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Até Você Partir
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E-book472 páginas8 horas

Até Você Partir

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Sobre este e-book

Um dia eles foram tudo um para o outro: O primeiro amor. A primeira decepção.
Suas vidas são presas em um círculo vicioso. Quando se reencontram, sabem que vão se perder outra vez.
Quando Gwen se torna uma fugitiva, incapaz de se reconhecer, uma sombra da mulher brilhante que era, só há uma pessoa em quem ela confiará para segurá-la enquanto se ergue. O melhor amigo que já teve.
Ela nunca teve coragem de entregar seu coração a Jared. Como lhe confiará sua vida sem entregar-se completamente?
Difícil, imprevisível, sombrio e travesso. Jared Ward é tudo que Gwen se lembra. E nada do que ela imagina. Ele é como um furacão e ela foi se esconder bem no meio.
Aquele sorriso inesquecível cobre mágoa e um coração que nunca se curou de todas as vezes que ela partiu. Pois é assim que ele vê. Mas não há dor que o impeça de a proteger agora.
Imerso em sentimentos escondidos, ele lhe apoiará contra o mundo. Mas não pode poupá-la de sua presença. E Gwen descobre porque fugiu tanto, pois nada fica de pé depois que Jared passa. E de onde virá sua força para enfrentar esse redemoinho de paixão e mágoa?
O novo reencontro torna-se um ultimato. Eles deixarão de ser fantasmas na vida um do outro para se tornar tudo. Ou finalmente o nada.

*Este livro pode ser lido separadamente. Não precisa ler os livros anteriores da série.*

IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de out. de 2017
ISBN9781370395811
Até Você Partir
Autor

Lucy Vargas

Lucy Vargas é uma jornalista e escritora carioca que escreve romances de época e contemporâneos. Revelada nas plataformas digitais, best-seller da Amazon, iTunes, Kobo e do Google Play, a Lucy já vendeu milhares de e-books e foi a primeira autora independente brasileira a ser convidada pelo Google a publicar na Play Store. Lucy é a primeira autora independente e brasileira a chegar as listas de mais vendidos de todas essas livrarias online.

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    Até Você Partir - Lucy Vargas

    Parte I: Perda

    Capítulo 1

    A primeira vez que Jared a viu, foi em um passeio de verão. Ele havia deixado Londres para trás e viera passar o verão com sua outra família. Ele tinha só dez anos e seu pai já o enviava sozinho em viagens. Mas sua outra família, Trent Ward e sua esposa Candace, sempre estavam o esperando assim que a porta abria. Sean, seu primo de nove anos, subia correndo antes mesmo de Jared descer os degraus. E o abraçava com força, quase o derrubando.

    Logo depois, os adultos também o abraçavam e o levavam com ele. E ainda havia Tess, pequena e carinhosa, balbuciando palavras erradas e babando na sua bochecha. Jared sempre vinha, ele não perdia um verão. Desde que aprendera a exigir coisas e ser tão rebelde que seu pai o enfiava no jato mais rápido do que podia dizer até o fim do verão.

    Sua mãe não gostava, mas de uma forma estranha, ela parecia entender. Seus pais já haviam se divorciado naquela época. E sua mãe aproveitava o tempo sem o filho para descansar e trabalhar. E ali, Jared se sentia em casa, era mais um da família. Ele fazia parte. Pertencia àquele núcleo familiar.

    Ele tinha até amigos em Nova York. Mais crianças, cheias de tempo e necessidade de entretenimento. E foi aí que ele a conheceu, ela era só cachos. Um monte deles. Alguém cortara sua massa de cabelo castanho acima dos ombros e os cachos balançavam para todos os lados o tempo todo. Quando ela corria, quando pulava, quando ria, quando falava besteiras típicas de uma criança de nove anos.

    Foi amizade certa. Ela e Sean brincavam juntos. Costumava ser um grupo de seis crianças do qual Gwen era a garota mais animada. Estava sempre disposta a algum tipo de aventura infantil. E Jared, em sua cabeça de criança, achava que ela podia até ser um deles. Sabe, um dos meninos. Teria que melhorar um pouco, mas a companhia servia.

    Um ano depois, quando os pais de Sean deixaram que ele também voasse sozinho do seu ninho, eles se divertiram muito no campo inglês. Lá, havia todos os seus outros primos, um grupo muito bagunceiro. A tia-avó os levava para passeios diários, andaram a cavalo, correram pela grama, visitaram casas antigas, quase se afogaram em lagos e lagoas da região. Até entraram no rio e acabaram carregados pela água por um bom pedaço. Deram um trabalho enorme.

