Sra. Capa
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Sobre este e-book
A conexão entre mães e filhas é um vínculo poderoso que se faz perceptível no amor e que transcende o tempo. Ao receber a triste notícia de uma perda na família, Sol percebe que a mãe, Ana, carrega uma estranha capa vermelha sobre os ombros. Teria ela sempre estado ali?
Irmã mais velha dentre três irmãos, Sol sempre acaba assumindo alguns papéis e determinadas responsabilidades emocionais, o que a faz acompanhar a mãe em um dos dias mais desafiadores da vida dela.
Em uma história pincelada por temas velados do universo e do comportamento feminino, Sra. Capa é muito mais que um romance. É a união de pontos sussurrados nas entrelinhas das relações, e um esboço da vida que sempre nos convida a questionamentos e vulnerabilidades.
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Pré-visualização do livro
Sra. Capa - Fabiana C.O
Sra. Capa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
C.O, Fabiana
Sra. Capa / Fabiana C.O ; ilustração Karina Beraldo. -- 1. ed. -- São Paulo : Ed. da Autora, 2022.
ISBN 978-65-00-46015-5
1. Empoderamento 2. Mães e filhas - Relacionamento 3. Mulheres - Aspectos psicológicos 4. Vulnerabilidade I. Beraldo, Karina. II. Título.
22-112659
CDD-158.24
Índices para catálogo sistemático:
1. Mães e filhas: Relações familiares : Psicologia aplicada 158.24
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Que meus dedos possam digitar
o que meu coração sente.
PRÓLOGO
Minha filha me perguntou como é feito um tecido… Com simplicidade, expliquei que é a união de dois fios. Eles ficam juntinhos e vão se transformando. Para exemplificar tal união, cruzei os dedos das mãos, o que criou uma estrutura simples. Ela, balançando a cabeça, fez que sim para minha explanação.
Para você, que me lê neste momento, posso ir além: um tecido é a colisão de dois ou mais fios, linhas quase invisíveis e ricas com suas características e propriedades. É o encontro de duas direções e de dois pontos antagônicos. A trama, um dos dois componentes básicos usados na tecelagem, é o caminho horizontal. Já o urdume, o segundo componente, faz a direção de cima para baixo. Ele é vértex.
A intersecção de cada linha é a força que sustenta essa união, tendo surgido por volta de 3000 a.C. e era feita de forma manual. Aos poucos, a tecelagem foi se distanciando das mulheres e de toda a ancestralidade. O homem, como habitual, recebeu a matéria-prima da natureza e com suas mãos a transformou. O algodão virou fio e o tear virou máquina…
Com lágrimas nos olhos, e me conectando com essa evolução, lembro de minha avó Maria. O ano era 1990 e eu, sentada, a observei cruzando fios do novelo de lã entre pregos e uma estrutura de madeira. A cada linha criada, tinha uma palavra dita, uma música escutada, um sorriso, e uma provável dor escondida. Aquele fio de lã, ao longo do dia, se transformava em uma toalhinha de mesa, sempre com duas cores e dois encontros. Eu era uma criança e fui apresentada pela primeira vez ao tear doméstico e àquele entrelaçamento mágico.
Hoje, sei que cada tecido fabricado é fruto de fios transformados. Suas características e as matérias-primas alimentam linha por linha. O encontro, a força e até o erro de percurso de cada entrelaçamento criam a toalhinha, a roupa e a capa.
CAPA: tudo que envolve e cobre alguma coisa com a finalidade de proteger. Na área do vestuário, a capa é uma peça ampla e sem mangas, que se usa sobre o resto da roupa, geralmente para abrigar do vento e da chuva.
VELUDO: tipo de tecido macio e de pelos curtos. Vem do latim vellus, que significa pele de animal. Seu uso, em especial na cor vermelha, endeusou o clero, a monarquia e a História.
VERMELHO: cor primária, pode representar a vida, a morte, a paixão e a raiva. Também atrelada a força, poder, agressão, sangue, guerra, desejo e excitação.
Dedicatória
Para minhas avós, mãe, minhas filhas e
mulheres da minha vida.
Para todas as desconhecidas…
1
23h43.
Sim! Esse é o horário que me sento para escrever.
E-S-C-R-E-V-E-R.
Algo novo em minha rotina e cada vez mais necessário. Fiz a loucura de me inscrever em um curso de escrita e cá estou, depois de um longo dia de trabalho. Sigo sentada e rascunhando as primeiras páginas do meu livro.
