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Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas
Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas
Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas
E-book446 páginas6 horas

Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas

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Sobre este e-book

Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas analisa o esforço da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) para a obtenção da hegemonia, tanto entre a própria classe dominante quanto em relação, sobretudo, à classe dominada. A proposta deste livro é examinar como a ABAG articulou a formação de seus intelectuais orgânicos ao projeto de hegemonia, visando responder a indagação sobre a atuação da ABAG como um partido do estado maior do capital na atual configuração do bloco histórico. Neste sentido, a obra busca compreender os nexos entre educação, classes sociais e Estado, em seu sentido ampliado, ou seja, incorporando tanto a sociedade política como a sociedade civil e seus intelectuais, individuais e coletivos. Nesta publicação, Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa disponibiliza sua pesquisa, que conta com o levantamento de documentos produzidos pela ABAG, por meio de seus informativos, cartilhas, artigos e vídeos. A pesquisa apresenta também investigação sobre o Programa Educacional Agronegócio na Escola, organizado pela ABAG em dezenas de Redes Municipais de Educação do estado de São Paulo, por meio do levantamento de documentos e de materiais sobre a ação pedagógica, além de entrevistas com diferentes sujeitos envolvidos. Este livro aborda como a ABAG atua, no período recente, no papel de partido do agronegócio. Ao longo das últimas décadas, a associação conseguiu realizar a unidade entre algumas das principais frações do capital associadas ao Agronegócio, realizando um duplo trabalho na formação de diferentes níveis de intelectuais orgânicos, sendo capaz de inserir seus interesses no interior de Conselhos, Comissões e Ministérios e também de assimilar os professores da escola pública na região estratégica de Ribeirão Preto (SP).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547300920
Educação e agronegócio: a nova ofensiva do capital nas escolas públicas

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    Livro cheio de prooaganda da esquerda!!!! Querem derrubar nosso agro!!! Não vamos deixar!!! Sabemos quem banca esse tipo de material são as fundações internacionais.

Pré-visualização do livro

Educação e agronegócio - Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa

Editora Appris Ltda.

1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores

Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

Agradeço aos meus familiares, a minha companheira,

Nívea Silva Vieira,

a minha filha Rosa e a todos os trabalhadores que lutam por um mundo socialista.

PREFÁCIO

O livro Educação e agronegócio: nova ofensiva do capital nas escolas públicas, de autoria de Rodrigo Lamosa, é o resultado de boas pesquisas, que acrescentam novos conhecimentos em suas respectivas áreas, as quais devem ser publicadas, lidas, debatidas e difundidas, contribuindo para a qualificação dos argumentos e dos posicionamentos teóricos e políticos.

Mas, antes de falar do livro propriamente dito, gostaria de inverter a ordem comumente utilizada e começar por apresentar o autor. Não é uma simples questão de fazer diferente. Apresentar Rodrigo Lamosa é uma exigência para que o leitor entenda o alcance do livro e a intensidade dos debates com que se confrontará ao longo dos capítulos.

Tenho a felicidade de conviver com esse ex-orientando, pesquisador, professor, companheiro de luta e amigo há aproximadamente sete anos, quando o conheci em sua entrada para o mestrado. Tanto nessa etapa quanto no doutorado, seu desempenho acadêmico excepcional nas disciplinas, nas publicações, nos estudos no grupo de pesquisa que coordeno (Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade – LIEAS) e nos produtos finais (dissertação e tese – defendidas em sequência e em cerca de cinco anos), fizeram com que ele rapidamente obtivesse reconhecimento e prestígio entre os principais professores dos programas de pós-graduação em educação e em áreas afins das universidades públicas no Rio de Janeiro e pelo Brasil. Poucas vezes vi alguém na condição de discente de pós-graduação conseguir tamanha projeção e respeito intelectual em tão pouco tempo. Não por acaso, ainda em seu momento final de doutoramento, conseguiu aprovação em primeiro lugar em concurso público para o Departamento de Educação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Tudo isso sem deixar de ser uma referência para sindicatos dos trabalhadores da educação, para movimentos sociais e para partidos de esquerda.

