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Um pioneiro na selva brasileira:: A história de aventuras da colônia alemã de Rolândia
Um pioneiro na selva brasileira:: A história de aventuras da colônia alemã de Rolândia
Um pioneiro na selva brasileira:: A história de aventuras da colônia alemã de Rolândia
E-book479 páginas6 horas

Um pioneiro na selva brasileira:: A história de aventuras da colônia alemã de Rolândia

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Sobre este e-book

No nosso mundo altamente tecnifi cado, tornaram-se raras as pessoas com sangue aventureiro e espírito combativo, que deixam seu torrão natal e arrojam rumo ao desconhecido, tal como verdadeiros pioneiros. Um deles é o autor do presente livro, que pretende ser algo mais do que um simples tomo de recordações. Oswald Nixdorf é o fundador de Rolândia, uma cidade no interior do estado do Paraná. À primeira vista, nela não há nada que se destaque e se diferencie de outras cidades do estado. Entretanto, é difícil de imaginar que, ali, onde se situa a cidade - e a obra de Nixdorf, transformada em pedra - e nas terras hoje cobertas por extensas plantações, ainda era floresta intocada há pouco mais de meio século. A história da colônia - que traz em seu bojo o nome da estátua do herói Roland, cujo original se encontra diante da prefeitura de Bremen, Alemanha - e a biografi a de seu fundador são inseparáveis: nascido em 1901, Oswald Nixdorf passou sua infância e juventude em Bremerhaven e Bremen. Após concluir os estudos de agricultura tropical na cidade de Witzenhausen, passou dez anos como plantador de tabaco e pecuarista em Sumatra. Em 1932, a serviço da Sociedade de Estudos Econômicos no Além-Mar, veio para o Brasil encontrar uma área propícia para o assentamento de imigrantes alemães no Novo Mundo.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento1 de jun. de 2016
ISBN9788572168342
Um pioneiro na selva brasileira:: A história de aventuras da colônia alemã de Rolândia

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    Pré-visualização do livro

    Um pioneiro na selva brasileira: - Oswald Nixdorf

    Reitora:

    Berenice Quinzani Jordão

    Vice-Reitor:

    Ludoviko Carnasciali dos Santos

    Diretor:

    Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello

    Conselho Editorial:

    Abdallah Achour Junior

    Edison Archela

    Efraim Rodrigues

    Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello (Presidente)

    Maria Luiza Fava Grassiotto

    Maria Rita Zoéga Soares

    Marcos Hirata Soares

    Otávio Goes de Andrade

    Rosane Fonseca de Freitas Martins

    Rossana Lott Rodrigues

    A Eduel é afiliada à

    Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos

    Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

    Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

    N736p

    Nixdorf, Oswald.

    Um pioneiro na selva brasileira [livro eletrônico] : a história de aventuras da colônia alemã de Rolândia / Oswald Nixdorf ; [tradutor: Werner Paulo Oesterle]. – Londrina : Eduel, 2016.

    [livro eletrônico]

    Vários autores.

    Inclui bibliografia.

    Disponível em http://www.eduel.com.br

    ISBN 978-85-7216-834-2

    1. Alemães – Rolândia (PR). 2. Imigrantes – Paraná. 3. Rolândia (PR) – História. I. Oesterle, Werner Paulo. II. Título.

    CDU 325.14(816.2)

    Direitos reservados à

    Editora da Universidade Estadual de Londrina

    Campus Universitário

    Caixa Postal 6001

    86051-990 Londrina PR

    Fone/Fax: (43) 3371-4674

    e-mail: eduel@uel.br

    www.eduel.com.br

    Depósito Legal na Biblioteca Nacional

    2016

    Sumário

    Prefácio

    A partida

    Traslado

    O Lorde Lovat, sua empresa de colonização e sua ferrovia

    Primeiros passos

    Revolução

    Colonização

    1933

    A fértil terra roxa

    1934

    Uma nova era

    Buracos no mar verde

    1935

    1936

    Sem ajuda da Alemanha

    Canção pioneira do Bloco I, de Gustav Flügel

    1937

    1938

    O Rei Café

    1939

    1940

    1941

    1942

    Guerra

    Natal na penitenciária

    1943

    Desapropriação

    1944

    1945

    Consequências da guerra

    1946

    1947

    Tempos difíceis

    1948

    Nossa Senhora Aparecida

    1949

    No Vale do Paraíba

    1950

    1951

    Luta pela Granja

    1952

    1953

    De volta ao lar

    1954

    Uma nova aventura no Pantanal do Mato Grosso

    1955

    1956

    Pouso de emergência na floresta

    1957

    O Roland de Bremen em Rolândia

    Retrospecto e perspectiva

    Por ser o primeiro filho homem de Oswald Nixdorf e o mais velho dos irmãos ainda vivos, Klaus Nixdorf, nascido em Londrina em 1934, acredita ser uma das pessoas de convívio mais próximo a seu pai, tendo, assim, conhecido a fundo a vida do progenitor.

