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A filha roubada
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E-book553 páginas7 horas

A filha roubada

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Sobre este e-book

Todos achavam que a vida duma criança deveria ser um livro aberto, mas agora ela está desaparecida!

Uma mãe desesperada que luta contra o remorso, um pai com muito a esconder, uma mulher que enfrenta o dilema da sua vida e uma assistente social pouco escrupulosa. Todos verão aquilo em que acreditavam ser posto em causa.

Os segredos estão prestes a vir à luz! As fragilidades estão a ponto de ser expostas ! Agora só os laços verdadeiros poderão resistir.

Ninguém é perfeito, mas uns são mais culpados do que outros!

IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de abr. de 2018
ISBN9781386664802
A filha roubada

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    A filha roubada - Rufo Severino

    Capítulo 1 § A fuga

    — Mulher —

    O COMBOIO ESTAVA ATRASADO mais uma vez! O frio na estação era intenso, acompanhado por uma chuva miudinha que ia assolando o cais de forma irregular. Quando se tem uma criança de cinco anos, ao lado, ainda ensonada e rabugenta, todos esses pormenores ganham enorme relevância. Claro que o facto de serem pouco mais do que seis da manhã, também não ajudava em nada. O chefe da estação circulava ao longo do cais, olhando passivamente o relógio no pulso. Ao passar perto delas, deu o sorriso de cortesia, como que se desculpando por todos os transtornos a que uma mãe e uma criança estavam a ser sujeitas.

    Se ele tão somente imaginasse que ela nem sequer era a mãe da criança! Se ele pudesse adivinhar os abusos que a inocente criança tinha sofrido por parte dos progenitores ao longo daqueles anos! Sim, tratava-se duma fuga, talvez até mesmo um rapto! Uma tentativa desesperada duma vizinha para salvar a vida de uma pobre menina que ainda não tinha tido o direito à inocência da infância.

    Finalmente, ouviu-se o chiar das linhas ao longe. O comboio aproximava-se! A libertação estava próxima! A todos a quem devia uma explicação, tinha dito que ia de férias duas semanas, sem destino certo. Era o suficiente para despistar suspeitas e ganhar assim algum tempo. Precisava de definir como seria a sua vida com uma criança que a partir de agora seria a sua filha.

    Apesar das muitas pessoas no cais, deram-lhe prioridade a ela e à menina no embarque. Ao entrarem no comboio, a criança desde logo se apressou a tomar o assento mais perto da janela. Era algo novo para ela, que lhe afugentara assim a sonolência. Explorava com os seus olhos curiosos todo o entorno, com o ímpeto de descoberta tão próprio duma criança. Enquanto ela acomodava as malas, a menina, que se pusera de pé à janela, exclamou:

    — Mamã!

    O comboio partiu. A menina permaneceu à janela por mais uns instantes, olhando para trás, à medida que a estação ficava cada vez mais longínqua. Ela não se atrevera a assomar-se à janela! A ansiedade e o terror de ver todos os seus planos frustrados tinham-na imobilizado. A criança aninhou-se no seu lugar sossegada, mas sem esboçar qualquer palavra ou protesto. Assentiu a caricia suave, no seu cabelo, por parte dela. Afinal ela era a senhora que sempre lhe preparava lanches deliciosos, quando voltava da escola e não estava ninguém em casa. Era um segredo delas as duas, os pais não sabiam da existência desta tia.  A menina confessara-lhe o que os adultos balbuciavam, depois de muita insistência, para saber pormenores sobre essa misteriosa tia.

    — Deve ser uma amiga imaginária!

    As duas moravam em quarteirões vizinhos, numa zona suburbana da cidade. Não raro, a elite citadina, apelidava subtilmente aquela zona de bairro multicultural. Ela conhecera a menina numa pastelaria do bairro, onde a criança ficava horas, após voltar da escola, à espera que algum dos pais a fosse buscar. Durante semanas, presenciara a forma rude com que pegavam na criança, após o dia de trabalho, e a levavam para casa. Lidavam com ela como que se de um empecilho se tratasse. Os gestos bruscos, ou algumas palavras mais irritadas, faziam-lhe disparar o coração. Não conseguia evitar de ficar chocada. À medida que os episódios se repetiam, ela sentira-se impelida a segui-los à distância, cada vez por mais um pouco. No seu subconsciente, tentava se convencer de que assim poderia proteger a menina de alguma coisa. E assim, dia após dia, foi cada vez colecionando um pouco mais da vida da pequena criança. Descobriu onde morava, avistou diferentes caras de familiares e até apercebeu-se de algumas rotinas.

    Certo final de tarde, o dono da pastelaria acercou-se do pai da criança, quando este a foi buscar. Deu para perceber a tensão na conversa e, com a pastelaria já praticamente vazia, era percetível a temática da conversa. A pastelaria não aceitaria mais que a criança permanecesse ali, por horas a fio, sem a supervisão dos pais. Era um risco para eles caso algo acontecesse e não lhes competia assumir tamanha responsabilidade. Aquele foi o momento em que ela decidiu que tinha de estabelecer contacto com a criança. Era o futuro de uma menina que estava em jogo.