Escrever sempre foi um sonho, porém não achava que seria uma pressão sem fim. Principalmente quando a rotina do dia a dia suga: casa, trabalho, filhos, casamento e a vida como um todo. Não sei se a ordem é essa, mas com certeza eu sigo sendo a última da lista.
Na experiência de decifrar o que estava sentindo e o motivo de estar a essa hora sentada e trançando palavras, fecho os olhos e recordo um fato marcante: eu assistindo o filme Tomates Verdes Fritos
com minha mãe. Se eu entendi alguma coisa? Não sei. Era apenas uma criança procurando distração e fechando os olhos nas cenas impróprias.
Hoje, ao me conectar com essa lembrança, a essência do filme me vem à cabeça: uma história sendo dividida com um desconhecido. A chance de passar adiante uma vida e suas emoções… Eu, pequena na frente da TV, fantasiei que escrever em um diário facilitaria o processo. Tive vontade de deixar minha marca no mundo. Contar algo que rasgasse os segredos da vida e que tirasse todas as camadas da alma. Foi neste dia que criei uma fantasia: a de deixar um diário para o mundo. Mesmo criança, fantasiei uma casa no campo e meus registros e história em um baú no andar de cima. Imaginei alguém lendo toda minha história. Neste momento, eu suspiro por tanta inocência.
Muitos anos se passaram desde então. Não virei escritora e muito menos tenho registrado minha vida em uma folha de papel. Confesso que ainda tenho meu primeiro diário. Ele é lilás, tem a Minnie na capa. E, por incrível que pareça, suas páginas estão em grande maioria vazias.
Talvez, a minha busca pela perfeição, o medo de colorir e o desejo de fazer tudo muito estruturado e calculado, deixaram meu diário com uma vida superficial. Nada era espontâneo e as cores precisavam combinar. Eu, criança, tentava deixar anotado meus segredos e gradualmente fui percebendo que registrar era chato. Que escrever procurando beleza não era verdadeiro.
Aos poucos, o diário se tornou um objeto de decoração. Cresci e passei para as agendas. Mesmo nelas, as canetas eram pensadas, os adesivos colados estrategicamente e as fotos sempre bem selecionadas. O rasgar segredo
não existiu em nenhuma daquelas linhas e a vontade de deixar algo no mundo foi sumindo dentro de mim.
Hoje, quase 30 anos depois de escrever meu nome pela primeira vez, revisito meu sonho e a fantasia criada. Decido não deixar um diário ou falar sobre mim. Prefiro ir além. Não quero apenas falar com meus filhos, netos e tudo o que vem pela frente. Opto por escrever um livro. Na verdade, é uma escolha e uma pressão. Estou atrasada com as minhas entregas e, rascunhando esse primeiro capítulo, compreendo que preciso buscar meios para vomitar e eternizar tantos relatos…
Decido tomar coragem, ir além e falar sobre algo que me toca profundamente. Escolho falar sobre ela. Preciso me conectar a esta história. Quem sabe tenho conteúdo suficiente para seguir com meu livro e deixar algo registrado ainda nesta vida. Sei que a missão não será simples. Afinal, são anos de escolhas, lembranças e superações. Mas, chegou o momento. Vou me aproximar dessa história e tirar do peito essa vontade e necessidade. Sim, falarei sobre a Sra. Capa.
Este livro é sobre ela.
2
— Quem é ela e de onde ela vem?
Compreendi imediatamente que não tinha resposta. Isso me deixou intrigada. Cerrava os olhos e falava para mim mesma que tudo tinha sido um sonho. Respirei fundo antes de levantar-me da cama e, distinguindo que não era um sonho, revivi as lembranças dos últimos dias: enxergar uma mulher de capa não era normal. Eu não era mais criança para fantasiar e achar que existia uma capa, ou uma personagem da Chapeuzinho Vermelho em minha casa. Meus olhos se perderam no brilho do veludo vermelho… para quem nunca percebeu, o veludo é um tecido tão homogêneo e ao mesmo tempo estranho. É como se fios incertos criassem uma superfície certa: lisa e macia; e, quando tocada na direção contrária, arrepios eram causados... Concluí que era a mistura do perfeito com o imperfeito.
A capa na cor vermelha me fez reviver as aulas de História. O vermelho sempre foi a cor da realeza e da Igreja: mostrava poder! Pelos meus olhos, a capa representava um algo mais e me hipnotizava.
Eu não tenho