    O Engenheiro Agrônomo Oswald Nixdorf (1902-1981) se formou na Universidade de Witzenhausen, na Alemanha. Foi um profissional exemplar, inteligente, capaz, trabalhador, honesto, fiel, excelente pai e muito dedicado às suas causas. Com sua esposa, Hildegard Nixdorf (1902-1996), teve cinco filhos: Gisela, Almut e Harm, já falecidos, Bernd, que vive há anos na Alemanha, e Klaus, ativo em Londrina, Paraná, Brasil.

    O casal soube criar os filhos com amor e muitos princípios, deixando exemplos, apesar das grandes dificuldades decorrentes da Segunda Guerra Mundial e suas consequências no Brasil, um país emergente, novo, com diversos problemas sociais, políticos e principalmente econômicos.

    Oswald sempre soube se adaptar. Nunca se desesperou! Foi reconhecido, apesar de estrangeiro (alemão), por ter ajudado muitos brasileiros e imigrantes de outras 33 etnias, que participaram da fundação de Londrina e do desenvolvimento do Norte do Estado do Paraná, além de ter contribuído com outros Estados brasileiros e mais alguns países do mundo, nos quais trabalhou.

    Depois de dez anos de trabalho em Sumatra (Indonésia) e mais um tempo nos Estados Unidos e na própria Alemanha, veio para o Brasil, trazendo em mãos dois contratos: um para ser o primeiro Diretor Técnico da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), companhia inglesa responsável pelo desenvolvimento de toda a região do norte do Estado; e outro, de uma entidade alemã, que o encarregava de fundar uma colônia para os imigrantes alemães nas próprias terras dessa Companhia.

    Em apenas um ano de serviços prestados à CTNP, sugeriu a venda aos imigrantes de apenas pequenos lotes, em vez de grandes fazendas, como defendiam inicialmente os dirigentes da Companhia, pois assim se justificaria economicamente a construção da estrada de ferro e se popularizaria a região com o maior número possível de proprietários. Desse modo, implantou um modelo de reforma agrária, pois os imigrantes vinham sem recursos, com mão de obra limitada, precisando derrubar a mata e criar as áreas de cultivo. Só então a produção agrícola economicamente lhe daria algum retorno financeiro.

    Tudo isso está comprovado por escrito pelo famoso primeiro inglês que pisou nessas terras, em 21 de agosto de 1929, Georg Craig Smith, também funcionário da organização de colonização inglesa.

    Depois de escolher uma reserva de mata virgem dentro do terreno da CTNP destinado a alojar os imigrantes alemães que estavam a caminho e determinar o local para a implantação de um patrimônio (então futura cidade de Rolândia), Oswald optou por se dedicar apenas à Colônia Roland, rescindindo seu contrato com a CTNP.

    Apesar do curto espaço de tempo de dedicação exclusiva à CTNP, seu mérito nunca foi esquecido, podendo inclusive ser considerado um dos fundadores de Londrina.

    Com a Revolução Constitucionalista de 1932, toda a região ficou isolada. As dificuldades econômicas e políticas na Alemanha aumentaram. Os primeiros colonos previstos para chegar de lá não vinham. Como os lotes já estavam demarcados, com prazos previstos para ocupação, Oswald buscou uma alternativa, convidando alemães dos Estados do Sul – onze famílias, que haviam chegado ao Brasil em épocas anteriores – a ocuparem esses lotes. Assim se iniciou a colonização de alemães na região de Rolândia.

    Não descrevemos aqui todo o trabalho então desenvolvido, pois trata-se de parte do conteúdo deste livro.

    Nos primeiros anos da colonização, anteriores ao começo da Segunda Guerra Mundial, Oswald era a pessoa de quem todos dependiam, pelos conhecimentos agronômicos e experiências de colonização adquiridos em Sumatra. Ele foi o grande orientador dos colonos, não só alemães, como também suíços, japoneses, italianos, espanhóis e de tantas outras nacionalidades que se estabeleceram na região.

    Durante cinquenta anos na região, prestou consultoria gratuita e ajuda indiscriminada às inexperientes famílias. De igual modo, sua esposa Hildegard exerceu a mesma dedicação às primeiras mulheres, acompanhantes dos esposos colonos.

    É importante lembrar o acolhimento a aproximadamente oitenta famílias de ascendência judaica que, fugitivas do hitlerismo, como tantos outros imigrantes, encontraram na colônia fundada por Oswald um lugar pacífico, e a ela foram integrados sem distinção (se ele fosse nazista, como alguns sensacionalistas chegaram a cogitar, com certeza não teria feito isso!). A comunidade judaica era composta por profissionais de alta qualificação. Eram médicos, professores, dentistas, advogados, que precisavam da ajuda de Oswald. Muitos foram recebidos como hóspedes na Granja Nixdorf, enquanto aguardavam o término da montagem de seus ranchos.

    Com o estouro da guerra, em 1939, os ingleses, liderados por Arthur Thomas, da CTNP, seguidos por alguns outros imigrantes simpatizantes dos países aliados contra o Eixo, se posicionaram contra o líder da Colônia Roland, Oswald Nixdorf, tirando-lhe ocasionalmente o mérito de ter fundado Rolândia – mas não conseguiram mudar a história!

