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Teoria do ator-rede e adequação sociotécnica
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Teoria do ator-rede e adequação sociotécnica
E-book434 páginas5 horas

Teoria do ator-rede e adequação sociotécnica

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Sobre este e-book

É possível contar a história de uma tecnologia social como a Pedagogia da Alternância (PA) e analisar seus processos atuais de expansão por meio da Teoria do Ator-Rede e das discussões de Adequação Sociotécnica? Esta obra se propõe a esse desafio. Para isso, parte das discussões atuais sobre a Teoria do Ator-Rede e das abordagens de Adequação Sociotécnica, e os inter-relaciona com rotinas organizacionais e tecnologias sociais. A Pedagogia da Alternância é o caso empírico analisado e que proporcionou evidenciar novas conceituações e definições desses construtos, principalmente como as tecnologias sociais podem ser atualmente compreendidas.

Diferentemente de pensar que tecnologias sociais, como é o caso da Pedagogia da Alternância, são "produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis" que "causam transformações sociais", conforme tem se consolidado conceitualmente no Brasil, este livro vai mostrar que, pelo contrário, a Pedagogia da Alternância faz parte das mudanças realizadas pelas próprias associações de atores envolvidas com essa tecnologia social, sendo vista como um conjunto de inscrições, definidas e implementadas por cada associação resultante de suas próprias translações. As dificuldades atuais de se adequar as tecnologias sociais às demandas e necessidades das comunidades atendidas se dão porque as bases sociotécnicas em que se baseiam as implementações e reaplicações das tecnologias sociais, visando a mudanças e transformações sociais, não são unicamente causas, mas também os próprios efeitos das translações dos atores-rede envolvidos com essas tecnologias.

O livro, desse modo, é um convite para o leitor seguir os rastros (ou o transladar, como se diz na linguagem da Teoria do Ator-Rede) de uma das tecnologias sociais de maior sucesso no contexto mundial atualmente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547302863
Teoria do ator-rede e adequação sociotécnica

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    Pré-visualização do livro

    Teoria do ator-rede e adequação sociotécnica - JOSÉ DE ARIMATÉIA DIAS VALADÃO

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE

    A mensagem do caos fala sobre coisas que

    nós podemos determinar, mas não podemos prever.

    Ou seja, matematicamente nós podemos determinar algo,

    mas é tão instável que rapidamente desvia da previsão

    feita pela equação. Isso foi algo profundo na física: constatar

    que nós podemos determinar algo, mas não conseguimos prevê-lo.

    (Michael Berry,

    Físico especialista em Teoria Quântica)

    Pedagogia da Alternância

    como tecnologia social

    Na caminhada de luta pela Educação do Campo por meio da Pedagogia da Alternância (PA), tive a feliz oportunidade de conhecer as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) do estado de Rondônia, onde colaborei com a formação pedagógica de educadores-monitores e aprendi muito no contato com as especificidades da agricultura familiar e dessa alternativa educativa encarnada no bioma amazônico. Nessa trajetória de quase duas décadas de intercâmbios proporcionados pela minha inserção na Equipe Pedagógica Nacional (EPN), articulada pela União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil (Unefab), conheci a Associação das Escolas Família Agrícola de Rondônia (Aefaro) e o conjunto das EFAs existentes na ocasião, onde estreitei laços de amizade com monitores, diretores, dirigentes associativos e familiares envolvidos nessa aventura educativa da alternância, inclusive o autor deste livro e seus familiares, quase todos engajados na EFA. Igualmente, posso afirmar que sou testemunha da luta das EFAs em Rondônia, pelo menos em um período mais intenso que vai desde a segunda metade dos anos de 1990 até a primeira década dos anos 2000. Nessa ocasião, a estruturação e fortalecimento das chamadas organizações regionais das EFAs era uma das metas estratégicas para o movimento em todo o país.

