Entre a rua e o refúgio
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Entre a rua e o refúgio - Beatriz Brandão
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este livro à minha mãe, Maylta, grande inspiração de amor e luta e que me ensinou a afetividade nutrida pelos meninos abrigados, doadores de luz, cor, sentido e vida aos meus escritos.
AGRADECIMENTOS
A consecução de uma pesquisa toma todas as esferas de nossa vida e, consequentemente, a nossa relação social. Nossos familiares e amigos acabam por respirá-la junto conosco e a pensar sobre ela também. Por isso, cada pessoa tem seu olhar e seu dedo no que está impresso e escrito aqui. Impossível seria retirar a participação de pessoas tão queridas que construíram, cada uma com a sua contribuição, este trabalho comigo.
Em primeiro lugar agradeço a Deus; não um agradecimento formal porque deve constar, mas um agradecimento pleno e, sem dúvida, o maior agradecimento. Ao meu Jesus, que é Senhor, Pai e Amigo em minha vida. Em cada passo sei que Ele está ao meu lado a me guiar com sua paciência e bondade, fazendo com que o ame mais e mais. No processo de toda escrita, Deus mostrou sua face amiga, ao me acompanhar em todas as fases, ao estar comigo nos momentos de maiores angústias, me tranquilizando e me ouvindo em cada momento de dúvida e inquietação. A Ele dedico a mais pura gratidão.
À espinha dorsal da minha formação, aquela, que não só me formou e amou, mas desenhou a vida junto comigo como amiga, parceira e em todos os sentidos, que a palavra mãe pode alcançar. Minha mãe, Maylta, é a pessoa que merece mais agradecimentos pela dedicação de uma vida a quem sou. Poucas são mães e filhas com um companheirismo tão genuíno e cheio de respeito e admiração como o nosso. Em toda a minha vida foi ela o meu esteio e, para este livro, foi o suporte mais forte e pleno que pude encontrar. Acompanhou-me em cada etapa com apoio emocional, apoio acadêmico, apoio teórico, apoio financeiro e, acima de tudo, com seu exemplo de persistência e determinação na vida, seu saber humilde não menos denso e profundo, sua honestidade e humanidade. Um obrigada
a para pessoa que me criou e me ajudou a construir quem eu sou é pouco, muito pouco. É o mínimo que posso dar. Por isso, ofereço o meu amor, de fato, incondicional.
Ao meu marido Thiago, que há oito anos está comigo a cada passo, participando de cada trabalho, decisão e vibrando com cada conquista alcançada. Durante esta pesquisa, mais que apoio, me emprestou sua escuta, dividiu as dores e alegrias, ouvindo, participando, aconselhando com paciência e muito carinho, realmente, vivendo junto comigo. Agradeço porque nos momentos mais penosos da escrita, me acolhia de forma amorosa. Obrigada pelos momentos de descanso e amor que me proporcionou, obrigada pela atitude de companheirismo sempre presente e, principalmente, obrigada pela linda história que estamos construindo juntos e os sonhos que dividimos com amor sincero e muita paixão.
Ao Dario, meu querido orientador, pela forma muito generosa com que me acolheu e por seu primeiro olhar de crédito e confiança. Esta confiança me acompanhou dando força e ânimo para buscar qualidade na pesquisa. Revelou-se um orientador competente com seu trabalho e, mais que isso, um parceiro, que vibra junto com os alunos, a cada conquista e descoberta realizada. Agradeço por apontar meus limites e erros de forma amiga e sempre compreensiva. A leveza na fala me assegurava de que ali teria uma mão apoiadora. Agradeço o entusiasmo e a parceria com que me ouvia quando dividia descobertas no campo, sempre com um olhar atento e, mesmo na menor observação proferida não era desmerecida ou diminuída por ele. Muito obrigada pela forma humana com que levou esse processo de orientação.
Agradeço demais ao meu coorientador, que acompanhou com muito companheirismo o processo da pesquisa. Um muito obrigada ao professor e meu tutor Enzo Rossi, que me auxiliou muito, me recebendo de braços abertos, com alegria e boa vontade ao me ajudar em tudo o que necessitava. Desde a pesquisa até as coisas mais cotidianas na minha estadia em Roma, eu sabia que poderia contar com ele. A ele devo um agradecimento, particular, por ter me possibilitado a experiência em Roma. Muito obrigada pelo trabalho em conjunto, que, para mim, deu muito certo.