    De fato, aconteceram coincidências trágicas para Oswald e sua família após o Brasil romper relações com as nações do Eixo. Como líder de Colônia, possivelmente estivesse na lista da polícia de Getúlio Vargas, que empenhou-se em perseguir severamente os imigrantes daqueles países. E mais: por Oswald ter sido diretor da colonização e ser o primeiro agente consular alemão para o Norte do Paraná, pertencia, por designação do cargo, ao partido do governo da época na Alemanha. Como se não bastasse, surgiu, de repente, não se sabe de onde, um alemão de nome August Nixdorf (sem qualquer parentesco com Oswald), que, em prazo recorde, montou uma pequena casa comercial na cidade de Rolândia. Esse senhor (espião?) tentou criar na Colônia uma situação de dependência do partido nazista da Alemanha, no auge da guerra.

    Em consequência, quando August foi preso em Curitiba (a verdade veio à tona com a abertura recente dos registros do DOPS à consulta pública), para se livrar da prisão, disse que Oswald era seu irmão e que era ele quem planejava fundar o partido nazista em Rolândia.

    Baseado nessa alegação inverídica, Oswald foi preso e desapropriado de sua granja. A polícia queimou a rústica casa de troncos de palmito, pôs na rua sua esposa e seus quatro filhos pequenos. Sua família teve que ir a pé, com a roupa do corpo, até a cidade de Londrina (20 km), onde se hospedou em quatro lares diferentes, de alemães ainda amigos, que os acolheram por caridade.

    Mais além da dramática e fascinante história escrita por Oswald, só mais tarde, após sua morte, seu filho Klaus relata neste prefácio a resposta para a pergunta eterna de Oswald, seus familiares e amigos: por que ele foi preso, desapropriado, com grandes prejuízos e sofrimento, durante dez anos (a década de ouro da cultura do café), só então recebendo de volta sua propriedade totalmente destruída e sem um centavo de indenização?

    No final da década de 1980, Klaus foi convidado por um rolandense (de origem judaica), cujo sobrinho trabalhara próximo a Hitler, na Alemanha, a conhecer, por meio de seu relato, as ideias daquele líder sanguinário que planejava conquistar o mundo. Hitler tinha conhecimento da existência de grande número de alemães colonos nos Estados do Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e almejava construir ali uma base para conquistar as Américas, como fez em outros continentes. Com essa finalidade, enviou quatro submarinos (torpedos) à costa brasileira.

    Por razões desconhecidas, os americanos descobriram a tática a tempo e afundaram os blindados. Seria isso verdade? O auspicioso navegador Vilfredo Schurmann, de Florianópolis, Santa Catarina, que em 2014 iniciou, com toda a família, a terceira volta ao mundo, nos contou que ele também tinha dúvidas sobre essa bizarra história dos submarinos alemães. Foi assim que resolveu partir para a expedição Lobo Solitário e, por conta própria, trazer para a superfície o monstruoso submarino U-513, encontrado nas costas catarinenses.

    As perguntas pairam no ar: teria aquele criminoso sórdido e louco, no governo alemão, qualquer ideia da vida sacrificada que os colonos alemães, japoneses e italianos, pobres, por analogia enquadrados no falado eixo, aqui levavam, fugitivos do próprio hitlerismo, na época, no meio do mato? O que poderiam eles daqui fazer? O que teriam em comum para se juntar e se aliar com alemães, de mundos tão distantes, até chegar a satisfazer um sonho maluco e inconcebível daquele ditador autocrata?

    Precisamos reconhecer que nossa família e tantas outras no Brasil sofreram horrores por causa daquele plano mirabolante e que os americanos chegaram a tempo para poupá-los de situação pior!

    A única exigência dos americanos, depois da conquista do Brasil como aliado na guerra, contra a própria vontade do Presidente Getúlio Vargas, muito amigo de alemães, italianos e japoneses, era de que as autoridades brasileiras afastassem todos os líderes de suas organizações, no Sul do país. Assim, padres, pastores, diretores de escolas e associações deveriam ser subtraídos de suas comunidades para evitar que pudessem promover reuniões a favor do plano hitlerista.

    Empolgadas, muitas autoridades brasileiras e seus subordinados exageraram. Além de distanciarem esses lideres comunitários, judiaram deles e de seus familiares, expondo-os ao ridículo, muitas vezes queimando suas casas, roubando-lhes pertences e deixando-os em situação humilhante. Fruto de todo esse drama, não foram poucos os suicídios na região!

    Prestados esses esclarecimentos e provas, não nos resta dúvida de que bem mais que um certificado de cidadão honorário, uma plaquinha com o nome, que inclusive foi roubada, e a nomeação de uma rua seria devido para homenagear o casal Nixdorf na cidade que fundou. Foram dedicados cinquenta anos de suas vidas a Rolândia e ao Norte do Estado do Paraná. Chegaram em 21 de abril de 1932. Oswald escolheu a área de implantação da cidade, trabalhou incansavelmente para que se construíssem hospitais, igrejas, escolas, foi preso injustamente, ajudou incessantemente e gratuitamente a todos que o procuravam e jamais foi retribuído com o título de fundador a que fez jus em Rolândia e região?

