Ciborgues midiatizados
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Sobre este e-book
Por uma perspectiva transmetodológica, a obra investiga as maneiras pelas quais as pessoas com deficiência física, em especial os tetraplégicos e paraplégicos, ao se apropriarem das potencialidades da internet, ampliam sua capacidade comunicativa e tornam-se aquilo que a autora denomina de "ciborgues midiatizados".
Para abranger a complexidade da problemática, o livro contextualiza o cenário atual da sociedade, abrangendo a importância do processo de midiatização inserido nesse espaço. A autora trabalha com conceitos e teorias que privilegiam o estudo das formas de construção das identidades, o exercício da cidadania e a valorização e inclusão das pessoas com deficiência pelos meios de comunicação. A constituição das pessoas com deficiência física enquanto "ciborgues midiatizados" parte da análise da fecundidade das relações que o grupo observado estabelece com os meios de comunicação digitais, fato que lhes proporciona possibilidades únicas de extensão, interação, sociabilidade e mobilidade.
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Ciborgues midiatizados - Vívian Maria Corneti de Lima
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
AGRADECIMENTOS
Tenho inúmeras pessoas que me serviram de inspiração durante a construção desta obra, mas infelizmente não terei a oportunidade de me dirigir a todas elas. Entretanto, cada pessoa que contribuiu nessa jornada, ainda que seu nome não esteja aqui mencionado, pode ter a certeza de minha gratidão.
Agradecer é reconhecer a importância do outro, é enaltecer aos envolvidos, é partilhar um sentimento recompensador. Nesse sentido, aproveito a oportunidade para agradecer formalmente em distintas concepções.
Meu agradecimento afetivo é especial. É direcionado àqueles que partilham do meu cotidiano, que conhecem minhas lutas e que acreditam nos meus sonhos. Destaco meu marido Fabio Corniani, pessoa que transforma meus dias e que me encoraja. É ele quem me auxilia, sofre e comemora comigo. Palavras não conseguem descrever meus sentimentos por você. Te amo!
Agradeço também aos meus familiares. Meu pai, minha mãe, meu avô, meus irmãos e sobrinhos.¹ Vocês constituem a minha essência. Graças a vocês tenho a oportunidade de compartilhar uma visão transformadora do mundo. Vocês são a minha base.
Um agradecimento mais do que especial aos queridos ciborgues midiatizados Lígia, Eliana e Paulo. Obrigada pela oportunidade de conhecer um pouco mais sobre suas vidas. Não tenho dúvidas de que essa experiência fez de mim uma pessoa melhor.
Agradeço imensamente à Deputada Mara Gabrilli, que gentilmente escreveu o prefácio deste livro. O trabalho de Mara na luta pelos direitos das pessoas com deficiência também é uma inspiração.
No âmbito acadêmico, agradeço a todos os mestres que compartilharam comigo seus conhecimentos em todas as instituições em que estudei. Ensinos médio e técnico, graduação, especialização, mestrado e, agora, doutorado. Cada um dos professores que cruzou meu caminho contribuiu para minha formação intelectual. Entretanto, o agradecimento especial é para aquele que me orientou durante a construção investigativa, Prof. Efendy Maldonado, gracias por sus enseñanzas
.
Acima de tudo, obviamente, agradeço a Deus. É somente pela fé que meus sonhos têm se tornado realidade. Sinto-me uma pessoa abençoada. Sei que o caminho nem sempre é fácil, mas Deus sempre se encarrega de me auxiliar.
Agradeço aos leitores que estão dispostos a conhecer uma visão comunicacional séria, porém, carregada de sensibilidade.
A palavra é pequena, mas apenas obrigada
é tudo o que posso dizer. A todos, obrigada.
A mente comanda tudo.
(Lígia Fonseca, tetraplégica)
PREFÁCIO
Ciberespaço: um campo de possibilidades às pessoas com deficiência
Posso dizer que muita coisa mudou na minha vida diária desde que sofri o acidente que resultou em minha tetraplegia. A forma de me comunicar foi uma delas. Quando ainda estava no hospital, por exemplo, minha comunicação toda acontecia por meio de uma tabela com o alfabeto.Eu tinha de formar palavras apontando com os olhos cada letra. Foi uma fase difícil, pois quem me cercava na maioria das vezes não me entendia, exceto Beto, meu irmão, que foi preponderante na minha recuperação.
