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O Cérebro vai à Escola: Aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil
O Cérebro vai à Escola: Aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil
O Cérebro vai à Escola: Aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil
E-book304 páginas4 horas

O Cérebro vai à Escola: Aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil

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Sobre este e-book

Esta obra aborda como ocorre a aproximação entre os campos neurocientífico e educacional no Brasil. Algumas questões movem este trabalho: como se dá a emergência da neuroeducação e quais configurações ela assume no país? Quais são os atores e discursos envolvidos na aproximação entre estes campos no Brasil? Como o cérebro humano é entendido pelos diversos atores da neuroeducação brasileira?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mai. de 2019
ISBN9788546217465
O Cérebro vai à Escola: Aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil

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    Pré-visualização do livro

    O Cérebro vai à Escola - Felipe Stephan Lisboa

    (IMS/UERJ)

    Introdução

    Por todo o mundo tem se multiplicado centros de pesquisa, conferências, cursos, projetos, livros e revistas dedicados à interseção entre as neurociências e a educação. Em comum, grande parte destas iniciativas compartilha a crença de que os achados neurocientíficos podem contribuir para o aperfeiçoamento do processo educacional. Isso ocorreria de duas maneiras: fornecendo uma melhor compreensão da maneira como as pessoas aprendem e, com isso, colaborando com a criação de políticas e práticas educacionais mais eficazes; e também contribuindo com o entendimento das dificuldades ou transtornos de aprendizagem, de forma a fornecer subsídios para o desenvolvimento de abordagens e/ou tratamentos mais efetivos para tais problemas. A neuroeducação, disciplina de interface entre os campos neurocientífico e educacional, compartilha dessa crença. Emergida entre final do século XX e o início do século XXI, esta disciplina – por vezes chamada de Mente, Cérebro e Educação, Ciência do Aprendizado ou Neuroaprendizagem – pretende, simultaneamente, construir um conhecimento sobre o aprendizado e desenvolver práticas pedagógicas concretas. Não se trataria, portanto, somente de um campo de estudos, nem somente de um campo de práticas, mas de um campo que se propõe a articular pesquisa e prática, de forma a potencializar a aprendizagem, tornando o processo educativo mais eficaz. Neste livro, pretendemos compreender especificamente como ocorre esta aproximação entre os campos neurocientífico e educacional no Brasil. Algumas questões movem este trabalho: como se dá a emergência da neuroeducação e quais configurações ela assume no país? Quais são os atores e discursos envolvidos na aproximação entre estes campos no Brasil? Como o cérebro humano é entendido pelos diversos atores da neuroeducação brasileira? Para tentar responder a estas e outras questões, realizamos uma análise ampla, ainda que exploratória, de inúmeros materiais produzidos na última década no Brasil por neurocientistas, educadores e também por neuroeducadores, nova categoria profissional proposta pelo Instituto de Pesquisas em Neuroeducação. Cabe alertar que chamamos aqui de neuroeducação a quaisquer propostas de aproximação ou interface entre os campos neurocientífico e educacional, sejam elas defendidas por pessoas e grupos ligados ou não ao universo acadêmico-científico. Isso significa que não baseamos nossa análise somente em artigos científicos, mas também em livros, revistas, vídeos e palestras voltados para a divulgação ou popularização do conhecimento científico. Interessamo-nos, assim, tanto pelos discursos produzidos por cientistas, quanto aqueles produzidos e disseminados por não cientistas, em especial educadores e neuroeducadores.

    Inicialmente, no Capítulo 1, faremos um panorama mais geral da interface entre os dois campos, tratando especificamente da emergência do campo ou disciplina da neuroeducação. Dividimos este capítulo em seis seções: na primeira, buscamos definir de uma forma mais precisa os dois termos da interface (neurociências e educação); na seção seguinte exploramos o contexto de emergência do campo da neuroeducação, apontando para a importância tanto das neurociências contemporâneas, caracterizadas pela disseminação de pesquisas com neuroimagem e pela popularização dos achados neurocientíficos, quanto da emergência de propostas de uma educação baseada em evidências, inspiradas no movimento iniciado na medicina no final da década de 1970; em seguida, regressamos até o século XIX para analisar algumas obras que trataram da aproximação entre as ciências do cérebro e o campo educacional; na seção seguinte, exploramos alguns elementos da história da neuroeducação, buscando apontar alguns marcos teóricos e institucionais do campo desde a década de 1970. Na penúltima seção, exploramos especificamente o campo/movimento Mind, Brain and Education que se constituiu no início do século XXI, com o propósito de unir ou aproximar os campos da neurociência, psicologia e educação. Nessa seção apresentamos algumas características dessa proposta, assim como seus princípios; finalmente, na última seção, discutimos alguns desafios do campo da neuroeducação segundo os seus proponentes. Focamos nossa análise especialmente em dois: o desafio de estabelecer a ponte entre o campo neurocientífico e o educacional e o desafio de distinguir entre propostas científicas e propostas carentes de embasamento, comumente identificadas com a categoria neuromito.