    Tudo isso é bem diferente do que fizeram para seu colega Andreas Thaler, que, na mesma época, fundou a colônia austríaca em Treze Tílias, Santa Catarina, recebendo bustos, estátuas e reconhecimento efetivo em todos os cantos daquela cidade.

    Esperamos que Rolândia e região valorizem a história do grande fundador Oswald Nixdorf. Esperamos que a honra que lhe é devida, mesmo que postumamente, seja-lhe concedida.

    Klaus Nixdorf

    londrinense com muito orgulho e filho de Oswald Nixdorf

    Em nosso mundo altamente tecnificado, tornaram-se raras as pessoas com sangue aventureiro e espírito de luta que ousam desprender-se de seu torrão natal e, como pioneiros, realizar feitos gloriosos em terras distantes. Uma pessoa desse quilate é o autor do presente livro, o qual pretende ser mais do que um mero compêndio de recordações.

    Oswald Nixdorf é o fundador de Rolândia, uma comarca no Estado brasileiro do Paraná. À primeira vista, nela não há nada de extraordinário ou algo que a diferencie de outras cidades do Estado. Entretanto, é difícil imaginar que ali onde hoje se situa a cidade – a obra de Oswaldo Nixdorf erguida da mata nativa que se tornou selva de pedra – e onde também se estendem imensas lavouras, há apenas meio século ainda prevalecia a floresta tropical intocada.

    A história desse povoado, cujo nome deriva da estátua levantada em frente à Prefeitura de Bremen, em homenagem ao guerreiro Roland, e a biografia de seu fundador são inseparáveis. Nascido em 1902, Oswald Nixdorf passou sua juventude nas cidades de Bremerhaven e Bremen. Após a conclusão de seus estudos no Colégio Colonial na cidade de Witzenhausen, viveu durante dez anos em Sumatra como plantador de fumo e pecuarista. Em 1932, veio para o Brasil como encarregado da Sociedade de Estudos Econômicos do Além-Mar, tendo na bagagem a tarefa de encontrar uma área apropriada para o assentamento de imigrantes alemães e de elaborar um plano de colonização para esses colonos no Mundo Novo.

    O começo foi desumano e a sequência cheia de aventuras, sempre ameaçado pelo fracasso. As primeiras casas foram levantadas no meio da mata, com tábuas serradas manualmente pelos próprios colonos, extraídas da madeira derrubada no local.

    Privações, catástrofes naturais, movimentos políticos, revoluções e, não por último, a Segunda Guerra Mundial puseram o empreendimento em risco muitas e muitas vezes. Apenas a persistência, o esforço e a vontade inquebrantável de todos os envolvidos em criar para si uma nova pátria nesse local, garantiram o sucesso final.

    Em suas memórias, Oswald Nixdorf relata o surgimento repleto de aventuras e a movimentada história da Colônia Rolândia, que se tornou um símbolo de espírito pioneiro e obra comunitária de muitos abnegados.

    EDITORA HORST ERDMANN VERLAG

    Tübingen e Basileia

    Este livro não existiria sem a incansável ajuda de minha mulher, Hilde, e de nossos filhos. A eles seja dedicada esta obra.

    Imenso agradecimento devemos à amiga Amrei Häussler, sempre disposta a colaborar, e à Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, pela disponibilização de seus arquivos.

    Considerando, por um lado, que possuo os diários escritos desde o princípio, todos os documentos dos primeiros anos e que, por outro lado, julgo que a integração de imigrantes estrangeiros a um povo hospedeiro, com a preservação de suas características, seja uma tendência, resolvi escrever este livro. No pano de fundo deverão ficar registrados para a posteridade as informações históricas, enquanto que no proscênio as minhas experiências pessoais, tão ricas de passagens, devem encher de vida os números frios da estatística.

    Prefácio

    Roland e Rolândia, a colônia e o município que dela resultou no Norte do Estado brasileiro do Paraná, voltam os olhos para apenas 43 anos de história. No entanto, quem visita a cidade, nos dias atuais, fica impressionado com a prosperidade, a ordem e a limpeza que reinam no local. Quem adentra pelas extensas plantações sobre a topografia levemente ondulada e visita um ou outro produtor rural de pequeno ou médio porte, percebe que aqui moram pessoas felizes e conscientes do seu sucesso. Quem participa de uma de suas animadas festas, sente-se transposto para um mundo em que pessoas de todos os rincões e de muitos países trabalham e convivem em harmonia. Ali veremos uma mesa com brasileiros de 400 anos conversando com italianos, japoneses e alemães; ou estarão na arquibancada do campo esportivo apreciando os desfiles e as acrobacias de seus jovens, desfraldando suas bandeiras e tocando suas músicas.