    Era assim, todo ano. Para lá e para cá.

    A garota dos cachos acabou sendo a primeira namorada de Sean, eles nem sabiam bem como lidar. Mas se podiam ser muito amigos, podiam namorar também, não é? Ela não foi seu primeiro beijo, isso foi com uma das meninas lá do campo que também brincava com eles. E Jared caçoou tanto do primo por ele finalmente ter beijado alguém. Só porque ele tinha feito isso um pouco antes, já se achava mais experiente.

    Pensando bem, naquela época em que todos estavam com treze e catorze anos, eles não sabiam direito o que estavam fazendo. Nenhum deles era precoce, eles ainda se divertiam muito nos resquícios da infância que lutava para não os deixar.

    Eles ainda tiveram tantos bons momentos.

    Mesmo quando a adolescência e os sentimentos diferentes começaram a puxá-los e a dividi-los. Assim como confundi-los. Eles estavam todos no meio da mudança, naquele típico momento em que não entendiam o que estava acontecendo. Foi exatamente quando Jared começou a se sentir culpado. Afinal, ele nunca perdia o interesse por aqueles cachos. Agora eles nem eram mais selvagens, não se amontoavam no alto da cabeça dela. Estavam compridos, mas sempre lá. De um lado para o outro.

    A vida não era tão simples quanto belos cachos escuros. E Jared se sentia culpado por isso. Mesmo que Sean nunca houvesse reparado neles como ele fazia. Ela era só Gwen, sua amiga, e daí se estavam saindo?

    Era diferente... Jared achava que o primo nunca entenderia. Talvez mais tarde quando alguém o encantasse. E subitamente, nada disso importava mais.

    O mundo deles caiu.

    Em um piscar de olhos, Sean não estava mais lá.

    Ninguém mais sorria. Candace, a tia que Jared tanto amava, não parava de chorar.

    Trent, seu tio, não conseguia dormir. Foi obrigado a tomar calmantes para não surtar.

    Tess chorava no colo da mãe e chamava pelo irmão.

    Jared pegou um avião, dessa vez ele não pediu autorização a ninguém. Largou o colégio, deixou tudo para trás e foi para Nova York.

    Os antigos amigos não sabiam o que fazer.

    Gwen aparecia mais de uma vez ao dia. Seu olhar era preocupado. Sequer sabia o que perguntar. Ela só precisava olhar para eles e sabia que o pesadelo não havia passado. Na segunda semana, ela desabou, chorando nos braços de Jared Tentando imaginar se Sean sequer estaria vivo.

    — E se estiver... O que estão fazendo com ele? Por que não o devolvem?

    O mundo caíra tão rápido, com tanta violência, que ninguém tinha resposta. Depois de uma semana, ninguém ainda havia assimilado. A vida simplesmente parou, mas o desespero foi contínuo. Não houve trégua, nem por um dia.

    A mídia havia armado um acampamento à frente do prédio. A família tentou encobrir o máximo possível. Porém, os sequestradores nunca exigiram que a polícia não fosse envolvida. O FBI estava no caso, tomava conta das ligações da casa. Analisavam as provas que os sequestradores mandavam.

    Trent não deixou a família ver as coisas que os sequestradores mandaram.

    Filho de CEO do Grupo Ward ainda não foi encontrado

    Uma semana depois do sequestro de Sean Ward, 15 anos, ainda não há notícias sobre o seu paradeiro. O adolescente foi levado de Manhattan quando ia do colégio para um curso na Park Avenue. O FBI assumiu o caso e, segundo consta, não há registro de pedido de resgate. Eles alegaram que não podem dar nenhuma informação sobre um caso em andamento, pois colocaria a vida do adolescente em risco. A família está reclusa em seu apartamento perto do Central Park e a assessoria dos Ward pediu que sua privacidade seja respeitada.

    — da CNN.com

    Todo dia o jornal local soltava notas sobre o caso, as pessoas tinham inúmeras teorias, mesmo sem nenhuma novidade. Quase todo dia os telejornais nacionais falavam que ainda não haviam encontrado o filho mais velho dos Ward. Quando a notícia chegou a mídia internacional, eles precisaram especificar exatamente qual Ward era, já que só em Londres havia vários garotos na família.

    Ao final da segunda semana, eles estavam todos destruídos. Candace estava dopada. Tess finalmente parara de chamar o irmão. E Lilo, o cachorro adorado da família, já idoso, mas completamente apaixonado por Sean, não resistiu a toda aquela dor e morreu, acabando de destroçar todos ali.

