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Uma História Policial
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E-book347 páginas5 horas

Uma História Policial

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Sobre este e-book

Cinco amigos iniciam uma amizade na escola de polícia nacional em 1995.

Após vinte anos de profissão, todos se reúnem na cidade de Huesca. Uma noite, um deles pede um último favor ao resto dos parceiros. No porta-malas de seu carro há um cadáver e ele quer que os outros o ajudem a se livrar dele.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento14 de nov. de 2023
ISBN9781667439105
Uma História Policial

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    Uma História Policial - Esteban Navarro Soriano

    Uma História Policial

    Esteban Navarro Soriano

    ––––––––

    Traduzido por Valquíria Pereira Bosqueti 

    Uma História Policial

    Escrito por Esteban Navarro Soriano

    Copyright © 2023 Esteban Navarro Soriano

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Valquíria Pereira Bosqueti

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    Índice

    Créditos

    Sinopse

    Dedicatória

    Citação

    Aviso

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    Capítulo 35

    Capítulo 36

    Capítulo 37

    Capítulo 38

    Capítulo 39

    Capítulo 40

    Capítulo 41

    Capítulo 42

    Capítulo 43

    Capítulo 44

    Nota do autor

    Mais romances

    ––––––––

    Cinco amigos iniciam uma amizade na escola de polícia nacional em 1995.

    Após vinte anos de profissão, todos se reúnem na cidade de Huesca. Uma noite, um deles pede um último favor ao resto dos parceiros. No porta-malas de seu carro há um cadáver e ele quer que os outros o ajudem a se livrar dele.

    A Ester e Raúl, minha força para continuar escrevendo

    Quando um homem não sabe a qual porto ele está indo, nenhum vento é o vento certo.

    Cartas de Sêneca a Lucílio, Carta LXXI

    Esta cidade já não é mais o que era. Antes, uma puta era uma puta, e um marginal, um marginal.

    Agora apareceram putas por toda parte, e todos são marginais.

    Os mares do Sul, Manuel Vázquez Montalbán.

    Não há ofensa quando não se quer ofender.

    Django livre.

    Aviso

    Os lugares que aparecem neste livro são inspirados, sempre com certa liberdade por parte do autor, em lugares reais. Alguns personagens e alguns eventos narrados também são inspirados em fatos reais, mas com a mesma liberdade em sua reconstituição. O seguinte relato deve ser considerado, portanto, como sendo fruto da invenção do escritor e não se deve atribuir comportamentos, atos ou palavras reais a qualquer pessoa ou corporação que exista ou tenha existido de verdade. É claro que os valores que a Polícia Nacional Espanhola representa e transmite são inquestionáveis.

    Capítulo 1

    Para os ouvidos dos reles mortais, aquele som fraco de botas descendo as escadas do andar térreo teria passado completamente despercebido. Apenas um sussurro semelhante a uma folha de papel deslizando por baixo de uma porta. O zumbido de um grupo de varejeiras rodopiando diante de uma janela de vidro. Mas eu, que o ouvira em tantas outras ocasiões, tinha a certeza de que aqueles passos que subiam as escadas da casa do joalheiro vinham atrás de mim. Eles, que antes eram meus parceiros, amigos, velhos conhecidos, não se falavam; mas podia imaginá-los gesticulando aqueles sinais vistosos que lançavam com os punhos erguidos enquanto indicavam a seu parceiro, ao lado, ou à frente ou atrás, para onde deveriam ir. Os rádios transmissores silenciosos. Os fones inseridos no ouvido enquanto recebiam ordens precisas do chefe de equipe.

    Antes, muito antes, na primeira hora da manhã, o inspetor os reuniu em um escritório da delegacia, diante do olhar furtivo dos demais policiais e deu-lhes as instruções necessárias em um mapa de papel estendido em uma das mesas. Destacou os pontos principais. A área de estacionamento. A porta de entrada. A sala. A escada. O corredor do andar de cima. O quarto. Os agentes observaram com olhos arregalados cada um dos segmentos, memorizando-os, aprendendo cada uma das posições.