    Há uma geração e meia, nesse local e mais adiante, entre os rios Paranapanema, Ivaí e Paraná, ainda se estendia uma floresta pouco explorada, estabelecida sobre uma terra julgada pelos entendidos como extraordinariamente fértil, o que mais tarde foi confirmado plenamente pelos colonizadores. Abrir aquelas terras ficou ao encargo de uma empresa de Londres, a Paraná Plantations Ltd., com o auxílio de duas subsidiárias brasileiras e em cooperação com a Sociedade para Estudos Econômicos do Além-Mar, com sede em Berlim, sob a direção do então Ministro Erich Koch-Weser. A partir dessa cooperação, surgiu a colônia inicial de Rolândia, 22 km a oeste da atual metrópole Londrina, a pequena Londres. Em 1932, um dos pioneiros na mata fechada e também o fundador e gerente da colônia, a serviço da Sociedade de Estudos, foi Oswald Nixdorf, preparado para esta difícil missão na Escola Colonial de Witzenhausen, com experiência prática em economia colonial neerlandesa. Em memória à sua cidade natal de Bremen deu à colônia o nome Roland. Uma réplica da estátua do Roland, erguida diante da prefeitura de Bremen, o Roland mais jovem, encontra-se defronte à estação ferroviária de Rolândia desde 1957, como símbolo de união entre a pátria dos primeiros colonos e a florescente cidade nova.

    A colônia se diferenciava de outros núcleos do Sul do Brasil em vários aspectos, principalmente em relação àqueles colonizados no decorrer do século XIX por italianos e alemães. Aqui, desde o princípio, encontram-se pessoas de diversas nacionalidades, que na abertura de suas terras, na construção de casas e estradas, em grande parte empregaram trabalhadores. A média de um lote de terras, que no Sul era de 25 ou menos hectares, aqui se situava entre vinte e cinco e duzentos e cinquenta hectares. Entretanto, por intercessão de Nixdorf junto à sociedade inglesa e junto às autoridades alemãs e brasileiras, a extensão desses lotes foi reduzida e a implementação de uma série de medidas, tais como o traçado de estradas ao longo dos divisores de água, influenciou a evolução da colonização rasante e salutar do Norte do Paraná para além dos limites de Rolândia. Não houve a formação de grandes latifúndios com poucos proprietários e massas de trabalhadores e nem de sociedades anãs, mas sim propriedades de média extensão, que permitiram a seus proprietários a livre movimentação e o cultivo de uma vida intelectual ativa. Também é mérito do fundador o fato de que um grande número de famílias com tradições culturais ali se estabeleceu. No entanto, o fundador procurou, em vão, combater o desmatamento abusivo.

    Aquele que hoje lança seu olhar sobre esse universo pode constatar, com satisfação, que no Norte do Paraná se estabeleceram a doutrina, a ordem e os ideais de Witzenhausen, combinadas às experiências dos holandeses em Sumatra, à velha herança cultural alemã e ao espírito empreendedor dos ingleses e, não por último, ao empenho de lideranças brasileiras que contribuíram para o progresso econômico dessa região. Mas o elo entre esses elementos tão distintos foi Oswald Nixdorf e com ele sua esposa Hilde, que perseverou a seu lado em tempos de perigos, necessidades e duras provações, contribuindo com força e lealdade extremas.

    A atuação de Nixdorf foi repetidamente homenageada por mentes condecoradas, tais como: Friedrich Prüster, em sua obra Roland e Rolândia, Bremen, 1957; e Orion Villanueva, em Rolândia, terra de pioneiros, Londrina, 1974. Apenas para mencionar as honrarias mais importantes, o Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart lhe concedeu a medalha por méritos especiais e a Prefeitura do Município de Rolândia o declarou cidadão honorário.

    Agora que se propõe a empunhar a caneta, isso acontece para relembrar aos valentes colaboradores e aos empenhados colonos o surgimento da colônia e do município em seus aspectos íntimos, para mostrar aos jovens como foi dura a batalha pela sua terra natal, e que os pioneiros não a receberam de graça. Em seu trabalho, Nixdorf baseou-se em seus diários e álbuns fotográficos, cartas, documentos particulares e oficiais, cuja veracidade é comprovada por seus depoimentos pessoais.

    Seja a leitura feita segundo o entendimento do autor e compreendido o seu espírito.

    Karl Fouquet

    São Paulo, junho de 1975

    A partida

    Em Hamburgo, vamos a bordo do vapor da companhia Hapag General San Martin. Nós, quero dizer minha mulher e eu, ambos com 29 anos de idade, nossa filhinha Gisela, com um ano e meio. É o dia 2 de abril de 1932. Porto de destino: Santos, Brasil.

    O que nos espera? Vamos ao encontro de uma vida que certamente não será fácil, mas na qual poderemos respirar com maior liberdade do que na Alemanha debilitada economicamente.

    O céu é de um azul profundo, o mar infinito e inquietante em sua lenta ondulação. À medida que navegamos rumo ao sul, os portos se apresentam em clima primaveril e em cores vivas. La Corunha, Porto, Vigo. É agradável deixar a Alemanha, ainda com o frio do inverno. Aos poucos nos livramos das tensões que tanto nos fizeram sofrer no combalido país.

