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Os Lobos de Palermo
Os Lobos de Palermo
Os Lobos de Palermo
E-book455 páginas6 horas

Os Lobos de Palermo

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Sobre este e-book

Início dos anos 90, o Estado é sitiado. A nova lei prevê, entre outras importantes disposições, a prisão dura para os mafiosos (que priva os detidos de todos os programas de actividades e o seu isolamento do mundo exterior), a apreensão de bens e a atenuação de pena para os que colaboram com a justiça. Esta legislação não agrada à Cúpula que, numa longa e atormentada reunião dos mais influentes chefes da máfia, decide tomar uma posição dura. A partir daquele momento, desencadeia-se uma guerra contra o Estado, implacável, que, rapidamente, se torna tragédia nacional. A Cosa Nostra está prestes a vencer, usa a corrupção e a cumplicidade de políticos, polícias e magistrados “amigos”. Inicia-se uma negociação secreta entre o Estado e a Máfia, mas quando esta coloca as suas condições, elas afiguram-se pesadas e inaceitáveis. Doravante, o Estado tornou-se indefeso e derrotado. Apenas alguns homens e mulheres permanecem em campo a combater uma guerra que, neste momento, parece perdida. Fazem parte de uma equipa de elite, são chamados de “Lobos” porque se movem em simbiose, seguem as pegadas como feras sedentas de sangue e de carne, até atingirem a presa quando ela menos espera. São “Lobos” e, como tal, são considerados uma alcateia; um grupo único e muito unido. Esta é a história particular de um deles, o comissário Matteo Alfonsi e a de outros homens e mulheres extraordinários.
É a história da Brigada Anti-máfia e dos … Lobos de Palermo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de mai. de 2019
ISBN9788866602613
Os Lobos de Palermo

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    Os Lobos de Palermo - Carlo Santi

    Tavola dei Contenuti (TOC)

    Página de título

    Eu sou o lobo

    1

    O INÍCIO DE TUDO

    2

    PALERMO

    3

    ACÇÃO IMEDIATA

    4

    UMA BRIGADA DE LOBOS

    5

    AGORA É A SÉRIO

    6

    O MEU PRIMEIRO CASO

    7

    SIMPLES TELEFONEMA

    8

    A CEIA NA CASA DO CHEFE

    9

    A REUNIÃO COM O CHEFE

    10

    NOUTRO LUGAR, ALGUNS MESES DEPOIS

    11

    UM ANO DEPOIS

    12

    UM FORAGIDO PERIGOSO

    13

    UMA NOITE POUCO TRANQUILA

    14

    SOB PROCESSO DISCIPLINAR

    15

    UM COLABORADOR PRECIOSO

    16

    UM MÊS DEPOIS

    17

    EM ROMA

    18

    NUM OUTRO LUGAR, UNS DIAS DEPOIS

    19

    DESCOBERTA INTERESSANTE

    20

    REUNIÃO DECISIVA

    21 DESCOBERTA DESCONCERTANTE

    22

    ROMA

    23

    UMA DECISÃO DIFÍCIL

    24

    LUXEMBURGO

    25

    ROMA

    26

    MOMENTO DECISIVO

    27

    INTRUSÃO INFORMÁTICA

    28

    FUGA DO LUXEMBURGO

    29

    UM SERVIDOR DO ESTADO

    30

    MUITO TARDE

    31

    EXCELENTES DETENÇÕES

    32

    UM NATAL DIFERENTE

    33

    A RESPOSTA MAFIOSA

    34

    A REACÇÃO DO ESTADO

    35

    ARREPENDIDOS

    36

    O LABORATÓRIO

    37

    PERDAS E SOFRIMENTO

    38

    O FIM DE TUDO?

    39

    O RECOMEÇO

    40

    A NEGOCIAÇÃO

    41

    BUSCA FRENÉTICA

    42

    UMA DECISÃO DIFÍCIL

    43

    DOIS ANOS ATRÁS NOVATO, HOJE CHEFE

    44

    A CATTURANDI

    45

    CAÇA AO HOMEM

    46

    DETENÇÃO CLAMOROSA

    47

    GANHA UMA BATALHA, MAS NÃO A GUERRA

    48

    UM MÊS DEPOIS

    NOTAS E AGRADECIMENTOS

    Brigada Anti-máfia

    Os Lobos de Palermo

    Um Thriller de:

    CARLO SANTI

    Traduzido por Maria Conceição Oliveira Magno 

    ISBN Edição digital portuguesa

    978-88-6660-261-3

    Brigada Anti-máfia – Os Lobos de Palermo

    Escrito por CARLO SANTI

    Copyright © 2018 CARLO SANTI

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Maria Conceição Oliveira Magno

    Design da capa © 2018 CIESSE Edizioni

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    BRIGADA ANTI-MÁFIA – OS ‘LOBOS’ DE PALERMO

    Autor: Carlo Santi

    Copyright © 2018 Carlo Santi & CIESSE Edizioni

    Publicado em Itália por

    Título original: SQUADRA ANTIMAFIA – I ‘Lupi’ di Palermo

    www.ciessedizioni.it

    info@ciessedizioni.it - ciessedizioni@pec.it

    Composição gráfica e concepção da capa: © 2016 CIESSE Edizioni

    Traduzido por: Maria Conceição Oliveira Magno

    Edição a cargo de: Sonia Dal Cason e Pia Barletta

    PROPRIEDADE LITERÁRIA RESERVADA

    Todos os direitos reservados. É proibida qualquer reprodução da obra integral ou parcial. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e eventos narrados são fruto da imaginação do autor ou são usados de maneira fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou lugares reais deve ser considerada pura coincidência.

    Aos membros da

    brigada CATTURANDI de Palermo,

     arriscam a vida por nós

    e não deve ser desativada!

    Eu sou o lobo

    A fome é a minha companheira, a solidão a minha segurança: eterna e triste condenação.

    Eu sou instinto. Passos furtivos na noite, o frio é a minha cama, o vento o meu único agasalho.

    Eu sou o silêncio. Uma sombra na floresta, pegadas ao longo do rio, olhos de fogo na escuridão profunda.

    Eu sou o mistério. Cânticos de amor à lua, perseguindo fantasmas, sombras e traços de odores e sons.

    Eu sou o sonho. A liberdade pura que inunda com violência estações intemporais.

    Eu sou o alfa e o ómega. Neve rubra das presas inocentes. sopro de vida nova, encerramento do círculo natural.

    Eu serei, provavelmente, morto, jamais disperso, cancelado. Como espírito imortal do bosque, com novo vigor renascerei.

    Eu sou o lobo.

    1

    O INÍCIO DE TUDO

    Quando o Chefe de polícia de Turim me comunicou a transferência para Palermo, não sabia se alegrar-me ou fugir dali. O Chefe da famosa Brigada Anti-máfia escolheu-me, logo a mim, um polícia qualquer não muito habituado à acção. Sempre prestei serviço na Polícia de Trânsito! Por caridade, ao contrário do que muitas pessoas pensam, a Polícia de Trânsito também combate o crime, nas áreas de serviço e nas auto-estradas encontra-se de tudo, enfrentam-se sérios perigos: narcotraficantes, proxenetas, assaltantes, algumas vezes, assassinos. Nunca disparei uma arma de fogo na minha vida senão para o ar, como advertência, contra qualquer vândalo que tentava escapar. Sempre tive boa pontaria, mas só no campo de treino. Também fiz algumas detenções, mas nada além de alguns carteiristas que se rendiam à mera visão do uniforme. Em suma, nem acredito nesta escolha vinda das altas instâncias.

    Possuis uma boa preparação técnica, foram as palavras do Chefe da Polícia, e, sobretudo, és esperto. Além disso, coisa de não somenos importância, tens uma excelente base cultural que será aproveitada ao máximo.