    No segundo capítulo, ingressamos nos objetivos específicos deste livro, que é entender como tal aproximação ocorre no Brasil. Inicialmente, fizemos um panorama geral sobre tal questão no país. Em seguida, apresentamos e analisamos o discurso presente nas obras de diversos atores da neuroeducação brasileira. Para tanto, dividimos nossa análise entre a Neuroeducação dos neurocientistas, a Neuroeducação dos educadores e, finalmente, a Neuroeducação dos neuroeducadores. Com isso, intentamos apresentar e analisar, de uma forma exploratória, os discursos sobre a aproximação entre os dois campos segundo diversos atores da neuroeducação brasileira – ou das neuroeducações brasileiras, haja vista a multiplicidade de olhares e propostas.

    No terceiro capítulo, fizemos uma análise específica dos discursos sobre o cérebro, realizados pelos diferentes atores da neuroeducação brasileira. Buscamos, enfim, compreender como é este cérebro a que eles se referem. Na primeira seção, analisamos o cérebro metafórico, ou seja, as diversas, metáforas sobre o cérebro encontradas no material – com destaque para duas bastante recorrentes: a metáfora do cérebro-máquina e a metáfora do cérebro humanizado ou metáfora da personalização. Na seção seguinte, refletimos sobre as diversas formas com que o cérebro é dividido, com destaque para duas: a divisão por camadas, que corresponde à Teoria do Cérebro Trino e a divisão por hemisférios, que corresponde à Teoria do Cérebro Duplo. Já na seção Cérebro mutável e maximizável, analisamos diversos entendimentos associados ao conceito de neuroplasticidade. Na última seção, intitulada Cérebros múltiplos, fizemos algumas considerações sobre as diferentes formas com que o cérebro é performado por neurocientistas, educadores e neuroeducadores. Apontamos, assim, que os autores aqui analisados lidam e se referem, ou seja, performam diferentes cérebros, não diferentes aspectos do mesmo cérebro.

    Finalmente, nas considerações finais, fizemos alguns apontamentos críticos sobre o cerebralismo na educação, ou seja, sobre a visão, amplamente disseminada no material analisado, de que é o cérebro que aprende e de que seria ele, portanto, o protagonista do processo educacional. Na contramão desse discurso, apontamos para o cérebro como mais um elemento em cena, um elemento necessário certamente, mas não o único. Da mesma forma, concebemos o aprendizado como algo realizado pela pessoa como um todo e não por seu cérebro. Neste sentido, compreendemos as neurociências como um campo capaz de fornecer algumas informações relevantes para a educação e os educadores, mas incapaz, isoladamente, de explicar o processo de aprendizagem e suas dificuldades e, muito menos, de conduzir ou resolver os inúmeros problemas e desafios do campo educacional.

    Capítulo 1

    A Emergência da Neuroeducação

    Salman Khan, fundador da Khan Academy¹ e considerado pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo em 2012, lançou neste mesmo ano o livro The one world schoolhouse: Education Reimagined – publicado no Brasil em 2013 com o título Um mundo, uma escola: a educação reinventada. Neste livro, que se tornou um best-seller, Khan propõe uma nova e radical abordagem para enfrentar o que ele denomina de enfermidade educacional. Segundo ele, a educação formal tem que mudar. Precisa estar mais alinhada com o mundo como ele é de fato; em maior harmonia com a forma como os seres humanos aprendem e prosperam (Khan, 2012, p. 19). Neste sentido, duas ferramentas são evocadas por ele para enfrentar o problema: a tecnologia e a ciência.

    A tecnologia, representada especialmente pelos computadores e pela internet, teria a função de facilitar o aprendizado, mediando a relação entre o aluno e o professor. Já a ciência é considerada um dos pilares de seu método. Segundo Khan (2013, p. 25), ensinar não é apenas arte. Ensinar também tem, ou deveria ter, algo do rigor da ciência. E isso, segundo o autor, não é muitas vezes considerado na elaboração de políticas e práticas educacionais. Como afirma em outro momento, "no nosso atual estado das coisas, confuso e discutível no que diz respeito à educação, parece que qualquer coisa pode se tornar um campo de batalha para ideologias concorrentes e opiniões fortes – estejam ou não respaldadas por evidências ou dados concretos" (Khan, 2012, p. 105, grifos do autor).

