
VOLUME II
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Grão-chanceler Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Reitor Prof. Dr. Pe. Luiz Henrique Eloy e Silva
Pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação Professor Sérgio de Morais Hanriot, PhD
EDITORA PUC MINAS
Direção e Coordenação Editorial
Mariana Teixeira de Carvalho Moura
Coordenação Comercial
Daniela Figueiredo Andrade Albergaria
Conselho Editorial 2021
Alberico Alves da Silva Filho | Conrado Moreira Mendes | Édil Carvalho Guedes Filho | Eliane Scheid Gazire | Ester Eliane Jeunon | Flávio de Jesus Resende | Javier Alberto Vadell | Leonardo César Souza Ramos | Lucas de Alvarenga Gontijo | Márcia Stengel | Pedro Paiva Brito | Rodrigo Coppe Caldeira | Rodrigo Villamarim Soares | Sérgio de Morais Hanriot.
Linha Editorial
Educação & Pesquisa
Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas
Colegiado 2023-2026
Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury | Prof. Dr. Simão Pedro Pinto Marinho (Coordenador) |
Profa. Dra. Vânia de Fátima Noronha Alves
DISTRIBUIÇÃO DA OBRA
Sob licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações-SemDerivados
Logotipo Descrição gerada automaticamenteDiagramação
Madalena Araujo | Madesigner
Teodoro Zanardi
Cristina Rezende Eliezer
Júlia Guimarães
(ORGANIZADORES)
CURRÍCULO CRÍTICO, EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA: POLÍTICAS E PRÁTICAS - VOLUME II
Prefácio de Amauri Carlos Ferreira
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
Amauri Carlos Ferreira
PUC Minas
POLÍTICAS CURRICULARES BRASILEIRAS DESDE A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ATÉ A BNCC: UMA LEITURA HISTÓRICA A PARTIR DE ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVOS
Júlia de Moura Martins Guimarães
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
DISCUSSÕES CURRICULARES SOBRE O ENSINO SOCIOEMOCIONAL NO ESTADO DO CEARÁ/BRASIL
Edilene Ferreira de Sena
Rede Municipal de Redenção- CE
Luís Távora Furtado Ribeiro
Universidade Federal do Ceará-UFC
AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRAJETÓRIAS E RESISTÊNCIA ÀS POLÍTICAS CURRICULARES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 À BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)
Cláudia Terezinha de Carvalho Fonseca
Rede Municipal de Pará de Minas-MG
A BNCC DO ENSINO MÉDIO E A DESNACIONALIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR
Filipe Veziane Lembi de Carvalho
Colégio Marista Padre Eustáquio-MG
DESAFIOS DA ALTERIDADE E DA DIVERSIDADE NAS COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC
Ubiratan Nunes Moreira
Secretaria Municipal de Educação de Santa Luzia-MG
PROJETO ESCOLA DE TODAS AS CORES
: CONSTRUINDO UM CURRÍCULO ANTIRRACISTA NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL
Cleidiane Lemes de Oliveira
Escola Sandoval Soares de Azevedo – Ibirité (MG)
Lorene dos Santos
PUC Minas
Formação docente: perspectivas a partir do Pacto Educativo Global
Júlio César Evangelista Resende
Setor Educação na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
DISCIPLINA, GESTÃO E AVALIAÇÃO NAS ESCOLAS CÍVICO-MILITARes
Deisy Ferreira dos Santos
PUC Minas
Teodoro Adriano Costa Zanardi
PUC Minas
A RUPTURA COM A EDUCAÇÃO RURAL: DOCUMENTOS LEGAIS QUE PERMITEM A RETERRITORIALIZAÇÃO DOS SUJEITOS DO CAMPO POR MEIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Márcio Antônio da Silva
Secretaria Municipal de Educação de Bom Despacho (MG)
Sumário
CAPA
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
POLÍTICAS CURRICULARES BRASILEIRAS DESDE A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ATÉ A BNCC: UMA LEITURA HISTÓRICA A PARTIR DE ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVOS
DISCUSSÕES CURRICULARES SOBRE O ENSINO SOCIOEMOCIONAL NO ESTADO DO CEARÁ/BRASIL
AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRAJETÓRIAS E RESISTÊNCIA ÀS POLÍTICAS CURRICULARES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 À BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)
A BNCC DO ENSINO MÉDIO E A DESNACIONALIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR
DESAFIOS DA ALTERIDADE E DA DIVERSIDADE NAS COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC
PROJETO ESCOLA DE TODAS AS CORES
: CONSTRUINDO UM CURRÍCULO ANTIRRACISTA NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL
Formação docente: perspectivas a partir do Pacto Educativo Global
DISCIPLINA, GESTÃO E AVALIAÇÃO NAS ESCOLAS CÍVICO-MILITARes
A RUPTURA COM A EDUCAÇÃO RURAL: DOCUMENTOS LEGAIS QUE PERMITEM A RETERRITORIALIZAÇÃO DOS SUJEITOS DO CAMPO POR MEIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
SOBRE OS ORGANIZADORES
Pontos de referência
cover
APRESENTAÇÃO
A presente obra trata do segundo volume de textos oriundos de pesquisas produzidas por participantes do Grupo de Pesquisas Currículo crítico, educação transformadora: políticas e práticas, cadastrado no CNPq, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas.[1]
As reuniões e debates promovidos quinzenalmente e de forma remota têm proporcionado reflexões importantes sobre a educação a partir do que chamamos de teoria crítica do currículo. A crítica, aqui, tem na Tese 11 de Marx sobre Feuerbach sua semente, pois não cabe somente a compreensão do mundo que a educação pode viabilizar, cabe um movimento em prol de sua transformação. Apoiados nessa perspectiva, investimos em processos educativos que potencializam a capacidade de educandos(as) e educadores(as) refletirem sobre as realidades que nos envolvem no sentido de transformá-la em prol da humanidade.
Por isso, percebemos educadores(as) e educandos(as) como sujeitos da práxis educativa, sendo a educação um ato político que, quando desenvolvido criticamente, move-se com o Outro e em prol do Outro. Essa Outredade nos situa no processo de acolhimento, respeito e comunhão humanista e humanizada por um mundo onde cabe todo mundo.
Os nove capítulos que compõem essa coletânea promovem reflexões díspares, permeadas por uma amplitude de problematizações, robustamente enfrentadas e discutidas por autores e autoras atentos(as) às controvérsias conceituais e que almejam a sistematização de saberes em prol de uma educação crítica e emancipadora, especialmente, no campo do currículo.
Nessa direção, a ideia de socializar as pesquisas, frutos de consideráveis esforços investigativos que buscam ressignificar velhos dilemas e construir novas perspectivas, tem como base a necessidade de contribuir, efetivamente, para a libertação, posto que os saberes estão em constante (re)construção e não devem ficar restritos aos bancos de dados. Como os problemas emergem das intrincadas relações sociais, é imperioso que as respostas cheguem aos diferentes espaços, com vistas a transformar a realidade, sobretudo, aquela em que acontecem os processos de ensino. Dessa feita, assume-se um compromisso de desvelar práticas e políticas educacionais fundadas na reflexão-ação dos sujeitos.
O primeiro capítulo, de autoria de Júlia Guimarães, apresenta um panorama histórico das políticas curriculares nacionais para a educação básica, a partir dos principais marcos normativos desde a Constituição Federal de 1988 até a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), trazendo a perspectiva do currículo como território de disputas e das leis como instituições históricas, marcadas por lutas e contradições.
Na sequência, Edilene Ferreira e Luís Távora problematizam as transformações curriculares, com fulcro nos diálogos socioemocionais, no âmbito do ensino médio, tendo como cenário o estado do Ceará. Nessa perspectiva, enfatizam a temática relativa ao currículo, observando critérios específicos, entre eles, os seus idealizadores, a organização, o contexto neoliberal e, ainda, as políticas públicas.
