Ressurreição
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Sobre este e-book
“Sim, Inácio de Gouveia em verdade não tinha razões para se queixar da existência. (...) Não haveria mãos enastradas nem lábios para morder, nem afetos ou amores – uma multidão de insignificâncias violetas, risonhas, carinhosas. Mas, a compensá-las, havia grandes maços de jornais, os volumes sagrados da sua biblioteca, e, sobretudo, as suas obras – ah! as suas obras”
“Uma noite, casualmente, [Inácio] encontrara-se num pequeno teatro vermelho para Montmartre, bocejando o seu tédio. (...) entre as intérpretes da revista idiota, os seus olhos fixaram-se numa dançarina meia nua – esplêndida, duma beleza enclavinhada: corpo agreste, musculoso, seios oscilantes, pequenos e esguios” e Inácio apaixonou-se.
Também “Étienne Dalembert, incerto comediógrafo e jovem ator mais incerto que [Inácio] mal conhecia”, se deixa fascinar pela mesma bailarina. E é este sentimento comum, que os deveria afastar
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Ressurreição - Mário de Sá-Carneiro
INTRODUÇÃO
Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 – Paris, 26 de abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.
Biografia
Mário de Sá-Carneiro nasceu no seio de uma abastada família burguesa, filho e neto de militares. O seu pai era Carlos Augusto de Sá-Carneiro e a sua mãe Águeda Maria de Sousa Peres Marinello. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de Camarate, às portas de Lisboa, onde passou grande parte da infância.
Começou a escrever poesia aos 12 anos e aos 16 já traduzia Victor Hugo, Goethe e Schiller. No liceu teve algumas experiências episódicas como ator. Em 1911, com 21 anos, parte para Coimbra, onde se matriculou na Faculdade de Direito, mas não concluiu sequer o primeiro ano. Desiludido com a «cidade dos estudantes», seguiu para Paris a fim de prosseguir os estudos superiores, com o auxílio financeiro do pai. Cedo, porém, deixou de frequentar as aulas na Sorbonne, dedicando-se a uma vida boémia, deambulando pelos cafés e salas de espetáculo, chegando a passar fome e debatendo-se com os seus desesperos, situação que culminou na ligação emocional a uma prostituta.
Mário de Sá-Carneiro conheceu em 1912 aquele que foi, sem dúvida, o seu melhor amigo: Fernando Pessoa. Já na capital francesa viria a conhecer Guilherme de Santa-Rita (Santa-Rita Pintor). Inadaptado socialmente e psicologicamente instável, foi neste ambiente que compôs grande parte da sua obra poética e escreveu a correspondência com o seu confidente, Fernando Pessoa; é, pois, entre 1912 e 1916 (o ano da sua morte), que se inscreve a sua fugaz – e no entanto assaz profícua – carreira literária. Com Fernando Pessoa e Almada Negreiros integrou o primeiro grupo modernista português, que, influenciado pelo cosmopolitismo e pelas vanguardas culturais europeias, pretendia escandalizar a sociedade burguesa e urbana da época. Colaborou na revista literária Orpheu, editada por António Ferro, que deu o nome ao movimento literário que ficou conhecido como a Geração d’Orpheu. Colaborou também em diversas publicações periódicas, nomeadamente no semanário Azulejos (1907-1909); na série II da revista Alma Nova (1915-1918) e na revista Contemporânea (1915-1926).
Em julho de 1915 regressou a Paris, de onde escreveu, a Fernando Pessoa, cartas de uma crescente angústia, de onde transparece a imagem lancinante de um homem perdido no «labirinto de si próprio». Em 26 de abril de 1916, Mário de Sá-Carneiro suicidou-se no Hotel de Nice, no bairro de Montmartre, em Paris, ingerindo cinco frascos de arseniato de estricnina. Numa «carta de despedida» endereçada a Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro revela as razões que o levaram ao trágico ato:
Paris, 31 de março de 1916
Meu Querido Amigo.
A menos de um milagre, na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas cartas de despedida
... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas: mas não tenho dinheiro. [...]
Mário de Sá-Carneiro.
Contava apenas vinte e cinco anos. Extravagante tanto na morte como em vida (de que o poema Fim é um dos mais belos exemplos), convidou para presenciar a sua agonia o seu amigo José de Araújo. No segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um belo texto, apelidando-o de génio não só da arte como da inovação dela
, e dizendo dele, retomando um aforismo das Báquides (IV, 7, 18), de Plauto, que Morre jovem o que os Deuses amam
.
Para o Instituto Camões, "É um dos nossos maiores poetas do Modernismo, talvez o que melhor exprime a cisão do sujeito na enunciação de si próprio e na formulação da sua percepção do mundo, ora deceptiva ao jeito simbolista-decadentista, ora inebriada pelas sensações e entusiasmos do futurismo. Pamela Bacarisse, referindo-se às imagens
naturais na obra de Sá-Carneiro, refere que
A imagética e a terminologia sexual são excelentes fontes de informação sobre as atitudes e inibições de Sá-Carneiro, algumas das quais podem muito bem ter contribuído para os problemas que encontrou em relacionar-se consigo mesmo e com as outras pessoas. Apesar da ênfase quantitativa nas relações heterossexuais, não há falta de referências à homossexualidade, seja em termos explícitos ou implicitamente, e talvez, por vezes, até inconscientemente."
Poesia:
Dispersão: doze poesias (edição de autor, 1914, 70 págs.)
Poemas de Paris (edição fac-similada das provas de página do Orpheu n.º 3, de 1917)
Poesias (póstumo, Ática, Lisboa, 1946, 190 págs., com estudo crítico de João Gaspar Simões)
Poemas Juvenis: 1903-1908 (póstumo, Centro de Estudos Pessoanos, Porto, 1986, 129 págs.)
Verso e Prosa (Assírio & Alvim, Lisboa, 2010, 669 págs., ISBN: 9789723715149)
Prosa:
Princípio: novelas originais (Ferreira Lda. Editores, 1912, 348 págs., inclui os contos Loucura, O Sexto Sentido, Diários, O Incesto)
Memórias de Paris (1913),
A Confissão de Lúcio: narrativa (Tipografia do Comércio, 1913, 206 págs.),
Céu em Fogo: oito novelas (Livraria Brazileira, Monteiro & Cia., Lisboa, 1915, 325 págs., inclui os contos A Grande Sombra, Mistério, O Homem dos Sonhos, Asas, Eu Próprio o Outro, A Estranha Morte do Professor Antena, O Fixador de Instantes, Ressureição)
Indícios de Oiro (póstumo, Presença, Porto, 1937, 86 págs.)
Prosa (Dom