    Este livro compartilha uma pesquisa, fruto da prática social, pois o pesquisador, José de Arimatéia Dias Valadão, orientado por Jackeline Amantino de Andrade na Universidade Federal do Pernambuco, possui uma longa trajetória imbricada nessa experiência educacional estudada. Primeiro, como aluno, por onde fez os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio e Técnico em Agropecuária na EFA Pe. Ezequiel Ramim. Em seguida, como educador-monitor e, por fim, como assessor junto à Aefaro, onde prestou serviços de formação de monitores, diretores, dirigentes associativos e famílias associadas. Portanto, trata-se de uma autoria de alguém de dentro do movimento das EFAs, que fala a partir de uma vivência. Por conseguinte, é uma pesquisa para e não apenas sobre este movimento das EFAs. Cabe destacar que esta pesquisa, traduzida em livro, isenta-se da recorrente crítica imputada aos trabalhos acadêmicos sobre a Pedagogia da Alternância no Brasil, na qual se afirma que a quase totalidade deles são voltados apenas para a descrição da trajetória histórica do movimento dos CEFFAs na França e no Brasil e a explicitação dos seus constructos teóricos orientadores. A obra trata-se de uma análise profunda, focada no âmbito organizacional, que preenche um quase vazio nessa perspectiva no âmbito dos CEFFAs. Interessante observar que a análise, mesmo centrada na dimensão organizacional do CEFFA, construiu uma narrativa abrangente inter-relacionando base associativa com a Pedagogia da Alternância e suas finalidades. O autor vai afirmar em certo momento que a Pedagogia da Alternância não existe separadamente de uma base associativa que partilha o poder educativo. Essa assertiva corrobora outros autores importantes que ajudaram na inscrição dessa alternativa educativa.

    Na leitura deste livro, evidentemente, ampliei significativamente meus saberes a respeito do constructo histórico da Pedagogia da Alternância, principalmente no tocante às bases autogestionárias dessa modalidade educativa e, consequentemente, reforcei o meu envolvimento afetivo e profissional com esse movimento. Trata-se de uma obra inovadora, fruto de uma pesquisa que escolhe a PA como caso empírico, por ser considerada uma alternativa muito peculiar de Educação do Campo, compreendida como uma Tecnologia Social (TS), atualmente disputada em diversos setores da sociedade brasileira. Este estudo nos demonstra isto com o episódio do governo do estado de Rondônia, que, no início de 2011, propôs a PA como política pública a ser universalizada para todo o Estado.

    O inédito desta obra é a leitura da Pedagogia da Alternância praticada pelos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs), à luz da teoria do ator-rede (TAR) e a sua aproximação ao conceito de TS. Ou seja, o estudo em questão nos apresenta uma análise sobre o campo organizacional dos CEFFAs, em que busca demonstrar como as bases sociotécnicas originárias de uma tecnologia social, no caso a PA, são transladadas em rotinas geradoras de mudanças e transformações sociais. Para tanto, verifica-se as translações dessa tecnologia social e suas bases sociotécnicas desde a França, até chegar ao Brasil e o Estado de Rondônia, inicialmente como organização civil e a posterior tentativa de sua universalização pela via pública.

    Desse modo, o leitor deparar-se-á com teorias e conceitos com os quais o autor trabalha em sua análise, tais como a Teoria do Ator-Rede (TAR), o conceito de translação, de associações sociotécnicas (AST) e Tecnologias Sociais (TS). Destarte, a PA foi escolhida como uma TS por possuir um conjunto de técnicas, de metodologias transformadoras; por ser desenvolvida e/ou aplicada na interação com a população e apropriada por ela; por representar soluções para a melhoria das condições de vida das populações envolvidas. Empiricamente ela foi considerada um caso relevante na medida em que atendeu aos critérios de aplicação de TS e da sua apropriabilidade à adequação sociotécnica. A pesquisa parte da tese de que as bases sociotécnicas em que se baseiam as implementações e reaplicações das TS, visando mudanças e transformações sociais, são, como os próprios atores envolvidos nessas implementações e reaplicações, não unicamente causas, mas também os próprios efeitos das translações dos atores-rede.