    Sim, a minha excelente base cultural é uma licenciatura com distinção em ciências da investigação obtida na Universidade de Turim, e uma bolsa de estudo atribuída para obter a especialização em psicologia criminal, curso que frequentei nos EUA, mais precisamente em Quantico, na famosa e conceituada escola do FBI. Na prática sou o que nos Estados Unidos se designa por Profiler. A caracterização criminal é um conjunto de técnicas psicológicas destinadas a definir a personalidade do autor do crime tendo por base o modos operandi. O Profiler ou criminologista, como é designado por cá, é uma figura profissional pouco conhecida em Itália e, frequentemente, as forças de Segurança ainda não dispõem destes profissionais. Normalmente os investigadores recorrem a consultores externos, os chamados psicólogos criminais, sempre que possa existir uma qualificação similar. De qualquer modo, incluir uma figura acreditada como eu, nos quadros da Polícia, é como possuir o maná caído do céu. Esta possibilidade tornará a nossa Polícia um pouco mais eficiente e, sobretudo, autónoma e sem necessidade de demasiadas consultadorias externas. Porém, Profiler, em Itália, por enquanto sou o único. Por conseguinte a Brigada Anti-máfia de Palermo quer-me na qualidade de… betinho, imagino. Não deixa de ser um grande salto em frente na minha carreira, iniciada doze anos atrás com o alistamento, após obter o diploma de contabilidade. Sim, em tempos formei-me em contabilidade. Escolha imposta pelo meu pai, contabilista, que desejava para mim uma carreira profissional no seu escritório. Eu tinha uma opinião completamente diferente. Quem diria que o contabilista Matteo Alfonsi, que entrou para a Polícia quando tinha dezanove anos, realizando assim o seu sonho de criança, depois de anos de serviço a patrulhar as auto-estradas do noroeste de Itália, e do estudo nocturno na Universidade, mais dois anos nos EUA para a especialização em Criminologista, e hoje promovido ao distinto estatuto de comissário ordinário, poderia vir a fazer parte da famosa Brigada Anti-máfia de Palermo? No entanto, aconteceu. Já falta pouco para o combóio chegar à Estação, embora com uma boa meia hora de atraso. Sinto-me orgulhoso e honrado com esta maravilhosa oportunidade, mas, ainda assim, receoso desta missão tão especial: A Anti-máfia é uma equipa activa, aliás, muito activa. Os seus membros são todos homens de acção com preparação excepcional e treino de alto nível. Como poderei adaptar-me a eles? Nunca fui um homem de acção, bem pelo contrário. Que esperam de mim? Imagino que não me será pedido para ser um operacional, mas sim uma espécie de consultor.

    Afinal, o Profiler é isto.

    2

    PALERMO

    Parecerá impossível, mas o combóio chega à estação com duas horas de atraso, além do mais, acumuladas nos últimos quinhentos metros. O ar condicionado está avariado, com quarenta graus no exterior e sessenta no interior. Uma sauna infernal, e estamos no final de Maio, o que poderá suceder por aqui em Julho e Agosto? Finalmente posso descer deste maldito combóio, o que não é fácil, a minha bagagem é considerável, grande como um armário de duas portas colocado sobre duas rodas. Tenho dificuldade em fazê-la passar, escrupulosamente de lado, através da pequena porta do combóio, e apenas o consigo fazer após dois simpáticos rapazes me ajudarem na aventura. Parecerá estranho, mas o suor parece ser o único líquido que não consegue evaporar-se, qualquer outra substância constituída predominantemente por água, dissolve-se em menos de um nanossegundo.

    Meu Deus! São onze da manhã, com que temperatura deverei contar às três da tarde? Cheguei à praça da estação como um robot, olho em volta, talvez tivessem vindo receber-me, não quero parecer convencido, mas sempre sou um alto dirigente da Polícia de Estado. Controlo em redor, olhando à direita e à esquerda, procuro um carro de Polícia, um qualquer. Esperança vã: nada, nem mesmo a sombra de uma patrulha. Por conseguinte, só me resta organizar-me: táxi ou autocarro? Opto pela segunda via e aguardo com expectativa na paragem, sob um calor asfixiante e, pior ainda, uma aragem quente e húmida, mortífera. Se apanho quem me disse que em Palermo faz assim tanto calor, mas está sempre ventilado e seco, juro que o mato com as minhas próprias mãos, queimo-o e espalho as suas cinzas aqui mesmo em Palermo. Passado meia hora um bom homem aproxima-se de mim, percebeu o meu estado de ânimo e informa que até às treze os transportes públicos estão em greve.

    Porra! Retomo a alternativa do táxi, há um ali mesmo perto de mim. O taxista resmunga um pouco por causa da bagagem e não me resta outra saída senão a de lhe exibir o meu belo distintivo, novinho em folha, com a minha influente patente de alto funcionário da Polícia de Estado. Faço um figurão, missão cumprida, sobretudo porque a foto não deixa dúvidas de que sou o titular daquele prestigiado emblema. A prova é que o taxista enfrenta de imediato a tarefa impossível de fazer entrar a minha bagagem na mala do carro, que consegue apenas parcialmente sendo forçado a manter a bagageira aberta.

