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Preconceito contra as pessoas com deficiência: As relações que travamos com o mundo
Preconceito contra as pessoas com deficiência: As relações que travamos com o mundo
Preconceito contra as pessoas com deficiência: As relações que travamos com o mundo
E-book135 páginas1 hora

Preconceito contra as pessoas com deficiência: As relações que travamos com o mundo

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Sobre este e-book

Este livro baseia-se no dia a dia de muitas pessoas portadoras de deficiência. Fala de suas rotinas e experiências, de histórias de vida e de relatos de situações vividas, de convivências com outras pessoas, e dos problemas e discriminações que sofrem seus portadores no trabalho, nas escolas, e até mesmo para caminhar na rua. O autor escreve um texto apaixonado e otimista, descrevendo as dificuldades do cotidiano dessas pessoas na busca de exercer sua cidadania.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de ago. de 2017
ISBN9788524925603
Preconceito contra as pessoas com deficiência: As relações que travamos com o mundo

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    Preconceito contra as pessoas com deficiência - João Ribas

    Bibliografia

    Capítulo 1

    O livro e seu sentido

    Escrever é transformar esse olhar para dentro em palavras, estudar o mundo em que essa pessoa entra quando se retira para dentro de si, e fazê-lo com paciência, obstinação e alegria.

    Orhan Pamuk

    As pessoas com deficiência física, auditiva, visual e mental estão mais presentes nas empresas, escolas, parques, cinemas, teatros, restaurantes, bares. Estão trabalhando, estudando, viajando, indo às baladas, à praia, aos estádios de futebol. Aparecem mais frequentemente nos jornais, dão entrevistas nas rádios e televisões, tornaram-se personagens assíduos nas novelas. Estão mais alegres, mais divertidas, mais bonitas. Namoram, casam, têm filhos, têm família. Estão mais independentes e autônomas. Estão também mais atentas, mais maduras, mais responsáveis.

    Isso é uma indicação de que a convivência entre os seres humanos tem se tornado mais recíproca. Pessoas que têm deficiência e que não têm deficiência vêm aprendendo, umas com as outras, a extrair da relação aquilo que possa enriquecer o conhecimento mútuo. Dúvidas têm sido esclarecidas, medos têm sido desfeitos, rancores têm sido superados, preconceitos têm sido demolidos.

    Ainda há desconfiança e ódio entre os homens, que se trucidam porque a capacidade humana de simbolizar é livre para representar o outro como o seu aviltante. Mas cresce o número daqueles que querem ser receptivos, mesmo que o outro lhe pareça completamente estranho e desconhecido.

    Este livro se insere numa coleção que trata dos preconceitos. Poucos hoje em dia procuram se afastar das pessoas com deficiência e não as convidam a se aproximar. É raro encontrar alguém que não queira conviver com uma pessoa porque ela usa cadeira de rodas, não enxerga ou não ouve como as demais, não raciocina como um intelectual.

    Mas o importante é que esta não seja uma convivência transitória, superficial. Não conhecemos bem o outro estando com ele em momentos passageiros, nos quais notamos aquilo que ele não tem porque o ponto de referência é aquilo que nós temos. Conhecemos o outro estando com ele mais vezes, de forma mais intensa, procurando perceber aquilo que ele tem pelo ponto de referência que é dele, e só dele. Só assim conseguimos superar os entraves que às vezes teimam em permanecer no subliminar das nossas almas.

    Os nossos limites reais não estão na possibilidade ou impossibilidade que temos de andar, enxergar, ouvir ou pensar da forma como acreditamos que todos fazem. Os nossos limites estão na dificuldade que encontramos nas relações que travamos com o mundo.

    Este livro procura fazer com que as pessoas se conheçam mais profundamente, que as convivências se estreitem, que os momentos compartilhados entre todos sejam mais duradouros.

    Tenho 52 anos, nasci paraplégico, uso cadeira de rodas e trabalho com Inclusão Social de pessoas com deficiência há mais de vinte anos. Não acredito que, se preconceito existe, nós que temos deficiência jamais tenhamos colaborado em algum grau com a distorção da nossa imagem. Acredito que Inclusão Social se pratica na convivência entre as pessoas e que, portanto, a maneira como as pessoas me veem reflete também a imagem da maneira como eu quero que elas me vejam, ainda que este possa ser um processo inconsciente.

    Este não é um livro restrito ao público acadêmico. Baseia-se na vivência de inúmeras pessoas com deficiência e na convivência delas comigo e com o mundo. Trata das histórias de vida, dos relatos das situações vividas, da narrativa das nossas convivências.

    Os capítulos a seguir podem ser lidos como artigos independentes, uma vez que não têm uma ordem lógica. Estão baseados em situações de convivência cotidiana que simplesmente me animaram a contá-las. A convivência não tem uma ordem lógica, assim como a vida não é uma sequência de fatos.

    Os capítulos a seguir também não estão acabados. Optei pela síntese, o que é diferente de ter optado pelo resumo. Preferi escrever capítulos curtos, com linguagem coloquial, para que eu pudesse comunicar ideias, mais do que reflexões acadêmicas. Por isso, eles estão propositadamente inacabados.

    Todavia, não é um livro inconsequente. Não é um panfleto. Não é um manifesto. Mas é um livro de quem colocou paixão, muita perseverança, e certa sofreguidão nas suas páginas.