    Neste sentido, uma das soluções propostas por Kahn para a superação deste estado das coisas é que a educação se aproxime da ciência e adote, cada vez mais, abordagens baseadas em evidências².

    As neurociências, especificamente, são entendidas por Kahn como as fontes básicas para se entender como a educação acontece. Segundo o autor, a educação não acontece a partir do nada, no espaço vazio entre a boca do professor e os ouvidos do aluno; ela acontece no cérebro individual de cada um de nós (Khan, 2013, p. 50). O cérebro é encarado, desta forma, como o lócus da aprendizagem e, portanto, da educação. Em seguida, ele ressalva que tal afirmação não é simplesmente uma metáfora, mas uma realidade material, ou seja, para Khan, aprender envolve mudanças físicas no cérebro. E, para corroborar esta perspectiva, toma como base o livro In Search of Memory: The Emergence of a New Science of Mind (publicado no Brasil como Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente) escrito pelo neurocientista Eric Kandel, para defender que a aprendizagem é, na verdade, nada mais nada menos do que uma série de alterações que ocorrem nas células nervosas que compõem nosso cérebro (Khan, 2012, p. 51). Aprender, assim, não somente envolve mudanças microscópicas na estrutura cerebral; tais mudanças são, de fato, o aprendizado.

    Para o autor, as descobertas realizadas pelos neurocientistas têm muito a contribuir com o campo educacional, na medida em que explicam como realmente ocorre o aprendizado. No entanto, segundo ele, o modelo-padrão da sala de aula tende a ignorar ou mesmo contrariar essas verdades biológicas fundamentais (Khan, 2012, p. 52). Um exemplo de verdade biológica fundamental, ignorada pelos educadores, é que a aprendizagem é um processo fundamentalmente associativo, isto é, só ocorre quando associamos algo novo a algo já conhecido. Para corroborar tal assertiva, cita Kandel, que afirma que

    para que uma memória persista, a informação precisa ser processada de maneira profunda e meticulosa. Isso se consegue ao prestar atenção à informação e, em seguida, associá-la significativa e sistematicamente a algum conhecimento já bem estabelecido na memória. (Kandel apud Khan, 2012, p. 53)

    No entanto, para Khan, o modelo-padrão de sala de aula faz exatamente o oposto, o que pode ser constatado pela separação das disciplinas tradicionais (física, química, matemática etc.). Segundo ele, tal separação, artificial, ignora a conexão, natural, entre os diversos conhecimentos e desconsidera, assim, a forma como o cérebro trabalha. Para Khan (2012, p. 55):

    No nosso equivocado zelo em criar categorias bem-arrumadas e módulos de ensino que se encaixem perfeitamente numa determinada duração de aula, negamos aos estudantes o benefício – o benefício fisiológico – de identificar conexões.

    Em sua proposta de ensino, busca-se a superação desta tendência à fragmentação, através de uma metodologia integradora e, acima de tudo, individualizada. Khan (2012, p. 57, grifo do autor) explica:

    Considerando que a aprendizagem envolve mudanças físicas em cada cérebro individual e o que o conhecimento consiste não em uma progressão linear, mas numa compreensão que se aprofunda de forma gradual em uma vasta rede de conceitos e ideias, chega-se a uma conclusão surpreendente: Não existem duas educações iguais. Aqui há uma reanimadora ironia. É possível padronizar currículos, mas não se pode padronizar a aprendizagem. Não há dois cérebros iguais, não existem dois caminhos iguais através da rede extremamente sutil do conhecimento. Mesmo os testes padronizados mais rigorosos demonstram apenas uma compreensão aproximada de certos subconjuntos de ideias que cada aluno compreende do seu jeito particular. A responsabilidade pessoal pela aprendizagem caminha de mãos dadas com o reconhecimento da singularidade de cada aprendiz.

    A visão de Khan sobre o processo de aprendizagem e sobre a educação de uma forma geral é extremamente representativa de um movimento que tem se disseminado por todo o mundo – e, consequentemente, pelo Brasil. Tal movimento entende que compreender o funcionamento do cérebro é essencial para se pensar políticas e práticas educacionais mais eficientes, assim como melhores intervenções e tratamentos para as dificuldades ou transtornos da aprendizagem. Este entendimento parte do pressuposto que o sistema e os métodos educacionais tradicionais estão, em grande parte, defasados e/ou desconectados das exigências e demandas dos nossos dias e das capacidades e possibilidades de nossos estudantes. Em função disso, os defensores deste movimento propõem a aproximação do campo educacional com o campo científico – no caso, neurocientífico –, de forma a se desenvolver estratégias educativas mais eficazes e afinadas com a educação do século XXI. A neuroeducação, campo de interface entre as neurociências e a educação, surge exatamente neste cenário, que será explorado de forma mais detalhada no decorrer deste capítulo.