    Se me pararem por causa da bagageira aberta, responsabiliza-se por mim? questiona o taxista colocando-se ao volante depois de me fazer acomodar no banco traseiro. Aceno afirmativamente com a cabeça, até porque tenho quase a certeza que - dado o meu azar inato - não haverá nenhum representante das forças policiais daqui até à Questura. O tráfego é caótico, louco e barulhento, mas em pouco tempo chegamos à Praça Vittorio. O edifício da Esquadra de Polícia surge imponente, digo ao taxista para entrar, o polícia de plantão verifica o meu distintivo por instantes, no interior da guarita, deixando um polícia a vigiar-nos para que não haja surpresas. O agente regressa com o meu distintivo na mão e, colocando-se em sentido, restitui-me o documento.

    Pode passar, comissário Alfonsi. Desejo-lhe uma boa permanência em Palermo.

    Agradeço, retribuindo a continência ao estilo militar, o táxi entra no parque de estacionamento interno, desço e pago a corrida, e com dificuldade procuro colocar em terra a minha bagagem. Cheguei, finalmente! Agora tenho reunião com o Chefe da Polícia (o Questore), imagino que me apresentará aos outros membros da Brigada. Devo confessar que estou, simultaneamente, emocionado e preocupado: não quero desiludir ninguém, menos ainda colegas assim tão preparados e famosos. Pelo menos para nós polícias, os membros da Brigada Anti-máfia são mitos, grandiosos, autênticos heróis incansáveis. Absolutamente desconhecidos dos meios de comunicação social, a sua actividade é tão confidencial que poucos sabem em que coisa estão a trabalhar, mesmo o Chefe da Polícia não conhece com exactidão as investigações em curso, em geral é informado pouco antes da conclusão de uma operação de investigação. Antes e durante a equipa da Anti-máfia apenas responde ao Dirigente Superior, o famoso doutor Pietro Zanardi, e ao Grupo de magistrados do Ministério Público de Palermo. Na gestão do trabalho a equipa é totalmente autónoma. Agora pergunto-me: como poderei integrar-me numa equipa de super polícias experientes, infalíveis, mega treinados e dedicados à acção? Em breve iria descobrir. Deixo a pesada bagagem na entrada, subo ao terceiro andar e pergunto a um colega onde encontrar uma casa de banho para me refrescar, não quero que o Questore me veja neste mau estado, e devo evitar que o suor se congele sobre a pele dado que o ar condicionado está bastante frio, dos quarenta e tal graus no exterior passa-se para pouco mais de vinte no interior e a diferença de temperatura quase me causa um choque térmico. Estou pronto para a minha nova função, para a minha nova vida, e uma nova e emocionante experiência. A secretária faz-me entrar de imediato no gabinete do Questore, ele espera-me. E está só.

    Bem-vindo a Palermo, comissário Alfonsi.

    Estou perante a autoridade máxima, o Chefe Ennio Palmieri, altamente condecorado e mítico polícia de outros tempos, alguém que fez carreira pelas suas capacidades, um dos raros casos de meritocracia que em Itália, lamentavelmente, nem sempre é tida em devida conta. A minha mão aperta a sua com evidente emoção.

    Muito obrigado, Chefe. Não lhe escondo que me sinto honrado com este cargo, só espero estar à altura.

    Não tenho dúvidas, doutor Alfonsi. O colega de Turim assegurou-me que o senhor é pessoa séria e discreta, desempenhou as suas obrigações com diligência e profissionalismo. E a sua preparação, de valor inquestionável, ser-nos-à muito útil.

    Palmieri toma o seu lugar atrás da imensa secretária e convida-me a sentar na sua frente. Abre uma pasta verde, presa com um clip metálico está a minha foto recente em uniforme de gala, a acompanhar uma miríade de folhas escritas em computador.

    Por conseguinte, comissário ordinário Matteo Alfonsi, lê usando uns óculos de lentes grossas, "doze anos na Polícia de Trânsito, com base na esquadra de polícia de Turim, Universidade de Turim, licenciatura com distinção em ciências da investigação, o melhor do seu curso, tanto que o Magnífico Reitor o propôs para uma bolsa de estudos para o curso bienal da especialização mais ambicionada no mundo por um polícia: Criminologista e Profiler, em Quantico, nos EUA. Na escola do FBI consegue a especialização, no mês de Março deste ano, obtendo as melhores notas e uma menção de mérito assinada pessoalmente pelo Director do FBI, Aaron Manson."

    O Questore tira os óculos e olha-me com intensidade.

    Sabia que o Diretor Manson apresentou pedido para o ter na sua equipa, no FBI?

    Sim, Chefe. Fui informado.

    E recusou. Porquê?