Agradeço aos professores que me acompanharam nesse trajeto. Valter Sinder e Felícia Picanço. Sem as contribuições e direcionamentos deles esta obra não seria a mesma. Os dois conseguiram dar o tom certo e necessário, numa união de leveza e solidez, que proporcionou o equilíbrio e a consistência necessária. Agradeço, também, à professora Mirian Paura, veterana nos estudos de juventude, que sempre se mostrou de forma prestativa e doce.
Faço um agradecimento à Aline, minha professora de italiano, que me impulsionou, me ajudou a admirar e a me apaixonar, ainda mais, por essa língua linda e rica. Agradeço por suas aulas, conselhos, dicas e palavras de incentivo.
Deixo registrada a minha grande e representativa admiração pela professora Mara Clemente, que de modo muito generoso me recepcionou com um sorriso largo. A forma aberta e cuidadosa, que me abraçou conquistou uma afeição e confiança duradoura. Em poucos minutos de conversa e com poucas palavras já redirecionava minha pesquisa, abrindo o meu olhar para a teoria italiana. Sou muito grata à Mara, porque muitas ideias se consolidaram nesta pesquisa devido ao seu olhar acurado e competente.
Agradeço à Fúlvia Vanolli, que deu a alma do meu campo na Itália. Sem a ajuda dela nenhuma entrada no campo seria possível. Fúlvia se mostrou uma das pessoas de alegria espontânea e coração sincero que encontrei nessa caminhada. Sem dúvida, seus olhos que viviam sorrindo nunca serão apagados da minha memória e seu exemplo de humildade vai guiar minhas opções na vida.
Não posso deixar de agradecer aos funcionários dos abrigos, que, de fato, me acolheram não medindo esforços para ajudar e estabelecer um contato aproximado. Agradeço aos funcionários da Casa Elettra, Centro Eirene e Binário 95 que me receberam com simpatia e disposição aos auxílios necessários à pesquisa. Faço um agradecimento específico a Giro, Tyrell e Valentina, funcionários do Binário 95, pela relação mais próxima de admiração e amizade que pudemos construir. Muito obrigada pelos aprendizados que tive com todos vocês.
Para finalizar os agradecimentos ao que a Itália me apresentou e me deu de bom, fecho com a última pessoa que tive o imenso prazer em conhecer e dividir as experiências desse tempo, o professor Giuseppe Ricotta. No dia em que nos conhecemos, Giuseppe já mostrou sua simpatia e humildade e no desenvolvimento da obra se colocou presente, prestativo e atencioso.
Agradeço imensamente a recepção que tive na casa de acolhida Frei Carmelo Cox. Educadores e funcionários receptivos, com uma simpatia e disposição, que fizeram com que me sentisse em minha própria casa. Na casa de acolhida vivi momentos memoráveis e significativos. Agradeço, em especial, aos funcionários Cícero e Delma pela forma amiga e confiante com a qual me acompanharam nesses meses de pesquisa. Eles foram fundamentais.
Deixo um agradecimento aos funcionários da UERJ que, de modo sempre prestativo, auxiliaram para que toda a parte administrativa acontecesse com êxito. Muito obrigada Wagner, Sônia e Daniel, que embelezam os corredores da UERJ com seus sorrisos.
Palavras me faltam para agradecer a extrema parceria de Wellington. Orgulho-me dessa amizade, que nasceu despretensiosa e desabrochou de forma tão fortificada. Marcou-me demais a disponibilidade impecável, a sensibilidade, o apoio extraordinário, a leitura atenciosa, os conselhos e dicas e a torcida verdadeira. Agradeço por ter sido amigo, psicólogo e (extra) orientador no tempo em que escrevia. Por isso, afirmo que palavras são muito poucas para agradecer ao amigo da vida e para a vida.
Aos grandes colegas que fiz durante esse período e que me acompanharam no dia a dia, dividindo cada angústia pequena e cada grande felicidade. Construímo-nos e aprendemos juntos. Todos foram relevantes e formam o quadro de diversidade necessário a nossa formação como pessoa e profissional, que nos impulsionam a trilhar caminhos de sucesso e superação. Mas, agradeço, especialmente, aos colegas queridos dos quais dividi momentos prazerosos, que troquei e-mails e conversas agradáveis, Eduardo Cidade, Ana Clara Sisterolli, Eduardo Ribeiro, Sergio Baptista, Camila Pierobon e Marcela Lopes. Vocês foram a grande leveza desses dois anos e que os deixaram mais alegre e mais gostoso de viver.