    Os seus pensamentos foram interrompidos pela voz da menina, que a olhava com um semblante triste.

    — Porque a mamã não pode vir connosco? — perguntou.

    Agora não haviam dúvidas, era a mãe da criança quem tinha estado na estação. O comboio travou bruscamente! Estavam a chegar à primeira paragem. Olhou pelo vidro e viu os seus maiores temores materializarem-se. No cais da estação estavam pelo menos uns quatro agentes da polícia. A menina, assustada com a crueza e o impacto do freio do comboio, abraçou-se a ela. O futuro de ambas decidia-se agora.

    Capítulo 2 § Uma casa cheia de nada

    — Mãe —

    ESCURIDÃO E SILÊNCIO eram tudo o que a aguardavam, quando ela rodou a chave da porta e entrou em casa. Uma sensação de estranheza invadiu-a de imediato. Não era de todo expectável aquele cenário. É verdade que naquela noite as coisas tinham-se prolongado muito mais do que alguma vez pensara. Por norma, raramente conseguia chegar a casa antes das vinte e uma, mas o jantar de aniversário da empresa tinha remexido por completo a sua rotina. Era algo que ela não podia recusar, ou melhor, até podia, porém seria muito mal visto pelos chefes. Ela necessitava daquele emprego desesperadamente e não se podia arriscar a pô-lo em perigo!

    Mas onde estava a menina? Ela tinha tentado lhe explicar naquela manhã, com a paciência ao seu alcance, que a mamã chegaria mais tarde por causa do trabalho. As instruções para a criança eram claras e curtas, tal como se pretendia: ela deveria ficar quieta em casa a ver televisão e podia comer os iogurtes que estavam no frigorífico, caso tivesse fome. Foi diretamente ao quarto da menina. Certamente que ela teria se aborrecido de esperar e ido dormir. Quase era capaz de apostar que a ia encontrar, ainda vestida, deitada sobre a cama, sem qualquer abrigo. Mas não! O quarto estava vazio! De súbito, a sua preocupação escalou. Algo de muito errado se passava ali! Onde estava a filha? E a mochila que a criança levava todos os dias para o jardim de infância?

    Por mais que pensasse, não tinha ideia de onde a filha pudesse ter ido. Não tinham amigos no bairro. Nunca tinham visto a menina brincar ou falar com alguém, quando passeavam juntas. A pastelaria já teria fechado há muitas horas e eles já não a queriam ali. Mesmo que ela lá tivesse aparecido, alguém já a teria contactado. A menina levava sempre o número de telefone da mãe na mochila.

    Aquele evento na pastelaria tinha-lhe transtornado a vida toda! Desde ter que pedir a extensão de horário no jardim de infância, até ser obrigada a trabalhar horas extra para o poder pagar. Assim tinha chegado àquela situação: uma dependência absoluta dos seus patrões, tendo que fazer tudo para lhes agradar, inclusive ir a jantares de empresa enfadonhos e intermináveis.

    Que roupa lhe teria vestido de manhã? Não se conseguia lembrar. Abriu a porta do pequeno guarda-fato e deparou-se com o pesadelo de uma vida. Faltavam várias peças de roupa da sua menina. Ela tinha fugido! As lágrimas brotaram sem controlo, o peito apertou-se, sufocando-a. A sua filha tinha desaparecido!

    Respirou fundo três vezes, tentando refrear o pânico e pensar mais claramente. Recapitulou mentalmente o que sabia até ao momento. Primeiro, a menina tinha voltado a casa depois do jardim escola. Em seguida, enchera a mochila com algumas peças de roupa e, finalmente, tinha saído.

    Uma criança de cinco anos não faria isso por sua própria autoria. Teria que haver um adulto envolvido nisso: muito provavelmente o pai.

    Ultimamente, as brigas entre os dois sucediam-se. Na maior parte das vezes a menina estava na génese delas. As acusações eram recíprocas. A mãe não aceitava o facto de o marido estar ausente por longos períodos de tempo, ainda que o trabalho dele assim o exigisse. Além do mais, nas breves estadias em casa, ele pouco colaborava na educação da menina e nas tarefas parentais. Em suma, ele não tinha qualquer paciência para a filha.

    O marido recriminava-a de ser intransigente, não compreender o quanto ele se sacrificava por aquela família. O trabalho dele era extremamente desgastante. Conduzia um camião horas a fio e dormia em bermas de estrada e estações de serviço. Segundo o marido, tudo o que fazia era por ela e, principalmente, para dar uma vida melhor à filha. Não raro, as discussões culminavam com ameaças de divórcio, de parte a parte, em que nenhum deles estava disposto a abrir mão da criança. A última despedida tinha terminado precisamente assim: com uma forte discussão.