    Não me pergunte, não sei explicar. Saiba apenas que me considero um polícia italiano. Poderei até arrepender-me, mas é assim que me sinto.

    Bem, era isso que queria ouvi-lo dizer.

    Palmieri chama a secretária, pede-lhe que organize a minha transferência para o local onde irei encontrar os meus novos companheiros: na confidencialíssima sede da Brigada Anti-máfia. A secretária confia-me a um certo Pino Ingroia, agente de elite, que me espera fora numa carrinha. Creio que aquele meio seja um transporte excepcional como o é a minha bagagem. Já a bordo, e após o ritual de saudações e formalidades, Ingroia parte como um foguete embrenhando-se no tráfego de Palermo com as sirenes a tocar. Cidade maravilhosa, creio ter-me apaixonado de imediato, com os seus edifícios, as suas plantas, as palmeiras, cactos, a sua história milenar, representada por um património artístico e arquitectónico que vai desde o que resta das muralhas Púnicas até às mansões de estilo Liberty, passando pelas residências no estilo da arte normanda-árabe-bizantina, às igrejas barrocas e aos teatros neoclássicos. Um esplendor que não me colhe despreparado, li de tudo e de mais alguma coisa sobre esta belíssima cidade, lentamente, saboreo-a aos poucos, a conta gotas, certo de poder visitá-la em toda a sua extensão nos meus tempos livres, quando não me encontrar de serviço. Estou tão absorto nos meus pensamentos que não me dou conta que me encontro no exterior de um quartel. Aliás, mais do que um quartel, parece… é um cárcere militar. Ingroia desce da carrinha e fala com um agente da Polícia Militar de guarda à entrada. Abrem-se, de seguida, uma série de portões que atravessamos até entrar num pátio, depois, seguindo por uma estradinha estreita, chegamos à entrada de uma espécie de barracão, onde paramos. Ingroia ajuda-me a descarregar o pesado fardo e indica-me que naquele edifício decadente se situa a sede da Anti-máfia, basta bater e os colegas ver-me-ão no monitor e far-me-ão entrar. A porta abre-se acompanhada de um ranger estranho e entro com algum receio. Tudo me parece inquietante, não tem ninguém a receber-me, reina a absoluta escuridão. A porta, como se abriu, fecha-se automaticamente atrás de mim. Não vejo nada para além do meu nariz, sou tomado por um terror incontrolável e pronúncio a frase que jamais pensei dizer, nem mesmo numa ocasião semelhante.

    Está alguém aí?

    Nenhuma resposta.

    3

    ACÇÃO IMEDIATA

    Com pancadas indefinidas acendem-se, uma atrás de outra, uma miríade de luzes fluorescentes que iluminam o amplo local, cegando-me por um bom par de minutos. Neste espaço estão estacionados carros e carrinhas que, para falar honestamente, são todas decrépitas, velhas e enferrujadas. As escadas de ferro levam a um alpendre com vidros amplos que deixam entrever alguns móveis. Vejo descer aquele que viria a saber, daí a pouco, ser o comissário Domenico Alessi. Um homem de trinta anos, bem parecido, o cabelo coberto de gel, jeans mal amanhados e gastos, camisa havaiana com flores vistosas aberta quase até ao umbigo, pondo em evidência todo o pêlo torácico, sapatos Timberland calçados sem meias, e ao pescoço o distintivo da Polícia. Uma argola no lóbulo da orelha direita. Não me surpreenderia ver-lhe despontar um anel no nariz, mas não o noto, pelo menos, ainda não.

    "És o novato, aquele de Turim?"

    O novato, suponho, devo ser eu.

    Comissário ordinário Matteo Alfonsi, fui destacado para a Brigada Anti-máfia da Polícia de Palermo, devo apresentar as minhas credenciais ao Dirigente Superior, o doutor Pietro Zanardi.

    Não tenho intenção de dizer mais do que esta frase feita, o tipo que tenho pela frente não me parece um herói inalcançável, como eu havia imaginado cada membro da brigada Anti-máfia, do mais ilustre ao mais simples.

    O Chefe não está cá, irás conhecê-lo mais tarde, agora acompanha-me.

    Contigo aonde?

    Explico-te pelo caminho. Estás armado?

    Estou confuso, a partir deste momento respondo por instinto.

    Tenho a minha arma na bagagem, devo ir buscá-la?

    O tipo olha-me, creio que o seu olhar expressa desdém ao invés de surpresa, na sua presença sinto-me deslocado e trapalhão, alguém que faz as perguntas erradas no momento errado e dá respostas erradas em qualquer caso.