Tive de reaprender tudo, inclusive a respirar. E quando consegui fazê-lo, sem a ajuda de aparelhos, a sensação de liberdade foi inexplicável. Não por acaso, sempre que falo sobre as limitações
impostas por esta ou aquela deficiência, digo que a maior de todas as barreiras enfrentadas por qualquer cidadão com deficiência é a da comunicação.
Estar informada e apoiada em tecnologias capazes de fazer a comunicação cada vez mais dinâmica, mesmo sem mexer um músculo abaixo do pescoço, torna-me uma pessoa liberta de qualquer amarra que a sociedade possa impor. O preconceito, a pior das barreiras, fortalece-se exatamente onde o acesso à informação é carente.
Vivemos em um mundo em que, a cada dia, surgem novas maneiras independentes para produzir informação. As pessoas podem fazer gratuitamente um blog ou expressar o que sentem em um espaço seu. Muitos políticos têm sites e outros canais nos quais mostram ao seu eleitorado o que fazem (ou deixam de fazer). Eu mesma tenho nas plataformas de comunicação a principal ponte entre a população e suas verdadeiras demandas. As redes sociais, usadas por grande parte pela população com deficiência, conseguem ultrapassar barreiras territoriais, políticas e ideológicas, o que, muitas vezes, em um território concreto, não seria possível.
Contudo, a falta de acesso ao cidadão com deficiência fere sua liberdade de expressão porque o impede até mesmo de sair de casa e reivindicar. E é aí que ferramentas como a internet ganham uma proporção muito importante na vida de quem perdeu autonomia dos movimentos. Fato muito bem representado aqui por Ligia, Paulo e Eliana.
Paulo, por exemplo, a quem tive a honra de encontrar algumas vezes, representa muito bem o indivíduo que soube aproveitar o ciberespaço para coexistir em um universo que poderia ser muito restrito. Sob os cuidados hospitalares e de um respirador artificial, vive há mais de 40 anos no Hospital das Clínicas de São Paulo. Tempo suficiente para que ele alcançasse o mundo sem sair da cama. Paulo fez curso de roteiro em cinema e profissionalizou-se em animação 3D. Apaixonado por cinema, teve a oportunidade de conhecer, por meio de suas incursões pela rede, um de seus grandes ídolos: Carlos Saldanha. Paulo movimenta admiradores e conseguiu angariar recursos para muitas de suas ambições.
Ele é o que Vivian Corneti nos apresenta aqui como um ciborgue midiatizado
, um indivíduo que independentemente da condição física, consegue alcançar possibilidades únicas de mobilidade e interação social.
Acredito na capacidade das mídias como grandes disseminadoras de cidadania. E o ciberespaço se mostra um local acessível e propulsor de muitas ações do cidadão com deficiência. Esta que vos fala é prova da dimensão de tal interlocução.
A Lei Brasileira de Inclusão, projeto que relatei na Câmara, foi construída de forma coletiva, com a participação ativa da sociedade civil e que se manifestou também por meio de uma consulta pública na internet. Foram centenas de contribuições de pessoas, muitas com deficiências severas, que jamais conseguiriam sair de casa para participar de uma audiência em Brasília, por exemplo. Prova de que a tecnologia vem se convergindo em vozes para inúmeras pessoas.
O material que você tem em mãos é de grande valia, pois traz um recorte dessa evolução das tecnologias e da informação a serviço da cidadania. Aqui ficará claro a forma como essas mudanças impactaram no comportamento das pessoas com deficiência e na própria maneira como elas se colocam no mundo.
A informação, quando bem utilizada, é transformadora.
Boa leitura.
Mara Gabrilli
Deputada Federal, 48 anos, tetraplégica.