Faço um agradecimento especial à minha querida professora, Maria Sarah Telles, que começou a me acompanhar no final da escrita. Desde o primeiro encontro a empatia foi imediata. Sarah me deu a tranquilidade, segurança e serenidade que eu precisava para a finalização da obra e me acolheu de modo extremamente humano e amoroso para a fase doutoral que se abria em minha trajetória. Devo muitos agradecimentos a sua forma exemplar de inspirar o outro com sua graça sutil.
Por fim, agradeço a todos que, mesmo não citados aqui de forma direta, embalam o meu sentimento de gratidão e reconhecimento de que, sem a harmonia das cores, não existiria a beleza dos encontros.
Obrigada!
APRESENTAÇÃO
O que pode ligar jovens estrangeiros sem tutela, recém-chegados à Europa e institucionalizados em Roma e meninos abrigados vindos das favelas e da periferia do Rio de Janeiro? Uma primeira resposta crua, aparentemente conclusiva, poderia descrevê-los como condenados pela pobreza. Este seria o início da pergunta, e não o final da resposta. São as formas de ruptura, as marcas da atuação do Estado nas margens da sociedade impressas em suas curtas vidas que este livro aborda. Logo, a pobreza é um dentre vários traços característicos. Ou pobrezas plurais de jovens que circulam entre fronteiras nacionais e outros que vão da periferia aos centros urbanos do mesmo país ou cidade. Jovens que têm seu ponto de partida na vulnerabilidade e que exibem percursos profundamente radicais em sua experiência. Nesta obra, trajetórias humanas complexas e o fenômeno da institucionalização e abrigamento dos invisíveis e vulneráveis são tratados sem ceder ao risco de reduções simplificadoras. Assim, o primeiro olhar da autora é sobre as alteridades.
Resultado de uma pesquisa de campo vigorosa em dois continentes, a autora Beatriz Brandão, uma jovem pesquisadora que abraçou sua observação participante com criatividade, uma entrega pessoal extrema e acuro acadêmico. As especificidades são tratadas de maneira a exibir como as formas de atuação do Estado nas margens podem se desenvolver originalmente e produzir respostas às trajetórias de rupturas. Este livro nasceu de uma enérgica pesquisa sobre grupos negligenciados pela globalização. E, sendo assim, há outra mirada sobre o problema além da descrição da alteridade. Há um estímulo a que o leitor construa um ponto de observação sobre o tratamento que as sociedades propõem aos que não participam de seu núcleo protegido e integrado por normas e um lugar representativo definido. O segundo olhar é, portanto, aquele sobre vulnerabilidade, risco e controle.
As descrições propostas pela autora, certamente, provocarão o público das ciências sociais. Entretanto a proposta de leitura de um tema tão atual e cada dia mais mobilizador é capaz de tocar quem quer que se sinta desafiado pelos problemas sociais genericamente tratados como males da exclusão. Como pessoas jovens podem ser tão experientes e de formas tão extremas? Em que limite suas sinas refletem a vulnerabilidade das formas de controle e garantias de vida que os incluídos
tomam como normais?
Ninguém sabe a quem caberá no futuro viver nesta prisão
disse Weber no início do século passado ao se referir a uma modernidade onde racionalidade poderia se afastar de sua base ética. Este livro faz pensar sobre quem são estes a quem o autor se refere. E, no limite, traz pistas para a reflexão sobre quem somos e em qual desolador ou promissor futuro
vivemos. Ao buscar ler a vida de jovens refugiados em Roma e meninos em abrigos no Rio de Janeiro, Beatriz Brandão traz luz sobre alguns dos pilares mais frágeis da sociedade moderna. E toma-os como referência sobre alguns dos mecanismos que descrevem as sociedades globalizadas do século XXI. Com isso, sua investigação é sobre a prisão
representada pelos códigos normativos com que os Estados e seus representantes experimentam nas suas margens os princípios que a todos governam e que nos servem de abrigo a todos. Este é um livro sobre construção de laços sociais em ambiente institucional, sobre o desenraizamento de quem busca um lugar no mundo e literalmente viaja nele com muito pouca bagagem.