    Isto era definitivamente o cúmulo! Como podia ele pensar que tinha o direito de chegar a casa, sorrateiramente, e levar a filha? Completamente irritada, pegou no telemóvel e marcou furiosamente o número. A cada impulso que ouvia ao auscultador a sua cólera aumentava mais. Quando estava convencida de que iria receber o aviso para gravar uma mensagem, ele atendeu. 

    — Traz a minha filha de volta, já! — disse ela impetuosamente, não o deixando ir além do bissílabo Estou

    — Como assim? O que estás a dizer? — respondeu a voz confusa e algo surpresa do marido.

    — A nossa filha não está em casa e estão a faltar diversas peças de roupa no guarda-fato, bem como a mochila! — pausara para recuperar o fôlego. — Porque me estás a fazer isto? Devolve-me a minha menina!

    — Acalma-te mulher e deixa de dizer idiotices! — um misto de rispidez com aflição temperavam agora a voz do marido. — Eu estou a centenas de quilómetros de casa!

    — Não! Não!... Por favor, diz que tens a nossa filha!

    O desespero tinha-a invadido. Agora suplicava e almejava de coração que a menina estivesse com o pai. Esse era o melhor cenário que podia esperar. Mas ao se aperceber de que não era o caso, dado o silêncio do outro lado do auscultador, irrompeu num choro profundo.

    — Eu sou uma mãe terrível! Uma bruta, insensível e irresponsável! Sou a culpada disto! A nossa menina fugiu de casa por minha causa!

    —  Calma! Conta-me o que aconteceu! Vamos resolver isto juntos.

    O tom calmo e paternal do marido deu-lhe um pouco de alento e coragem para contar os eventos das últimas horas. Da parte do marido não ouviu qualquer recriminação ou cobrança. Ele assumia agora uma posição objetiva, transmitindo-lhe a segurança e proteção que a tinham feito apaixonar-se por ele, vários anos atrás.

    — Estou a largar tudo neste momento! Amanhã de manhã estou aí! Vai à esquadra apresentar queixa à polícia! — terminou o marido, desligando a chamada.

    No entanto, falar com a polícia não era opção! Nos últimos meses, uma assistente social tinha começado a rondar insistentemente a casa. Não entendia o porquê, mas a senhora parecia determinada em arranjar bases para retirar-lhe a filha. Desde aí, a menina não estava autorizada a abrir a porta a ninguém. Advertira-a vezes sem fim nesse sentido.

    A assistente apresentara-se de surpresa, em casa, um par de vezes. A primeira fora num dia em que felizmente estava de folga do seu trabalho. A segunda visita coincidira também com um dia seu de férias. A profissional nunca referira que tivesse tentado contactar a família noutras ocasiões.

    Apesar do seu desconforto perante a intromissão daquela mulher, esforçara-se por ser cordial. Contudo, nunca dera margem para grandes avanços da senhora dos óculos garrafais. De resto, mantivera-a sempre à porta, respondendo educadamente às questões que esta tinha. Repetidamente, intercetara as investidas do pescocinho de avestruz da assistente, que tentava bisbilhotar o interior da casa, por cima dos seus ombros. Por isso, se agora fosse à polícia dizer que tinha perdido a filha, era bem capaz que a menina lhe fosse retirada imediatamente.

    Tinha de ser racional e vestir a pele da sua menina. Procurar sentir o mesmo que ela. Entender o mundo pelos olhos de uma criança de cinco anos e seguir os seus passos. 

    — Filha, mostra-me o caminho! — sussurrou, em sofrimento.

    Capítulo 3 § A caixinha de segredos do papá

    — Pai —

    O CORPO PARECIA-LHE tremer todo no interior. Era isto normal? Raios! Ele era um homem robusto, cobiçado pelo seu aspeto físico, e não se podia deixar ir abaixo assim. No entanto, aquele desconforto era recorrente em cada novo serviço que tinha e a chama da da esposa não tinha feito mais do que exponenciá-lo. 

    — Querido, está tudo bem? — fez-se notar a senhora que estava ao seu lado na cama.

    Ele já nem se lembrava da sua existência. Começou a apanhar a sua roupa espalhada pelo quarto e a vestir-se.

    — Desculpa — balbuciou, — tenho de ir embora!

    Felizmente, ela não insistiu nem fez mais perguntas. Certamente subentendeu pela conversa telefónica que algo muito grave se passava. Preparou-se para abandonar o quarto de hotel, ainda abotoando a camisa. A senhora, que permanecia na cama, algo amuada, apontou para a mesa de cabeceira sem sequer olhar para ele.

    — Não te esqueças disto! — referia-se a um telemóvel e a um par de notas que ela tinha tirado da sua carteira, naquele meio tempo.