Articulações na construção do conhecimento comunicacional
Foi no trabalho de socialização da pesquisa científica em comunicação, no extremo oeste do Rio Grande do Sul, no Sinapiens, em São Borja, que o contato inicial entre Vivian Corneti e quem escreve estas linhas se tornou possível; essa confluência histórica o tornaria, pouco tempo depois, o seu orientador no curso de mestrado no PPGCC da Unisinos. Foram decisivos nessa aproximação aspectos compartilhados e imediatamente comunicados (conferência, livros) sobre valorização da cidadania comunicativa; respeito e apoio às culturas das minorias; e de trabalho a favor da inclusão social, política, econômica e cultural de sujeitos e sujeitas em condição de alteridade vital.
Em confluência com isso, a sensibilidade transformadora que as tecnologias da comunicação possibilitam, e que tinham atravessado a vida da Vivian, concretizou-se em um projeto de pesquisa instigante, renovador e solidário, que propunha o desafio de produzir conhecimento a partir das inter-relações comunicativas entre pessoas tetraplégicas e paraplégicas e as novas mídias digitais.
Para o PPGCC-Unisinos, para a Linha de Pesquisa: Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, foi uma alegria, poucos meses depois, receber a candidatura de Vivian Corneti para o curso de mestrado. Sua coerência intelectual, ética e de pesquisa faria que obtivesse reconhecimento dos colegas, professores e companheiros do Programa e do GP Processocom. Foi assim que, de maneira fluída, carinhosa e eficiente, realizou suas atividades até concluir, com fortaleza teórica e metodológica, sua pesquisa, que, neste volume, se apresenta em formato de livro para aproveitamento de professores, pesquisadores, pós-graduandos e bolsistas de iniciação científica do Brasil.
A autora contribuiu com a vertente transmetodológica ao combinar cinco estratégias metodológicas: estudo de casos (articuladora); pesquisa empírica exploratória; pesquisa-da-pesquisa; pesquisa de campo e aproximações digitais on-line. Seu referencial teórico definiu-se em diálogos importantes com Manuel Castells, Armand Mattelart, Muniz Sodré, Donna Haraway, Adela Cortina, Jesús Martín Barbero, Zigmund Bauman, Pierre Levy, Marshall MacLuhan, Henry Jenkins, Néstor García Canclini, entre os principais autores trabalhados na dissertação. Sua contextualização foi construída com riqueza ao interligar problemáticas macroestruturais, como midiatização e globalização, com sujeitos comunicantes concretos concebidos como ciborgues midiatizados. As pessoas com paralisia deixaram o lugar da subalternidade e até da exclusão, para ocupar uma posição de destaque ao mostrar como os usos e as apropriações dos processos comunicacionais digitais transformam os modos, as formas, as identidades e as representações que essas pessoas produzem.
O livro, ao reapresentar esses aspectos, mostra como os sujeitos comunicantes com paralisia exercem sua cidadania comunicativa, mediante produções simbólicas próprias, nas suas qualidades e significações. É uma obra que, ao compreender esses processos nas suas particularidades e potencialidades e ao socializar essas experiências, esses sentimentos, essas novas competências comunicativas que Ligia Fonseca, Eliana Zagui e Paulo Henrique Machado produzem, situa-os em sua fecundidade comunicativa e em seu processo de construção de novas identidades culturais e sociais na multidimensão chamada internet.
Vivian Maria Corneti de Lima demonstra, neste livro, que os deficientes on-line existem como ciborgues midiatizados, que adquirem uma configuração social misturada, que depende de suas conexões e inter-relações on-line para sua constituição. Mostra, também, que os usos e as apropriações dos meios de comunicação, na internet, outorgam a esses sujeitos comunicantes potencialidades únicas de mobilidade, extensão, interação e sociabilidade.
Este é um livro que combina pesquisa empírica com pesquisa teórica de maneira fecunda, articula métodos de modo produtivo e oferece informações importantes para dar continuidade às pesquisas comunicacionais nas dimensões digitais com cidadãos tetraplégicos e paraplégicos. A autora assumiu, nesse processo, o desafio da produção de conhecimento com sensibilidade, inteligência e disciplina e, ao mesmo tempo, compartilha com as comunidades acadêmicas e sociais uma produção editorial de expressiva qualidade.
