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História da Educação no Rio Grande do Norte: Instituições Escolares, Infância e Modernidade no Início do Século XX
História da Educação no Rio Grande do Norte: Instituições Escolares, Infância e Modernidade no Início do Século XX
História da Educação no Rio Grande do Norte: Instituições Escolares, Infância e Modernidade no Início do Século XX
E-book323 páginas4 horas

História da Educação no Rio Grande do Norte: Instituições Escolares, Infância e Modernidade no Início do Século XX

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Sobre este e-book

Como apreender o espírito de uma época por meio da Educação? Este livro sobre a História da Educação no Rio Grande do Norte põe-nos em contato com instituições escolares do início do século XX. Mas, também, possibilita-nos a compreensão sobre um período complexo da história do País do ponto de vista político, social e cultural, visto que a discussão que apresenta situa-se no coração da modernidade brasileira. A obra propõe uma análise da cultura escolar de instituições de ensino público e, assim, perpassa desde a legislação educacional até as práticas vivenciadas pelos sujeitos-alvo das regulamentações. Esse olhar lançado entre o instituído e o, de fato, efetivado nas instituições põe o leitor em contato com: a relação entre escola e ciência, a escolarização como base para a cidadania, o lugar da escola pública no projeto modernizador no Brasil, a responsabilidade da administração pública para com o ensino escolar, o papel dos professores na configuração da sociedade e, sobretudo, a constituição da criança como sujeito de direitos no Brasil. Esse contato se dá em decorrência da análise que se apresenta relativa a aspectos como higiene, espaço escolar, escolarização dos corpos, materiais pedagógicos, metodologia de ensino, formação e eventos cívicos. O livro aborda, assim, ao longo de seus sete capítulos, uma gama de aspectos cuja confluência está na base da constituição do ser brasileiro no século XX, e sobre a qual as instituições escolares têm muito a dizer. Construída com base em grande volume de fontes, consistente discussão bibliográfica e zelo pela escrita, a obra traz um conteúdo substancial apresentado em linguagem clara e fluente. Fonte de informação, é, também, demonstração de erudição e cuidado com o leitor. É, sem dúvida, leitura indicada não só para professores ou pesquisadores dedicados à História ou à Educação, mas para todos que se interessam pela história do Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de nov. de 2018
ISBN9788547318529
História da Educação no Rio Grande do Norte: Instituições Escolares, Infância e Modernidade no Início do Século XX

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    História da Educação no Rio Grande do Norte - Crislane Barbosa de Azevedo

    Azevedo

    SUMÁRIO

    INSTITUIÇÕES ESCOLARES E MODERNIDADE: uma introdução

    1

    Cuidar escolarizando e civilizar higienizando: princípios e práticas de Higiene nas instituições escolares de ensino primário público

    1.1 Princípios e práticas na estrutura física das instituições 

    1.2 Princípios e práticas na estrutura física dos escolares 

    2

    Arquitetura, modernidade e disciplina: uma relação construída nas instituições escolares de ensino primário público graduado

    2.1 Espaço escolar como um componente do currículo 

    2.2 Arquitetura de instituições escolares de ensino primário graduado no RN 

    3

    Educação do corpo e disciplinarização social: práticas corporais como formativas do sujeito escolar e cidadão republicano

    3.1 Novos métodos de ensino, novos procedimentos para os corpos 

    3.2 Exercícios físicos, ginástica sueca e calistenia nas instituições escolares do RN 

    3.3 Por uma nova corporeidade via cultura escolar: aspectos gerais 

    4

    Modernidade pedagógica e aspectos da cultura material

    das instituições escolares 107

    4.1 Instituições escolares e cultura escolar moderna 

    4.2 Recursos materiais no processo de aprendizagem pelos sentidos 

    4.3 Cultura material nas instituições escolares: materiais pedagógicos e escolares

    4.4 Regimentos e práticas escolares: a relação entre o instituído e o efetivado 

    5

    Novos espaços formativos e métodos de ensino: os passeios escolares

    5.1 Os passeios: a apreensão do mundo pelos sentidos 

    5.2 Cultura física, higiene e civismo nos passeios extraclasse 

    6

    Instituições escolares em festa: difusão do ensino moderno por meio de celebrações