    Deixa estar!

    Põe-se a vasculhar num armário e tira para fora um par de pistolas Beretta e alguns carregadores. Entrega-me uma arma e dois carregadores, enfio um e automaticamente insiro a bala na câmara removendo a patilha de segurança, depois coloco a arma na cintura e o outro carregador no bolso posterior. Ele faz o mesmo. Sinto-me tão pouco à vontade que me abandono àquele estranho e bizarro indivíduo, seguindo os seus movimentos e imitando-o ao máximo.

    Sou o comissário Domenico Alessi, diz, entrando num Ford Fiesta todo amolgado e convidando-me a subir. Cumpro a ordem como um autómato. A cor do carro é tão perturbadora como todo o ambiente que vi até agora: celtic bronze, uma espécie de castanho claro amarelado, tipo cobre ou coisa parecida. Na cabine há fios eléctricos descobertos por todos o lado, os pedais de embraiagem, o travão e acelerador, o volante e a alavanca das mudanças. Só isso. À parte a chave de ignição, não há conta quilómetros ou qualquer outra coisa, o painel de instrumentos está, basicamente, vazio. O equipamento foi removido, ou, de qualquer modo, inexistente. O motor é vigoroso, percebe-se de imediato que foi alterado. Num piscar de olhos estamos fora, percorrendo as ruas de Palermo, nem sei como chegamos, não me apercebi de ter saído do quartel. Talvez estivesse demasiado confuso. Aperto com força o puxador da porta e concentro-me para não vomitar. Alessi acelera desenfreadamente, como piloto é excepcional, não há nada a dizer, mas eu ainda não conheço as suas capacidades, por isso continuo a esforçar-me para evitar fazer sobressair muito o meu… chamemos-lhe desconforto.

    Recebemos uma chamada, começa a explicar-me o colega, um fugitivo perigoso que procuramos há meses parece ter-se refugiado numa quinta abandonada em plena zona rural, a poucos quilómetros de Palermo. Os outros já se encontram lá, esperam-nos para dar início à incursão. Cremos que junto com aquele delinquente haja mais dois canalhas armados.

    Escuto cada palavra, espero que me explique o plano, que me exponha as medidas de precaução pessoal, que armas usaremos para a ocasião. Mas nada, fica mudo como um peixe.

    Quantos homens estão empenhados nesta operação? pergunto sem dar a entender que estou apavorado.

    Eu, tu, o comissário Pessarotto e a inspectora Violante.

    Quatro… porra! mordo a língua.

    Que foi? Estás-te a mijar? Olha que é normal, não te preocupes, mantém-te atrás de mim, faz o que que eu fizer e vais safar-te de certeza.

    Meu Deus, mas onde vim parar? Há pouco menos de uma hora atrás estava no combóio a pensar na sorte de poder fazer parte de uma equipa tão famosa e condecorada, e agora sinto-me uma merda. E tudo isto no dia mais feliz da minha vida, ou melhor, naquele que pensei ser o mais feliz. Em vez disso, estou a ir ao encontro de grandes perigos: enfrentar um fugitivo armado, um mafioso muito perigoso, que nada tem a perder em matar o próximo. Vem-me à mente que tenho um dia e meio de viagem de combóio e um par de horas de sono no máximo. Na prática, sinto-me um pouco fora de forma, em particular para uma operação tão arriscada. Esforço-me em não mostrar o meu nervosismo, gostaria de pedir mais esclarecimentos, outras informações, mas sinto-me uma porcaria, só e abatido. Tento recuperar o controle, penso em tudo o que aprendi nos campos de treino em Quantico, em como reordenar as ideias, concentrar-me na acção isolando-me do resto do mundo, afinando os sentidos para sobreviver. Não dou conta do tempo e da estrada percorrida, o facto é que chegamos às imediações da quinta, vejo-a à distância, ainda indefinida. O carro pára e Alessi desce, eu sigo-o sem grande convicção. Percorremos um caminho e chegamos à proximidade de um bosque de vegetação densa e árvores seculares. Alessi mexe no telemóvel, suponho que esteja a enviar uma sms ou um sinal aos outros porque se segue uma espécie de bip, que entendo ser a resposta que o meu distinto colega aguardava.

    A partir deste momento devemos fazer o menor ruído possível, falaremos por gestos.

