O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: o conhecimento e o poder (1838-1945)
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O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - Ricardo Luiz de Souza
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520
S729i Souza, Ricardo Luiz de.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [livro eletrônico] : o conhecimento e o poder (1838-1945) / Ricardo Luiz de Souza. – Londrina : Eduel, 2020.
1 Livro digital.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.eduel.com.br
ISBN 978-85-302-0090-9
1. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – História – 1838-1945. 2. Institutos de pesquisa – Brasil – História. I. Título.
CDU 061(81)(091)
Enviado em: Recebido em:
Parecer 1 23/11/2018 14/12/2018
Parecer 2 07/01/2019 04/02/2019
Aprovação pelo Conselho Editorial em: 15/04/2019
Direitos da tradução em Língua Portuguesa reservados à
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Sumário
INTRODUÇÃO
AS ORIGENS, OS FUNDADORES E OS MEMBROS
A HISTÓRIA DOCUMENTADA
E A HISTÓRIA MESTRA
A IDENTIDADE NACIONAL,
O NEGRO E O ÍNDIO
O ELOGIO DA MONARQUIA
O monarquismo e a república
INTRODUÇÃO
Criado em 1838 e ainda hoje atuante em nossa vida intelectual, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) exerceu uma influência tão ampla sobre o pensamento social brasileiro que nem sempre é percebida em sua verdadeira dimensão. Ao longo de sua história, o IHGB estabeleceu diretrizes metodológicas, históricas e ideológicas que nortearam tal pensamento e, mais ainda, integraram-se ao imaginário brasileiro.
Meu objetivo é estudar a trajetória do Instituto no período que vai de 1838 a 1945 e pesquisar sua produção, sendo que minha fonte primária para tal será a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mais especificamente, as 188 edições da revista que foram publicadas no período em questão.
Se tomo o ano de 1838 como ponto de partida é porque foi o ano de fundação do IHGB; e se tomo o ano de 1945 como ponto de chegada de minha pesquisa, isso se dá por dois motivos:
É o ano da deposição de Getúlio Vargas e do fim do Estado Novo, ou seja, do segundo e último regime político — o outro foi o Segundo Reinado —, no qual foram criados vínculos próximos, em termos institucionais e em termos ideológicos, entre o poder central e o Instituto;
Sem que seja possível estabelecer uma periodização rígida, esse ano faz parte do período em que as universidades se tornaram o polo hegemônico de produção de conhecimento histórico, relegando o IHGB à posição secundária — mas longe, contudo, de ser irrelevante — que ele ocupa ainda hoje, como polo produtor desse conhecimento.
Estudarei o IHGB a partir do nexo entre poder e conhecimento, que sempre estruturou a sua atuação, mas pensarei, também, a produção de conhecimento nele efetuada, sua composição institucional, sua trajetória histórica e política e os diferentes eixos que nortearam a produção intelectual de seus sócios. Ainda, buscarei dimensionar sua importância, já devidamente sublinhada por diversos autores que sobre ele escreveram, com algumas menções sendo feitas nesse sentido.
Assim, Castelnau (1941, p. 70), que em meados do século XIX chegou a ser admitido como sócio, enfatiza em relação ao IHGB: Esta sociedade já tem prestado relevantes serviços à história do Brasil, por meio de suas interessantes publicações, e continua a desenvolver os maiores esforços para difundir o gosto pelas ciências nesse vasto país
. Porém, os pesquisadores contemporâneos não deixaram de enfatizar a importância do Instituto.
Dessa forma, Rubens Ricupero (2004, p. 151) salienta:
Assim, a maior prova do sucesso do IHGB é que hoje, mais de 150 anos depois de sua fundação, idéias como o papel benévolo da unidade e da relação das três raças no que somos, são, para nós, tão óbvias que praticamente não podemos imaginar como podem ser questionadas.
Também, Schwarcz (1995, p. 133) salienta: Para além das especificidades políticas e regionais, coube aos institutos a montagem de uma nomenclatura própria, bem como a elaboração de uma agenda com personagens e fatos, da qual muitos historiadores pouco se libertaram
. Já para Magnoli (1997, p. 10),
O empreendimento de ‘invenção do Brasil’ foi conduzido, em grande medida, no interior do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838, e dos institutos congêneres provinciais. Essas ‘fábricas de tradições’ reconstituíram, sob uma nova perspectiva, o período colonial e estabeleceram um arcabouço de narrativas cujas ressonâncias ainda perpassam a política e a cultura brasileiras.
Carvalho (1999, p. 241) descreve o papel desempenhado pelo instituto como A instituição que mais diretamente se empenhou em difundir o conhecimento do país, ao mesmo tempo em que buscava transmitir uma identidade particular, foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838
. E Marco (1993, p. 41) evidencia:
O instituto coleta documentos, estabelece contatos com instituições semelhantes de diversos países, edita sua revista, põe em circulação textos fundamentais para viabilizar o conhecimento do país, e não só é centro importante de aglutinação dos homens letrados mas também pólo de absorção de eventuais lideranças intelectuais que pudessem dar voz às mudanças.
Por fim, Amora (19--, p. 111) afirma:
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro conseguiu reunir, em poucos meses, praticamente toda a intelectualidade nacional e todos os estrangeiros interessados em nosso país, e dado o prestígio político e social de seus organizadores, ainda conseguiu o total apoio do Governo e o patronato do imperador.