A explicação para colossal trajetória está para muito além de simpatias (ou antipatias), afinidades e dedicação aos estudos.

Rodrigo Lamosa reúne algumas qualidades pouco comuns em tempos de produtivismo acadêmico, de relativismo epistemológico e de banalização da teoria. Aliou sua experiência como sindicalista e militante partidário a uma capacidade diferenciada de apropriação do movimento do real por intermédio do uso rigoroso do materialismo histórico, de suas categorias conceituais, e de uma aguda análise fundada nas determinações sociais. Seus estudos teóricos sistemáticos em pesquisas muito bem delimitadas são permanentemente mediados por seu compromisso político com as lutas emancipatórias, com os trabalhadores. E isso é feito sem cair em um esquerdismo imaturo ou em um cientificismo que formaliza o conhecimento e o retira da vital condição para a transformação social. E mais, é feito sem medo de enfrentamentos acadêmicos maduros nos principais fóruns científicos do campo da educação, fazendo com que sua abertura ao debate, ao diálogo honesto, se dê de modo franco e posicionado, o que permite que esteja permanentemente alcançando o aprimoramento como pesquisador, professor e autor.

Um perfil como esse exige de quem o lê uma disposição efetiva ao diálogo sério, minucioso, atento e teoricamente aprofundado com a obra, ou, do contrário, provavelmente o leitor não entenderá a radicalidade de seus argumentos e a importância dos mesmos para aqueles que lutam por uma sociedade justa, igualitária e não destrutiva, portanto, uma sociedade socialista.

Vamos ao livro, que reflete a seriedade acadêmica do autor...

Em linhas gerais, esse é um texto que traz duas contribuições valiosas. Evidencia como a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que reúne algumas das principais frações do capital, se constituiu como um verdadeiro partido, em termos gramscianos. Seu projeto societário inclui a afirmação da centralidade do agronegócio no padrão de desenvolvimento adotado no Brasil, (re)configurando o capitalismo em nosso país, e a construção de uma nova hegemonia entre as classes dominantes e as classes subalternas. Nesse desvelamento dos aspectos estruturais da ação da ABAG, analisa e demonstra como esta, por intermédio de um programa junto às escolas públicas na região de Ribeirão Preto (SP), consegue formar seus intelectuais para atuarem em diferentes instâncias da vida social e assimilar os professores, difundindo e naturalizando a ideologia capitalista do progresso como movimento inexorável do ser humano rumo à prosperidade material.

O livro ainda traz dois outros aspectos fundamentais para o entendimento dos processos sociais contemporâneos em suas contradições.

Explicita o movimento das diferentes e desigualmente estabelecidas forças sociais na conformação do Estado ampliado (sociedade política mais sociedade civil), indicando os mecanismos pelos quais o Estado é apropriado sob uma lógica gerencial que privatiza políticas públicas e as direciona para os arranjos de parceria e execução de projetos. Esse é um modelo que conforma as instituições estatais e orienta a política para o apagamento dos conflitos de classe, fragilizando o caráter público das políticas educacionais. Tal modelo, que se desenvolve desde os anos de 1990, cria um arranjo administrativo que favorece a mercantilização de todo o processo educativo, inclusive de seu componente pedagógico, e permite a gestão escolar sob os ditames empresariais de eficiência, eficácia e empreendedorismo.

E esse movimento no Estado se articula ao discurso do desenvolvimento sustentável, do protagonismo empresarial na promoção de um futuro viável, o que consequentemente os coloca na função voluntariosa de cuidar das escolas públicas. Tudo é contado como se as escolas fossem um espaço a ser salvo, por ser gerido por incompetentes administradores públicos e professores incapazes, e nestas devesse se ensinar conteúdos inspirados na racionalidade instrumental. É o privado cuidando do público em nome do bem comum, em uma demonstração de altruísmo, responsabilidade cidadã e civilidade.