    Ao olhar para o telemóvel sentiu uma angústia emergir dentro dele. Tinha dois telemóveis, tal como duas vidas. Aquele era o seu telemóvel de trabalho, um telemóvel do qual a esposa não podia ter conhecimento. Mas encarar aquele objeto, naquele momento, trazia-lhe à memória uma situação em que tinha encontrado a menina a brincar com ele. Como a miúda o teria descoberto? Que imprudência da parte dele! Habilidosamente, tinha-o tirado das mãos da menina, antes que a mulher se apercebesse.

    — Papá, tens dois telefones? — indagara a filha, na sua inocência. Um descuido da menina e podia por-se em sarilhos.

    — Não, pequena, isto não é um telefone. É apenas parecido com um telefone. — improvisou ele, tentando que aquele momento passasse o mais rapidamente possível.

    — Então o que é?

    A menina teimava em se fixar no tema. Tinha que desvalorizar o assunto e garantir que ela não o levantaria à mesa de jantar pouco depois.

    — É a caixinha de segredos do papá! Mas como é uma prenda que o papá quer dar á mamã, não lhe vais contar nada, pois não? — foram as palavras que ele encontrou no momento para controlar a língua da pequena.

    Efetivamente, as mensagens que recebia naquele telemóvel, nunca deveriam esbarrar nos olhos da esposa. Ela jamais entenderia a situação! Já a criança, achara uma enorme graça ao termo e vibrara com o facto de ser um segredo. Uns dias depois, ele oferecera à esposa um telemóvel precisamente igual. Ainda hoje, a menina continuava a chamar ao telefone da mãe de caixinha de segredos do papá. A esposa ficara muito sensibilizada com todo o episódio semi-ficcionado de que a menina flagrara a prenda que era para ela.

    Ele pegou no telemóvel, mas não aceitou o dinheiro. Afinal, não cumprira integralmente com a parte dele. A mulher ainda insistiu mais uma vez, mas ele nem reconsiderou a situação. Esboçou mais um pedido de desculpas e saiu porta a fora. Como se tinha convertido nisto? Ultimamente, essa questão assolava-o constantemente. Chegara àquele país cheio de sonhos e determinado a tornar-se num homem realizado a todos os níveis. Deixara para trás os pais, irmãos, amigos e uma terra cheia de carências e limitações. O seu percurso escolar tinha sido desastroso, sem aproveitamento a qualquer disciplina, nem sequer a desporto. Não era frequente aparecer tamanho zero na escola. Geralmente, cada aluno tinha a sua vocação: uns eram ases nas letras, outros eram os reis dos números e a maioria dos rapazes brilhava no desporto. Já ele, tinha sido preciso algum tempo para descobrir o seu talento, para além de arrebatar os corações das colegas.

    Quando contou aos seus pais que a representação era o que o realizava, o olhar de estranheza foi imediato. O preconceito, as objeções e a não aceitação deram o empurrão que faltava àquele jovem, no início da idade adulta, para pegar na mochila e procurar outros horizontes. O que nunca esperou foi que uma pequena meia-leca tivesse herdado os seus genes tão precocemente e feito a mesma coisa. Onde ela estaria naquele momento?

    Capítulo 4 § Um puzzle de oito horas

    — Mãe —

    DESDE QUE FALARA COM o marido já tinha revirado a casa toda em busca de eventuais rastos da menina: fossem coisas fora do sítio, colchas e proteções do sofá amassados, algum bilhete... No entanto, os seus esforços tinham sido praticamente inglórios. Descobrira apenas que a menina tinha comido um dos iogurtes que deixara no frigorífico. Portanto, tudo indicava que a miúda tinha regressado a casa. Também lhe parecia bastante exequível que alguém mais tinha estado ali: uma pessoa que selecionara alguma roupa para a criança.

    Tinha dado a volta à lista de contactos no telemóvel, em busca de alguém que a pudesse aproximar mais do paradeiro da menina. Sabia que ligar para pessoas em plena madrugada era uma falta de respeito. Mas bolas, era a sua filha que estava desaparecida!

    A primeira pessoa a quem tinha incomodado, fora a educadora de infância da criança. O telemóvel chamara, porém sem qualquer sucesso. Valera-lhe a insistência em voltar a ligar até ouvir um Estou ensonado e algo rabugento. Tentou ser cuidadosa na forma como apresentava a situação, já que desconfiava que as visitas da assistente social poderiam ter tido alguma origem no jardim escola. Haviam dias em que era impossível disfarçar as manchas negras, arranhões ou feridas que a menina tinha.

    — Saberia me dizer a que horas a minha filha saiu hoje do jardim escola e se alguém a foi buscar? — perguntara no seguimento das apresentações.

    Após a inicial interjeição de surpresa hã?, a resposta tardara alguns segundos. Talvez a educadora estivesse a reconstituir na sua cabeça a cronologia dos acontecimentos. Depois explicara que durante a tarde tinham feito atividades ao ar livre, como era costume uma vez por semana, sempre que o clima o permitia. Chamara o motorista da carrinha dez minutos antes das sete e tinham confirmado que todas as crianças que usavam o serviço estavam na viatura. Recordava-se que faltava um garoto, o qual os pais tinham ido buscar mais cedo por estar doente.