    Cuidar do corpo e mandar cremar o cachorro soou como um ensaio para o que estava por vir.

    Trent desapareceu por um dia. Ele estava nervoso, se recusava a tomar os calmantes para dormir. Não saía do telefone. Estava escondendo alguma coisa. Quando sumiu de uma hora para outra, todos pensaram o pior. Pensaram que ele não havia aguentado a perda do filho ou que estava escondendo a prova da morte dele. Já que pelo jeito, ele vinha escondendo detalhes que recebia, dividindo-o com o agente especial Cropper, responsável pelo caso.

    Em algum momento, pareceu que ambos estavam escondendo algo. E Cropper não estava dividindo informação com a própria equipe. Parecia calmo demais com o sumiço de Trent, até que mandou sua equipe se armar e sair. Sem dar explicações se chegara alguma pista ou notícia.

    Até aquela noite, Jared jamais havia visto Candace Ward histérica. Com o filho desaparecido e o marido escondendo coisas e sumido há mais de dezesseis horas, ela perdeu o controle. Ele lembrava de tê-la segurado enquanto Anne Ward ia pegar água com açúcar, como se a essa altura algo tão fraco ainda adiantasse.

    Então, Trent ligou e disse:

    — Ele foi encontrado.

    Era para terminar ali. Mas só piorou.

    Após duas semanas desaparecido, filho mais velho de presidente do Grupo Ward foi encontrado vivo.

    Sean Ward, 16 anos, desaparecido há cerca de quinze dias foi encontrado com vida há poucas horas. O adolescente foi transportado de helicóptero de volta para Nova York. O FBI ainda não liberou informações das circunstâncias do seu resgate, mas ele deu entrada no Mount Sinai em estado grave.

    — Da BBC News.

    Jared não voltou para casa. Não adiantava o que seus pais dissessem. Uma das coisas que ele lembrava daquele dia do telefonema do seu tio, foi de Gwen entrar correndo e chorando e se jogar contra ele. Ela dizia:

    — Não acredito, meu Deus, eu não acredito! Ele está vivo!

    Mas Sean não estava. Não realmente.

    Há certos momentos na vida, tão marcantes, que, não importa o que aconteça, nós jamais os esquecemos. Sejam eles bons ou ruins. Jared jamais esqueceria o momento em que entrou naquele quarto e viu o primo. Ele nem o reconheceu. E Gwen o olhou uma vez e voltou correndo, desesperada. Ela não aguentou ficar lá. Candace também não conseguira, ela precisou voltar e tomar um leve calmante para só então ficar com o filho. E Jared ficou de pé lá naquele canto, olhando sua família despedaçada. Só de olhar para Trent, ele podia ver que algo estava faltando.

    Jared também precisou de um tempo. E encontrou Gwen lá no saguão, segurando uma garrafa de água que tremia em suas mãos. Ela só levantou o olhar úmido para ele.

    — Eu sou uma fraca. Eu corri para o banheiro e coloquei tudo para fora. Só de olhar para ele. Meu Deus...

    A garrafa caiu das mãos dela e ele a pegou e sentou ao seu lado. Ficou ali em silêncio, porque Jared não tinha como expressar nada. Ele estava como o resto da família. Havia morrido um pouco a cada dia que passara, havia esperado pelo corpo do primo. E havia perdido um pedaço ao ver o que devolveram dele. Ainda bem que Gwen conseguia falar, assim ele focava no som da sua voz.

    Mas ela só falava por nervosismo.

    — Eu não consigo imaginar o que é preciso fazer para deixar alguém assim. Eu...

    Ela perdeu o fôlego e escondeu o rosto nas mãos. E o surpreendeu quando subitamente o tirou do seu estado de inércia.

    — Eu sinto tanto, Jared.

    Ao dizer isso, ela o abraçou. Apertou seu rosto contra ela, abraçando-o apertado, estremecendo e fechando os olhos. Jared sentia a maciez dos cachos dela contra o seu rosto e por um momento não conseguiu reagir. Depois também fechou os olhos e se concentrou no cheiro do cabelo dela. Era tudo que tinha para confortá-lo. Sequer conseguia sentir culpa naquele momento.

    O pai dela veio buscá-la, perguntou sobre Sean e notou o estado da filha. Viu a inexpressão de Jared que sequer conseguia explicar. E desejou melhoras, disse que estava à disposição para o que precisassem. Mas levou a filha embora.