    Está terrivelmente frio. E eis que o mês de janeiro havia castigado Huesca e podia-se andar pelas ruas sem pisar em nenhuma poça, em seu lugar ergueram-se pistas de gelo, assim como as piscinas que foram transformadas em geleiras. O frio atrasa tudo. O ambiente ao meu redor se congela, assim como meu coração. O frio me dá arrepios. Ou o medo. Parecia-me inconcebível que a essa altura pudesse estar com medo. Mas não é o tipo que aqueles policiais que se postam diante da minha porta me dão, mas outro tipo de medo: o da incerteza. Penso no que vai acontecer depois. Onde vão me levar? O que meus vizinhos vão dizer? Meus parceiros. O que acontecerá com minha esposa, meu filho... minha amante. Sinto um terror gelado, sem imagens concretas, sem expressões faciais. Acho que é assim que todos criamos nossa falsa memória: através de pensamentos irracionais que contaminam nossas memórias e as desfiguram.

    Estou aqui, sentado na poltrona Ikea de cor indeterminada, que pode ser marrom claro ou ocre. Vestindo o uniforme de gala da polícia. Na frente esquerda estão minhas três medalhas: uma vermelha e duas brancas. Eu as acaricio como se acaricia um objeto valioso. Tento sentir seu toque. Gostaria de estar no meu apartamento. Com minha esposa lendo na sala e meu filho brincando no quarto. Mas minha paixão adolescente e minha inclinação para desvendar casos insolúveis me arrastaram para esta casa, que não reconhecia como lar, e onde me encontrei sozinho. Abandonado.

    Serão entre cinco e dez policiais, calculo mentalmente. Cinco se tivessem enviado o GEO, o Grupo Especial de Operações. Nesse caso, teriam que ter fretado um helicóptero de Guadalajara ou do aeroporto de Barajas, onde havia um pequeno grupo de resposta rápida. Esse helicóptero teria que ter viajado pouco mais de 300 quilômetros a uma velocidade de 200 quilômetros por hora. Não precisa ser nenhum Einstein para saber que em uma hora e meia tiveram tempo suficiente para voar de Guadalajara, ou de Madri, para Huesca. Poderiam ter aproveitado o heliporto do hospital San Jorge para desembarcar, e de lá não precisariam mais de cinco ou dez minutos em um carro que a delegacia de Huesca teria lhes emprestado. A segunda possibilidade é que a Direção Geral da Polícia teria optado por enviar o GOES, ou o que dá no mesmo: o Grupo de Operações Especiais.

    Imerso na confusão de sons sibilantes vindos do corredor e das escadas, começo a me lembrar daquele inspetor da academia que disse que se os GEOs são os Madelman[1] da polícia nacional, os GOES são os Clicks[2] da Playmobil. Engraçadinho, aquele inspetor. No caso hipotético de que aqueles que estivessem à porta da sala neste momento fossem os GOES, o deslocamento teria sido menor, já que os GOES poderiam ter saído de Saragoça em sua van e chegado a Huesca em apenas 45 minutos. Em ambos os casos, o tempo não é importante, pelo menos para mim, o que importa é o número de policiais atrás da porta agora. Cinco. Sim, cinco policiais equipados, armados e preparados com uma única ordem: me pegar. Vivo, se possível; embora não seja um requisito essencial, mas é política e eticamente correto. Cinco. Que ironia do destino. Porque havia cinco de nós antes de Antônio simplesmente perder o controle naquela maldita noite. Que droga, Antônio! Mas você não pensou em tudo o que estava vindo em cima da gente. Éramos cinco e bem unidos. Amigos. Amigos de verdade, daqueles que nascem nas dificuldades. Antônio, Joaquim, Juan Carlos, Jorge e eu. Cada um com suas coisas, com seu jeito de ver o mundo, com sua interpretação do que era ser policial. Com seus sonhos. Cada um com seus problemas pessoais. Suas famílias, suas amantes, seus filhos. Cada um com sua parte íntima da própria vida, mas unidos no esforço de formar algo mais do que uma profissão dedicada aos outros. A construção de uma sociedade mais livre e segura, mas às vezes pagando um preço muito alto: o da nossa própria liberdade.