    O livro aponta que o vínculo recíproco entre a Igreja e associações que diretamente estão envolvidas com a PA, seja na sua implantação na França, seja sua translação no Brasil e, posteriormente, em Rondônia, aparece como um ponto de passagem obrigatório para a implantação e desenvolvimento dos CEFFAs. Interessante que ao analisar as translações da PA na França e no Brasil, percebe-se a forte presença e influência da Igreja Católica no processo de implantação e funcionamento dessas escolas. Igualmente, em todos os casos, há conflitos de interesses e a negociação em vista de definições de papéis e responsabilidades. Evidentemente, essa questão, a meu ver, precisa ser olhada com maior cuidado. Em cada lugar, quais atores aparecem com maior ou menor força de influência? Importante atentar para o fato de que a própria condição de criação de uma Associação, constituída juridicamente, é uma inscrição que assegura que os pontos de passagens obrigatórios sejam passados por ela. Esse é um ponto interessante a se atentar nesta leitura, considerando que a associação é um dos pilares fundamentais do CEFFA.

    Na minha leitura, a PA na França surge como uma iniciativa dos agricultores organizados no sindicato rural. E essa iniciativa se dá numa relação de agricultor com agricultor. Não é uma ação para, mas do agricultor. O do é mais que com. Isso nos lembra de Paulo Freire quando escreveu a Pedagogia do Oprimido. Ele destaca que não se trata de uma pedagogia para, mas do oprimido. A Educação do Campo se coloca nessa mesma lógica, denunciando a educação rural que é uma ação para, no sentido paternalista e alienador dos sujeitos. Transladada ao Brasil a PA, inicialmente, torna-se uma ação para, e caminha, na medida da adesão, de identificação, em uma ação com os agricultores. O promotor, em geral, é sempre um agente externo, seja por meio da ação pastoral social da Igreja, seja por meio de uma ONG etc. Raramente, vamos encontrar iniciativas que emergem diretamente dos agricultores e suas organizações de base como o sindicato, por exemplo. Ou seja, a figura do promotor inicial está sempre presente nas narrativas, seja a Diocese, a Paróquia, a Pastoral social, a Prefeitura, uma ONG etc.

    Seja por uma iniciativa endógena ou não, é importante notar que a pesquisa identifica as forças da Associação como condição de sua sobrevivência. Onde o promotor inicial não cuidou da base associativa geralmente a iniciativa não foi bem-sucedida. Essa é uma afirmação empírica que mereceria estudos. Perseguindo a obra em questão, vimos que a pesquisa chega à conclusão de que a EFA está condicionada à sua capacidade de influenciar, seja na obtenção de recursos para implantação e funcionamento dos Centros, por meio do convencimento político e legal de patrocínio a diversos parceiros, como empresas e órgãos públicos, seja pedagogicamente, pelo reconhecimento outorgado pelas autoridades educacionais do Estado.

    Contudo, conforme discutido na TAR, o autor chega à conclusão de que não é possível presumir que a influência dos CEFFAs, como um todo, gera os efeitos relatados, mas que há uma relação recíproca entre os resultados gerados e as influências (forças) percebidas na análise das Associações estudadas. Talvez os próprios Centros sejam efeitos das translações das associações, geradas pelas mobilizações diversas dos atores específicos de uma localidade e das influências externas a eles.

    Em âmbito estadual e pela via pública, o plano de universalização da Educação do Campo em Rondônia, lançando mão da PA, é uma iniciativa inédita no Brasil, embora seja uma prática já recorrente e preocupante em alguns municípios. Ao contrário de lançar um programa próprio de Educação do Campo, como diz um ator participante dos movimentos sociais: então, qual que foi o propósito do governo, ao invés dele fazer isso sozinho, ele propôs o que, que se junte todo mundo, governo, Aefaro e movimentos sociais, porque fazendo isso, o que seria aí três, quatro embates, lutando por educação do campo, ele juntou tudo num só. Inicialmente, os movimentos foram todos envolvidos. Uma lei foi criada. Uma comissão mista entre setores governamentais e da sociedade civil foi formalizada.