    Jared tomou coragem, voltou para o quarto e sentou ao lado do tio. Sean estava acordado e havia feito uma única pergunta. Sobre a Dezoito. Trent teve de lhe contar que a garota que ele tentara salvar no cativeiro havia morrido. Com a garganta dilacerada.

    E todos morreram um pouco mais ali.

    Eles haviam decidido que só contariam a Sean sobre a morte de Lilo quando ele estivesse estável e voltasse para casa. Ninguém tinha coragem de dizer.

    Jared não foi embora. Ele abandonou as provas finais. Ele disse que não iria. Não podia. A verdade era que de alguma forma ele foi quem conseguiu desenvolver mais resistência para olhar o primo. Os pais sequer deixaram Tess vê-lo, só ficavam lhe dizendo que o irmão estava vindo para casa.

    Sean não falava. Ele mal vivia, haviam o deixado para respirar por conta própria, mas com auxílio do oxigênio. Por inúmeras vezes, Jared se pegou respirando no ritmo dele. Era tudo que podia fazer. Porque ninguém podia tocá-lo. O garoto não suportava, eles estavam o dopando até para os médicos e enfermeiras conseguirem cuidar dele, limpar os ferimentos e banhá-lo. Do contrário, ele tinha ataques de pânico horripilantes. E Jared ficou lá. Engoliu em seco inúmeras vezes.

    Certo dia Jared pegou escondido uma tesoura, porque haviam picotado todo o cabelo do seu primo lá no cativeiro. E até agora ninguém consertara. Pelo jeito fizeram com uma faca, porque o couro cabeludo estava todo machucado. Teriam de raspar para acertar, mas ele ficou lá, cortando os tufos lentamente enquanto o primo dormia e depois limpou tudo. Quando Candace entrou, ficou passando a mão pela cabeça do filho, depois sorriu para Jared. Ele não a via sorrir desde que chegara ali após o sequestro.

    Em uma das vezes que Sean perdeu o controle, Anne Ward, a tia-avó, estava lá. Foi nessa época que Jared percebeu que ela estava envelhecendo, pois ela era tão ativa e enérgica que era como se jamais fosse ficar velha. E sempre estaria lá, comandando aquela família. Aos dezessete anos ele finalmente viu que ela não estaria lá para sempre.

    Mas ela, sempre tão forte, desabou quando viu Sean. E passou mal quando o viu tão machucado e testemunhou sua reação ao ser tocado. Trent era como uma rocha, Jared queria ser como ele quando crescesse. O tio era o seu exemplo. E ali ele também descobriu que Trent não era invencível. Ele não conseguia ver o filho assim, deixava o quarto várias vezes e andava um pouco pelo corredor. Porque para um pai que amava demais o filho, era difícil suportar.

    E Jared ficava. Sempre. Ele se lembrava de ter abraçado Candace, a tia-avó, suas tias, até seu pai foi até lá. E seus outros primos, adolescentes como ele e Sean, com olhos enormes e mágoa em suas faces. Todos passaram por lá em algum momento. Geralmente muito breve e quando Sean estava dopado, porque ele não suportaria ver aquelas pessoas.

    Jared odiava lembrar o dia em que Gwen voltou ao hospital e o encontrou. Ela sempre ligava e lamentava ser fraca. Mas não adiantaria nada ela vir, Sean mal conseguia suportar os pais perto dele.

    — Tudo bem, Jared. Você tem sido ótimo. Mas a sua tia disse que você precisa ir em casa um pouco — Gwen pediu, provavelmente Candace lhe dissera isso.

    Ele não disse nada.

    — Só um pouco — continuou ela.

    Gwen segurava seu pulso, apertando levemente.

    — Você foi lá? — Jared perguntou.

    — Ele está dormindo?

    — Estava...

    Eles se levantaram e foram até lá. Seu primo estava dopado, porque a enfermeira estava refazendo seus curativos. Já não estava tão aterrorizante, mas doía olhar. O que mais perturbava a mente de todos não era apenas o estado físico que ele voltou.

    Se ele houvesse sofrido um acidente, poderia até estar pior. Porém, não foi um carro que o atropelou. E isso que perturbava a mente dos seus pais, familiares e até do staff que estava cuidando dele. Foram pessoas que causaram aquilo. Por dias de tortura e agressões. Quais coisas horríveis fizeram a ele para destruí-lo dessa forma? E o trauma não era só físico.

    Gwen voltou alguns passos e Jared parou ao lado da porta.

    — Você pode vir comigo — ofereceu ela.

    Ele só encostou a cabeça na parede. Era como se estivesse sentindo a eminência de uma avalanche em seu corpo. Todos os seus sentimentos estavam querendo desabar de uma vez.