    — Mas passasse alguma coisa com a menina? — interrogara, por fim, a educadora.

    Era a questão incómoda que ela já antecipara. Teria que compor um pouco mais a história, para além do facto de que chegara mais tarde a casa naquele dia, ainda que por exigências do trabalho. Assim, inventou que era suposto os avós estarem na casa da menina, esperando o seu regresso, para a levaram a passar um fim de semana no campo.

    — Já ligou para eles? — questionou a educadora.

    — Não consigo estabelecer contacto com eles. Uma vez que eles foram para uma zona rural ainda distante. — prosseguiu ela, dando mais umas pinceladas naquela mentira. – Geralmente, quando isto ocorre, os meus pais costumam avisar-me ao saírem de casa com a menina.

    A educadora garantiu que a carrinha do jardim escola havia deixado a menina à porta do prédio onde morava. Ademais, tinham-se certificado de que ela entrava no edifício. 

    — Notou algo de estranho no comportamento da minha filha ao longo dos últimos dias? — insistiu ela, na busca de alguma pista que pudesse justificar este súbito desaparecimento da criança. — Ou apareceu alguém na escola para a visitar?

    — Tudo como de costume! — afirmou a educadora perentoriamente. — A sua menina é algo tímida, tal como discutimos na última reunião. Ela leva o seu tempo a interagir com a turma. É uma criança a quem dedico sempre alguma atenção extra. Incentivo-a a brincar e falar com os colegas. Por isso, eu teria notado se alguém tivesse vindo à procura dela.

    Notou que a educadora começava a dar sinais de exasperação perante as suas questões. Mais do que isso, certamente que toda aquela conversa podia começar a soar estranha para profissional. Assim, optou por desculpar-se pela chamada tardia e agradeceu toda a ajuda prestada.

    A educadora pediu que a informasse quando surgissem novidades. Antes de terminar a ligação a rapariga ainda sugeriu, um pouco a medo, que ela ligasse para alguns hospitais da zona.

    — Quanto mais não seja, para descartar a hipótese de algum acidente envolvendo os avós e a criança. — concluiu a educadora.

    Mas não havia razões para se preocupar com a saúde dos avós. Os avós paternos estavam noutro país, enquanto os maternos tinham optado por marginalizar a existência desta parte da família. Os pais dela nunca tinham aceitado a sua decisão de se casar com um emigrante que não tinha eira nem beira. Eles tinham-na criado com berço e investido na sua educação, à semelhança do que as pessoas do seu meio tinham feito com os filhos. Assim sentiam-se defraudados com a escolha de vida que ela fizera. Para eles, o seu dever de avós resumia-se a um par de chamadas por ano, nas datas festivas, e alguns cheques com umas esmolas para a neta. Esta atitude revoltava-a a ela como mãe. Nunca se arrependera da eleição que fizera, mesmo nos dias mais tortuosos do seu matrimónio. Casara-se por amor! Isso dera-lhe a força e determinação necessárias para enfrentar qualquer adversidade. Saber que essas tribulações eram consequência das suas escolhas e não de alguma vida imposta por terceiros, dava-lhe alento para prosseguir.

    A sua menina podia não estar rodeada de luxos, mas teria sempre uma mãe para a apoiar no caminho que decidisse seguir, quando crescesse. Não lhe importava que a sua idoneidade como progenitora fosse questionada, pois sabia que, em última instância, tudo o que fizera de bem e de mal fora para proteger a filha. Cada ação dela girara em torno de garantir que a menina tivesse direito a ser uma criança regular como todos os outros coleguinhas dela. Queria garantir que a filha iria tornar-se uma mulher livre dos grilhões das aparências.

    Já passava das três da manhã e havia um puzzle de oito horas na vida da sua menina que tinha de montar. No entanto, poucas eram as peças disponíveis para resolver a charada.

    Munida de uma fotografia da filha, decidira deixar atrás os complexos e ir bater às portas dos vizinhos do prédio. Podia ser que alguém tivesse notado algum movimento ou se apercebido de alguma coisa. Embora o edifício tivesse quase uma dezena de andares, ela abordaria apenas os apartamentos que considerava estratégicos: os do seu andar, os do rés-de-chão e apartamentos em que sabia existirem crianças mais ou menos da idade da sua filha.

    Claro que, dado o adiantado da hora, muitas portas nem sequer se abriram, ainda que por detrás de parte delas houvessem pessoas. Os vizinhos do mesmo andar, que se dignaram a aparecer, tentaram demonstrar alguma empatia. No entanto, não a conseguiram ajudar muito.