Cláudia Terezinha propõe, dando prosseguimento, reflexões acerca das reformas educacionais na educação infantil, considerando o seu percurso e tendo como base inicial e legal a Constituição de 1988, até a homologação da BNCC. Dissertando sobre as políticas públicas curriculares, cuida de articular os projetos pedagógicos e/ou curriculares com as propostas didático-metodológicas, objetivando o desenvolvimento de conhecimentos sobre a Educação Infantil, que considera etapa relevante da Educação Básica.
No quarto capítulo, Filipe Veziane problematiza a BNCC do Ensino Médio por seu caráter neoliberal, trazendo à tona as incongruências de uma proposta curricular que, embora nominada como nacional, possui estreitas relações com interesses de organismos multilaterais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O capítulo Desafios da alteridade e da diversidade nas competências gerais da BNCC, de Ubiratan Nunes Moreira, possibilita um desvelamento da perspectiva político-pedagógica das competências gerais da BNCC. O autor recorre à ética da alteridade para a desconstrução de uma subjetividade centrada no egocentrismo, herdada de um paradigma eurocêntrico do mundo.
Cleidiane Lemes de Oliveira e Lorene dos Santos abordam, no sexto capítulo, o tema da educação para as relações étnico-raciais sob a perspectiva da justiça curricular e da decolonialidade, trazendo as possibilidades alcançadas pelo projeto de educação antirracista Escola de todas as cores
, desenvolvido em uma escola pública de Belo Horizonte - MG, no período de ensino remoto emergencial.
Júlio César Evangelista engendra um texto sobre a formação docente, a partir do Pacto Educativo Global, capitaneado pelo Papa Francisco, e que teve como finalidade precípua traçar perspectivas, nos processos de formação docente, que fossem capazes de implementar uma formação pedagógica humanizadora e solidária. Interessa a leitura, especialmente, pela análise dos desafios lançados pelo referido Pacto, que propõe aos gestores educacionais uma articulação entre teoria e prática, que possibilite (re)pensar os projetos, programas e currículos.
No oitavo capítulo, Deisy Santos e Teodoro Zanardi analisam criticamente as propostas dos processos avaliativos do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), tendo em vista compreender de que modo a crença na disciplina como motor para o desenvolvimento da qualidade da educação escolar se relaciona com a avaliação das(os) educandas(os) das escolas participantes do referido Programa. O texto apresenta os resultados de uma pesquisa que foi financiada pelo Programa Bolsa à Iniciação Científica e Tecnológica Institucional (PIBIC) da FAPEMIG.
Por fim, Márcio Antônio da Silva traz um levantamento dos documentos legais que orientam a Educação do Campo, ensejando importantes argumentos e reflexões sobre a necessidade de sua afirmação como modalidade educacional capaz de reterritorializar sujeitos desterritorializados pelo currículo subordinador da Educação Rural.
Sob o enfoque crítico-problematizador partilhado nas discussões e atividades do Grupo de Pesquisas Currículo crítico, educação transformadora: políticas e práticas, as diversas temáticas aqui reunidas trazem potentes subsídios para o enfrentamento de desafios experimentados cotidianamente na educação. Contribuem, assim, para pensarmos e vivenciarmos o currículo como uma contínua tessitura de possibilidades múltiplas, que se entrelaçam momento a momento, na partilha e no diálogo entre professores, estudantes e toda a comunidade. Nessa perspectiva, para além da finalidade acadêmica, a obra convida o(a) leitor(a), em cada capítulo, à autorreflexão e ao reconhecimento de si como sujeito da práxis, inspirando uma postura crítica e comprometida com a construção de uma educação transformadora.
Os organizadores
1 O primeiro volume da coletânea foi publicado no ano de 2022 e reuniu seis capítulos de pesquisadores do referido Grupo de Pesquisas. Para mais informações, ver: ZANARDI, Teodoro; ELIEZER, Cristina Rezende (Orgs.). Currículo crítico, educação transformadora: políticas e práticas. São Paulo: Dialética, 2022.
