O jornal "A Voz da Infância" (1936-1950): Educação e cultura na modernidade paulistana
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Sobre este e-book
apresenta um jornal infanto-juvenil dos anos de 1930 e 1940, o A Voz da Infância, editado mensalmente por crianças e jovens na Biblioteca Infantil Municipal de São Paulo, a qual foi criada em 1936 como parte de um projeto do Departamento de Cultura, na época sob a direção de Mário de Andrade. Concebido para aproximar seu público da biblioteca e ainda propiciar sua permanência no local, o jornal reproduziu conteúdos transmitidos pela escola e foi representativo de valores
construídos a partir de um contexto e como manifestação de um modo de vida da modernidade paulistana.
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O jornal "A Voz da Infância" (1936-1950) - Azilde Andreotti
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Assistência Editorial: Augusto Pacheco Romano, Marina Vaz
Capa: Marcio Arantes Santana de Carvalho
Diagramação: Marcio Arantes Santana de Carvalho
Assistência Gráfica: Bruno Balota
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Edição em Versão Impressa: 2014
Edição em Versão Digital: 2015
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À memória de Romeu Andreotti e Nicolina C. Andreotti
Dedico este trabalho à Laura e Beatriz
Agradecimentos
Um trabalho de pesquisa mais demorado do que o espaço acadêmico exige, sempre conta com a colaboração de pessoas que, pela proximidade afetiva ou profissional, participam do processo de sua construção. Quero exprimir meus agradecimentos à todos que, diretamente ou não, colaboraram com o andamento deste trabalho.
Gostaria de mencionar, em especial a Profa. Dra. Ediógenes Aragão, que acompanhou uma primeira leitura do trabalho de pesquisa, aos alunos do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, integrantes das reuniões do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil
- HISTEDBR, do Programa de Filosofia e História da Educação e ao Prof. Dr. José Claudinei Lombardi, coordenador do Grupo.
Quero incluir os professores doutores Olinda Maria Noronha e Sergio Eduardo M. Castanho, que colaboraram no Exame de Qualificação, e as professoras doutoras Márcia Helena Lopes e Simone Siviero.
Finalmente, agradeço carinhosamente ao orientador deste trabalho, Prof. Dr. José Luis Sanfelice, pela competência, dedicação e que muitas vezes me indicou por onde ir na trajetória desta pesquisa.
Os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados dos outros aspectos de seu ser, exceto à custa da tautologia ou da extrema banalização. Não podem ser separados, mais que por um momento, dos modos pelos quais os homens obtêm seu sustento e seu ambiente material. Nem só por um minuto podem ser separados de suas idéias, já que suas mútuas relações são expressas e formuladas em linguagem que implica conceitos no momento mesmo em que abrem a boca
.
(Eric Hobsbawm, 1998, p. 87)
Sumário
Folha de Rosto
Página de Créditos
Dedicatória
Agradecimentos
Epígrafe
Apresentação
Referências
Introdução
Capítulo 1
1. A recuperação do objeto da pesquisa: o jornal A Voz da Infância
2. Acervos: agentes de recuperação histórica
Capítulo 2: Jornal como Fonte de Pesquisa
1. A especificidade do jornal A Voz da Infância
2. Informações sobre as crianças e jovens que compuseram o jornal A Voz da Infância
2.1. A origem sócioeconômica
2.2. Idade dos participantes do jornal A Voz da Infância
3. Informações sobre o conteúdo do jornal A Voz da Infância
3.1. Sessões do jornal
4. O jornal A Voz da Infância: Organização e Funcionamento
5. Presença de Lobato
Capítulo 3: A Biblioteca Infantil Municipal de São Paulo
1. A Biblioteca Infantil Municipal de São Paulo como instituição educativa
Capítulo 4: A Presença de São Paulo
1. A vocação paulistana
Capítulo 5: Educação Escolar – Projeto de Ascensão Social e de Progresso do País
1. Educação como fator de integração social
2. A criança que trabalha
Considerações Finais
Referências
Anexos
Anexo I
Anexo II
Anexo III
Anexo IV
Anexo V
Paco Editorial
Apresentação
Este estudo é um oportuno acréscimo à escrita da nossa História da Educação. Ele é também portador de uma certa originalidade. A originalidade é por conta do até então inédito uso da fonte: o jornal A Voz da Infância dos anos trinta e quarenta do século passado.
A investigação, trabalho sempre árduo, nasceu no âmago da convivência da pesquisadora, portadora da sua própria história, com os acervos documentais repletos de possíveis fontes. Como bem se sabe, não basta que existam documentos para que se chegue a um bom final de pesquisa. É preciso muito mais. O bom resultado só se torna viável pela postura perscrutadora, examinadora, investigativa, rigorosa, indagativa de alguém que tenta conhecer e entrar no segredo oculto das coisas.