    Era um prédio barulhento, em que as paredes eram pouco mais grossas que a espessura de uma tábua. Durante o dia podia-se ouvir a música do apartamento do lado esquerdo, a qual se mesclava com a discussão do casal do andar de baixo, acompanhado pelo arrastar de móveis do vizinho de cima. Assim, pelo bem da sanidade mental de quem ali vivia, os seus ouvidos já eram indiferentes a toda essa confusão de estímulos sonoros.

    Deparou-se com reações exaltadas de vizinhos indignados com a sua ousadia em os importunar em plena madrugada. Você é doida ou quê?, O que eu tenho a ver com a sua filha?, Ponha-se já a andar daqui para fora, antes que me passe da cabeça! — foram alguns dos despautérios que teve de suportar. No entanto, fora a crueldade da resposta de uma vizinha, mãe de umas três crianças, a que a chocara mais.

    — Você não tem vergonha de se chamar a si de mãe, quando não sabe sequer da sua própria filha? — dissera a habitante do terceiro esquerdo, olhando-a com altivez. — Gente como você devia de ser proibida de ter crianças! Deixe os meus filhos fora da sua irresponsabilidade. Eu não vou acordá-los a meio da noite por causa da sua irresponsabilidade! — terminara, batendo-lhe a porta na cara.

    Se tão somente tivesse investido um pouco mais na sua relação com os vizinhos, ao longo dos anos que já vivia ali!  Talvez naquele momento eles tivessem sido mais prestativos e empáticos.

    Chegara à porta do prédio! Ao fim daquela digressão pelos diferentes andares, continuava precisamente com a mesma informação com que começara. Estava ofegante, desesperada e sem vislumbrar outros caminhos para trilhar na investigação do paradeiro da menina. Sentiu a apatia tomar conta de si durante alguns minutos. Já nem sequer tinha força para verter uma lágrima que fosse. A uns cinquenta metros de distância avistou dois carros estacionados com o dístico que lhe brilhou aos olhos: Táxi! Foi impelida por uma réstia de energia que floresceu dentro de si e caminhou em direção às viaturas.

    O fornecimento de transportes públicos ao bairro terminava bastante cedo. O último devia ser por volta das seis e meia da tarde. Os táxis geralmente também eram escassos à noite. Os poucos que estacionavam ali na praça, eram tripulados por indivíduos locais, nascidos ou criados ali na zona. Ouvira algumas histórias do infortúnio de alguns forasteiros que tinham tentado se intrometer ali no mercado local com os seus táxis. Muitos tinham acabado com as viaturas vandalizadas, quando não iam eles mesmos parar ao hospital. Assim, se a menina saíra do bairro depois de regressar do jardim escola, havia uma grande possibilidade de ter passado a pé por aquela que era a única praça de táxis ali na redondeza. Até podia ser que tivesse mesmo apanhado um deles.

    — Por acaso viu esta menina hoje? Está desaparecida desde o final da tarde! — começou por perguntar ao primeiro taxista que baixou o vidro da janela com alguma desconfiança. 

    Ao se aperceber que não era serviço que a mãe buscava, mal olhou para a fotografia e fechou de novo a janela, acenando com a cabeça que não. O segundo taxista na fila deveria ter se apercebido do que se passava e ignorou-a totalmente. Foi então que, quando se preparava para regressar a casa, totalmente derrotada, apercebeu-se da chegada de um terceiro táxi. Esperou que o senhor o alinhasse atrás dos seus colegas e abordou-o da mesma forma.

    — Mas... essa menina...  — começara por gaguejar, um pouco perplexo, o homem.  — Eu acabei de deixa-la na estação de comboios com uma senhora... Eu... pensava que fossem mãe e filha!

    — Leve-me para lá! —  ordenou a mãe, entrando sem hesitar no táxi. Olhou para o relógio no carro. Assinalava 5:48 da madrugada. — Acelere o carro! Raptaram a minha filha! — disse com as lágrimas a correrem-lhe desmedidamente pela face.

    O primeiro comboio do dia saía ás seis. Não havia tempo a perder. Precisava do milagre de uma vida para chegar a tempo de o intercetar! Não era crente, mas naquele momento começou a rezar.

    Capítulo 5 § A mulher não bairrista que recebeu o bilhete dourado

    — Mãe —

    O MOTORISTA CONDUZIA com algum nervosismo. Ela podia notar o desconforto dele com a situação. Era impossível não reparar na mão trémula do homem quando este tinha de se socorrer do manipulo das mudanças do táxi. Ela sentara-se ao lado do condutor e agora começava a surgir-lhe um turbilhão de questões, para as quais aquele motorista podia ter as respostas. Cabia-lhe a ela obter a maior quantidade de informação possível acerca dessa mulher que levara a filha. Ela era do bairro? Como teria sido a viagem? Que teriam conversado? E a menina? Estava assustada? Chorava? 

    — Nunca vi a senhora — começou por explicar o homem. — Vinha com a menina pela mão, quando chegou à praça de táxis, onde você me encontrou. Trazia uma mala de viagem na mão e a menina tinha uma mochila.  Coloquei ambas na bagageira. 