PREFÁCIO
Amauri Carlos Ferreira
PUC Minas
Refletir sobre educação a partir de uma perspectiva crítica é uma tarefa complexa. A crítica pressupõe a formação de um sujeito autônomo, capaz de explicar a realidade a partir de seu lugar de entrada no mundo e, particularmente, de sua formação inicial ou continuada dentro de um determinado campo acadêmico. Essa particularidade demanda a utilização de categorias analíticas que permitem compreender a dinamicidade da vida, com temas que tocam a sensibilidade dos sujeitos e os impulsionam a tentar compreendê-los mediante o ato de pesquisá-los. No entanto, quando esses temas estão circunscritos a uma configuração inter, multi, transdisciplinar, as categorias analíticas adquirem mais amplitude, tendo em vista o objetivo geral de exercício cada vez mais crítico por parte do sujeito cognoscente.
Esse processo demanda experiências que vão sendo sedimentadas e ancoradas na memória como um dispositivo que, ao ser acionado, conduz a tentativas de decompor a realidade e ajuizá-las provisoriamente em uma experiência singular de pesquisa. Esse modo de acionar a memória em uma relação com o mundo vivido pode proporcionar processos ambivalentes que, por um lado, fazem dela lugar fixo de eventos sedimentados e constituídos no tempo, configurando um passado/presente fechado a interpretações. Por outro, um lugar aberto a novas interpretações a partir do presente. É um modo de educar gerações ancoradas na heteronomia ou na autonomia.
Ao fixar acontecimentos, ocorre um processo de negação das reverberações instigantes, ou seja, conduz-se a uma realidade alheia a novas interpretações. Esse modo tem nos conduzido a refletir sobre sociedades estruturadas sob a égide autocrática, isto é, sociedades em que o campo democrático fica estagnado com práticas sociais/pedagógicas estabelecidas. Uma repetição do já constituído e experimentado em outras épocas em uma democracia de práticas autocentradas, ou naquilo que Boaventura Santos tão bem considerou como democracia de baixa intensidade
.
Talvez esta seja a prática no campo educacional brasileiro. Temos uma leitura avançada e crítica sobre Paulo Freire, mas uma prática social/pedagógica de estrutura autoritária, que reforça a base heterônoma, não permitindo a educação de sujeitos críticos. É na formação das gerações que a educação precisa compreender e contribuir, tendo em vista a interpretação do passado a partir do presente: um caminho benjaminiano, abrindo frestas no passado com indagações sobre o agora do nosso corpo e do nosso tempo. Um processo de longo prazo de uma descolonização dos acontecimentos fixos. Para que isso ocorra, há a necessidade de se entender gerações que instituem modos de fazer e que instauram um dever ser para gerações futuras em uma compreensão dos eventos como inalterados.
Esse modo de acionar a memória é utilizado em uma abordagem cujo ethos perde sua dinâmica de estar em construção e se fixa, sendo responsável pelo exercício de ações violentas. Nesse tipo de relação com o saber, a percepção da realidade ocorre como um reflexo do passado construído e não há lugar para o pensamento crítico.
Entretanto, há uma configuração da vivência do sujeito ao acionar a memória cuja ação resulta em uma postura crítica do passado a partir do presente. O projeto de descolonização da história é crucial na proposta de Boaventura Santos em entender gerações inaugurais e posteriores. Segundo ele, para as gerações inaugurais, o passado está aberto e incompleto e para as posteriores está fechado e consumado
(SANTOS, 2022, p. 72).
É nessa compreensão de gerações inaugurais que este livro propõe compreender a educação em uma abordagem crítica e faz do acontecimento algo aberto a interpretações, trazendo para a construção do saber o exercício da crítica para a memória, o que lembra Ailton Krenak: a memória deve ser crítica
. Ela inaugura uma percepção da realidade a partir da experiência do sujeito no mundo. As definições e conceitos no entendimento do currículo, da política, da gestão educacional, entre outros, são pontos de partida flexíveis, abertos a outras interpretações na figuração de conflitos geradores do novo.