    — Eu prometo que o trago de volta — Gwen disse baixo. — Para ficar com ele. Seus tios estão aqui. Ele não vai ficar sozinho.

    Jared não saberia dizer qual parte do que ela disse foi o estopim. Ou se sequer havia sido e era ele que já estava a ponto de desabar. Ainda assim, ele não vai ficar sozinho se repetia em sua mente.

    Todos estavam sozinhos. Principalmente o garoto na cama, vazio e machucado, aterrorizado quando estava acordado e dopado no resto do tempo. E Jared ali, sentindo-se o tempo inteiro como uma ilha inútil. Todos fugiram em algum momento, cada um foi desabar um pouco em algum canto, tentando se recobrar da dor. Por que ele não fugiu também? E por que não o sequestraram no lugar dele?

    Ele desmoronou ali. Sem sentir que havia o feito. Sem perceber as pessoas passando para lá e para cá. Sentiu apenas aquela sensação gelada no corpo. E depois braços quentes em volta dele. E algo macio estava contra seu rosto. E quando abriu os olhos, algum tempo depois, viu que escondera a face em meio a cachos escuros.

    O caos acontecia à volta deles. Aparelhos apitavam, médicos e enfermeiras passaram correndo. Alguém gritou. Alguém chorava. Parada cardíaca. Desespero. E mais dor. Ele ouviu um baque, uma enfermeira segurava Candace fora do quarto, pois ela caiu de joelhos ao ver o que se passava. E Jared nem conseguiu se mover, os braços de Gwen apertaram em volta dele para apoiá-lo.

    Como ele foi desmoronar justo agora? Sean estava morrendo. Seu corpo não ia aguentar mais esse trauma.

    Foi como uma eternidade de caos. Ele jurava ter ouvido dali da porta o som do aparelho, quando aquela horrível linha reta do coração disse que era o fim. Eles o perderam de novo. Jared parou de escutar, tudo era um zumbido.

    E então tudo voltou a se mover novamente.

    — Não vão mais dopá-lo e ele vai ter que ficar aqui por mais uns dias — dizia o seu tio. — Aguente firme — Trent apertou seu ombro, ele só estava o acalmando porque precisava se acalmar também.

    Jared tornou a esconder o rosto contra Gwen. Não se lembrava de tê-la abraçado. Ela quem o segurava agora.

    E quando finalmente voltaram para casa, ele não a viu por dias. Nesse momento ele já havia perdido o ano no colégio e não dava a mínima. Jared se mudou para o quarto do primo, ficou lá no colchão de ar.

    E vez ou outra ainda escutava a voz de Gwen: Ele não vai ficar sozinho.

    Não, ele não ia. Jared jamais permitiria. Não outra vez.

    Todo dia Sean o mandava embora. E ele não ia. Até que estava tão habituado que Jared podia até segurá-lo em seus momentos de pânico, podia acordá-lo de seus pesadelos e podia impedir que ele tentasse acompanhar a Dezoito. Levou semanas até Jared entender exatamente o que essa frase significava.

    — Eu não vou voltar — Jared dizia ao telefone.

    Levou apenas uns segundos escutando, antes de tornar a dizer:

    — Não adianta, eu não vou voltar. Eu vou ficar aqui.

    Seu pai deixou pra lá, ele estava bem onde estava. Mas sua mãe pegou o telefone e o papo com ela era diferente. Jared não a interrompeu, deixou que ela falasse tudo que achava necessário. Geralmente era o que ele fazia.

    — Não adianta, mãe. Nada que você disser vai mudar minha decisão. Eu não ligo para o colégio, eu vou recomeçar o semestre aqui.

    Ela estava falando mais alto do outro lado.

    — Não — ele respondeu, calmo demais para todos os sentimentos que aquela conversa estava gerando nele. Porém, já tomara sua decisão. — Você não pode me obrigar. Eu não preciso de dinheiro. E eu já pedi emancipação.

    Deu para ouvir o grito da mãe do outro lado: O quê?

    A conversa ficou muito mais séria.

    — Se você me obrigar a voltar, eu vou fugir. De qualquer forma, eu iria morar com a tia-avó. Você sabe que ela deixaria. Não adiantaria nada me fazer voltar.

    — Eu quero falar com o seu tio. Agora — Eleonor exigiu.

    Ela ficou esperando e ouviu o som de alguém andando com o telefone e depois uma porta. Então soou a voz de Trent.

    — Eleonor — chamou ele.