Um canto da sereia de enorme poder de convencimento social, discurso sedutor que aglutina ao seu redor até mesmo agentes à esquerda, que o autor critica e desvela de modo didático e com uma riqueza indiscutível de informações e descrição de acontecimentos.

Para tanto, o livro é organizado partindo de categorias mais abstratas, essenciais à compreensão das relações sociais e da aparência fenomênica, para se chegar a categorias concretas, estabelecendo sínteses que resultam em um conhecimento consistente e necessário ao campo educacional crítico.

Em seus capítulos iniciais, discute a natureza do Estado na sociedade capitalista e, em seu interior, a educação e o trabalho docente, evidenciando-os em suas contradições, ou seja, na luta de classes. Assim, apresenta as condições teóricas para discutir o partido do agronegócio no contexto das reformas neoliberais, que resultaram no modelo de Estado gerencial.

Na sequência, descreve minuciosamente a ação educativa da ABAG, particularmente por meio do programa agronegócio na escola, no que se refere ao seu modo de chegada nas secretarias e nas escolas públicas da região de Ribeirão Preto (SP), como operam no interior da escola e como difundem sua ideologia. A profundidade e a seriedade com que as informações são produzidas e tratadas teoricamente permitem não só a compreensão do referido programa, mas também sua especificidade diante de outras iniciativas empresariais junto às escolas públicas em todo o país.

Por fim, conclui com colocações inquietantes e com argumentos que explicitam a ferocidade com que o capital investe na apropriação das escolas públicas, reproduzindo sua sociabilidade e suas formas de dominação de classe.

Um trabalho intelectual de fôlego, indispensável para os educadores críticos, militantes de movimentos sociais antissistêmicos, e trabalhadores da educação em geral. Uma obra que trata com realismo o momento em que vivemos sem deixar de evidenciar a convicção na possibilidade histórica de superação do sociometabolismo destrutivo do capital. Que marca o posicionamento político do autor e a coerência de sua trajetória pessoal.

Boa leitura!

Prof. Carlos Frederico B. Loureiro

Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2015.

Universidade Federal do Rio de Janeiro

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 

CAPÍTULO 1

ESTADO, CLASSE SOCIAL E EDUCAÇÃO 

1.1 Estado e sociedade: aspectos teóricos e metodológicos 

1.2 A escola pública e a luta de classes 

1.3 O trabalho docente e a luta de classes no Brasil 

CAPÍTULO 2

O PARTIDO DO AGRONEGÓCIO NO CONTEXTO DA CONTRARREFORMA NEOLIBERAL 

2.1 A contrarreforma neoliberal no Brasil 

2.2 Do neoliberalismo à terceira via: os pressupostos teóricos da contrarreforma 

2.3 O partido do agronegócio e a luta pela hegemonia 

2.4 A ABAG na capital do agronegócio 

CAPÍTULO 3

ESCOLA PÚBLICA E A HEGEMONIA NA CAPITAL DO AGRONEGÓCIO 

3.1 De educação para todos ao todos pela educação 

3.2 Escola-empresa em São Paulo 

3.3 O programa educacional agronegócio na escola 

CAPÍTULO 4

AGRONEGÓCIO E ESCOLA PÚBLICA 

4.1 Uma proposta de capacitação 

4.2 Os efeitos não divulgados 

4.3 A política de premiações 

4.3.1 Premiações 

4.3.2 Concursos de redação, frases e desenhos 

4.3.3 O prêmio professor 

CAPÍTULO 5

A LUTA POR UMA OUTRA HEGEMONIA NA CAPITAL DO AGRONEGÓCIO 

5.1 Os limites do programa educacional agronegócio na escola 

5.1.1 Uma análise crítica dos resultados do programa 

5.1.2 A avaliação dos professores 

5.2 As resistências ao programa 

5.3 A ilusória e aparente autonomia docente 

5.4 Entre o consenso e a resistência: a hegemonia do agronegócio 

CONCLUSÃO 

REFERÊNCIAS 

APÊNDICE 

INTRODUÇÃO

Para iniciar este livro, a proposta foi introduzir o leitor no percurso traçado pela pesquisa e, antes de entrar propriamente dito no conteúdo do trabalho, apresentar a trajetória que permitiu formular as principais questões. Por isto, esta introdução foi iniciada com a descrição dos primeiros e tímidos passos, até o momento final que resultou neste trabalho, revelando o momento de partida, os objetivos traçados e como o objeto final resultou de preocupações que transcendem as obrigações acadêmicas para a obtenção do título.