    6.1 Instituições escolares para serem vistas 

    6.2 Cultura escolar e celebração: festas, sentidos e sujeitos envolvidos 

    7

    Práticas cívicas nas instituições escolares: educar para o progresso e para a civilização

    7.1 Educar para a civilidade 

    7.2 Civismo e moral nas instituições escolares 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INSTITUIÇÕES ESCOLARES E MODERNIDADE:

    uma introdução

    Durante o Império, o ensino primário público era ministrado, sobretudo, nas chamadas escolas isoladas, também conhecidas como cadeiras isoladas, nas quais as aulas eram ministradas na casa do professor, não havendo a separação da instituição escolar com a vida pessoal e familiar do professor. Apesar de ser regra, não é difícil supormos a existência de problemas tanto de ordem administrativa quanto pedagógica. Isso também devido ao fato de que os professores não possuíam formação profissional ou orientação quanto a métodos de ensino.

    Discussões sobre a necessidades de mudanças nesse estado de coisas faziam-se presentes entre intelectuais e políticos no período que vai das últimas décadas do Império para a República. Era preciso mudar a estrutura organizacional e de funcionamento das instituições escolares.

    Sobre instituições escolares

    Para investigarmos historicamente as instituições escolares, são necessários os mesmos cuidados teóricos e metodológicos e disposição para o enfrentamento das dificuldades decorrentes das precárias condições de preservação das fontes documentais próprias de qualquer pesquisa histórica. Apesar disso, é imprescindível que os pesquisadores persistam em um esforço de preservação da história e da memória institucional das escolas públicas.

    Mas o que podemos chamar de instituição? Não seria algo dado, natural, mas fruto de um processo criado, organizado e instituído pelo homem. Mas não seria qualquer criação. Nesse sentido, Saviani (2005, p. 28) destaca que

    [...] a instituição se apresenta como uma estrutura material que é constituída para atender a determinada necessidade humana, mas não qualquer necessidade. Trata-se de necessidade de caráter permanente. Por isso a instituição é criada para permanecer.

    As instituições são criadas, portanto, para atender a algo que precisa ser estabelecido de forma a durar, a afetar a estrutura da sociedade. Dessa forma, ainda segundo o autor:

    Para satisfazer necessidades humanas as instituições são criadas como unidades de ação. Constituem-se, pois, como um sistema de práticas com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles operados tendo em vista as finalidades por elas perseguidas. As instituições são, portanto, necessariamente sociais, tanto na origem, já que determinadas pelas necessidades postas pelas relações entre os homens, como no seu próprio funcionamento, uma vez que se constituem como um conjunto de agentes que travam relações entre si e com a sociedade a que servem. (SAVIANI, 2005, p. 28).

    Uma vez sendo considerada unidade de ação, o seu cotidiano é marcado por atividades diversas e diferenciadas a cada uma delas correspondendo um ou um grupo de sujeitos específicos com práticas relativamente definidas e com objetivos razoavelmente delimitados. Estes, por sua vez, não são restritos às instituições em si mesmas, mas se relacionam com o conjunto mais amplo do social, sem, contudo, perder a sua identidade enquanto uma unidade.

    Em decorrência do exposto, como bem declara Gatti Júnior (2002), em uma análise sobre a História das instituições escolares, espera-se discorrer sobre os diferentes sujeitos envolvidos no processo educativo. Por isso, é necessário que se investigue aquilo que se passa no interior das escolas, aprofundando, assim, o conhecimento dos espaços destinados aos processos de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, ainda é importante que se apreendam os elementos que conferem identidade à instituição, aquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do qual fez ou ainda faz parte, mesmo que ela tenha se transformado no decorrer dos tempos.

    A relação da instituição escolar com o seu contexto de criação e de funcionamento é bem salientada por Justino Magalhães (1996 apud GATTI JÚNIOR, 2007, p. 183) quando afirma que:

    Compreender e explicar a existência histórica de uma instituição educativa é, sem deixar de integrá-la na realidade mais ampla que é o sistema educativo, contextualizá-la, implicando-a no quadro de evolução de uma comunidade e de uma região, é por fim sistematizar e (re)escrever-lhe o itinerário de vida na sua multidimensionalidade, conferindo um sentido histórico.