    Começamos a ser amigos no refeitório da Escola Geral de Polícia, em Ávila. O ano era 1995 e nos sentávamos ao redor daquelas mesas redondas imaculadas e dividindo um café e um cigarro na época em que se podia fumar em bares e prédios públicos. Nós cinco tínhamos quase a mesma idade; embora Antônio fosse um pouco mais velho que nós. Mas essa vantagem não lhe deu confiança suficiente para ser mais cauteloso e estragar tudo do jeito que estragou. Que droga, Antônio! Veja só como estragou tudo, cara! Você ferrou até o talo e arrastou todos nós. Na época da escola, Antônio tinha 25 anos. Ele era o único nascido em 1970, enquanto o resto de nós era de 73, cada um de um mês diferente. Um dos professores, o de ética policial, nos disse que é recomendável entrar na polícia muito jovem, pois a corporação poderia moldá-lo à vontade e protegê-lo de qualquer vício que pudesse ter adquirido em sua vida civil. Embora me lembre que na academia havia alunos que quase completavam trinta anos e alguns deles também não eram flor que se cheire.

    Sei que os colegas do Grupo de Operações Especiais estão logo atrás da porta. Eu os pressinto. Com seus coletes à prova de balas, com os rostos escondidos atrás de uma máscara de esqui com o logotipo da polícia na testa, como se fosse um anúncio. E o capacete. Com seus fuzis SG 552 a postos, exceto um, o mais forte, que nessa hora deve ter nos braços o aríete preto com o qual vai arrombar a porta, se eu não a abrir primeiro. Esse aríete pesa quase 16 quilos, mas imprime uma força aproximada de 9 toneladas. A porta vai ceder como a tampa de um iogurte que é furado com a menor pressão de um dedo. E eles entrarão no quarto de Olívia. Apontarão os feixes de luz de seus fuzis para minha cabeça e peito. Vão gritar para causar confusão. E lançarão flashes de luz precedidos de fumaça e barulho. Muito barulho. Que droga, Antônio, como nos ferrou.

    Capítulo 2

    Eu, depois de Antônio, fui o primeiro a saber o que tinha acontecido. Nunca acreditei em profecias e previsões, mas, ainda não sei bem porquê, soube que quando Antônio me ligou naquela noite de sábado de junho de 2015, nunca sairíamos do buraco que todos nós mesmos tínhamos nos metido.

    Aquele sábado tinha sido um dia comum, como tantos outros fins de semana. Ao meio-dia, depois do almoço, fui passear e esticar as pernas. Subi a rotatória da estação até a rua do parque e depois caminhei até a delegacia, evitando passar em frente para não perder tempo cumprimentando ninguém. Andei pela rua Vicente Campo, em frente ao parque Miguel Servet e reparei que tinham aberto um novo bar. O Parra, li na placa. Nem me lembrava qual era o negócio antes do bar, mas a imagem de uma barbearia me veio à mente. Atrás do vidro, vi uma mulher bem gorda com a qual cruzei o olhar. Lembrei-me de uma frase de Nietzsche que diz: "Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também te olha". Em frente ao bar ficava o que é conhecido como Grupo Vila Isabel, um conjunto de cinco fileiras de casas localizadas entre a Rua Vicente Campo, que dá para a área do parque e a Avenida Martínez de Velasco, na estrada que leva ao hospital San Jorge. O Grupo Vila Isabel poderia ter se tornado um Triângulo das Bermudas, onde dizem que navios e aviões desaparecem em condições inexplicáveis, já que o triângulo formado pela casa de Antônio, a casa do joalheiro e o bar Parra, bem poderia ser um lugar maldito.

    À tarde fiquei lendo, não me lembro qual livro, mas me conhecendo, tenho certeza que seria um de John Irving. Jantamos, cada um por si. Minha esposa, uma salada posta na bandeja, sentada na frente da TV. Eu, um sanduíche na frente do computador, no meu escritório. E meu filho jantou na mesa da sala enquanto ajustava seu console. Às dez, Ricardo foi para o quarto, ainda mastigando o último pedaço do jantar. Pela janela da sala, vi dois de nossos carros correndo à toda pela rua com as sirenes silenciosas, mas com o giroflex aceso. Dez horas era a hora do turno da noite, assim como duas horas era o do meio-dia ou sete horas era o da manhã. Achei que os carros estavam indo de encontro a um assalto. A hora do turno da noite é quando mais crimes são cometidos. Os malandros sabem tudo sobre isso e nos têm sob controle. Não é nenhum segredo que quando a polícia está no turno da noite, é quando o menor número de agentes está em condições de agir. Quem sai, já está pensando em almoçar ou jantar ou dormir e preenche seus boletins de ronda dentro da delegacia. Enquanto quem entra está pensando em tomar café. Tomar café no início da ronda tornou-se um ritual inadiável.