Quantos outros sujeitos, também produtores de conhecimentos, teriam os seus olhares de linces, apontados para um jornalzinho? Um jornalzinho lá da primeira metade do século XX, produzido em uma biblioteca infanto-juvenil.
Mas, escolhida a fonte, a sua materialidade não produz por si só o conhecimento histórico. Todos nós aprendemos que esta mediação se dá apenas por meio do sujeito pesquisador munido dos seus instrumentos práticos e teóricos de trabalho.
A materialidade de um jornalzinho pode ser causadora de curiosidades: formato, diagramação, material usado, presença de figuras, cores, impressão e outras características podem chamar a atenção. Estas curiosidades, entretanto, às vezes se satisfazem em um nível empírico comum, ou não. Todas as características desta materialidade, caso se deseje, merecem também um tratamento de diferentes saberes científicos. Entretanto, para além desta materialidade, o que resta? Mais exatamente: a quais fatos esta materialidade vincula-se? Qual o segredo oculto nesta fonte? O que ela contém e que não se revela de imediato? O que dizem dos sujeitos que as produziram?
Quanto à natureza desta fonte, os historiadores, salvo melhor juízo, aceitam que:
As fontes históricas são todos os tipos de informação acerca do devir social no tempo, incluindo tal noção igualmente os próprios canais de transmissão dessa informação, isto é, as formas em que foi preservada e transmitida. (Cardoso, 1982, p. 84)
Nenhum preconceito, portanto, pode afastar um jornalzinho do estatuto ontológico de fonte para a pesquisa histórica. Um jornalzinho, em princípio, está para o historiador como:
[...] as redações que nos chegaram em papiros, tijolos de barro, paredes de monumentos, pergaminhos, papéis etc.; objetos materiais diversos como templos, túmulos, moedas, móveis, quadros etc.; restos ou contornos de paisagens agrárias ou monumentos desaparecidos perceptíveis através da fotografia aérea feita em certas condições etc. (Idem, Ibidem)
Só mesmo de forma figurativa é que me permiti fazer referência ao jornal A Voz da Infância como um possível jornalzinho. Não, a Voz da Infância
, submetido ao crivo da pesquisadora, não se revelou uma fontícula.
A argúcia de Andreotti nos conduz da fonte a um caudaloso rio pelo qual vamos navegando, cada vez mais entusiasmados com as paisagens que a cada meandro se descortinam.
Quem escreveu este jornal? Quem pode ser responsabilizado pelos conteúdos lá vinculados? Os conteúdos, por sua vez, eram portadores de quais ideias? Ideias relacionadas a quais valores?
De uma mediação a outra, caminhamos passo-a-passo para um cenário cada vez mais amplo: do mergulho da autora nos documentos do acervo, dos cuidados dela com a própria preservação das fontes, da sua generosa apresentação de uma fonte desconhecida possivelmente à maioria dos leitores, da Biblioteca Infantil de São Paulo, rumamos até as características urbanas de época da cidade de São Paulo. Mais do que isto: conseguimos ver todo um contexto histórico-social em que se delineia um ideal de progresso.
A imagem que me surge é a de uma semente. A autora encontrou uma semente abandonada e passou a cultivá-la. À medida que a semente germinou, cresceu, tornou-se frondosa árvore. A árvore era o segredo oculto daquela semente e nós só podemos vê-la pela apresentação que Andreotti nos faz dela.
Mas faltava alguma coisa. No contexto histórico dos anos trinta e quarenta do século XX, a cidade de São Paulo é vista em suas agruras políticas. Há crises econômicas, crises de hegemonias, contradições sociais profundas, lideranças culturais identificadas, projetos de desenvolvimento e no emaranhado destes e outros componentes complexos, um papel reservado à educação escolar. A educação escolar é, então, apresentada a partir dos alcances e limites sugeridos pela fonte estudada. Apresentam-se ricas informações e tecem-se elos e rupturas.
Com o movimento estabelecido da fonte original às outras fontes e do conjunto destas à inferência dos fatos, A Voz da Infância, pelo competente trabalho da pesquisadora, tornou-se a voz de uma situação histórica. Uma situação histórica apreendida em múltiplos aspectos da sua totalidade.
Os estudiosos da História da Educação Brasileira certamente se beneficiarão dos resultados deste estudo, mas não somente eles. Andreotti nos contempla tanto com o seu rigor de análise quanto com um texto prazeroso de ser lido.
Campinas, março de 2005.
José Luís Sanfelice¹
Referências
CARDOSO, C. F. S. Uma introdução à História. São Paulo: Brasiliense, 1982.
Introdução
Elaborado como tese de doutorado², este livro traz uma análise sobre a valorização da educação nas décadas de 1930 e 1940, momento em que se organizava um projeto de modernização do país, apresentando um jornal infanto-juvenil da época, o A Voz da Infância, como fonte de pesquisa para a História da Educação.