    — Trent, eu sei que é um momento difícil, mas Jared não pode simplesmente sair de casa e largar o colégio assim e achar que manda na própria vida.

    — Ele não saiu de casa, ele está conosco. E eu garanto que ele vai retornar à escola assim que iniciar o novo período letivo.

    — Eu não duvido de nada disso. Mas ele está fora de controle. Ele tem que me obedecer e voltar para casa.

    — Ele é bom, não está aprontando nada. Quase não sai de casa, não está fora de controle.

    — Eu não estou vendo para saber!

    — Você teme que ele fique parecido com o pai, mas ele nunca foi como ele.

    Deu para ouvi-la suspirar. Isidore, pai de Jared, era um irresponsável, não tinha jeito. Ele jamais maltratou o filho, a verdade é que o adorava, só que do seu jeito. Para Isidore era tudo festa. Ele não educava e cuidava, só levava para passear, dava-lhe mais liberdade do que devia, comprava coisas, pagava pensão e realmente acreditava que estava se esforçando. Para uma mulher, era difícil conviver com ele, nem ela sabia como ficaram casados por tanto tempo. Mas estavam separados desde que Jared tinha nove anos. Foi só até onde ela aguentou.

    — Eu sinto que ele se sente mais com a família quando está aí, do que quando está aqui. Eu vivo fora de casa e você sabe como é Isidore. Mesmo quando fica com ele para o final de semana, Isidore o deixa sozinho ou o leva para programas extremamente inadequados para um garoto. Eu não quero perdê-lo.

    — Você não está o perdendo.

    — Desculpe-me. Falar sobre perder meu filho com você é no mínimo um desrespeito. Eu não quis dizer que... — ela disse rápido.

    — Ele tem dezessete anos. Você o criou, ele morou com você por toda a vida, ele a ama e o fato de ele sentir que também tem uma família aqui não diminui nada disso. O fato de ele querer ficar aqui só prova que você foi incrível.

    — Ele ia embora para a faculdade mesmo... Eu só... — deu para ouvi-la soltar o ar, Trent podia entender perfeitamente uma mãe preocupada, ele tinha dois filhos e amava o filho dela como se também fosse dele.

    — Deixe-o ficar, não vai fazer bem para nenhum de nós se o arrastarmos para um avião. E... — ele pausou, Eleanor não podia ver, mas Trent passou a mão pelo rosto e quando tornou a falar, ela notou a mudança na sua voz. — Meu filho não está bem.

    Houve outra pausa. Esse assunto o destruía.

    — E eu não sei o que farei sem o Jared aqui — continuou Trent. — Você não faz ideia de como ele tem sido essencial. Só ele consegue ficar muito tempo com Sean. E até consegue que ele fale. E o convenceu a ver o psicólogo. Eu... Ninguém consegue tirá-lo de perto dele. Meu filho precisa dele.

    Ela até demorou a responder, pensando nas implicações do que ele dizia. E sentiu os olhos arderem, por saber das entrelinhas. Eleonor queria ver Jared, ela que ia conversar com ele ou convencê-lo a também ver um profissional. Ela sabia que tudo aquilo também tinha virado a cabeça do seu filho.

    — Eu vou até aí no final de semana — ela notou que era melhor não obrigá-lo a continuar nesse assunto. — Vou ver o Jared e conversar um pouco com ele para resolvermos sobre o colégio, a faculdade e tudo mais.

    — Obrigado.

    Após duas semanas internado, Sean Ward receberá alta do hospital.

    Depois que a família pediu privacidade, nenhuma outra informação sobre o estado de saúde do adolescente foi revelada a imprensa. Mas esta manhã, Marina Watson, porta-voz do GW, informou que Sean passa bem e irá para casa amanhã. E tornou a pedir espaço para a recuperação dele.

    — NBC New York.

    Capítulo 2

    Gwen apareceu novamente. Ela não ia só por causa de Sean, afinal, não podia vê-lo. Ele não queria ver ninguém. Mal olhava os pais. Não reagia nem a própria irmã que ele tanto adorava. Gwen ia ver Jared. Ela conseguia tirá-lo de dentro do apartamento.

    — Ao menos para respirar ar fresco. Só um pouco... — ela dizia, naquela sua voz baixa e suave.

    Era um mistério como uma garotinha tão ativa havia se tornado aquela bela adolescente, com seu ar calmo e sua voz suave e adorável. Ele gostava de escutá-la falar. Jared gostava de vê-la. E não sabia mais se havia culpa.

    Havia alguma coisa. De ambos.