    A escola como uma terra de direito é uma bandeira erguida pelos movimentos sociais do campo e que vem incomodando governos, sobretudo a partir dos anos de 1990. Qualquer iniciativa governamental na perspectiva de atendimento às demandas historicamente reprimidas no campo seria bem-vinda. Por isso, o discurso que se ouvia era que o Governo estava respeitando a base que já existia e, ao contrário de lançar um programa nomeadamente governamental para a Educação do Campo, são apoiadas as iniciativas já existentes. As narrativas dos fóruns e reuniões ampliadas com ampla participação das organizações sociais e as instituições públicas propalavam que todos seriam beneficiados. Inicialmente se evidenciou que haveria um grande pacto em torno da Lei e do Programa de expansão da PA no Estado. Isso dirimia resistências de setores do poder executivo, do legislativo e dos movimentos sociais. Por um tempo as esperanças foram acalentadas. Mas, passado um tempo as ações desdobraram-se em muitas translações diferentes, ficando a aplicação do ‘Programa Escolas Guaporé do Campo’, como tinha sido nomeada a proposição de expansão da PA no Estado, restrita a poucos atores dos inicialmente identificados e participantes das translações iniciais. As descrições e análises acuradas nos dão maiores detalhes destes fatos ao longo da leitura.

    De uma iniciativa governamental, a responsabilidade final pela expansão da PA recai sobre as Associações locais. Algumas poucas EFAs surgem neste contexto. Umas se inscrevem no movimento da Aefaro e outras correm por fora. Um debate emerge sobre o que seria ou não uma autêntica EFA. O livro discorre amplamente sobre esta polêmica.

    Contudo, chega-se a uma conclusão final de que pelas várias especificidades evidenciadas nos relatos, a PA é caracterizada e definida muito mais como parte da mudança oriunda da atuação dos atores do que uma tecnologia geradora de transformações sociais. De um lado, as associações mostram como a PA se apresentou mais como um efeito do trabalho dessas associações do que uma influência direta no transladar das inscrições analisadas, e de outro, as transformações foram ocorrendo, paulatinamente, por meio das rotinas geradas, transladando a PA em um misto constante de estabilidade e mudança. Ou seja, aqui está em questão o polêmico extensionismo imposto pela ciência positivista ocidental.

    Do lado associativo: a PA apresentou-se como um efeito do trabalho das Associações EFAs e não somente uma TS capaz de gerar formação integral e desenvolvimento sustentável. As problematizações foram específicas de cada Associação EFA. Ou seja, observou-se que cada Associação EFA teve problemas específicos e a PA foi transladada relacionando-se a esses problemas. No caso de Rondônia, o transporte da PA se deu como metodologia educativa solucionadora da ausência de educação rural. Durante as translações os futuros aliados foram tão relevantes quanto os problematizadores iniciais, pois eles contribuíram para o delineamento dessas translações, sejam influenciando, sejam deixando-se influenciar nas associações. As relações macro e micro estiveram imbricadas a ponto de os objetivos estarem voltados tanto para aspectos específicos como gerais envolvendo o transladar da PA. Ela é vista desde como uma metodologia educativa apropriada até como um movimento educativo libertador, de promoção da sustentabilidade. "A translação foi feita por um conjunto heterogêneo de atores cada um com atuações e papéis bem específicos. Na literatura sobre a TS vemos que ‘as alterações em alguns dos elementos heterogêneos constitutivos de um conjunto sociotécnico geram mudanças tanto no sentido e funcionamento de uma tecnologia, como nas relações sociais vinculadas’, mas, principalmente, influenciam nas próprias ações dos atores, que são determinantes para definir as tecnologias necessárias para realização de seus objetivos e interesses".