Alberto Efendy Maldonado
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
OS VESTÍGIOS DA INVESTIGAÇÃO
1.1 Motivações
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZAÇÃO
2.1 Conceitos e reflexões sobre a midiatização
2.2 Divergências e convergências sobre a mídia e o processo de midiatização
2.3 Novas relações sociais, temporais e identitárias
CAPÍTULO 3
VALORIZAÇÃO E INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
3.1 O que é paralisia? Quem são os tetraplégicos e paraplégicos?
3.2 Grupo de pessoas com deficiência
3.2.1 Lígia Fonseca
3.2.2 Eliana Zagui
3.2.3 Paulo Henrique Machado
CAPÍTULO 4
DEFICIENTES ON-LINE, CIBORGUES MIDIATIZADOS
4.1 O que é um ciborgue?
4.2 Mobilidade
4.3 Identidade e cidadania
4.4 Articulações
4.5 Extensão, interação e sociabilidade
BASTIDORES
notas sobre os ciborgues
REFERÊNCIAS
Capítulo 1
OS VESTÍGIOS DA INVESTIGAÇÃO
Ciborgues midiatizados é uma construção investigativa que, além de problematizar, busca conhecer e externar as peculiaridades do processo comunicacional realizado por pessoas com quadros severos de deficiência física mediante meios de comunicação on-line.
A obra traz a observação, interpretação, compreensão e análise de ações individuais desenvolvidas no ciberespaço por pessoas impossibilitadas de movimentar seus corpos, bem como a percepção dos desdobramentos interessantes que lhes ocasionavam benefícios em termos da ampliação de suas capacidades comunicativas, além de peculiares formas de participação social. A observação exploratória da pesquisa foi delimitada na análise das rotinas comunicacionais de três pessoas com deficiência, entre as quais duas são tetraplégicas (Lígia Fonseca e Eliana Zagui) e um é paraplégico² (Paulo Henrique Machado). Mesmo tendo suas condições físicas limitadas por problemas de saúde, o grupo faz uso constante da internet, participa ativamente de redes sociais on-line e articula suas relações de forma atuante no universo virtual digital.
Trabalhamos com a concepção de que as relações que o deficiente físico estabelece com a internet para construir sua identidade e cidadania são tão profundas que lhes fazem ser uma espécie de ciborgue, um organismo que depende de cruzamentos e hibridações para sua composição. Nossa proposta apresenta a construção do ciborgue midiatizado
como alguém com uma configuração social híbrida, dependente das atuações e conexões on-line para sua constituição. Acreditamos que os usos e as apropriações dos meios de comunicação digitais permitem a esses ciborgues possibilidades únicas de mobilidade, extensão, interação e sociabilidade.
Os arranjos teóricos e metodológicos foram construídos em consonância com os objetivos gerais desta pesquisa, os quais, em síntese, procuram investigar as maneiras pelas quais as pessoas com deficiência física, ao se apropriarem das potencialidades da internet, ampliam sua capacidade comunicativa e tornam-se ciborgues midiatizados. Também utilizamos como norteadores da problemática os objetivos específicos da pesquisa, que têm interesse em:
- analisar as táticas on-line utilizadas para a construção da identidade de pessoas com deficiência;
- identificar, compreender e apresentar as possibilidades para o exercício da cidadania que decorrem do uso da internet;
- compreender e especificar as relações sociais que são facilitadas ao grupo pelo processo de midiatização;
- observar, apreender e assimilar a correlação entre inclusão digital e inclusão social;
- além de especificar as habilidades comunicativas que constituem o ciborgue midiatizado.
Ao apresentarmos os objetivos gerais e específicos de nossa pesquisa, elementos que compõem a construção da problemática, relacionamos aspectos inerentes à busca pela compreensão dos usos e das apropriações dos meios de comunicação pelos deficientes físicos, incluindo a dinâmica de suas relações sociais, o processo de inclusão social, as táticas para a formação de suas identidades, além da sua constituição enquanto ciborgue midiatizado.
Nosso interesse pelas formas de comunicação de pessoas com deficiência física ocorreu pelo convívio e pela amizade da autora com a ex-atleta, Lígia Fonseca, que, aos 18 anos de idade, perdeu os movimentos do