    Essa perspectiva de entendimento do que vem a ser uma instituição escolar é, aqui, alimentada pelo trabalho de interpretação e análise baseado, entre outros conceitos, no de cultura escolar nos moldes definidos por Julia (2001, p. 10), segundo o qual essa cultura define-se como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.

    Foi a partir da análise das instituições escolares, levando-se em consideração o conceito de cultura escolar, que atentamos para aspectos como o contexto histórico de criação das instituições escolares investigadas, as normas e regimentos e as práticas escolares em termos de princípios orientadores (normas de higiene, divisão do trabalho, princípios arquitetônicos específicos) e formas de organização e ações efetivas (passeios extraclasse, educação dos corpos, festas escolares, materiais pedagógicos utilizados, eventos cívicos).

    A atenção ao contexto refere-se à atenção ao movimento mais próximo da realidade da sociedade do período, por isso trabalhamos o local e as suas relações com contextos mais amplos. O particular ganha sentido quando analisado levando-se em consideração relações com o geral. Nesse sentido, ganham destaque, aqui, as discussões sobre modernidade e educação correntes no período (final do século XIX e primeiras décadas do século XX).

    O estudo das práticas escolares desvinculado de outros aspectos da história do lugar é uma limitação sem motivo. A narrativa da História perde o sentido, adquirindo vieses de curiosidades. Na história de uma instituição escolar estão dispostos problemas e concepções relativos à história do lugar e esta, por sua vez, ganha sentido quando relacionada com outros contextos. Assim, buscamos, por meio do estudo sobre as instituições escolares aqui investigadas, compreender a história do Rio Grande do Norte.

    A expressão escola passou por diferentes significados ao logo do tempo. O seu alargamento é obtido na Contemporaneidade, atingindo a condição de forma principal e dominante de educação. Contudo, a depender de relações temporais e espaciais, a escola modifica-se. Isso pode ser visto em certa medida no Brasil a partir da República, sobretudo com as instituições denominadas de grupos escolares, instituições criadas no Brasil, inicialmente, no estado de São Paulo, mas já existentes em países europeus e nos Estados Unidos desde meados do século XIX. Dessa forma é que esta obra dedica-se à investigação de instituições escolares norte-rio-grandenses do início do século XX voltadas para o ensino primário público, mas, principalmente, sobre os grupos escolares², tanto no que se refere ao seu processo de instituição como de estabelecimento e vivências de suas práticas.

    A complexidade da pesquisa voltada para a investigação das instituições escolares nos moldes aqui entendidos requer trabalho persistente no lidar com nossos acervos, carentes de cuidados específicos da Arquivologia. Nesse sentido, muito contribuiu o trabalho de organização de fontes coordenado por Rosa Fátima de Souza publicado sob o título Fontes para o estudo da história da escola primária no Brasil (1889-1930). Esse trabalho contou com a valiosa colaboração da Prof.ª Marta Araújo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em atenção às fontes do RN. Esse trabalho, mais a pesquisa realizada no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte entre os anos de 2014 e 2015, foram os dois maiores contribuintes a esta pesquisa em termos documentais.

    A busca pelo instituído instigou-nos ao trabalho com regulamentos ou regimentos de ensino, por exemplo. Já a procura de evidências ou indícios de práticas efetivadas nos grupos escolares levou-nos à procura de documentos provenientes dos antigos grupos, nos quais o cotidiano desses poderia ser descrito e comentado. Nesse intuito, trabalhamos também com a fonte jornal, especificamente o A Republica, do período de 1908 a 1930.