    Mesmo assim ficamos pensando se foi correta a nossa decisão de partir para o interior do Brasil, em grande parte ainda inexplorado. E a decisão definitiva havia sido tomada há apenas seis semanas.

    Como chegamos a essa decisão?

    O antigo Chanceler alemão, Hans Luther, havia viajado à América do Sul no final da década de 20. Nessa ocasião, soube das muitas dificuldades pelas quais passavam os imigrantes alemães, e que, muitas vezes, causavam-lhes enormes prejuízos. Tais dificuldades Luther tencionava diminuir. Em Berlim, com a ajuda do Governo, das sociedades de navegação marítima e dos bancos atuantes no além-mar, fundou-se a semipública Sociedade para Estudos Econômicos de Além-Mar. Esta tinha por objetivo conduzir de modo transparente e limpo o processo de imigração alemã em curso. Deveriam ser selecionadas sociedades de colonização idôneas, cujas terras tivessem a documentação em ordem. O acesso viário aos mercados deveria ser razoável, o clima adequado para europeus, os solos de boa qualidade, com topografia favorável e acesso a água. A essas empresas colonizadoras, que cumprissem esses pressupostos, seriam encaminhados os candidatos à imigração. Nessas empresas deveria atuar um técnico designado pela Sociedade para Estudos Econômicos do Além-Mar, que atuaria como intermediário entre a sociedade colonizadora e os colonos e como gerente da colônia e consultor agropecuário, além de se empenhar pelo bem estar econômico e cultural dos colonos.

    O imigrante iria comprar suas glebas da Companhia de Terras. Dez por cento desse valor deveria ser revertido a favor de um Fundo Cultural, que ficaria à disposição do gerente colonial, para fins de assistência cultural aos colonos, construção de escolas e igrejas, pagamento de professores e sacerdotes e muitas outras coisas mais.

    Era uma boa ideia. Entretanto, quando Luther se tornou presidente do Reichsbank, faltou-lhe tempo para gerir a sociedade. Sua gestão foi entregue ao Ministro Erich Koch-Weser.

    Após a conclusão dos meus estudos na Escola Colonial Alemã, em Witzenhausen, estive em Sumatra até 1927, como cafeicultor. Naquele ano, alguns companheiros e eu, em conjunto com o Lloyd do Norte da Alemanha, fundamos um empreendimento de criação de gado no Norte de Sumatra. A fim de angariar fundos para esse empreendimento, me despedi de minha sociedade de cafeicultores e viajei para a Alemanha. Queria aproveitar a oportunidade da viagem para cumprir uma promessa que, a título de brincadeira, as mães das famílias Boening e Nixdorf haviam feito em 1902, de que seus filhos recém-nascidos, Hilde e Oswald, algum dia se tornariam marido e mulher. Acredito que naquela ocasião havia algum tipo de premonição pairando no ar: o fato é que realmente nos casamos em 1927 e retornamos juntos a Sumatra.

    Quando, em 1930, o Lloyd foi obrigado a interromper seus pagamentos, o empreendimento em Sumatra passou a enfrentar enormes dificuldades. Fui mandado para a América do Norte. Ali, os nossos amigos da Paramount Films, que em nossa fazenda haviam produzido o filme sobre animais selvagens com de nome Rango, queriam nos ajudar a levantar os recursos financeiros que faltavam. Entretanto, em virtude de seu período de atividades em Sumatra, nossos amigos não puderam avaliar corretamente os efeitos que a Sexta-feira Negra de novembro de 1929 haveria de produzir em sua terra natal. Não havia recursos disponíveis. A minha verba de viagem logo foi gasta. No entanto, eu não queria desistir de lutar por um empreendimento tão promissor como era o nosso. Eu tinha sócios, pelos quais me sentia responsável, tinha a mulher e uma filha em Sumatra. Durante o dia trabalhava como arrumador de quartos, lavador de louça e controlador publicitário; à noite, negociava com possíveis financiadores de minha causa. Por um acaso do destino, fiz contato com Geert Koch-Weser, que, após a conclusão de seu doutorado, por conta própria, estava empreendendo uma viagem mundial de trabalho com seu amigo Oberländer. A última estação da sua aventura era a atividade de tratorista da Ford, em Detroit, onde os encontrei.

    Geert era meu amigo de juventude. Em Bremerhaven, nossos pais haviam habitado a mesma casa geminada com jardim em comum, que carinhosamente era chamado de Brockshus. Após o término de sua viagem, queria iniciar uma atividade agropecuária em algum lugar do planeta. Nesse sentido, veio a calhar o nosso empreendimento em Sumatra, que lhe interessou de imediato. Certamente seu pai teria o dinheiro que nos faltava e, com esses recursos, poderia entrar como sócio. Prometeu escrever a seu pai. De fato, logo depois recebi um telegrama me convocando para Berlim. Uma viagem fantástica no vapor Bremen, do Lloyd alemão me trouxe a Bremerhaven, aonde cheguei em junho de 1931. Porém, na noite anterior, o banco Danatbank havia fechado seus guichês e Erich Koch-Weser havia perdido a maior parte do seu patrimônio. Não havia mais dinheiro para investir. Devíamos desistir definitivamente de nosso empreendimento em Sumatra. Minha mulher Hilde e a filhinha Gisela retornaram de Sumatra para a Alemanha. Um amigo e colega do colégio de Witzenhausen, Arthur Brande, nos acolheu em sua fazenda Gut Bülow, em Mecklenburgo. Foi onde eu pude ganhar o pão de cada dia para a minha família, no período mais miserável enfrentado pela Alemanha, entre fins de 1931 e princípio de 1932.