    Era óbvio que a conexão dela com Sean havia acabado, porque no momento, ele não tinha conexão com ninguém. Ela não se incomodou. Porque não era dessa forma que ela realmente se importava com ele. Gwen percebeu que seu desespero foi porque Sean era seu amigo desde sempre, quando entendeu o conceito de amizade, eles já brincavam juntos.

    Demorou dias até Jared entender porque ela desapareceu. Não foi porque não aguentava pensar no que Sean havia passado. Foi porque ela notou antes dele. Afinal, a mente dele esteve ocupada demais.

    Um mês depois, quando Jared finalmente abriu a janela do quarto durante a noite, seu primo começou a falar. Pela primeira e última vez. Sean nunca mais voltaria a tocar naquele assunto. Jared quis saber. Pediu a ele para colocar para fora, pois se contasse, aliviaria sua dor. Ele sabia que Trent só tinha uma leve ideia, baseada no que a equipe que encontrou o cativeiro viu. Mas eles só viram resquícios.

    E esse era só mais um dos inúmeros segredos da família Ward. O que Trent precisou fazer para acharem o seu filho. Ele pagou alto. Ele pagou com parte da alma, porque dinheiro nenhum valia ter o filho de volta. E ele jamais contaria tudo.

    Jared ficou sentado ali naquele colchão de ar, seu olhar perdido na janela aberta. Sua mente levava uma surra. Calafrios o tomavam. Ele fechava os olhos. Também era um garoto que até aquele momento, nunca havia sido exposto à violência explícita, a pura crueldade. Ele sentiu lágrimas, revolta e ódio. E o ar ficou preso em seus pulmões por diversas vezes. Sequer sabia se depois daquele dia conseguiria juntar todo o relato em uma linha cronológica. A voz monótona e sem emoção do seu primo o aterrorizaria por um longo tempo.

    Não era exatamente a voz, era a total falta de conexão da pessoa que contava.

    As palavras voavam em sua mente enquanto Sean relatava o que se passou no cativeiro e partes do que ele dizia ficaram marcadas:

    Tudo escuro.

    Dor.

    Drogas.

    Frio.

    Eu acordei. Eu apanhei.

    Achei que ia morrer.

    Estupro. Gritos. Tortura.

    Me obrigavam a ver.

    Água, muita água. E luz na nossa cara.

    Purificação.

    Dor. Surras. Sangue. Barras de ferro. Cintos.

    Eu sabia que ia morrer.

    Tatuaram as garotas.

    O garoto morreu. Nunca mais voltou.

    Era meu aniversário.

    Uma tatuagem, o número dezesseis. Fiz dezesseis anos ali.

    Mais gritos. Elas imploraram. Eu me forcei.

    Foi mais um estupro. Mas éramos nós.

    Assim não nos machucavam.

    Foi minha primeira vez.

    Eu queria morrer.

    Eu repeti o ato. Várias vezes. Filmaram.

    Tentamos fugir.

    Surra, inconsciência, dor, água, luz.

    Sexo. Eu cedia ou as estupravam. Não consegui.

    Não sentia mais os golpes.

    Dormente.

    Os arranhões da pedra da Dezoito na parede.

    Morrer era uma fuga, mas elas ficariam sozinhas.

    A Quinze implorava e me tocava.

    Você não me machuca, ela dizia.

    Eu fiz.

    Meu corpo não me pertencia mais.

    Era dia. Dois estouros. Eles entraram. Me bateram, a Quinze caiu.

    Cortaram a garganta da Dezoito.

    Sangue, eu segurava. Mais sangue.

    Tudo apagou de novo.

    E não acendeu até agora.

    Anos depois Jared não lembraria mais a história inteira, mas lembraria dessas palavras, desses pedaços. Ele as escutaria. Ele as veria várias vezes, porque eles fariam algo que os levaria de volta. Todas as vezes.

    Jared não desmoronou outra vez. Mas ele queria.

    — Eles filmaram — Jared disse ao tio, depois de entrar correndo no seu escritório. — Sean me disse que eles filmaram, você precisa destruir isso e...

    — Eu sei — Trent respondeu baixo.

    Seus olhos se arregalaram.

    — Você... assistiu? — Sua voz soou tão jovem, exatamente como um garoto confuso.

    Seu tio levou um momento para responder.

    — Eu sei que você precisa pensar que eu estou aqui para aguentar as coisas por vocês, Jared. Eu aguento o quanto for. Mas não, eu tenho um limite. E eu não consegui assistir. Eu destruí tudo.

    Jared ficou olhando para ele por um momento.

    — Mas Sean só contou para mim, eu não disse o que eles filmaram. Mas acho que você sabe...