    — Mas como estava a minha filha? Estava agitada? — indagou a mãe, impaciente. — Como não se apercebeu de que era um sequestro?

    — Não houve qualquer sinal de resistência por parte da menina. — prosseguiu o taxista com um tom de voz baixo e calmo, característico de quem prestava um serviço. — Ela estava ensonada e foi praticamente toda a viagem a dormir, encostada ao braço da senhora. Das vezes que olhei pelo espelho retrovisor, tudo o que me pareceu ver foi uma mãe que ia viajar com a sua menina. Uma mulher prevenida que apanhara um táxi com a devida antecedência para chegar atempadamente à estação de comboios. 

    Teria drogado a sua filha? Como podia a menina estar assim tão calma? A mesma menina que teimava em se isolar na escola, tinha-se entregue às mãos de uma estranha, sem qualquer hesitação. Não podia conceber tal ideia na cabeça.

    — Do que falaram durante a viagem? — questionou a mãe. 

    — De nada! Absolutamente nada! — afirmou o condutor. — Tenho por norma não tomar a iniciativa de fazer conversa com os clientes. Há muitas pessoas que não apreciam isso... A senhora limitou-se a dizer-me o destino à entrada e fazer o pagamento à saída.

    Continuava sem saber grande coisa da identidade da sequestradora da menina.  Após pedir ao motorista que a descrevesse, traçou o desenho mental de uma mulher de uns trinta e tantos, estatura normal, cabelo alourado. Acrescentou também que a mulher apresentava um semblante carregado e agastado. Estava arranjada, mas sem grandes maquilhagens.

    — Pela sua roupa e comportamento, não é de toda uma mulher bairrista. — dissera o motorista, quando já avistavam a estação ao fundo da rua. — Não digo que não viva no bairro, mas não me parece que tenha sido criada nele.

    Logo que pôde, saiu do táxi sem se importar com o troco. Já estava um par de minutos atrasada em relação à hora prevista do comboio. O condutor do táxi ainda esboçou um tímido Boa sorte!, ao qual optou por não responder. Não podia desperdiçar mais qualquer segundo.

    O comboio já estava parado no cais, o qual estava cheio de gente. Era o terceiro dia consecutivo da greve parcial nos transportes ferroviários, lembrava-se agora a mãe, voltando a contactar com a realidade. Isso fora mais uma razão para justificar o quão tarde chegara a casa naquela noite. Basicamente, os maquinistas asseguravam os primeiros dois horários do dia, recusando-se a circular durante as horas de ponta. O mesmo cenário ocorria ao final do dia, em que somente os horários tardios eram realizados. Assim, todas as pessoas que quisessem ir trabalhar ou ir para o centro da cidade, amontoavam-se no cais na esperança de conseguir o bilhete dourado. Esta era a expressão que usara mais cedo para ilustrar aos colegas de trabalho, de forma sucinta, todo o aparato. 

    Embora fosse Sábado, o cenário era pouco melhor que nos dias anteriores. Mais uma adversidade com que tinha de lidar se queria encontrar a sua menina. De repente, as portas do comboio fecharam, sem que ela tivesse logrado aproximar-se de uma qualquer entrada. Tentou furar a multidão com o intuito de avistar a mulher e a filha. A menina de casaco vermelho, assim se referira o taxista à filha, a dado momento da conversa entre ambos. O processo de fecho definitivo de portas ainda tardou mais uns segundos, dada a persistência de algumas pessoas em se atravessarem nelas.  Ela procurava ganhar terreno entre o emaranhado de gente, olhando ao redor numa busca incessante pela sua cria. Quando o extenso comboio começou a movimentar-se, ela conseguira aproximar-se, mas só tivera tempo para observar as janelas das últimas carruagens. Num derradeiro e fugaz vislumbre de uma das janelas da composição, pareceu-lhe ter visto uma menina. No entanto, foi prontamente engolida pelos passageiros frustrados que a atropelavam de um lado para o outro. O comboio partira e pressentia que levara nele a sua filha, a menina que avistara colada a uma das janelas.

    Capítulo 6 § O chefe da estação

    — Mãe —

    UM FACTO INTERESSANTE acerca dos comboios, ao qual não era alheia, era que até se podiam atrasar ou, em raras vezes, passarem antes do tempo. Contudo, eram obrigados inevitavelmente a visitar todos os apeadeiros definidos no seu itinerário, sendo a margem de improviso praticamente nula. Por isso, após escrutinar por alguns instantes as pessoas presentes no cais, para garantir que a sua menina não se encontrava ali, dirigiu-se ao chefe da estação. Era um homem que deveria estar quase na sua idade de reforma, com uma cara simpática, mas algo apática. Talvez esse fosse o segredo para se lidar com centenas de milhares de passageiros que já deveriam ter passado pelos seus olhos ao longo das últimas décadas. Desde que ela viera morar ali, após decidir partilhar a sua vida com o homem que se converteria em seu marido, sempre vira o mesmo senhor tomar conta da estação. Já lá deviam ir uns sete anos.