    Então Erich Koch-Weser me procurou. Como já dito, havia ficado no lugar de Luther na Presidência da Sociedade de Estudos Econômicos do Além-Mar, que ainda estava no princípio de sua existência. Somente um empreendimento de colonização na Argentina - Eldorado - havia sido contratado para os objetivos da Sociedade. Seu presidente, um cidadão de Frankfurt naturalizado inglês, por nome de Schwelm, encontrava-se em Londres e Koch-Weser ficou de se comunicar com ele. Talvez eu pudesse ir para Eldorado, onde já havia um gerente de colonização em atividade e onde eu poderia obter uma noção dessa atividade. Quando fossem encontrados outros empreendimentos de colonização, eu já estaria pronto para assumir a direção.

    Nessa atividade eu via uma nova possibilidade de sobrevivência para minha família. Eu via a chance de ajudar pessoas. Eu poderia aproveitar minha experiência adquirida em Sumatra. Com a nossa plantação de tabaco havíamos implantado com sucesso o assentamento de inúmeros javaneses. Pedi a Koch-Weser que escrevesse sua missiva a Schwelm o quanto antes.

    Saí para a rua totalmente absorto por essa conversa com Koch-Weser, trombando com uma pessoa: Lalo, que surpresa!Oswald, que surpresa!. Dois velhos amigos de escola e companheiros de luta em torno de Bremen, em 1919, e que há muitos anos não tinham notícias um do outro, encontram-se no turbilhão de pessoas nas ruas de Berlim: O que é que você está fazendo? Eu sou diretor da Lufthansa. Contei a ele de minhas perspectivas na Argentina, ao que Lalo (Gerhard Claussen) me disse: Para que escrever? Entre num avião e voe a Londres para falar diretamente com o cavalheiro, pois a passagem você já ganhou de presente. Quando é que você quer ir?. Maravilha, irei amanhã, eu disse.

    Voltamos com Koch-Weser, que achou o plano excelente e ditou sem demora uma carta para Schwelm. Logo lhe veio outra ideia: Lá em Londres existe uma Sociedade que se chama Paraná Plantations Ltd. Aquela gente tem uma gleba extensa de terras no Norte do Paraná, no Brasil, e querem assentar colonos. Só que ainda não sabemos nada sobre clima, solos etc. Além disso, pedem um preço muito alto pela terra, que nenhum colono alemão tem condições de pagar. O presidente daquela companhia é o Lorde Lovat. Como você já vai estar em Londres, fica fácil fazer-lhe uma visita. Quem sabe? Talvez possamos estabelecer algum acordo com eles mais tarde. A Sociedade em si tem um renome muito bom.

    Apesar de uma ventania insuportável, no dia seguinte um Albatros da Lufthansa me levou a Londres. Foi fácil encontrar o Senhor Schwelm. Entretanto, a conversa foi rápida e insatisfatória. Fui embora. Agora eu tinha tempo para a Paraná Plantations. Seu chefe, Lorde Lovat, estava viajando. Seu vice, certo General Asquith, veterano de guerra, portador de uma perna mecânica, era filho de um ex-Primeiro Ministro. Logo nos primeiros minutos nos entendemos bem. O interlóquio durou duas horas. No final da conversa, Asquith me disse: Olha, Nixdorf, vejo que você é experiente em agricultura nos trópicos e também em assuntos de colonização. Nossas opiniões sobre colonização coincidem. Se em Berlim estiverem dispostos a despachá-lo para o Norte do Paraná como gerente de colônia, então estamos dispostos a negociar o preço da terra.

    Duas semanas depois, na fazenda Gut Bülow, recebi um telefonema de Berlim. Era o Lorde Lovat. Asquith me falou de você. Você estaria disposto a vir a Berlim? Quero conversar com você. Era lógico que eu estava disposto. Na tarde seguinte eu estava em Berlim. Lorde Lovat era um senhor de certa idade, de espírito aberto. Também me identifiquei logo com ele. De novo a conversa durou duas horas. Isso foi em 26 de janeiro de 1932.

    Seguiu-se uma série de conversas com Koch-Weser. O Lorde Lovat baixou o preço da terra em 25%. Ficou acordado que eu iria ao Brasil para inspecionar as terras da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Se o meu veredito fosse positivo, eu deveria selecionar e demarcar uma gleba fechada de terras para uma colônia de imigrantes de língua alemã e dar início à colonização desde logo. Como gerente de colonização, eu deveria permanecer no local. Caso minha avaliação fosse negativa, a CTNP me ofereceria um emprego no âmbito de suas atividades, adequado às minhas necessidades. Todos estes itens foram estabelecidos em contrato e regulamento de trabalho.