    Ao mesmo tempo em que se trata de uma nova pesquisa com base documental, o é também uma discussão e síntese acerca de resultados de pesquisas já desenvolvidas sobre a história e a educação do Rio Grande do início do século XX. Essa busca de sistematização de resultados de pesquisa em diálogo com novos achados é também uma forma de produção conjunta, posto que a discussão faz-se presente. Esse é o caminho mais adequado àqueles que se dedicam a pesquisar a história de instituições escolares. O tratamento de um campo temático complexo requer, de modo geral, diálogo entre muitos e diferentes pesquisadores. Assim, buscamos o diálogo tendo em vista dar conta de forma sistematizada das reais rupturas e/ou continuidades que tais instituições provocaram na organização da educação escolar pública no Rio Grande do Norte, que se pretendia moderna a partir da República.

    Instituições escolares republicanas e modernidade

    Administradores públicos assumem a República em tom de crítica acerca dos assuntos educacionais. Salientava-se a necessidade de mudanças, principalmente, no ensino primário público. O projeto mais representativo das mudanças operadas nesse segmento de ensino foi, sem dúvida, o dos grupos escolares. Contudo, no Rio Grande do Norte, ações nesse sentido não ocorreram de forma imediata ao estabelecimento da República. Foi preciso cerca de duas décadas até que uma reforma mais consistente fosse executada na instrução pública.

    Em 1907, o governo norte-rio-grandense era autorizado pela Lei n. 249, de 22 de novembro, a reformar a instrução pública do Estado. Em março do ano seguinte (Decreto n. 174), criava-se o primeiro grupo, o Grupo Escolar Augusto Severo, na capital. Pelo decreto n. 178, de 29/04/1908, determinava-se o estabelecimento de, pelo menos, um grupo em cada sede de comarca e uma escola mista em cada um dos outros municípios do estado. De 1908 até o final da Primeira República (1889-1930), foi decretada a criação de 39 grupos.

    A falta de investimento em instrução pública no final do século XIX é salientada por Moreira (2011), segundo a qual, juntamente com a intolerância de professores que obrigavam seus alunos, cujos pais não fossem católicos, a estudar o catecismo dentro das escolas públicas, desrespeitando a Constituição, levou muitos pais a buscar como alternativa para a instrução de seus filhos o Colégio Americano, instituição protestante criada em 1897, no bairro Cidade Alta, o qual não admitia, apenas, filhos de evangélicos. Foi nessa instituição que estudaram, por exemplo, os filhos do governador Alberto Maranhão.

    O método de ensino era intuitivo, aspectos científicos e de experimentação pautavam as práticas pedagógicas, festas de repercussão pública ocorriam no Colégio com a presença de autoridades. Exercícios físicos integravam o programa de ensino e estava presente a coeducação dos sexos. Concordamos com Moreira (2011) que não se pode negar que a presença do Colégio Americano influenciou as discussões locais sobre modernidade pedagógica.

    No início do século XX, a busca pela associação entre República e Modernidade realizada pelos republicanos ocasionou, para o ensino escolar primário público, discussões e proposições que resultaram em mudanças, sobretudo, em seus métodos. O método intuitivo, considerado moderno, higiênico e progressista, influenciou o currículo escolar tanto no que se refere às matérias de ensino quanto às práticas docentes que demarcavam o cotidiano das instituições escolares.

    No Rio Grande do Norte das primeiras décadas da República, o ensino primário público funcionou com instituições escolares de diferentes formatos. Isso fica bem evidente na Lei 405, de 29 de novembro de 1916. De acordo com a Lei Orgânica do Ensino Primário, Secundário e Profissional no Estado, do governo de Joaquim Ferreira Chaves Filho (1914-1920), o ensino primário seria ministrado nos grupos escolares, nas escolas isoladas e nas escolas rudimentares, tendo cada uma delas estrutura física, organização e funcionamento diferenciados.

    No governo de José Augusto Bezerra de Medeiros (1924-1927), o Diretor-Geral do Departamento de Educação, Nestor Lima, elaborou, em 1925, os regimentos desses três tipos de instituições que foram aprovados pelo Conselho de Educação em reunião ordinária de 2 de abril de 1925. Com base no Regimento Interno das Escolas Rudimentares, no Regimento Interno das Escolas Isoladas e no Regimento Interno dos Grupos Escolares, Alcântara (2016) faz uma boa síntese das diferentes características dessas instituições, as quais, para uma melhor leitura, apresentamos em formato de quadro (Quadro 1).

