Evidências da conciliação política na construção do plano nacional de educação - 2014-2024
De Carmen Silva
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Evidências da conciliação política na construção do plano nacional de educação - 2014-2024 - Carmen Silva
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDICIPLINARIDADE
Dedico este trabalho aos meus netos Matheus, Rafael, André, Carlos Eduardo e Bernardo, representando as crianças brasileiras, para as quais ainda há esperanças de um Brasil com a Educação que sonhamos.
PREFÁCIO
Inicio este prefácio com uma frase atribuída a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): há livros escritos para evitar espaços vazios na estante
. Ao ler o livro de Carmen Luiza da Silva, fiquei com a sensação de que, definitivamente, esta não é uma obra meramente decorativa, destinada a preencher os espaços vazios numa estante. Particularmente, desde já, este livro tem um lugar obrigatório na minha estante e na de muitos pesquisadores e cidadãos preocupados em entender o difícil e complexo processo de implementação de políticas educacionais, tal como abordado pela autora ao discutir o PNE – Plano Nacional de Educação (2014-2024).
José Querino Ribeiro (1907- 1990), fundador da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), considerado o principal pesquisador em sua época no campo da administração escolar, que, aliás, merece ser considerado Patrono da administração escolar para a eficiência dos serviços educacionais, elaborou, em 1938, um método para a tomada de decisões no campo da administração da educação, que se traduz na seguinte máxima: O que é não pode continuar; o que deverá ser, nunca se alcançará, mas o que pode ser, é possível procurar e alcançar com êxito
.
Ao analisar o processo de implementação do PNE, entre outros problemas, evidencia-se, em algumas áreas da educação, a existência de um conjunto de metas irreais que nunca se alcançará
, porque, no processo de conciliação política, a atuação dos grupos de articulação de interesses não se pautou naquilo que pode ser
, naquilo que, em bases realistas, é possível procurar e alcançar com êxito
, enfatizando-se o que alguns setores da sociedade consideram o que deverá ser
, imbuídos dentro do que Max Weber chama de ética da convicção.
Ainda sobre o processo de conciliação da política, o livro ora prefaciado demonstra que o que ocorreu claramente no caso da elaboração do PNE (2014-2024) foi a aliança entre um segmento hegemônico composto pelo Executivo Federal e grupos com os quais tinha identidade ideológica, basicamente associações que defenderam ferrenhamente interesses do setor público, sob a bandeira de ensino público e gratuito para todos.
No meu entendimento, muitas dessas associações faziam parte dos mesmos grupos de articulação de interesses – entidades sindicais da educação brasileira, altamente corporativas – que atuaram no processo de elaboração do PNE (2001-2010), produzindo o Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira
. Entretanto, como apontei em meu artigo Construção dos planos nacionais de educação no Brasil: os grupos de articulação de interesses em ação
, escrito em coautoria com Regilson Maciel Borges, publicado na coletânea organizada por Donaldo Bello de Souza e Ângela Maria Martins, intitulada Planos de Educação no Brasil – Planejamento, políticas e práticas (Edições Loyola, 2014), esses grupos não tiveram seus interesses contemplados no PNE (2001-2010), que incorporou as principais teses governistas, as quais constavam no documento Proposta do Executivo ao Congresso Nacional
. A literatura sinaliza que o Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira carregava uma visão política-utópica, aquilo que deverá ser
, não aquilo que pode ser
, ao passo que a proposta do Executivo Federal estava carregada pelo que alguns autores chamam de visão realista conservadora, que defendia o que pode ser
, em um contexto de crise fiscal do Estado, com uma agenda pautada pela influência das orientações das agências multilaterais.
Ao ler o presente livro, lembrei-me de processos vividos no Brasil durante a democratização política, especificamente da elaboração das leis orgânicas municipais, das constituições estaduais e da própria constituição federal. Em 2000, publiquei o livro Democracia Local e Participação Popular pela Editora Cortez, no qual, ao estudar o processo de elaboração da Lei Orgânica do Município de São Paulo, constato processos semelhantes aos que se viram na elaboração dos Planos Nacionais de Educação pós-Constituição de 1988: grupos de articulação de interesses, com os mais diversos objetivos, preocupados que suas propostas constassem a todo custo na lei, como se isso bastasse para sua concretização. Os estudos sobre o ciclo de políticas públicas demonstram claramente a distância que existe entre o momento da aprovação, da normatização e seu real processo de implementação, o problema radica principalmente no fato de que quem elabora a lei ou a política pública não é o mesmo ator (ou atores) que a implementará. Na elaboração de uma lei, pode-se excluir ou neutralizar interlocutores válidos e os interesses por eles defendidos e, no processo de conciliação política, grupos hegemônicos podem cantar vitória
. Entretanto, a implementação da lei revela-se um novo campo de disputa de interesses, um novo campo de negociação, um novo campo de conciliação política, no qual grupos neutralizados ou excluídos ganham novos espaços para a defesa de seus interesses, por meio do combate em prol da neutralização da implantação da Lei. Daí talvez se possa compreender a tradicional percepção de que no Brasil a lei já nasce letra-morta.
Como afirma o escritor espanhol Noel Clarasó, há três tipos de livros: os que ajudam a pensar, os que ajudam a não pensar e os que só ajudam a gastar mal o dinheiro. Sem medo de errar, o livro da professora Carmen Luiza da Silva enquadra-se no primeiro tipo, uma vez que nos permite compreender como a conciliação política se efetivou no processo de construção do PNE, ou seja, como foram equacionados via conciliação política os conflitos que surgiram diante de tantos interesses diversificados, diante de tantos grupos de interesses movidos pelas mais diversas motivações. A obra sinaliza para as estratégias de conciliação política, o jogo político, de interesses opostos e até incompatíveis em alguns casos, na elaboração de um Plano construído em tempos de democracia, em um contexto de ampla participação social iniciado em 2008, quando das concorridas Conferências Estaduais e Nacionais, culminando na sua aprovação pelo Congresso Nacional e posterior sanção na lei nº 13.005/2014 que instituiu o PNE (2014-2024).
Um aspecto muito original desta obra é que o texto permite compreender as características do processo de conciliação política ao longo da história do Brasil, desde a conciliação para a defesa da ordem, no período do Império, até a conciliação em tempos de democracia, na qual a participação da população é fundamental para a tomada de decisões e para a garantia de direitos. É precisamente para compreender a conciliação em contextos democráticos que a autora ressalta as teses de Bobbio sobre as sociedades democráticas, as mesmas que, conforme o filósofo italiano, pressupõem a existência de diversos grupos de opinião e de interesses que concorrem entre si. Grupos que, às vezes, se contrapõem ou se sobrepõem em alguns casos, se integram em outros casos, se separam, se aproximam ou se dão as costas como um movimento de dança.
Um dos fios condutores da obra é revelar a tensão entre o setor público e o setor privado que permeou a trajetória do Brasil republicano, principalmente quando o assunto é a prestação de serviços educacionais. Foi assim o embate entre a Igreja Católica e os