    — Lorenzo — me disse com sua característica voz esganiçada. — Lorenzo, está aí? —perguntou quando eu já tinha lhe dado o característico sim quando peguei o telefone. 

    Já devia ter suspeitado que algo estava errado quando me ligou no telefone fixo de casa. Fazia vários anos desde que alguém ligava por telefone fixo; todo mundo o fazia pelo celular. Minha esposa estava naquele momento lendo um daqueles livros românticos que lia todos os dias depois do jantar e antes de dormir, enquanto Ricardo jogava videogame no computador em seu quarto. Carmen não gostava que jogasse por tanto tempo, mas era junho e as aulas tinham acabado e não me parecia apropriado forçar uma criança de onze anos a estudar. Já teria tempo para estudar quando fosse mais velho, me ouvira dizer em outras ocasiões.

    — O que foi, Antônio? Sabe que horas são? — perguntei-lhe, olhando para o relógio na parede da sala. No momento da ligação eram onze e meia da noite e ouviu-se o motor de um carro que andava na rua. O som diminuiu ao parar em frente ao semáforo.

    — Sim, cara. Desculpe ligar a esta hora, mas estou ferrado, sabe? Muito ferrado.

    Sua voz deve ter se sobressaído do telefone sem fio, porque Carmen ergueu os olhos e me olhou com uma cara séria.

    — Por que está me ligando no telefone fixo? — acertei em perguntar. Seu celular apareceu refletido no LED.

    — O que foi, Lorenzo? — Minha esposa sibilou incomodada enquanto segurava os óculos de leitura na mão, mexendo-os de um lado para o outro como se quisesse se abanar com eles. Carmen tinha mãos pálidas e ossudas com veias grossas fixas nas costas das mãos.

    — Nada, nada — disse-lhe enquanto me levantava e andava com o telefone no ouvido até o pequeno escritório que ficava bem na entrada do apartamento. Meu filho nem pestanejou quando passei por sua porta e bati na maçaneta fazendo um som alto de noz quando é quebrada.

    — Cumprimente Carmen e Ricardo por mim — Antônio me disse quando recomeçamos a conversa, agora mais calmo, do escritório.

    Essa era uma característica notável de Antônio, que mesmo nos piores momentos era capaz de manter uma cortesia enfurecedora, e que, além disso, não era fingida. Talvez, o fato de não ser simulada, fosse o que mais tinha de enfurecedora.

    — Sim — respondi, um tanto incomodado com o prolongamento de uma conversa que parecia não ter fim. — Mas você a conhece, vi a preocupação em seus olhos — disse, me referindo à minha esposa. Antônio sabia que ela não gostava dessas ligações em horas tão inoportunas. — O que há para ligar a esta hora? É muito tarde — afirmei em seguida, abrindo um pouco a porta do escritório e fechando a janela para não ouvir o barulho da rua. O motor do carro ainda estava roncando diante do semáforo.

    — Não posso te dizer por telefone, cara. É muito forte, o melhor é que nos encontremos. Pode ir agora ao Coso Real[3]?

    — O Coso Real? A esta hora está fechado — garanti.

    — Sim, já sei cara, mas podemos nos encontrar no estacionamento. Nos fundos, onde estacionam os caminhões de grande porte. Estou em apuros — arquejou.

    Carmen se levantou e entrou na cozinha, segurando na mão direita o livro que lia quando estava na sala. Os óculos devem ter sido deixados no sofá. Eu a conhecia bem o suficiente para saber que tinha vindo para onde eu estava para farejar. Ligações depois das onze são sempre para algo ruim, pensei.

    — Tudo bem, Antônio. Tudo bem. Dê-me algum tempo para me vestir e nos encontraremos às doze em ponto no estacionamento. Vou tentar ser pontual. Espero que o que tenha a me dizer seja sério o suficiente para fazer valer a pena ir até lá — disse-lhe brincando.

    — Estou ferrado — retrucou em resposta. — Muito ferrado.

    Capítulo 3

    Jorge Gastón era o mais extrovertido dos cinco. A primeira vez que o vi foi no vestiário da academia de polícia tentando pegar uma das recepcionistas, cujo jeans não conseguia esconder as pernas retas. A moça falava com os alunos com um certo flerte disfarçado, que complementava com olhos amendoados e longas tranças loiras. Tinha exaltado a devassidão de Jorge, que não parou de falar com ela até levá-la para a cama, para depois esquecê-la; como sempre fez com as dúzias de garotas que conheceu desde que o conhecemos. Jorge, então com vinte e dois anos, nos fez rir no refeitório, dias depois daquele primeiro encontro, sobre a suposta farsa do brometo.