O interesse pelo estudo da classe dominante brasileira teve início ainda no curso de graduação em História, na Universidade Federal Fluminense, onde concluí o bacharelado e a licenciatura. Ao contrário das produções realizadas pelo próprio empresariado, a proposta, inspirada no referencial teórico produzido por Antônio Gramsci era a realização de pesquisas que compreendessem e, mais do que isto, desvelassem as estratégias da classe dominante em sua tarefa histórica. A influência de um conjunto de docentes da Faculdade de História nesse período foi evidente.¹

Este interesse teve toda a influência nas minhas escolhas realizadas no momento de escrever a monografia de fim de curso, intitulada Os economistas no Estado brasileiro, quando analisei a atuação de um grupo de intelectuais, todos economistas, que atuaram organicamente junto, sobretudo, às frações financeiras do capital, articulando-se por meio do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Este foi o primeiro trabalho em que sistematizei os primeiros estudos sobre o pensamento gramsciano, tendo como objeto a análise sobre a classe dominante brasileira, a organização de seus aparelhos privados de hegemonia, a formação e a atuação de seus intelectuais orgânicos no interior do Estado.

É importante ressaltar que a influência marxista, em geral, e gramsciana, em particular, em minha formação não resultou apenas dos bancos escolares e da influência de meus professores. Em paralelo a minha formação nas salas de aula, tive ao longo desta trajetória a educação oriunda das lutas nos movimentos sociais, inicialmente ainda como discente no Centro Acadêmico (CA) e no Diretório Central dos Estudantes (DCE), quando ainda era filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Com o término da graduação, já filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), me tornei professor da escola pública nas redes municipais de Teresópolis e Duque de Caxias (RJ), quando me filiei ao Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ).

Na carreira docente da Educação Básica e ao longo da minha experiência, primeiro como sindicalizado e depois como coordenador, no SEPE-RJ foi a primeira vez em que me deparei com o processo de entrada das empresas no interior da escola pública. A primeira vez que me deparei com isso foi em Teresópolis, com a presença de uma série de empresas, organizando projetos e programas educacionais junto a professores e alunos das escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal.

A partir desta experiência em Teresópolis, foi proposta ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ (PPGE-UFRJ) a pesquisa que resultou na dissertação A Educação Ambiental e a nova sociabilidade do capital: um estudo nas escolas de Teresópolis (LAMOSA, 2010). A referida dissertação foi escrita sob orientação do professor doutor Carlos Frederico Loureiro e defendida em 2010. Nesta pesquisa, 50% das 25 escolas investigadas da rede municipal de Teresópolis, a partir de um estudo de caso (YIN, 2010), identificaram que inseriram a Educação Ambiental, mediante projetos em parceria com empresas.

O número encontrado em Teresópolis chamou atenção para a necessidade de entender o interesse das empresas em desenvolver projetos em parcerias com as escolas públicas. Na pesquisa realizada, foi possível identificar que as empresas encontradas em Teresópolis desenvolvendo parcerias com as escolas eram associadas a institutos de mobilização empresarial, todos surgidos a partir da segunda metade dos anos 1990: Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (GIFE), Instituto Ethos e Instituto Akatu para cidadania. Ao identificar este aspecto, a pesquisa bibliográfica se aproximou dos estudos que identificaram neste período o surgimento de um processo de reorganização da classe dominante no Brasil (MARTINS, 2009; MARTINS, 2010; NEVES, 2005).