    Tenho convivido com inúmeras pessoas com deficiência no decorrer da minha vida. O que aqui está escrito é fruto do aprendizado que tive dos momentos de reuniões, de desenvolvimento de projetos, e principalmente de conversas, muitos bate-papos com Ana Maria Morales Crespo, Ana Rita de Paula, Andréa Schwarz, Araci Nallin, Caio Leonardo Bessa Rodrigues, Cândido Pinto de Melo, Célia Leão, Cláudio Vereza, Flávia Cintra, Flávia Vital, Gilberto Frachetta, Izabel Maior, João Carlos Pecci, Leandra Migotto Certeza, Lilia Pinto Martins, Luiz Baggio Neto, Luiz Eduardo Porto Mariz de Oliveira, Manuel Aguiar, Mara Gabrilli, Marco Antonio Pellegrini, Marisa do Nascimento Paro, Markiano Charan Filho, Melissa Bahia, Messias Tavares, Neivaldo Augusto Zovico, Rodrigo Mendes, Rosângela Berman, Renato Laurenti, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Rui Bianchi do Nascimento, Sacha Band, Sandra Maria de Sá Brito Maciel e Tuca Munhoz. Os que estão nesta lista têm alguma deficiência física, auditiva ou visual e ao longo dos últimos anos têm escrito história no movimento de Inclusão Social no Brasil.

    Mas algumas pessoas com deficiência que não estão na lista anterior, muitas com a metade da minha idade, inspiraram sobremaneira o que aqui está escrito. Ana Paula Siqueira Gomes, Camila Busnardo, Celio Tavares de Araújo, Daniela Aparecida Rodrigues dos Santos, Edvan de Oliveira Salinas, Fernando José da Silva, Fernando Piolli, José Braga, José do Egito Ferreira de Almeida, José Fernandes de Alcântara Filho, Joyce dos Santos Alves, Leonardo Barbosa Castilho, Marco Antônio Proença da Silva, Marcos Bernardo Rodrigues, Maria Rita Ribeiro de Oliveira, Nancy Galvão Ayres Neias, Renata Bonacini, Renato Ourique de Carvalho, Samuel Luiz Scarabelli, Thiago Santos Souza, Tiago de Almeida Lemos e Valter José Previato. Todas elas são pessoas com deficiência física, auditiva ou visual e que trabalham na Serasa S.A.

    Eu coordeno o Programa Serasa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência, que adquiriu respeito e se tornou referência entre as empresas brasileiras porque Elcio Anibal de Lucca, presidente da Serasa, é um líder empresarial que sabe que pessoas com deficiência podem ser profissionais nos quais se pode investir tanto quanto as empresas atuais investem em outros profissionais que não têm deficiência física, auditiva, visual ou mental. O apoio do diretor de Desenvolvimento Humano e Organizacional, Milton Luís Figueiredo Pereira, e do gerente de Cidadania Empresarial, Tomás Carmona, também tem sido decisivo.

    Quero destacar duas pessoas com deficiência que hoje também trabalham na Serasa e que eu vi crescer como profissionais. Priscila Branca Neves, jovem psicóloga, cega, que trabalha ao meu lado coordenando o Programa Serasa de Empregabilidade, e Camila Havas, jovem pós-graduada em Ciências da Computação, surda, que trabalha numa das principais áreas de Tecnologia da Informação da empresa.

    Este livro quer apenas contribuir para que o relacionamento entre as pessoas se fortaleça a fim de que o mundo não se esvazie de significado.

    Capítulo 2

    A hesitação da ambiguidade

    O conhecimento do próximo tem isto de especial: passa necessariamente pelo conhecimento de si mesmo.

    Italo Calvino

    Muitos se aproximam de mim e dizem: Você não é deficiente, é um eficiente que usa cadeira de rodas. Outros dizem: Todos nós somos deficientes de alguma forma.

    Vejo que são pessoas que querem se aproximar, ser minhas amigas, porque sabem que a palavra deficiência é pejorativa. Não tem jeito. Deficiência, na língua portuguesa, será sempre sinônimo de insuficiência, de falta, de carência e, por extensão de sentido, de perda de valor, falha, fraqueza, imperfeição. A palavra representa e estabelece a imagem.

    Não dá para saber quando paraplégicos, tetraplégicos, surdos, cegos e pessoas com deficiência mental passaram a ser colocados na mesma categoria. Mas o fato é que ainda hoje somos reconhecidos como um conjunto de pessoas que, acredita-se, possuem uma característica comum: somos pessoas com deficiência. E é possível que nós mesmos, que temos individualidades e idiossincrasias próprias, mas que hoje somos conhecidos como membros de um mesmo grupo, tenhamos colaborado para isso.

    Talvez tudo tenha começado entre o final do século XIX e início do XX quando surgiram as instituições totais que confinavam e isolavam no mesmo espaço todos os que tinham sequelas físicas ou mentais. Na verdade, estas instituições não foram completamente demolidas. Ainda há em diversos países instituições fechadas que mantêm na mesma dependência pessoas em estado de vida vegetativa e paraplégicos em cadeiras de rodas que muito bem poderiam estar trabalhando, estudando, se divertindo, tendo família e vivendo nas suas próprias casas. Principalmente nos países com cultura mais conservadora acredita-se até hoje que é preciso proteger, o que significa para aqueles que lá vivem isolar.

    Mesmo após os anos 50, quando começou o processo de desinstitucionalização nos Estados Unidos e na Europa, as pessoas com deficiência ainda continuaram a ser vistas como um conjunto. Os livros usados por universitários de Medicina, Psicologia e Serviço Social nos anos 70 chamavam a nós todos, independentemente de sermos paraplégicos ou termos síndrome de Down, de excepcionais. Não raro as reportagens dos jornais e revistas chamavam pessoas que passaram por acidentes diferentes, que tinham adquirido lesões ou sequelas

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