    — Acho que essa coisa de brometo é pura invenção dos chefes da academia para nos assustar — disse presunçosamente e exagerando seu sotaque galego. — Meu irmão uma vez me disse que no exército também falavam sobre brometo, mas que no final todos fodiam como coelhos.

    Para Jorge, a palavra foder era parte insubstituível de seu vocabulário diário. Se não dissesse foder pelo menos vinte vezes por dia, não era o Jorge.

    — Bem, minha namorada ainda não reclamou — interveio Juan Carlos Egea, o mais formal dos cinco.

    — Bem, mais cedo ou mais tarde vai reclamar — Joaquim cutucou a ferida, sem saber naquela hora que anos depois Juan Carlos seria chifrado mais tarde por quem logo seria sua esposa e que ela o substituiu por um segurança do shopping de Madri, onde iam às compras todas as sextas à tarde.

    Joaquim sempre foi um encrenqueiro e gostava de irritar a todos. Inclusive tinha um jeito repetitivo de cantar que entoava constantemente em um híbrido entre um silvo fraco e um som gutural que enfurecia qualquer um ao seu redor.

    Jorge era originário de Vigo, mas muito antes de entrar na polícia já havia assumido que levaria vários anos para poder regressar para sua terra. Vigo era tão inatingível como Ávila, Segóvia ou mesmo qualquer cidade ao sul, como Córdoba, Jaén ou Granada. Tinha policiais que demoravam até vinte anos para poder ir a Granada. Policiais que foram designados em primeira instância para Barcelona e que se casaram lá, tiveram filhos, seus filhos se casaram com catalãs e suas filhas com catalães e quando surgiu a oportunidade de voltar para casa, decidiram que era tarde demais para fazê-lo. Os destinos forçados para Barcelona nos anos noventa ajudaram a povoar a Catalunha com policiais andaluzes, da mesma forma que nos anos oitenta o País Basco foi povoado com policiais e guardas civis. A vantagem de Jorge é que conseguia esconder seu sotaque galego com pouco esforço, o que lhe dava vários pontos a seu favor como mulherengo. Alguém que é capaz de disfarçar seu sotaque é capaz de qualquer coisa.

    Juan Carlos Egea era de Madri; embora seus pais tivessem nascido em Jaén e emigrado quando Juan Carlos tinha apenas três anos. Ser de Madri quando a academia de polícia era de Ávila era uma vantagem para os alunos que lhes permitia ir para casa todos os fins-de-semana. Dos cinco, Juan Carlos era o único que tinha namorada na época da academia. Patrícia não era de se jogar fora, era bem bonita, mas tinha uma beleza enjoativa. Segundo Jorge, não tinha peito e sobrava bunda; embora nunca lhe tenha dito: para nós, nossas mulheres eram intocáveis.

    Joaquim Fábregas nasceu em Girona, mas devido às reviravoltas do destino passou a infância em Barcelona. Como Antônio, também era um fanfarrão e não lhe faltavam motivos para começar uma briga sob o pretexto mais banal. Dos quatro, era de quem menos gostava, e ele sabia disso. Nós dois sabíamos. Já no refeitório da academia, tinha percebido que pulava a vez na hora de pagar, coisa que fez em mais de uma ocasião e que acho que só eu percebi. O normal era que cada dia um de nós pagasse tudo, mas Joaquim, no dia em que era sua vez de pagar, não levava nada, justificando que não lhe apetecia. Um dia nos contou uma história que pode parecer engraçada, mas só era engraçada para ele. O fato é que quando voltava de casa para ir à academia, sempre tentava fazer a viagem de graça no carro de um colega que morava em Barcelona, e ia lá de trem, para que depois o colega o levasse até Ávila. Não queríamos nos aprofundar no tema de que os catalães são avarentos, mas Joaquim estava facilitando para nós. Ainda assim, por mais exigente que fosse, não ficava muito bravo quando dizíamos que era pão-duro. Embora o fizesse mesmo quando lhe dizíamos que era um aproveitador ou um cara-de-pau. A história que nos contou e que dizia muito sobre sua personalidade, referia-se ao fato de seu amigo ter parado por alguns minutos na área de serviço de Alfajarín em Saragoça. Aproveitava para reabastecer o tanque do Ford Escort e comer alguma coisa no refeitório. Ao que parece, o amigo estava acompanhado por outro aluno da academia que havia apanhado em Tarragona; mesmo que Joaquim nos tenha dito que não o conhecia. Os três sentaram-se a uma mesa e Joaquim disse para se sentarem na que estava mais próxima da porta, pegando o estacionamento onde haviam deixado o carro. Para quê? O amigo havia perguntado. Para sairmos sem pagar, respondeu Joaquim, quase sem corar. O engraçado é que não parecia ter problemas financeiros, acho que era mais um cleptomaníaco incipiente que desenvolveu uma obsessão doentia por economizar dinheiro em tudo. Não era um jogador, nem brigão, nem sequer fumava, mas não gastava um centavo em nada.