Trata-se, portanto, de um tema de fundamental importância para a compreensão do pensamento social brasileiro, que simplesmente não pode ser compreendido sem a presença, em seu núcleo, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E meu objetivo é compreender essa presença e estudar a produção intelectual gerada pelo Instituto.
AS ORIGENS, OS FUNDADORES E OS MEMBROS
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi criado em 1838, mas os fatores que permitiram e justificaram a sua criação remontam à Regência, à Independência e mesmo ao período colonial. A criação do IHGB pode ser associada ao movimento de criação de uma nacionalidade, após o surgimento de um Estado nacional autônomo, em 1822. Está associada a um projeto de unidade nacional de fundo eminentemente conservador, que buscou se sobrepor às rebeliões do período regencial, trazendo em seu bojo regressistas, constitucionais e românticos, todos se unindo nervosamente sob a égide da legitimidade monárquica. E, nesse sentido, o surgimento do IHGB alinha-se claramente com o triunfo, após o fim do período regencial, do Partido Conservador.
Todavia, o surgimento do Instituto alinha-se também com o predomínio, no seio da intelectualidade, de uma mentalidade ao mesmo tempo romântica e historicista, expressa, no âmbito do IHGB, pela elaboração um tanto frenética de símbolos da nacionalidade, bem como pela busca de documentos que dessem sentido, autonomia e coerência ao passado brasileiro; que fornecesse a uma nacionalidade em busca de afirmação um passado apresentável.
O IHGB possui antecedentes nas academias literárias, como indica Hatherly (1997, p. 77): As academias literárias, que surgiram em Portugal ao longo do século XVII, contribuíram para que a prática do elogio dos poderosos e dos ilustres, em certos casos, passasse de ato individual a ato coletivo
. Elas surgiram, efetivamente, a partir do vínculo entre o poder monárquico e os intelectuais, presente em Portugal e na América Portuguesa, e nasceram, por assim dizer, com o objetivo de afirmar e celebrar esse vínculo, assim como o IHGB, ao longo da trajetória secular a ser estudada ao longo destas páginas, sempre fez questão de afirmar e celebrar seu vínculo com os diversos governantes.
Tal processo, porém, não se deu apenas no Brasil, uma vez que o conceito de serviço ao Estado desempenhou um papel fundamental para o êxito de sociedades científicas durante o século XVIII, permitindo compreender por que os governos apoiavam economicamente essas instituições. E, também para o IHGB, o conceito de serviço ao Estado teve, desde sua fundação, uma importância primordial.
O IHGB herdou, ainda, todo um passado de explorações territoriais, ao mesmo tempo que buscou preservá-lo a partir da documentação existente e, em relação a essas explorações, Manoel Guimarães (2008, p. 407) expressa:
É a partir dessas experiências de deslocamento no território, em grande parte realizados apenas por obra da Coroa portuguesa no século XVIII, cujos relatos e memórias serão recuperados como fonte, que as questões referentes à cronologia da história nacional, levando em consideração as populações indígenas, serão tematizadas no interior do IHGB.
Não é possível, portanto, pensar a criação do IHGB como um marco zero e, sim, como um episódio — de extraordinária importância, aliás — em meio a um processo secular de acumulação de conhecimento a respeito do território brasileiro, com os membros do Instituto sempre buscando, inclusive, enfatizar tal continuidade. Ao mesmo tempo, buscou-se, com a criação do IHGB, sistematizar institucionalmente um processo de pesquisa até então caracterizado pela dispersão e pelo predomínio de esforços individuais, ainda que subsidiados pela Coroa.
Ivana Lima (2008, p. 225), em relação a um projeto de lei sobre a instrução pública apresentado em 16 de junho de 1826, frisa: O projeto previa a criação do Instituto do Brasil, ‘uma corporação de homens instruídos’ que coordenaria toda a instrução pública no Brasil
. Tal projeto pode, evidentemente, ser visto como uma tentativa inicial de criação do que, doze anos depois, viria a ser o IHGB, sendo que, nesse projeto, já fica claro o propósito de congregar a intelectualidade brasileira no âmbito de uma instituição que permitisse a coordenação de seus esforços. E, uma vez criada, essa instituição sempre buscou se colocar em um plano hegemônico perante o ato de pensar historicamente a nacionalidade.
É preciso, contudo, não cair no erro de olvidar todo um conjunto de construções históricas que, no período anterior à criação do IHGB e mesmo durante seu apogeu, foi elaborado de forma alternativa ao Instituto e mesmo oposta à hegemonia por ele imposta. Contudo, em que pese a existência dessas leituras alternativas, elas foram precisamente isto: alternativas a um processo interpretativo hegemônico elaborado pelos autores e políticos vinculados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sob a proteção imediata de Pedro II.
Se o IHGB sempre buscou afirmar a continuidade entre a sua existência e o passado colonial, houve, também, nas páginas da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (R. IHGB), a preocupação de sublinhar tanto a especificidade de seu projeto quanto a inovação por ele representada perante o panorama cultural que antecedeu o seu surgimento. Dessa forma, Antonio Silva (1911, p. 264) descreve o panorama existente no início do século XIX: As ciências, letras e artes, e principalmente as ciências médicas no Brasil, jaziam no mais completo obscurantismo
. Assim, a criação do Instituto é vista como uma espécie de clarão em meio às trevas: fiat lux!
O IHGB surgiu, por fim, em meio a um crescente processo de internacionalização da construção do conhecimento científico, ao longo do qual se