É uma proposta ousada dos organizadores do livro urdir as pesquisas pelo pensamento crítico em um pensar/fazer que se constrói com os outros, mesmo quando o ponto de partida são marcos legais que se configuram em obrigações ou de ações de reflexo ao que está posto. Os autores transformam o consolidado em possibilidades, em interpretações possíveis para ações conjuntas, e abrem frestas no passado para perceberem que a crítica só é possível de ser constituída em projetos democráticos, em uma junção da ética com a política. Em tempos sombrios, essa separação fixa o acontecimento e os conceitos expressam verdades dadas e categorias analíticas representam o conservadorismo em uma repetição de desigualdades e violências. Isso foi possível de ser constatado no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), ao acionar o que acabou ficando fixo na memória desse país.
No campo educativo, a fixidez do ethos abriu possibilidades para trazer de volta um projeto de militarização ao instituir escolas cívico-militares, dando ênfase ao aspecto disciplinar, desvirtuando o sentido da disciplina na escola e reforçando o aspecto heterônomo da prática educativa. No ensino médio, sob o véu democrático, tem se configurado o projeto neoliberal para a organização da gestão pública. Assim, reformas e pactos educativos seguem um campo ideológico cuja experiência pode se constituir em paradoxos: manter a tradição com princípios ordenadores de ação e educar educadores para a crítica ou se aproximar da lógica do capital em experiências configuradas em escolas de tradições religiosas.
Refletir de forma crítica a educação escolar é abrir frestas na formação do sujeito para perceber que no pensar/fazer há contradições, paradoxos, divergências, dilemas e, principalmente, a base que se constitui nas democracias: o conflito.
Este livro é um convite ao pensar/fazer de forma crítica. É uma leitura a partir de pesquisadores que têm procurado interpretar processos e projetos educacionais a partir do mundo vivido em uma abordagem que representa o pensar crítico do sujeito que o organiza.
Referências
SOUSA SANTOS, Boaventura. Descolonizar. Abrindo a história do presente. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.
POLÍTICAS CURRICULARES BRASILEIRAS DESDE A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ATÉ A BNCC: UMA LEITURA HISTÓRICA A PARTIR DE ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVOS
Júlia de Moura Martins Guimarães[1]
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
1. INTRODUÇÃO
O currículo é objeto central da educação escolarizada, de modo que nenhum processo educativo institucionalizado pode ser pensado alheio a seus objetivos, estratégias e programas. Assim, pode-se dizer que, de um ponto de vista filosófico, compreender a própria essência da educação nos remete a reflexões sobre o que ensinar, para que ensinar e por que ensinar – questões que, segundo Silva (2005), podem ser categorizadas como perguntas curriculares.
Uma vez que a educação escolar se inscreve na vida social de maneira preponderante, haja vista seu reconhecimento como dimensão fundante da cidadania
(CURY, 2002, p. 246), pode-se dizer que toda mudança curricular é parte de uma política de desenvolvimento do país, e, portanto, o currículo deve expressar coerência e articulação com esse projeto
(DOMINGUES; TOSCHI; OLIVEIRA, 2000, p. 64).
Nesse sentido, traçar o percurso histórico das políticas curriculares nacionais permite a compreensão de como a própria educação, enquanto instituição crucial na organização da vida social e, por conseguinte, objeto de importantes políticas de Estado, se desenha historicamente na sociedade.
Buscando mapear os antecedentes da política curricular nacional que hoje está em vigor, qual seja a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), bem como compreender a conjuntura sociopolítica que permeou sua idealização, criação e implementação, o presente trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa documental, tendo como objetivo apresentar e discutir os principais marcos legais e normativos relacionados às políticas curriculares nacionais estabelecidas no Brasil a partir da Constituição Federal (CF) de 1988.
A escolha por recorrer a documentos normativos se deu tendo em vista que instrumentos como leis, decretos, portarias e resoluções são valiosas fontes históricas, já que apresentam informações de suma importância para o reconhecimento dos acontecimentos de um determinado período. Corroborando com Castanha (2019), compreendo
(...) a legislação educacional como síntese de múltiplas determinações, ou seja, como resultado dos embates entre as forças em disputa. As leis são datadas e, como tal expressam as forças políticas e interesses em disputas em determinado tempo, por isso, sintetizam o jogo de forças que resultaram na sua aprovação. Por serem datadas, constituem-se em fontes históricas [que] revelam a memória social e coletiva de seu tempo. (CASTANHA, 2019, p. 15-16).