    — Eu não sabia o que havia nas fitas, eles ligaram para ver o que era. Se era algum material que daria para encontrar outras crianças e... Não era. Mas acabei vendo um minuto da filmagem, peguei tudo e destruí. Porque nenhum pai aguentaria ver aquilo e eu preciso seguir em frente, pelo bem de todos vocês.

    Nessa época, Jared se mudou de vez para Nova York. Ele não podia partir. Nada o faria ir embora e deixar sua família assim. Ele fez um acordo com a mãe e ela lhe fez prometer algumas coisas e enviou seus pertences.

    — Você vai mesmo ficar? — Gwen perguntou.

    Ele também não queria deixá-la. Mesmo que não pudesse tê-la. Eles nunca poderiam explicar, mas o momento era errado. Os sentimentos eram inoportunos.

    — Por que você não vem mais aqui? — Indagou ele.

    — É triste, eu não consigo pensar em como ele está.

    — Você continua pensando nisso onde esteja.

    — Eu sei... — ela pausou e deixou seu copo de café gelado no degrau. — Você vem comer um pedaço de bolo comigo? Eu não tenho humor para festa, mas meus pais querem fazer um bolo.

    Ele sabia como era. Apesar de tudo a vida precisava seguir. Estavam todos se obrigando a viver um dia após o outro. E ela ia completar dezesseis anos naquela sexta-feira.

    — Não, eu não vou — ele também largou seu copo lá e ficou de pé, afastando-se do degrau para olhar pela janelinha do prédio.

    — Eu não chamei mais ninguém... — ela murmurou e olhou para baixo. Seus olhos se encheram de lágrimas quando ele simplesmente jogou aquele não na sua face.

    — Você não vem mais aqui por minha causa — ele comentou de lá, era óbvio que isso o magoara.

    Gwen levantou lentamente e subiu para o mesmo degrau que ele. Jared continuava olhando lá para fora e apoiava as mãos no pequeno parapeito. Algo nele não estava certo. Ele tinha aquela personalidade radiante, sempre com tiradas rápidas, respostas picantes e engraçadas. Seu olhar castanho brilhava e um sorriso maroto era uma assinatura na sua face.

    Ela observou seu perfil, já tão bem feito, os traços mais decididos do que deveriam para um garoto de dezessete anos. Ele sequer estava mais naquela fase de parecer grande demais e desengonçado. Já havia passado por isso, ela lembrava. Ele seria um adulto tão bonito.

    Fazia pouco tempo que ela havia lhe enviado um presente de aniversário pelo Correio. Ficara encabulada e sem graça, sem conseguir explicar porque se importava tanto. Ela era uma amiga, não era? Eles se conheciam há anos. Agora, parecia ter passado uma eternidade desde aquele dia e não poucos meses.

    Ela levantou a mão e afastou o seu cabelo escuro e abundante. Havia algo com ele, estava sempre despenteado. Mesmo após cortar o cabelo, continuava uma bagunça. Gwen recolheu a mão rapidamente quando ele virou o rosto para ela e a encarou.

    — Eu vou recomeçar o ano letivo aqui. No final do ano — contou ele.

    — Você não liga de perder um ano? Você ia para faculdade antes da gente.

    — Não dou a mínima — respondeu ele, com pura decisão.

    — Você vai voltar para o colégio na mesma turma que o Sean, não é?

    Jared voltou a se virar para a janela e dessa vez ele apoiou os antebraços ali e ficou olhando lá para fora. Ele balançou a cabeça levemente.

    — Eu não sei quando ele volta... — na verdade, ele sequer sabia se o primo voltaria.

    Sean estava tão destruído lá no seu canto. Como ele poderia voltar ao colégio, cheio de outros adolescentes, se não suportava ser tocado por estranhos? Ficava desconfortável até com sua família chegando perto demais. No momento, sua distração era passar o dia estudando para não perder o ano atual. Quando notou que estudar o ocupava, Trent fez um acordo com o colégio sobre isso.

    Ecoando o que ele estava pensando, Jared foi bruscamente trazido de volta à realidade quando Gwen chegou mais perto e encostou junto ao canto da janela.

    — Eu espero que ele volte logo — ela pausou. — Eu queria ajudar, fazer alguma coisa, mas não há nada...

    Ele se virou e a beijou nos lábios. Simplesmente lhe deu o primeiro beijo que eles trocariam. Os olhos de Gwen se arregalaram tanto que ela pensou que nunca mais piscaria. E ela continuou ali em choque, apenas olhando para ele.

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