    Antônio também não fumava quando o conhecemos; embora tenha nos dito que antes de entrar para a polícia tinha fumado como uma chaminé. Seu vício e paixão eram as artes marciais. Certamente o fato de ser um menino obeso e com uma voz estridente horripilante que foi ridicularizado por todos os seus colegas foi em parte o culpado. O bullying nas escolas atrai dois tipos de crianças: os retraídos e assustadinhos ou os corajosos e ousados. Antônio tornou-se o último. Já na adolescência, com apenas dezessete anos, passou algumas horas na delegacia de Badalona prestando depoimento como menor por uma briga com ferimentos, como nos havia contado um dia ao falar sobre isso. Ele havia quebrado o maxilar de um garoto de sua idade e natural de Mataró, usando a parte mais dura do corpo humano: o cotovelo. Embora os entendidos digam que é o fêmur, mas com esse osso não se pode acertar um maxilar. Sendo menor de idade, não abriram ficha policial, o que lhe permitiu entrar para a polícia em 1995. Depois de tudo o que aconteceu, um dia me peguei pensando que se ele tivesse dezoito anos quando brigou com aquele garoto de Mataró, tenho certeza que teria antecedentes criminais, sendo maior de idade, e não teria entrado na polícia. E então o que aconteceu também não teria acontecido. Parece incrível que uma simples ação em nossa vida possa determinar o destino de muitas pessoas ao nosso redor. Se Antônio não tivesse entrado para a polícia nacional, eu não estaria na situação em que estou. Que droga, Antônio, como me ferrou.

    Capítulo 4

    — Aonde vai a esta hora? — Carmen me perguntou, ocupando o centro do corredor como se quisesse me impedir de fugir sem seu consentimento.

    Ricardo enfiou a cabeça para fora da porta de seu quarto. Talvez tivesse percebido, pelo tom de voz de sua mãe, que a situação exigia uma atenção especial.

    — Combinei de encontrar Antônio — respondi gaguejando.

    — Agora? Sabe que horas são, Lorenzo?

    — Sim, já sei. Acho que não demorarei muito para voltar. Fique tranquila.

    Ela me olhou do jeito que se olha para alguém que está mentindo. O que quer que Antônio quisesse, não era bom. Não se chama um amigo às onze e meia da noite para encontrá-lo no estacionamento de um shopping center, se o assunto a ser discutido não for suficientemente sério. E, pela voz assustadiça de Antônio, era sério. Por um momento me senti como os mafiosos de Las Vegas quando se encontram no deserto e só um deles volta enquanto o outro acaba enterrado sob um metro de terra. Mas pensei que não tinha feito nada pelo qual tivesse que temer Antônio. Ou tinha?

    Desde o desaparecimento de um dos tabletes de haxixe da operação antidrogas de 2013, a desconfiança entre nós tinha crescido até se tornar insuportável. A operação tinha sido realizada pelo Grupo II da delegacia de Huesca, mas tratava-se de uma investigação conjunta entre várias delegacias comunitárias e mais duas equipes, uma de Málaga e outra de Lérida. Entre os policiais de Lérida havia um que foi apelidado de O Baseado. O fato de um policial ter um apelido assim já dá sinal de como esse policial deve ser, e principalmente quando ele mesmo deixa que o digam e também concorde em ser chamado por esse apelido. O Baseado, David Orué, era uma figura tanto na aparência

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