    Do lado das transformações da PA, estas ocorreram, paulatinamente, por meio das rotinas geradas, transladando-a em um misto constante de estabilidade e mudança, conforme os interesses negociados. A formação é tida como estratégia relevante adotada para manutenção de rotinas instituídas estabelecidas por cada Associação EFA, bem como para promover avanços em direção aos propósitos negociados, instituintes em vista das necessidades dos novos contextos. A atuação dos não-humanos foi relevante para continuidade ou não das translações e aqui podemos citar a força dos mediadores da alternância como os instrumentos pedagógicos, por exemplo. A força foi vista pelos atores como uma propriedade de cada associação. A Igreja, entidade relevante, promotora do movimento no início da caminhada, passa a ser vista como uma parceira. E essa passagem é conflitiva, conforme a fala de um agricultor direcionada a um padre, em que diz: morro de pé, mas não vivo de joelho.

    Enfim, os processos organizativos que surgiram para transporte da PA se apresentaram como efeitos precários diante das constantes negociações e deslocamentos dos atores, pois houve mobilização social. A PA foi vista como um componente de uma rede de atores, cuja análise não é possível fora desta rede. Porém, seguindo o conceito de TS, a PA pode ser vista como um novo artefato em cada associação onde é transladada, pois suas apropriações e ressignificações seguem aos papéis e objetivos da nova associação. Com base nessa assertiva o leitor poderá deduzir a resposta do autor à questão colocada para a pesquisa: Como as bases sociotécnicas originárias de uma TS como a PA são transladadas em rotinas geradoras de mudanças e transformações sociais.

    Este livro representa uma contribuição extraordinária para o fortalecimento da Educação do Campo, sobretudo na perspectiva da Pedagogia da Alternância praticada pelos CEFFAs no estado de Rondônia e no Brasil. Oxalá, o autor e/ou outros autores por ele influenciados, preferencialmente de dentro do movimento, possam dar continuidade a estes estudos no campo organizacional, envolvendo as Associações CEFFAs. Nessa caminhada aumenta minha convicção de que a sociedade organizada e a participação social são chaves para outra Educação do Campo, articulada a um novo projeto de campo e sociedade.

    João Batista Begnami

    Mestre em Educação pela Universidade Nova de Lisboa,

    Doutorando em Educação na UFMG, Assessor da Associação

    Mineira das Escolas Famílias Agrícola – AMEFA

    APRESENTAÇÃO

    Este livro é o resultado de uma pesquisa que procurou discutir como as bases sociotécnicas originárias de uma Tecnologia Social como a Pedagogia da Alternância são transladadas em rotinas consideradas geradoras de mudanças e transformações sociais. Para isso, houve um esforço sistemático para investigar as bases sociotécnicas e as rotinas de formação da Pedagogia da Alternância na França bem como suas translações de expansão. Além disso, de maneira bem específica, o livro procura mostrar também a investigação das bases sociotécnicas de formação e translação da Pedagogia da Alternância no estado de Rondônia e analisa como se dão esses processos translativos expansionistas.

    Esse esforço foi realizado com a intenção de contribuir teoricamente, dentre outras correntes, com a Teoria do Ator-Rede (TAR). A TAR, apesar de presente nos estudos organizacionais, é pouco explorada no Brasil e principalmente nos estudos organizacionais brasileiros¹. Do mesmo modo, o aprofundamento em áreas diretamente relacionadas à ciência e tecnologia pode trazer significativas contribuições para a área das organizações, de modo geral e, em especial, para os estudos que vêm sendo desenvolvidos sobre tecnologias sociais (TS) no País.

    Com relação aos estudos voltados para TS, a diversificação de temas e conceitos, por si só, já justifica um aprofundamento teórico mais consistente para discutir as bases da TS. Muitos são os conceitos e muitas são as inter-relações entre eles, mas pouco se sabe sobre suas efetivas contribuições para trabalhos empíricos. Brandão² mostra como dispersos estão os conceitos ao tratarem de uma visão tecnológica alternativa às visões tradicionais:

    Tecnologia alternativa, tecnologia utópica, tecnologia intermediária, tecnologia adequada, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia ambientalmente apropriada, tecnologia adaptada ao meio ambiente, tecnologia correta, tecnologia ecológica, tecnologia limpa, tecnologia não-violenta, tecnologia não-agressiva ou suave, tecnologia branda, tecnologia doce, tecnologia racional, tecnologia humana, tecnologia de auto-ajuda, tecnologia progressiva, tecnologia popular, tecnologia do povo, tecnologia orientada para o povo, tecnologia orientada para a sociedade, tecnologia democrática, tecnologia comunitária, tecnologia de vila, tecnologia radical, tecnologia emancipadora, tecnologia libertária, tecnologia liberatória, tecnologia de baixo custo, tecnologia da escassez, tecnologia adaptativa, tecnologia de sobrevivência e tecnologia poupadora de capital.