Na dissertação, portanto, os projetos empresariais encontrados em Teresópolis foram analisados e contextualizados ao processo de reorganização da classe dominante. Ao investigar como isto estava ocorrendo no estado do Rio de Janeiro, foi possível identificar algumas dezenas de empresas realizando projetos em escolas públicas. No entanto, não foi encontrado nenhum projeto organizado pelo patronato rural. Embora o Rio de Janeiro tenha diversas regiões em que a economia se caracteriza pela produção agrária, as principais frações que investiram na estratégia de inserir projetos nas escolas não representam o patronato rural.

O resultado encontrado no primeiro levantamento, no local mais óbvio, ou seja, o local de moradia e trabalho do pesquisador, no entanto, é enganador. Como diria Marx, se a aparência fosse igual à essência, não seria necessária a ciência, sendo a história compreendida sem esforços. Em São Paulo, foi possível, não apenas identificar um projeto de inserção de frações agrárias da classe dominante nas escolas públicas, como também formular a hipótese de que a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) é umas das principais organizações a formular, a materializar em projetos e a divulgar o novo padrão de sociabilidade da classe dominante.

A escola, instituição pública responsável constitucionalmente pela formação dos jovens brasileiros, passou a servir à divulgação da imagem do empresariado brasileiro, sobretudo a partir da primeira década do século XXI. A iniciativa de tentar tornar a instituição pública escolar em aparelho privado para difundir a imagem empresarial vem sendo promovida e materializada pelas classes dominantes. Desde a data de criação da ABAG (1993), foram organizados diferentes movimentos de entrada de empresários nas escolas públicas brasileiras, caracterizados pela tentativa de unificar os princípios dos setores empresariais que atuam no campo educacional. Em todos, eles tiveram presença de associados da ABAG (Banco Itaú, Banco Santander, Banco do Brasil, GLOBO Comunicações, VALE, MONSANTO, SADIA, Nestlé, por exemplo).

Os anos iniciais do século XXI foi o contexto em que diversas frações da classe dominante no Brasil se organizaram em um movimento nacional para incidir sobre a educação pública brasileira. A escola pública tornou-se fundamental na divulgação da autoimagem construída pelo capital. Entre as diversas possibilidades de parceria, desenvolvidas ao logo da década de 1990, entre empresas e escolas, Souza (2011) explicita três: as empresas que mantêm sistema de ensino próprio; as que mantêm convênios com equipes de escolas particulares; e as que colaboram com o sistema público de ensino, por intermédio das mais diversas formas de articulação. Este último perfil de parceria foi encontrado em Ribeirão Preto, sendo desenvolvido pela regional da ABAG, a ABAG-RP, mediante o Programa Educacional Agronegócio na Escola, desde 2001. A pesquisa realizada, que deu origem a este livro, investigou o papel que a ABAG vem desempenhando desde sua origem, visando responder a seguinte questão: a associação realizou o papel de Partido do Agronegócio? A ABAG surgiu em um período caracterizado pela multiplicação de um tipo novo de organização empresarial que se difere dos tipos tradicionais por mobilizar diferentes frações do capital. Este tipo de organização se difundiu no Brasil, a partir da segunda metade da década de 1990, em um movimento que deu origem ao GIFE (1995), Instituto Ethos (1998), Instituto Milenium (2000), Movimento Brasil Competitivo (2000), Movimento Todos pela Educação (2006), por exemplo. A ABAG, criada em 1993, pode ser considerada vanguarda neste processo de reorganização da classe dominante no Brasil que resultou na difusão de um tipo novo de organização empresarial que reúne diferentes frações do capital sob uma mesma associação.