    Considerando que na floresta não haveria nenhuma moradia digna e que Hilde esperava uma segunda criança, eu deveria seguir na frente. Mas não: uma separação de quase dois anos em nosso casamento já havia sido demais. Estávamos dispostos a fazer qualquer sacrifício, mesmo que fosse para viver debaixo de uma tenda por algum tempo, desde que pudéssemos ficar juntos, pois não estávamos dispostos a viver uma nova separação física.

    Traslado

    Agora o vapor singra rumo ao sul, com nós três a bordo. A entrada para Funchal, na Ilha da Madeira, é de singular beleza, também a cidade e toda a ilha. Tudo é flor – é como se fosse alto verão. A saída ao entardecer é inesquecível. A cidade iluminada se ergue com as montanhas e é coroada por uma estátua de Cristo a 700m de altitude. Em Funchal, veio a bordo o Conde Strachwitz com sua mãe, nascida Princesa Blücher. Ele havia sido gravemente ferido enquanto oficial na guerra, tendo ficado soterrado. Agora procurava sanar sua saúde debilitada com estadias temporárias em lugares mais amenos ao sul. Achou Madeira muito fria.

    O ritual de batismo pela travessia do equador é algo notável. Os calouros são colocados em cadeiras sobre o convés, de costas para a piscina, abundantemente pincelados com uma cola e recebem uma grande quantidade de doces. Depois são empurrados para dentro da água, onde marujos totalmente besuntados de graxa os mergulham com vontade. Tudo vai muito bem quando se trata de calouros jovens, mas quando mulheres de mais idade são submetidas ao ritual, fico um tanto chateado. Sou o último a ser pego. Quando chega minha vez, pego cada um dos marujos debaixo de cada braço e os prendo debaixo da água, até eles pedirem socorro. O Capitão Schenk, em sua ponte de comando, soprava o seu apito com toda sua força. Quando saí da água rumo ao chuveiro, olhares raivosos me acompanhavam. O terceiro oficial logo se achega a mim e diz que ouviu falar que à noite vou ter a minha merecida surra. Imediatamente desci ao alojamento dos marujos, onde os dois marujos fungavam sobre suas camas, ainda sujos. Estendi as mãos a eles. Senhores, brincadeira contra brincadeira. Vou dar a vocês uma caixa de cerveja, mas deixem de lado aquelas velhinhas que vocês meteram debaixo da água. Não façam mais isso. Desse modo, consegui restabelecer a paz.

    Seguem algumas páginas relevantes do meu diário:

    19 de abril de 1932: Está anoitecendo, temos lua cheia e estamos entrando na cidade de Rio de Janeiro, já iluminada. Pode haver coisa mais linda? Temos um dia de parada.

    20 de abril: Naturalmente temos de visitar o Pão de Açúcar. Subimos num velho bondinho. Trabalho alemão, como nos dizem repetidamente com reconhecimento. Não quebra nunca. Vale a pena: lá em cima se oferece uma linda vista sobre as montanhas, a cidade, a baía e o mar. Na plataforma de observação, a pequena Gisela molha sua calcinha. Seguro-a ao vento de verão por alguns minutos e resolvo o problema. Na volta, uma pessoa negra se senta ao meu lado. O primeiro impulso é saltar e abandonar o vagão. Para a mentalidade senhorial que me foi incutida em Sumatra é um choque e tanto. Mesmo que eu tenha lido e escutado que no Brasil não há preconceito racial, a realidade nua e crua é bem diferente. Agora o sentimento deve prestar auxílio à razão. Acabamos nos superando e conseguindo, Hilde se saiu melhor que eu.

    A excursão ao entardecer, acompanhando a quilométrica pérola de luzes de Copacabana e do Leblon, é quase ainda mais bonita que a entrada triunfal de ontem.

    21 de abril – Santos: Uma entrada do porto por entre mangues. Aqui uma vez meu pai apanhou febre amarela e quase morreu. Dehringer, da CTNP, nos recebe e nos conduz pela alfândega e autoridades portuárias. Quando quero levar Hilde, cujo estado interessante já é bem visível, de volta ao seu camarote até que tudo se resolva, Dehringer me diz: Pelo amor de Deus, Senhor Nixdorf, uma mulher neste estado é o maior ativo que o senhor pode ter no Brasil nestes casos. Deixe que ela nos acompanhe, sua presença vai nos ajudar bastante. E de fato logo tudo se resolveu.

    A viagem a São Paulo com o trem do café, com 900 metros de rampa em que é movimentado um engenhoso aparato de cabos de aço e correntes para superar as cinco etapas, é algo imponente. Passamos por um imenso local onde se queimava café. Brasas e fumaça por todo lado. Que coisa insana. Algo se revolta em mim: esse café poderia estar sendo tomado por milhões de pessoas. Em vez disso, está sendo queimado. Alguma coisa no comportamento humano está errado e alguma vingança certamente virá.

    22 de abril: São Paulo dá a impressão de uma cidade muito atarefada, ocupada em se

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