Uma das questões em relação à pesquisa acadêmica é se o problema a ser investigado vem antes ou depois do objeto de pesquisa. A busca de informações que complementem o conhecimento sobre a História da Educação, área em que atuo e na qual desenvolvi o meu trabalho, pressupõe que o pesquisador já tenha, ao menos delineadas, as suas inquietações, origem de qualquer projeto de investigação.
Assim ocorreu em relação a este estudo. O testemunho das diferenças de oportunidades educacionais, que integrou a minha trajetória escolar, aliado a prática docente em cursos universitários (formação de professores) e, anteriormente, em outros graus de ensino na escola pública, me impulsionavam a desenvolver uma pesquisa que abrangesse alguns aspectos sobre o projeto educacional do país no seu processo de modernização. Esse processo é entendido aqui como a inserção do Brasil na fase industrial, em que a educação revelava-se como um dos pilares fundamentais dessa etapa de desenvolvimento.
Houve um feliz acaso entre essas inquietações e a minha participação na organização de um acervo de documentos, que relato no primeiro capítulo, onde se encontrava o jornal A Voz da Infância, sobre o qual me debrucei e percebi conteúdos que satisfizeram algumas dessas minhas preocupações. Como bem assinala Hobsbawm (1998, p.220), sobre as fontes de pesquisa para a História: "Em geral, não existe material algum até que nossas perguntas o tenham revelado".
O jornal A Voz da Infância³ (que tratarei por A Voz), com 159 números, escrito por 368 crianças e jovens de 11 a 16 anos, foi publicado desde julho de 1936 até o início dos anos 1950 como atividade da Biblioteca Infantil de São Paulo, atual Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato.
Fonte primária de pesquisa por se tratar de um documento original⁴, ainda não analisado, esse jornal é representativo de um projeto educacional desenvolvido por uma instituição educativa, a Biblioteca Infantil nas décadas de 1930 e 1940, na cidade de São Paulo e expõe, pelo seu teor e continuidade, um conjunto de valores presentes na sociedade naquele momento.
O jornal denominava-se Órgão divulgador da Biblioteca e suas matérias destacavam as atividades desenvolvidas por essa instituição, tais como, as datas comemorativas, a prática da leitura, os concursos e premiações e uma estatística mensal de livros mais lidos e os mais retirados, entre sessões literárias, matérias sobre fatos e personagens da história do país, sobre personalidades do momento e outras manifestações.
O A Voz reproduziu conteúdos transmitidos pela escola, por ter sido essa instituição o meio mais acessível de informação dessas crianças e jovens na época e, também, pelos objetivos de um programa de complementação escolar promovido pela Biblioteca. A educação escolar permeou toda a produção do jornal, tanto na influência exercida sobre os seus participantes, quanto por sua valorização como instrumento fundamental para o desenvolvimento pessoal e o futuro do país.
Para a análise do A Voz busquei conhecer suas características e traçar uma forma de abordagem de seus escritos. Uma das questões que se apresentou foi identificar os colaboradores do jornal e concluí, a partir da consulta a uma pesquisa da década de 1930 que será demonstrada no decorrer deste estudo, que as crianças e jovens que o produziram pertenciam, majoritariamente, às camadas médias urbanas da população e cursavam o ensino secundário.
Essa informação procede porque a Biblioteca, pelas suas características de promover atividades em torno do livro e da leitura, propunha, principalmente nos primeiros anos de sua criação, uma ação educativa voltada para crianças e jovens letrados, e, assim, a origem sócioeconômica dos participantes do jornal é um dado importante para o reconhecimento de aspectos da expansão da escolarização nas décadas de 1930 e 1940, matéria de alguns estudiosos sobre a educação. Refiro-me, principalmente, aos estudos de Beisiegel (1995), Sposito (1984), Paiva (1987) e Xavier (1990).
Outra questão sobre o jornal A Voz foi o tratamento dos seus conteúdos. O risco de uma análise que impusesse a crianças e jovens a responsabilidade por escritos e termos usados nas matérias do jornal me provocou certa intranquilidade, na medida em que determinados valores e ideias contidas no jornal seriam impingidos a pessoas com idade em formação e talvez com pouca clareza do significado mais amplo dos seus textos. Considerei, então, que a abrangência da análise do jornal retratará as crianças e os jovens como reprodutores de pontos de vista presentes na sociedade do momento, através do que escreveram.
Ainda sobre o método de abordagem do A Voz, pela abundância do material encontrado, como reunir um quadro coerente a partir de informações esparsas? Quais matérias privilegiar para viabilizar uma análise que permitisse caracterizar o jornal de forma abrangente? Por que a escolha de determinados temas e não outros?