No contexto de reorganização do empresariado brasileiro, as escolas públicas passaram a ser incluídas no projeto dominante, tendo em vista a necessária difusão da autoimagem associada às ideias de sustentabilidade, de responsabilidade social, de competitividade e de segurança alimentar. A ABAG, mediante sua regional em Ribeirão Preto, mantém convênio com secretarias de educação para inserir seu programa educacional nas escolas públicas. Isto demonstra também a importância da ABAG, em particular, na inserção de seus interesses no interior da escola pública, estratégia utilizada, posteriormente, por outras entidades da classe dominante, algumas das quais associadas ao próprio Partido do Agronegócio. Assim, muito antes de o Itaú, um dos associados da ABAG, ser o banco mais sustentável do mundo², como é anunciado na TV Globo, outra associada da ABAG, o agronegócio³ já era divulgado como sendo sustentável, em campanhas de circulação nacional ou de forma local, como em Ribeirão Preto.

A relevância do papel da ABAG no contexto de reorganização da sociabilidade da classe dominante no Brasil não é justificada apenas pela originalidade, mas também por sua potencialidade. A interlocução da associação com a educação pública, tanto no ensino superior, onde produz pesquisas e forma seus intelectuais orgânicos, quanto na educação básica, onde insere o Programa Educacional Agronegócio na Escola, constitui fundamental estratégia de legitimação do agronegócio.

Os estudos realizados para o desenvolvimento do projeto de doutorado, a participação nas atividades do LIEAS-PPGE desde o mestrado e a atuação como professor da educação básica permitiram-me constatar que o processo de inserção dos projetos empresariais nas escolas, além de haver mobilizado diversas frações da classe dominante, têm exigido esforços e investimentos públicos ao longo de cerca de uma década. Trata-se, portanto, de um processo recente, carente de acompanhamento que promova a análise de como a escola pública tem sido permeada por projetos e programas da classe dominante que, desde a década de 1990, mas sobretudo a partir dos anos 2000, identificaram nas campanhas que associam sua imagem ao ideal de sustentabilidade uma importante estratégia para inserir seus interesses nas instituições públicas de ensino. A ação empresarial se ampara em políticas e em programas que garantem o direito à Educação para a sustentabilidade (LAMOSA, 2010; KAPLAN, 2011) e de organismos internacionais que proclamaram a Década da educação para a sustentabilidade (UNESCO, 2005) como tema para o período entre 2005 e 2014.

A relevância da análise produzida por esta investigação se justifica por causa da acelerada inserção de projetos empresariais nas escolas públicas de todo o país, nos últimos anos. O Programa Educacional Agronegócio na Escola é desenvolvido desde 2001 e, no levantamento de pesquisas realizado nos bancos de teses e dissertações dos principais programas de pós-graduação, não foi identificado nenhum trabalho que o tenha investigado em profundidade. Este livro propõe contribuir com uma investigação considerada fundamental para a compreensão da reorganização das estratégias de hegemonia das frações da classe dominante e com um conjunto de trabalhos que tem analisado a temática há algumas décadas.

Esta obra teve como objetivo geral identificar o papel da ABAG no processo de reorganização empresarial no Brasil, buscando compreender as estratégias de hegemonia elaboradas no interior da sociedade civil pelo agronegócio. Neste sentido, foram analisadas as estratégias produzidas pela ABAG na formação dos intelectuais orgânicos responsáveis pela difusão da nova imagem do agronegócio. É importante destacar que a ABAG, em sua atuação política, mobiliza um grande número de intelectuais responsáveis pela conquista da hegemonia na sociedade com papéis diferenciados. Enquanto alguns cumprem o papel de ocupar postos dirigentes à frente de agências da sociedade política, em comissões, conselhos, câmaras, secretarias de governo, outros têm o papel de difundir a autoimagem do agronegócio. Esta pesquisa concluiu que estes últimos, a associação, vêm recrutando nas escolas públicas por meio do Programa Educacional Agronegócio na Escola.

Foi possível concluir também que a associação cumpre o papel de Partido do Agronegócio, sendo fundamental na reorganização e na difusão da nova autoimagem produzida pelo capital. A inserção da escola pública e do trabalho docente no projeto de hegemonia da ABAG tem sérias consequências para ambos. As escolas públicas vêm sofrendo um processo de desinstitucionalização, defrontando-se com a contradição de ter no interior destas instituições públicas interesses de entidades baseadas no direito privado. No Programa Educacional da ABAG, as escolas públicas passaram a ser disputadas e permeadas por uma pedagogia do consenso, responsável por valorizar a imagem do capital mediante a assimilação do trabalho docente, que torna o professor um intelectual orgânico subalterno, componente de uma camada de baixa patente do Partido do Agronegócio.