    Olha que novidade! Até agora o diálogo foi mais do que escasso, não será um problema prosseguir da mesma maneira. Juntamo-nos a Giorgio Pessarotto e Anna Violante, os colegas encontram-se deitados em terra com os binóculos a tiracolo, cara séria, concentrados e com os distintivos presos ao pescoço com uma bizarra fita tricolor. O meu ainda está guardado na bagagem, porém é aquele que me foi atribuído pela Polícia de Trânsito. Contudo, creio que este pormenor passará despercebido, pelo menos parece não importar a ninguém. Pessarotto aparenta ser um homem nos cinquenta ou talvez mais, seguramente alguém experiente, é quase calvo e uma miríade de rugas fazem-no parecer mais velho. A inspectora Violante é, no mínimo, espectacular, uma mulher que exala fascínio e sensualidade por cada poro. Os jeans justos mostram curvas mais próprias de uma estrela de cinema do que de uma polícia durona. Juro que é uma bela visão. Com gestos Alessi apresenta-me aos dois e pede para também me deitar. Violante passa-me o binóculo, indica-me para onde devo olhar, e passa a explicar-me a situação.

    O nosso homem chegou naquele bruto Audi estacionado à entrada. Com ele estão duas pessoas, um homem e uma mulher, armados com espingardas. Pensamos que são metralhadoras de tipo militar, mas não temos a certeza.

    Estão os três armados com metralhadoras, confirmo eu, "e nós somos quatro gatos com pistola de treze tiros? Tenho no máximo outro carregador, mesmo na hipótese mais cor-de-rosa os bandidos vencerão de certeza. Talvez seja melhor chamar reforços, não acham?"

    Alessi parece aborrecido. Não podemos perder tempo, é uma excelente oportunidade. Os reforços poderão demorar demasiado a chegar e os delinquentes não esperam que nos organizemos. Poderão ir-se em breve; por mim entramos em acção, o Chefe quereria que, em casos como este, se interviesse o mais rápido possível para não perder o factor surpresa.

    Que dizer? Parece-me um autêntico disparate. Desde quando é que a surpresa é feita por quatro polícias depenados, armados com pistolinhas, contra três grandes criminosos armados com metralhadoras de centenas de tiros por minuto? Acho que estes são autênticos loucos, malucos ao ponto de considerar que devem ser internados na ala de psiquiatria. Mas que posso fazer? Eu sou o novato, a última roda do carro, e estes três estranhos personagens que acompanho são nada menos do que membros da famosíssima Brigada Anti-máfia. Boh… No mínimo estou perplexo, mas adapto-me.

    Ok, não estou nada convencido, mas qual é o plano operativo?

    Aproximamo-nos da quinta sem nos fazermos notar e invadimos disparando sobre tudo que se mexer.

    Esta ideia estratégica iluminada vem exposta com sedutora candura por Pessarotto. Em pensamento mando-o foder, de imediato.

    Parece-me um pensamento incrível! digo em tom sarcástico no meio de uma crise de nervos que sustenho com dificuldade, bem como as ânsias de vómito que me assomam com violência.

    O fatídico e incrível plano de acção é aplicado à letra, nós os quatro aproximamo-nos da quinta, rapidamente e sem fazer qualquer ruído. Em volta da estrutura, à parte a estradinha em terra batida, há um deserto total. Parece-me difícil aproximarmo-nos muito sem sermos vistos, mas no interior do solar não se nota qualquer movimento suspeito. Estranhamente, penso eu. Em breve, correndo quase de rastos ao estilo marines americanos, chegamos perto da habitação. As Beretta estão empunhadas com ambas as mãos, os canos erguidos, prontas a disparar. Separamo-nos: eu e Alessi pela parte de trás, Pessarotto e Violante, na entrada principal. Naquele momento volta-me à mente o treino em Quantico, como mínimo teríamos de usar coletes à prova de bala, capacetes e máscaras de gás, depois deveríamos disparar granadas sónicas e gás lacrimogéneo através das janelas e, por fim, fazer a incursão com rajadas das belas espingardas metralhadoras, com que são dotadas todas as Polícias do mundo moderno, gritando a todos aqueles que se mexam para largarem as armas e deitarem-se no chão.

    Nós, porém, não temos nada disso, apenas um par de jeans e, no que me diz respeito, uma camisola encharcada de suor, tanto o acumulado no combóio como o conquistado neste momento de tensão máxima e que, além do mais, se está a acomodar mesmo por cima da camada precedente. Se não bastasse, ainda acresce um quilo de pó por cada centímetro quadrado de pele, amealhado na imensa corrida de há pouco. Em Quantico habituaram-me a situações extremas. Beh! Neste momento estou a viver uma altamente extrema. Jamais havia pensado que o meu treino me iria auxiliar logo no primeiro dia da minha actividade investigativa.