A pergunta de Weber sobre a quem cabe viver neste seu futuro, nosso presente controverso, foi dirigida ao cenário da modernidade ocidental e alude a grandes riscos que o autor percebia. Se é possível imaginar uma confluência entre o olhar sobre o específico e um olhar dos processos, proponho um exercício que une duas metáforas. A da sociedade como prisão
desumanizada e ambiente de risco da modernidade e a da visibilidade reclamada
dos indivíduos entre muros e esquinas. Talvez haja uma esquina em que um jovem abrigado do Rio de janeiro, ator perito na lida com sua vulnerabilidade, responde ao sociólogo alemão: "Me chama pelo nome". Disse o rapaz quando desafiou a pesquisadora a lembrar dele. Com um século de demora, esse jovem responde à questão de Weber e afirma uma condição para que se estabeleça diálogo e sentido para si. Ser chamado pelo nome clama por seu lugar de respeito, sua representatividade e para uma ética que deve obrigar que aquele jovem seja mais que um lamentável (e naturalizado) problema social. Seu desejo é de que a experiência que é sua assinatura, seu intransferível ineditismo como ser humano, sublinhe que é ele simultaneamente um dos indivíduos possíveis que busca abrigo na modernidade.
A forma como Beatriz Brandão deu vida a seus argumentos e diálogos teóricos neste livro tem como traços a energia, o frescor e a curiosidade de uma pesquisadora que se expos aos desafios que seu campo ofereceu. Ela os aceitou e seu respeito a fez ser afetada por eles. Este texto é, portanto, um trecho de outra trajetória de rupturas e novas costuras da própria autora. Este trabalho modificou quem o escreveu e o deslocou para novos lugares por onde e para onde olhar. Como ex-professor e atual colega da autora, minha esperança é de que ao menos um pouco dessa experiência renovadora que pode ser trazida pela curiosidade acadêmica e pelo desejo de justiça quando se casam seja experimentada pelos leitores.
Dario de Sousa e Silva Filho
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Professor associado do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde atua como pesquisador efetivo do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais.
PREFÁCIO
Somos movidos por sentimento. Ele é o que de mais puro e verdadeiro pode habitar em nós e nos mobilizar para a realização de um feito, de uma vontade e para efetivação de um profundo desejo. É nele e por ele que percorremos caminhos diferentes nesta vida, segundo o que nos toca e em nós faz morada. Beatriz constrói seu caminho em total sensibilidade, não deixando que o mais importante do campo de sua pesquisa se esconda ou escape do olhar, nisso mostra a que veio. Dá voz ao outro e desenha as cenas com a palavra, com o texto em que conseguimos ver claro o começo, meio e fim de uma intenção, ao apresentar num quadro de vários tons e pinceladas as dores e os sonhos que passaram por ali.
Suas palavras são recheadas de afeto, compromisso humano social, ideias e conceitos que cursam análises responsáveis em territórios de profundas contradições. Revela nestas contradições de luz, sombra e escuridão um mosaico que se compõe da realidade sentida, partilhada e minuciosamente analisada em cenários distintos com sujeitos tão iguais nas suas diferenças que os aproximam pela necessidade do abrigo. Oferece-nos, na generosidade pensada que o intelectual possa ter, uma visão que apresenta o sentido e as representações dos dramas, das tramas, das cenas e dos cenários da inclusão pela exclusão. Da dor que aproxima sujeitos no sentimento de acolhimento.
Essa verve de sentir na pele dá a autora alteridade à sua escrita, que posta em letras, sílabas e fonemas, traduz em ebulição, pensamento e movimento. Temos, então, a singularidade de um texto autoral que põe em palavras etnográficas o documento da arte de ler e se colocar no mundo em depoimentos e conversas – diálogos que nos estruturam na linguagem do que somos – humanos. Beatriz mostra que pesquisa é muito mais que interpretação, é vivência e experimentação de um pulsar que registra, que traduz, que navega, opera, ler em reentrâncias. Faz-nos perceber que pesquisa é sentir sem sucumbir. E na fortaleza e propósito de sabendo não haver neutralidade, descreve o campo teórico que se filia, oferecendo ao leitor a exata localização da sua filiação. É nela que lê as chaves deste mundo, que se coloca em veia pulsante, imersa na complexidade humana e social do que somos, fazemos e nos tornamos.
Beatriz faz que não somente nossos olhos se mobilizem nas frases para materialização das ideias, mas transforma a pesquisa numa leitura sólida, criando a materialidade que proporciona à pele sentida, a entrada numa situação vivida, mas antes não sabida. Situação esta tão comum aos olhos sociais, que muitas vezes negligenciam na atitude, na falta de compreensão e na análise de dada situação, enfraquecendo intervenção que romperiam com processos de subjugação. Assim, sua intervenção em palavras é fulcral para aguçar novos olhares, esclarecer, transpor, resignificar. O livro abre em detalhes o que é de fundamental para a compreensão humana, nos tirando do julgamento superficial. Por isso, nos oferece entendimento em metáfora do real e poesia do possível.