O quadro teórico que me permitiu compreender a relação entre a inserção do agronegócio nas escolas públicas de São Paulo e o contexto da formação e da atuação da ABAG tem como referência o quadro teórico conceitual formulado por Antônio Gramsci (2011). Em sua obra, Gramsci se refere ao Estado, distinguindo metodologicamente dois momentos de articulação do campo estatal: (1) em seu sentido estreito, considerando apenas a burocracia estatal e suas agências, secretarias, Ministérios e o Exército; (2) e em sua forma ampliada. A dominação de classe é exercida não somente por intermédio da coerção, mas mediante o papel educativo do Estado, procurando realizar uma adequação entre o aparelho produtivo e a moralidade das massas populares (BUCI-GLUCKSMAN, 1980, p. 128).

O conceito de Estado no Brasil foi inegavelmente hegemonizado por um conjunto de formulações teórico-metodológicas. Esta hegemonia difundiu no senso comum um sentido que confunde o Estado, ora com um determinado governante, ora com alguma agência da administração pública. Estas formulações são responsáveis por retirar das relações que formam o Estado ocidental suas mediações com a sociedade, produzindo uma espécie de coisificação do Estado (MENDONÇA, 1998a).

O Estado, segundo Gramsci, não é sujeito – uma espécie de entidade que paira sobre a sociedade e sobre os conflitos sociais–, nem objeto – como propuseram no século XX alguns marxistas denominados pelo italiano como economicistas, mas sim uma relação social, ou seja, uma condensação das relações sociais que estão presentes numa dada sociedade (GRAMSCI, 1991). O Estado tanto exerce suas funções coercitivas quanto desenvolve o plano ideológico e econômico. O Estado Integral, ou Ampliado, como define Glucksmann (1980), define-se como hegemonia encouraçada de coerção. (Ibidem, p. 22)

O conceito hegemonia, inspirado nos escritos de Antônio Gramsci (GRAMSCI, 1999), foi utilizado como importante ferramenta teórica. Este conceito é usado, entendendo que as classes sociais produzem e reproduzem ao longo da história as condições objetivas e subjetivas de sua existência. Na atual fase do capitalismo, estas condições foram substancialmente modificadas, refletindo em novos preceitos de participação, cidadania e organização (BOLTANSKI, 2009).

Os intelectuais são sujeitos importantes na interação entre a sociedade civil e a sociedade política, ambos espaços de consenso e de conflito. As interpretações do pensamento de Gramsci que decretam a sociedade civil o espaço unicamente do consenso (BOBBIO, 2007) esquecem que a história dos movimentos sociais, dos sindicatos e das associações de trabalhadores é parte da história da luta de classes, marcada pelo enfrentamento às milícias privadas, ao mesmo tempo em que a sociedade política não existe apenas sob a sua forma violenta, mas se sustenta também fazendo algumas concessões. É fundamental, portanto, ressaltar que a divisão do Estado em Sociedade Política e Sociedade Civil só existe na obra do marxista italiano em termos metodológicos, pois ambas só podem ser compreendidas em sua unidade verificadas no Estado Integral.

Os intelectuais cumprem a fundamental tarefa de organizar sua fração de classe mediante seus interesses em ambos os espaços. Esta organização pode se desenvolver de inúmeras maneiras: por intermédio de jornais, rádios, centros de pesquisa universitários, institutos, partidos e etc., organizando a intervenção em espaços que podem ser públicos e privados.