    Do mesmo modo, a opção por uma perspectiva tecnocientífica se apresenta como um esforço válido para capturar a multidimensionalidade das diversas e complexas possibilidades de pesquisa em que as tecnologias e rotinas estão inseridas hoje nos estudos organizacionais. É possível dizer que as TS abrangem essa diversidade de perspectivas e, consequentemente, demarcam um relevante campo conceitual estudado. Mas, por outro lado, esses campos conceituais estão ligados à geração de habilidades e resolução de problemas para déficits pontuais e específicos. Há uma necessidade hoje de superar essas limitações de concepções lineares em termos de transferência e difusão, principalmente mediante a percepção de dinâmicas de integração em sistemas sociotécnicos e processos de redefinição de tecnologias³ como se pretende neste livro.

    Não se pode negar também que o desenvolvimento de estudos nessa área implica, muito além do social obviamente, em entender também mais apropriadamente aspectos tanto econômicos como produtivos e técnicos, já que será possível estudar com mais propriedade as associações que as organizações têm naturalmente formado. Além do mais, o livro pode contribuir com as pesquisas na área dos estudos organizacionais, auxiliando o redirecionamento das pesquisas até então focadas nas diversas caixas-pretas (tecnologia, sociedade, organizações e outras) para as suas inter-relações, associações e composições que são continuamente formadas.

    Para Neder e Thomas⁴, focar na análise sociotécnica constitui, na atualidade, um dos principais temas que podem significativamente contribuir para o avanço do entendimento da TS como campo científico, já que, conforme dito por Bijker⁵, a abordagem sociotécnica, "[...] não é meramente uma combinação íntima de fatores sociais e técnicos, é algo sui generis. Conjuntos sociotécnicos, em vez de artefatos técnicos ou instituições sociais, tornam-se nossa unidade de análise. E processos sociotécnicos constituem os padrões discernidos pelos nossos conceitos teóricos".

    Complementarmente, a literatura tem destacado uma grande demanda por estudos que abordem a TS. Mas, por outro lado, conforme ressaltado por Neder e Thomas⁶, um dos maiores obstáculos associados ao desenvolvimento de ferramentas teóricas com relação à TS é a ausência de análises empíricas. A maioria das informações sobre TS vem de fontes de livros, guias de recursos disponíveis por grupos de trabalhos especializados ou, simplesmente, por meio de estoques de experiências. Assim, o presente texto pode suscitar novas discussões sobre o desenvolvimento de teorias acerca da TS no Brasil.

    Do mesmo modo, a escolha empírica torna-se relevante pela peculiaridade do caso escolhido. A disseminação da PA, desde os países de Primeiro Mundo, como Itália e Portugal, na Europa, passando pelos emergentes, como Brasil e Argentina, na América Latina, a países notadamente pobres, como Ruanda e Senegal, na África, pode indicar uma universalidade da proposta, o que fortalece a escolha dessa iniciativa de TS para análise, não caracterizando uma iniciativa que atende satisfatoriamente somente a espaços específicos, mas universalizada em diferentes contextos.