    As escolas isoladas e as escolas rudimentares, diferentes dos grupos, conviviam com diferentes limites no seu funcionamento percebíveis já nos seus Regimentos. A multisseriação era uma de suas características. Atendiam locais com menor quantidade de alunos, onde ainda não se sustentava a necessidade de um grupo escolar. De modo geral, essas escolas não possuíam prédio próprio para os serviços de instrução, funcionando, em grande parte, na própria casa do professor, ocasionando mistura entre a cultura do lar e a cultura escolar.

    QUADRO 1 – INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIMÁRIO PÚBLICO NO RN (INÍCIO DO SÉCULO XX)

    FONTE: Alcântara (2016).

    O projeto dos grupos deveria, paulatinamente, substituir as formas anteriores de escola. Instituições eminentemente urbanas eram construídas com o intuito de oferecer um ensino unificado a um número maior possível de alunos em termos de conteúdos, métodos de ensino, materiais didáticos e diferentes orientações, tendo em vista a formação de um novo cidadão. Esse tipo de instituição escolar passava a ser considerado modelo a ser seguido pelas demais escolas primárias. Tinham a sua organização e funcionamento orientados por princípios e métodos considerados modernos ao mesmo tempo em que se tornavam difusores de tais preceitos, a exemplo dos de Higiene. Era a ciência moderna orientando a escola e esta, a sociedade.

    Rapidez das mudanças nos vários aspectos da sociedade é algo consensualmente fruto da modernidade. Como resultado disso, temos o desenvolvimento das ciências e, a partir de então, sociedades assistem ao avanço do processo industrial e de urbanização dos espaços habitados. Nesse sentido, é bom lembrarmos Le Goff (1994, p. 197) e a sua observação de que a introdução da modernidade no terceiro mundo destaca-se nos aspectos econômicos cuja pedra de toque passa a ser a industrialização. Esse ponto, associado à racionalização, passa a ser entendido como um progresso da mentalidade e signo essencial de modernidade. Desse processo fazia parte ainda a [...] construção da modernização, isto é, do desenvolvimento e da aculturação, por imitação da civilização européia. Desse contato com o Ocidente, de acordo com Le Goff, vê-se nascer a ideia de modernização. Modernização seria então a modernidade em prática e em processo de difusão espacial de suas características.

    Ao se referir à modernidade, Berman (1986) a divide em três fases, sendo a terceira aquela correspondente ao século XX, momento, segundo ele, em que o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo com uma atmosfera de contradição vivida pela humanidade, ao mesmo tempo em que dá origem à sensibilidade moderna de expansão das possibilidades de experiência.

    Essa sensibilidade mostra-se, por sua vez, racional, e essa racionalidade funcionaria como mola propulsora do progresso humano. Isso nos remete, como recorda Touraine, à mais forte concepção ocidental da modernidade: a que afirma que a racionalização impunha a destruição dos laços sociais, dos sentimentos, dos costumes e das crenças chamadas tradicionais, e que o agente da modernização era a própria razão. Assim, a racionalização, componente indispensável da modernidade, se torna, além disso, um mecanismo espontâneo e necessário de modernização [...] (TOURAINE, 2002, p. 19).

    As consequências da negação de toda ordem revelada e dos princípios morais foram responsáveis pela criação de um vazio, preenchido, conforme Touraine (2002, p. 38), pela ideia de sociedade, de utilidade social, por meio da qual o homem é apenas cidadão. A caridade torna-se solidariedade, a consciência passa a ser o respeito às leis. Os juristas e os administradores substituem os profetas.

    Dessa forma é que na República brasileira os administradores públicos, imbuídos do espírito positivista, colocam-se como os reformadores ideais da sociedade; entre os projetos de reforma, destacam-se os direcionados à instrução pública. Ainda que no Império a instrução popular apareça, desde as discussões da Constituinte de 1823, como uma preocupação, um meio para a transformação de homens em cidadãos, o projeto não avança de todo por falta de condições mais objetivas. Beisiegel (1974, p. 43) demonstra que,

    [...] a despeito de o projeto de 1823 ter sido mais avançado do que o texto promulgado em 1824, ambos se restringiam, por forças das circunstâncias de uma sociedade excludente, escravocrata e estamental, a delegar direitos apenas aos homens livres e de posses, protegidos que eram pelo sistema censitário imperial.