A ABAG, objeto deste livro, forma seus intelectuais orgânicos a partir da relação que mantém com o meio acadêmico, por intermédio de programas de pós-graduação, junto à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e mediante um tipo particular de recrutamento de intelectuais, organizado a partir da inserção da associação nas escolas públicas pelo Programa Educacional Agronegócio na Escola. A ABAG segue uma tradição de aliança entre a burguesia agroindustrial com os meios acadêmicos, originada na Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ). A formação dos intelectuais orgânicos é fundamental, não apenas para fornecer ao setor seus técnicos, mas porque cada um dos centros responsáveis por esta tarefa produz uma enorme quantidade de pesquisas, publicações e campanhas de valorização da imagem do agronegócio. Além disto, o instituto Agronegócio Responsável (ARES) vem sendo, desde 2007, responsável por organizar a assistência às frações agroindustriais diante das exigências contemporâneas associadas à sustentabilidade e à responsabilidade social das empresas.

Os docentes envolvidos no Programa Educacional Agronegócio na Escola cumprem no projeto hegemônico da ABAG importante função na difusão da autoimagem produzida pela associação. Inicialmente, os resultados da pesquisa suscitavam que os docentes se posicionam em uma situação contraditória. Embora fossem assimilados pela estratégia do agronegócio de valorizar sua imagem por intermédio das escolas públicas, todos os professores que participaram do programa e foram entrevistados reivindicaram possuir autonomia diante dos interesses da ABAG. A autonomia reivindicada pelos docentes entrevistados, no entanto, é utilizada pela associação em proveito do próprio programa educacional. Ao contrário dos projetos que entram na atualidade na escola pública com seu formato plenamente definido, restando aos professores consentir e transferir sua autoridade pedagógica às empresas, no caso estudado, a ABAG induz aos professores que estes formulem seus projetos, numa ilusória autonomia. A engenharia de convencimento da ABAG para a entrada na escola pública baseia-se numa ilusória e aparente manutenção da autonomia do trabalho docente, adensada por uma política de premiações que oferece prestígio a quem participa.

A ABAG, ao mesmo tempo em que retira dos professores o controle sobre a produção do conhecimento, insere, no interior de uma instituição pública, programas com base no direito privado, produzindo uma contradição que retira da mesma qualquer possibilidade de cumprimento de sua função pública. Neste processo, a ABAG assimila os docentes, tornando-os intelectuais orgânicos do agronegócio, sem retirar-lhes o potencial criativo de seus trabalhos que, ao término do ano letivo, passam a ser propriedade da associação.

A tarefa cumprida pelos intelectuais orgânicos do agronegócio é similar àquela produzida pelos partidos, ou seja, ambos são fundamentais na difusão de uma pedagogia do consenso. A atuação de ambos intelectuais, individuais ou coletivos, é fundamental, uma vez que, sem a organização do consenso, é impossível transformar interesses particulares de algumas frações da classe dominante em interesses gerais de um país, por exemplo. A análise histórica sobre a formação e desenvolvimento de um Estado, como, por exemplo, o brasileiro, e a relação entre este e a sociedade exige, portanto, resposta a algumas questões: quais relações sociais constituíram historicamente o Estado? Qual a correlação de forças entre grupos sociais que possibilitaram a ocupação de alguns nas agências do estado estrito, em detrimento de outros grupos? A resposta para estas questões deve ser encontrada no exame da sociedade civil, mas principalmente nas formas como operam a frações hegemônicas da classe dominante no Estado Ampliado.

O Estado moderno capitalista, segundo Gramsci (2002, p. 139), por substituir o bloco mecânico dos grupos sociais por uma subordinação destes à hegemonia ativa do grupo dominante e dirigente, torna-se educador. Ao Estado capitalista impõe-se a tarefa de formar um certo ‘homem coletivo’, ou seja, conformar técnica e eticamente as massas populares à sociabilidade burguesa. (NEVES, 2005, p. 26) Assim o Estado educador deve:

Criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a ‘civilização’ e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também fisicamente tipos novos de humanidade. (GRAMSCI, 2000, p. 23)

No papel de educador, o Estado moderno e, mais especificamente, as frações dominantes e hegemônicas deste Estado cumprem uma função pedagógica. Esta função se traduz em ações concretas, tanto nas agências

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