Os escritos de Beatriz nos apresenta sua vocação com as letras que percebe no silêncio as nuances da fala, o tom da palavra, a semiótica do olhar, a intenção do movimento. Dessa forma, esta leitura satisfaz a nossa fome de compreensão de jovens na sua condição de vulnerabilidade, de dependência, de solicitação ao acolhimento, no campo das profundas e legítimas necessidades. Numa obra, que aproxima as esquinas
de Roma e Rio, a autora expõe seu DNA
de profunda percepção das contingências do viver. E é com capítulos que se conversam que vai delineando um estar que nos tira do conforto, repondo nossa imensa responsabilidade de projeto de sociedade e realização de políticas públicas para amparo do outro.
A obra nos mostra uma face madura de quem sabe priorizar as narrativas dos seus sujeitos, as singularidades deles e dos cenários que, como diz compartilham o fato de possuírem uma carreira de rupturas; a formação de vínculos frágeis no processo de construção de suas identidades
. É nos vínculos institucionais que interpreta e questiona a função social do acolhimento, da base histórica e política que compartilham na situação de vulnerabilidade. Diz-nos que Rio e Roma partilham o abandono, o olhar à margem e a ação tutelar
.
Muito bom ter esta pesquisa em livro para que maior se divulgue uma investigação que aguça o pulsar analítico, os limites e possibilidades da escrita em voz numa análise circunstanciada pela leitura da dor, da alegria feita dela, das possibilidades de vida apresentada apesar dela. São os jovens nas suas tramas de vulnerabilidade que em uníssono poderiam nos dizer e nos dizem: Me chama pelo nome
nos levando ao sentimento de conferir ao distante o que não podemos retirar dele – a sua condição de sujeito, de ser pessoa única e insubstituível na sua trajetória de ser. São esses atributos humanos que Beatriz resgata na leitura de suas vidas, expondo entranhas do nosso sentir.
Dessa forma, noção de pertencimento, território, família, cultura, vivências, desigualdade e rupturas, se transformam em dimensões importantes para o processo de análise e reflexão que acontece por meio de um estudo em que microrrelações expõem um contexto macro, apresentando o caráter de um Estado, de uma sociedade, das políticas sociais, da intenção de uma época. Do sentimento de justiça e abrigo produzido pela humanidade no seu momento histórico. São esses atributos que colocam em carne a pluralidade dos sujeitos da pesquisa nas suas condições de exclusão, vulnerabilidade, risco social, desamparo, exílio, da expulsão da Pátria. É na vida desses meninos que se encontram no cotidiano de suas particularidades recortadas pelo signo da falta, que são marcadas as relações da postura institucional, social e estatal em processos de ruptura diferentes.
O que li descortina as faces representativas da violência simbólica, da condição de pobreza e miserabilidade que expõe nas marcas de feridas vividas em tenra idade. Assim, apreendemos que os históricos que nos apresentam na vida social não são lineares, porque sendo também emocional, exprime o inesperado, a subjetividade que transpõe o imprevisto dos fatos, a contínua ação de um lutar, ainda que nas brechas pela sua autonomia.
As interlocuções realizadas nos centros de acolhimento no Rio e em Roma reposiciona conceitos e concepções desenhando o campo vivido, sentido e partilhado, delineando a escrita do pesquisador, tornando os textos uma paráfrase de suas vidas
. É dessa forma que Beatriz nos expõe o objetivo de não mostrar as suas vozes por eles e sim com eles
. Por isso, esta obra merece ser lida, pensada e refletida.
Maylta dos Anjos
Doutora e Mestre em Ciências Sociais pelo CPDA da UFRRJ. Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências do IFRJ.
Sumário
INTRODUÇÃO
UMA INTRODUÇÃO AFETIVA: PONTOS DE ENCONTRO E PONTOS DE RUPTURA
CAPÍTULO 1
EXCLUSÃO, VULNERABILIDADE E JUVENTUDE – APONTAMENTOS TEÓRICOS
1.1 Aspectos da pobreza e exclusão urbana
1.2 Marcos da vulnerabilidade e visibilidade precária
1.2.1 A relação com os atores externos
1.3 A face dos jovens em conflito com a lei – análise dos meninos de Roma
1.4 Juventude dicotômica – a questão histórica da menoridade
para os meninos do Rio de Janeiro
CAPÍTULO 2
O ESTADO NAS MARGENS E AS MARGENS NO ESTADO
2.1 Uma antropologia