    Devemos atentar, porém, que o pensamento a respeito da educação escolar no Império não pode ser analisado fora de seu contexto, mas como fruto do seu espaço e tempo e, portanto, de um país agrário e escravista, que ainda assim possuía como alvo a preocupação com a formação de seu povo, a fim de formar a identidade de um Brasil, a partir de então independente e que certamente se pretendia civilizado. Elias (1990) aponta que vários estudos contemporâneos sugerem convincentemente que a base do comportamento civilizado está estreitamente inter-relacionada com a organização das sociedades ocidentais sob a forma de Estado.

    O fato é que, no decorrer da segunda metade do século XIX, a pedagogia, como outros saberes, propôs-se a atender aos estatutos da ciência, introduzindo-se na discussão geral do pensamento moderno. Por meio de contribuições da Sociologia e da Psicologia, ocorreu a sua institucionalização como ciência específica, elaborando-se conceitos válidos de forma universal, tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico. Dessa maneira, a pedagogia impôs-se e caminhou rumo à ruptura de uma tradição, inaugurando uma escola dita moderna. Nesta, novas concepções de tempo e de espaço apareceram; a cultura da escrita impôs-se na busca por uma suposta superioridade, assim como outros atos cotidianos em que a formação e a difusão de determinados valores e crenças, hábitos e saberes foram postos para que fossem trabalhados com os alunos, objetivando-se que, por meio destes, toda a sociedade fosse atingida, modificada, civilizada. No Brasil, com a implantação da República, principalmente ao adentrarmos no século XX, tais orientações foram materializadas via reformas oficiais nos diferentes estados da Federação. Portanto, os republicanos receberam de experiências ocorridas no Império uma contribuição para planejar a reorganização da educação.

    Em discursos e no seu projeto de reforma para a instrução no Rio de Janeiro, Rui Barbosa já demonstrava preocupação, por exemplo, com a construção de prédios próprios para o funcionamento das escolas primárias, assim como uma referência à graduação do ensino primário público. Sobre isso, Souza (2000) bem destaca que muitas concepções contidas nas propostas de organização do ensino de Rui Barbosa foram adotadas nas reformas da instrução pública realizadas em várias províncias na década de 1880 e, posteriormente, pelos estados nas primeiras reformas educacionais da era republicana. A base do projeto de escola pública primária para a República, por exemplo, foi materializada no projeto do ensino graduado nos grupos escolares, instituições, entre outros aspectos, marcadas pela existência de prédio próprio para o seu funcionamento.

    Os discursos de autoridades públicas e membros da intelectualidade brasileira no início da República relacionavam-se ao moderno, ao intento de organização da nação, reordenamento do social e elevação do País à civilização, ao progresso, à ciência. São todos eles aspectos complexos e foi nessa complexidade de reorganização do social que as crianças foram tomadas como base de um projeto maior de nação. Uma ideia de infância foi construída com base na articulação de saberes científicos, mas também morais e cívicos, e a escola foi tomada como o centro promotor de experiências formativas a partir desses parâmetros.

    Em um caminhar pelas vias da normatização e da higiene da sociedade, a escola primária teve sua contribuição materializada em reformas em seus métodos, acrescentando ao cotidiano escolar um novo aspecto: os trabalhos escolares com a adoção do chamado método intuitivo de ensino. A relevância atribuída a tal método de ensino marcava um período que podia ser mesmo denominado de modernidade pedagógica via ensino público. Os grupos escolares foram, no início da República, o principal palco para a execução desse projeto, como veremos a seguir.

    1

    Cuidar escolarizando e civilizar higienizando: princípios e práticas de Higiene nas instituições escolares de ensino primário público

    ³

    Princípios de Higiene estão ligados à medicina. No século XIX, como registra Herschamnn (1994, p. 58), surgia uma medicina não apenas sob a inspiração positivista e

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