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    Sumário

    CAPÍTULO 1

    Questões iniciais

    Capítulo 2

    Teoria do ator-rede (TAR)

    2.1 Considerações iniciais sobre a TAR

    2.2 Irredutibilidade como ontologia dos atores-rede

    2.3 Simetria generalizada como epistemologia da TAR

    2.4 Ação como base para translação das redes de atores

    2.5 Rotinas e mudanças como efeitos de translações

    Capítulo 3

    TRANSLADAR DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

    3.1 Translações iniciais de surgimento da PA

    3.1.1 Pontos de passagens obrigatórios à Igreja e ao Estado

    3.1.2 Personalismo e Sillon como interessamentos iniciais

    3.2 Problematizações iniciais de formação da PA

    3.3 Programas de ação de definição da PA

    3.4 Inscrições da PA como metodologia educativa

    3.5 Considerações finais sobre a formação da PA na França

    Capítulo 4

    TRANSLAÇÕES E ORDENAMENTOS DA PA

    4.1 Estratégias translativas dos atores

    4.1.1 Manutenção dos objetivos

    4.1.2 Presença e participação de aliados

    4.1.2.1 Atuação dos humanos

    4.1.2.2 Atuação dos não humanos

    4.1.2.3 Programas de ação

    4.1.3 Resolução das controvérsias

    4.1.4 Futuro das inscrições

    4.1.4.1 Elaboração e disseminação de material didático-pedagógico

    4.1.4.2 Proximidade com as Universidades

    4.1.4.3 Relação com as instituições públicas

    4.1.4.4 Reconhecimento no âmbito socioprofissional

    4.1.5 Centro pedagógico

    4.2 Considerações finais sobre as translações da PA

    Capítulo 5

    TRANSLAÇÃO DA PA NO ESTADO DE RONDÔNIA

    5.1 Transladar da PA no Brasil

    5.2 Transladar da PA no estado de Rondônia

    5.3 Expansão das EFAs em Rondônia

    5.3.1 Centros pioneiros da PA em Rondônia

    5.3.2 EFAs implantadas na última década no Estado

    5.3.3 Regiões que não possuem Centros Educativos

    5.4 Considerações finais sobre a translação da PA no estado de Rondônia

    Capítulo 6

    EXPANSÃO DA PA NO ESTADO DE RONDÔNIA

    6.1 Problematizações iniciais da expansão da PA

    6.2 Interessamentos iniciais de reaplicação da PA

    6.3 Definições para expansão da PA

    6.4 Controvérsias sobre a expansão

    6.5 (In)Dependência das associações locais em implantar a PA

    6.6 Novas estratégias de ação

    6.7 Conclusão dos atores: tudo é questão de mobilização social

    6.8 Considerações finais sobre a expansão da PA no estado de Rondônia

    Capítulo 7

    DEFINIÇÕES E CONCEITUAÇÕES DA PA E TS

    REFERÊNCIAS

    Capítulo 1

    Questões iniciais

    No final do século XIX e durante o todo século XX muitas críticas foram feitas ao modelo de desenvolvimento baseado no capital e nos desenvolvimentos tecnológicos em larga escala⁷. Esse modelo acentua as diferenças entre ricos e pobres, explora além dos limites aceitáveis os recursos naturais e coloca em risco as garantias de sobrevivência das gerações futuras⁸. Em oposição a esse modelo desenvolvimentista, cada vez mais foi sendo proposto um desenvolvimento sustentável, solidário e ambientalmente responsável⁹. Os Estudos em Ciência e Tecnologia¹⁰, em Filosofia da Tecnologia¹¹ e nas abordagens conceituais emergentes em tecnologia¹² começaram a incorporar uma necessidade de responsabilidade técnica e social aos modos atuais de produção. As Tecnologias Sociais (TS) foram sendo introduzidas nas discussões teórico-empíricas como solucionadoras dos problemas ocasionados pelos modelos de desenvolvimento baseados nas tecnologias em larga escala. Recentemente cada vez mais estudos confirmam a eficiência das TS em promover desenvolvimento sustentável¹³.

    A emergência do conceito de TS acontece no final do século XIX. Possivelmente os primeiros a usarem o termo TS foram os pesquisadores da Escola de Chicago, principalmente Small¹⁴ e Henderson¹⁵. Small na tentativa de encontrar metodologias apropriadas para tornar conhecíveis os problemas sociais, considerava que era necessário conhecer a realidade humana mais amplamente do que até então tinha sido considerada. A realidade humana, para Small, era composta por um cosmos formado pelo mundo

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