Todavia, por entender que os atos normativos também possuem suas limitações enquanto fontes históricas (CASTANHA, 2019), além de documentos oficiais, foram consultadas fontes alternativas, a fim de apresentar alguns contrapontos ao discurso oficial do poder constituído.
2. LINHA DO TEMPO DA BNCC
A fim de organizar a exposição dos marcos normativos, partiremos do que está disposto na própria BNCC, cujo texto apresenta um tópico intitulado Os marcos legais que embasam a BNCC, onde são elencados, em ordem cronológica:
os artigos 205 e 210 da CF de 1988, que, respectivamente, tratam das finalidades da educação enquanto direito fundamental e da necessidade de se fixar conteúdos mínimos para o ensino fundamental (BRASIL, 1988);
o inciso IV do artigo 9° e o artigo 26 da Lei n° 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que tratam, respectivamente, da necessidade de se estabelecer competências e diretrizes para uma formação comum nos currículos da educação básica e da previsão de uma base nacional comum a ser complementada por características regionais (BRASIL, 1996);
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), orientadas pela concepção de currículo contextualizado pela realidade local, publicadas no final da década de 1990 e reformuladas nos anos 2000 (BRASIL, 2018);
a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, a partir do Parecer CNE/CEB n° 7/2010, ampliando o conceito de contextualização curricular (BRASIL, 2010);
a meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei n° 13.005/2014, que trata do estabelecimento da base nacional comum dos currículos e de direitos e objetivos de aprendizagem como marcadores da qualidade da educação básica (BRASIL, 2014);
a inclusão do artigo 35A na LDB e a alteração do § 1° do artigo 36 da LDB, instituídas pela Lei 13.415/2017, que tratam da reforma do ensino médio, em especial, dos direitos e objetivos de aprendizagem e das competências e habilidades para cada uma das áreas previstas na BNCC, respectivamente (BRASIL, 2017a).
Esses momentos estão sinteticamente representados na figura 1 e serão retomados nas seções a seguir.
Linha do tempo dos marcos legais da BNCC
Linha do tempo Descrição gerada automaticamenteFonte: elaborado pela autora a partir da BNCC (BRASIL, 2018, p. 10-12)
Embora vários outros fatos do ordenamento jurídico de reconhecida relevância no âmbito das políticas curriculares brasileiras tenham sido desencadeados no entremeio dessa linha do tempo, esses marcos legais foram tomados como referência por constituírem o recorte escolhido pelo governo federal para integrar o texto da BNCC.
No percurso de cada um desses marcos, busco evidenciar duas dimensões que permeiam a construção das políticas curriculares brasileiras: (1) a participação de educadores/comunidade/sociedade civil na elaboração das políticas e (2) a busca de um currículo com elementos comuns e diversificados segundo a realidade cultural de cada região.
3. ANTECEDENTES DA BNCC NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LDB DE 1996
Após 21 anos de ditadura civil-militar e 18 meses (fevereiro/1986 a julho/1987) de uma Assembleia Nacional Constituinte participativa e democrática, a Constituição Federal de 1988 é promulgada, inaugurando novas perspectivas para o País. Nesse contexto, importantes prerrogativas relacionadas à democratização da educação são afirmadas, tais como (...) o dever do Estado, pela primeira vez expresso em Constituição promulgada, o direito de todos, a extensão progressiva da obrigatoriedade do ensino médio, a gratuidade e o direito público subjetivo.
(CURY, 1989, p. 11).
Conforme apresentado na seção anterior, de acordo com o discurso oficial, o primeiro marco legal que antecede a BNCC é o artigo 205 da CF (BRASIL, 2018). Nele, a educação é apresentada com acepção condizente com a conjuntura política de um país recém redemocratizado: como dever do Estado, direito de todos e promotora de desenvolvimento pessoal, formação cidadã e qualificação profissional (BRASIL, 1988). Não de forma isolada, o artigo 205 se alinha aos