    A mudança para ela tinha sido disruptiva e abrupta. A menina rica, que vivia com todas as comodidades, tinha vindo parar a um bairro da periferia, considerado por muitos problemático. Tudo isto por amor! Às vezes dava por si a pensar em quão cliché esta parte da sua vida soava. A adaptação não tinha sido fácil, aliás, ela continuava a ter dificuldades em ir além do mero Bom dia ou Como está? com as pessoas dali. Todavia, já não era olhada com a estranheza dos primeiros tempos. Fora o seu marido quem lhe tinha apresentado o bairro onde ele se estabelecera uns anos antes. As rendas de casa eram indubitavelmente mais acessíveis e a distância ao centro cidade não era alarmante: menos de meia hora de comboio. O chato era que necessitava de apanhar sempre um autocarro desde casa até à estação, senão tinha mais outra meia hora de caminhada por um bairro que só agora começava a mostrar os primeiros sinais de reabilitação. Assim, cada manhã que chegava ali à plataforma e via o mesmo homem como chefe de estação, sentia-se mais confortável e segura. Ela tinha completa noção de que era algo irracional, já que nunca tinham trocado uma palavra, mas chegara o momento de mudar isso. Iria abordá-lo e aferir se a sua intuição acerca dele estava correta.

    — Por favor, lembra-se de ter visto hoje esta menina aqui na estação? — questionou-o, mostrando a fotografia. — Ela devia estar acompanhada por uma mulher nos seus trintas e vestia um casaco vermelho.

    O homem olhou com atenção a fotografia, ajeitando melhor os óculos, cuja graduação deveria servir apenas para o auxiliar na visão ao perto.

    — Peço desculpa, mas não me consigo recordar — o chefe da estação insistiu mais uma vez em observar a fotografia, mas terminou por acenar negativamente com a cabeça. — Como deve calcular, com o reboliço da greve, a estação tem estado um caos! As pessoas tendem a ficar impacientes e sensíveis ao mínimo atraso. É difícil focar-me em passageiros concretos.

    Ela podia entender a situação, mas precisava de uma atitude rápida que pudesse travar o rapto da sua menina.

    — Tenho fortes suspeitas de que a minha filha, uma menina de cinco anos, tenha sido raptada por essa mulher! Ambas podem estar entre os passageiros do comboio que acabou de sair daqui.

    O chefe da estação empalideceu perante aquela revelação. Provavelmente, não eram todos os dias que existiam sequestros de crianças numa estação de comboios dos subúrbios.

    — Tem certeza do que me está a dizer? Refere-se a um sequestro? — contestou com uma enorme preocupação, que aumentou com o anuir dela. — Bom, os passageiros prioritários, com bilhetes de primeira classe, embarcaram primeiro. Haviam assistentes de carruagem a controlarem o processo.

    — Daqui a quanto tempo está estimada a chegada à paragem seguinte? — embora tivesse uma vaga noção da resposta, ela queria que o chefe da estação se concentrasse no que podia ser feito naquele momento, ao invés de recapitular o imutável. — Consegue contactar com o seu colega dessa estação?

    O chefe pediu-lhe prontamente que o acompanhasse até ao seu gabinete. Foi lhe dizendo que a hora estimada da próxima paragem do comboio era às seis e dezanove, já tendo em conta o atraso que este levava. Pegou no telefone e ligou para o colega. O número já estava memorizado na marcação rápida. Era natural que se comunicassem frequentemente. Após uma breve explicação do sucedido, questionou o colega sobre o número de agentes da polícia que teria no local. Devido à greve, a segurança nas estações tinha sido reforçada com policias destacados apenas para refrear eventuais tumultos entre passageiros.

    — Ótimo! Quatro agentes devem ser suficientes! — exclamou o homem, mostrando o primeiro sinal de alívio.  — Não deixes esse comboio sair daí sem veres todos os passageiros que estão a bordo! Vou-te enviar a fotografia da menina por fax.

    A mãe entregou a fotografia da criança e ajudou o chefe com os procedimentos. Sugeriu que se enviasse a fotografia também por telemóvel para o colega, garantindo uma melhor nitidez. O chefe aceitou o conselho e deu-lhe o número de telefone do colega que, segundo ele, era um miúdo expedito com as novas tecnologias.

    Tinha terminado de enviar a fotografia quando viu entrar uma chamada no seu telemóvel — era o marido. Certamente deveria estar preocupado! No meio de toda a azáfama não lhe tinha dito nada nas últimas quatro horas.

    — Sim, amor! — chamou-o assim impulsivamente, coisa que já não se lembrava da última vez que o fizera. — Tudo vai ficar resolvido daqui a sete minutos!

    Capítulo 7 § Uma proposta indecente

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