    A ansiedade aumenta brutalmente quando Alessi me ordena: Tu ficas aqui, e dispara sobre qualquer um que saia daquela porta.

    E sai correndo em direcção aos outros deixando-me no mais negro desconforto. Apelo a todos os meus conhecimentos e concentro-me, devo acalmar-me e permanecer lúcido. Todas as minhas capacidades técnicas e prerrogativas estão a ir por água abaixo num nanosegundo. Tudo isto é absurdo, impensável, ilógico e nem sequer profissional. Assaltar uma casa em pleno campo com o deserto em volta, com três criminosos violentos no interior equipados com armas poderosíssimas, e nós, quatro estúpidos armados com uma Beretta com poucas balas à disposição, é de loucos desnaturados. E agora que deverei fazer? Apresento uma reclamação ao Questore ou trato de dar-me uma pancada na cabeça? Obviamente opto pela segunda solução, começo por avaliar a situação como me ensinaram em Quantico. O ambiente em redor é adverso, uma eventual fuga não seria razoável, serei um alvo fácil. Coloco-me atrás de uma grande árvore, a vinte metros da casa, que servirá como protecção. Mesmo as balas, daquelas enormes e mortíferas espingardas metralhadoras, nada conseguirão contra esta defesa natural, portanto, sinto-me bastante protegido. Controlo com o olhar a área circundante, observo a posição dos colegas, assim posso avaliar as forças em campo no seu todo, e evitar disparar na sua direcção. Vejo Pessarotto e Violante, estão bem posicionados, em frente da entrada principal, Alessi controla o interior da casa através de uma janela. Movem-se perfeitamente, como se fossem um só, coordenados, comunicam por gestos que para mim são incompreensíveis, mas parecem em perfeita sintonia. Eis uma coisa que não encaixa e me intriga: pelos discursos e comportamentos de há pouco pareciam uns ingénuos, mas em plena acção trabalham em simbiose, os movimentos são estudados, sinuosos, absolutamente silenciosos. Congratulo-me com isso, faz-me sentir um pouco mais seguro, parecem conhecer o seu ofício, creio que os julguei erradamente. Alessi gesticula, dá o ok aos dois que se estão a preparar para entrar em acção forçando a entrada. A adrenalina sobe, naquele preciso instante todos os outros pensamentos param, prevalece a preparação, o treino, e noto o que me tinha escapado antes.

    Câmaras, porra! Estão por todos o lado, em cada ângulo da quinta. Os bandidos no interior estão a ver-nos. Que estúpido que fui, deveria ter pensado nisso. Todo aquele deserto em volta e ninguém na casa nos viu? Seria quase impossível, não podia ser assim simples. Ou é só uma armadilha, uma maldita armadilha. E nós estamos a cair como patos.

    Escuto a ordem de Alessi. Agora!

    Grito a plenos pulmões. Parem, é uma armadilha! Vêm-se câmara… aponto para o alto, logo abaixo dos beirais. Pelo menos um par de aparelhos estão em movimento à esquerda e à direita, procuram-nos, observam-nos. Pessarotto já arrombou a porta, é tarde para remediar.

    Meu Deus, morreremos todos!

    Penso, olhando em redor. Pela mente passam-me alguns maus pensamentos, que de imediato se transformam em conflitos mentais mortíferos: escapo correndo em disparada ou intervenho? Controlo a pistola e aperto-a numa espécie de abraço, quase a dizer-lhe adeus, verifico-a para que esteja pronta a fazer fogo e, mentalmente, preparo-me para disparar sobre qualquer um que seja fisicamente diferente dos meus colegas, não penso que deva dar a ordem de alt e disparar para o ar o tiro de advertência, não devo ferir, mas atingir em cheio. Matar para não ser morto. Matar para que os meus colegas não sejam mortos. Pessarotto entra com a Beretta preparada, segue-o Violante, enquanto Alessi me olha surpreendido, leio nos seus olhos que está desconcertado, confuso, mas não temeroso, nem um sinal de medo. Entra também ele, e rebenta o fim do mundo, o som dos disparos e a gritaria confusa, são os únicos sons que chegam ao exterior e me violentam os tímpanos.

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