    1. Uma Nota Terminológica: Neurociências e Educação

    Antes de avançarmos em nossa reflexão sobre a aproximação entre as neurociências e educação, convém definirmos de uma forma mais precisa os dois polos desta interface. Por neurociências, entendemos a área do conhecimento formada por diversas disciplinas que se dedicam ao estudo do sistema nervoso. Trata-se de um campo híbrido cuja emergência ocorreu no século XX após o termo ser cunhado em 1962 por Francis O. Schmitt, pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos (Abi-Rached, 2012). Certamente, pesquisas, especulações e mesmo intervenções sobre o cérebro e o sistema nervoso tem um longo passado. No entanto, as neurociências enquanto um campo institucionalizado de pesquisas, tem uma história curta, que remete à segunda metade do século XX. Nesse momento, como aponta Abi-Rached (2012), uma série de condições técnicas, históricas, sociais e econômicas, possibilitaram o nascimento de um novo campo dedicado ao estudo do cérebro e do sistema nervoso, a neurociência ou neurociências, que se propunha não somente a integrar as já consolidadas e institucionalizadas disciplinas neuro, como a neurofisiologia, a neuroanatomia, a neuroquímica e a neurologia, mas também a aproximar e fazer dialogar as disciplinas psi, como a psiquiatria e a psicologia, assim como outras áreas afins, como a imunologia, a física e a química (Abi-Rached; Rose, 2010). Como apontam os autores, esta nova disciplina teve como projeto inicial não somente a hibridização de diferentes estilos de pensamento, práticas e conhecimentos em torno do cérebro, da mente e do comportamento, como também a introdução de uma abordagem reducionista e predominantemente molecular do sistema nervoso – que os autores denominam de olhar neuromolecular (neuromolecular gaze).

    Neste livro, adotaremos, majoritariamente, a expressão neurociências, no plural, por apontar para um campo de interface composto por diversas disciplinas. Ainda que seja comum a utilização da expressão neurociência, mesmo por neurocientistas, acreditamos que ela limita a compreensão do campo, dando a entender que se trata de uma única disciplina quando, efetivamente, coexistem diferentes perspectivas e metodologias. É possível observar, de fato, uma grande fragmentação, relacionada às diferentes formas possíveis de se estudar o sistema nervoso. O jornalista científico John Horgan (2002) chama de dilema Humpty-Dumpty³ justamente a dificuldade das neurociências de juntar num todo coerente seus diversos achados e perspectivas. Segundo suas próprias palavras: como crianças precoces brincando com um rádio, os cientistas da mente são excelentes em desmontar o cérebro, mas não tem a mínima noção de como tornar a montá-lo (Horgan, 2002, p. 35).

    Neste sentido, o neurocientista brasileiro Roberto Lent (2010) apresenta, de uma maneira esquemática, cinco grandes disciplinas que comporiam o campo guarda-chuva das neurociências – e que apontam para diferentes formas de se conceber e estudar o sistema nervoso: 1) a neurociência molecular, que se propõe a estudar as diversas moléculas relevantes para o funcionamento do sistema nervoso e suas interações; 2) a neurociência celular (também chamada de neuroquímica ou neurobiologia molecular), que se propõe a estudar as estruturas e funções das células que compõem o sistema nervoso; 3) a neurociência sistêmica, que se propõe a estudar grandes populações de células situadas em diversas regiões do sistema nervoso. Quando apresenta uma abordagem morfológica é chamada de neurohistologia ou neuroanatomia, já quando investiga aspectos funcionais de neurofisiologia; 4) neurociência comportamental, também chamada de psicobiologia ou psicofisiologia, que se propõe a estudar estruturas do cérebro relacionadas aos comportamentos, assim como a outros fenômenos como o sono, o sexo e as emoções; e, finalmente 5) a neurociência cognitiva, que se propõe a estudar as capacidades mentais complexas, normalmente associadas ao ser humano, como a linguagem, a memória e a autoconsciência. Todas essas disciplinas ou subáreas comporiam, ainda que com limites, por vezes, pouco nítidos, o campo multi/interdisciplinar das neurociências.

    Finalmente, quando nos referirmos ao neurocientista estamos aludindo ao pesquisador que atua no estudo de algum aspecto do sistema nervoso. Como aponta Abi-Rached (2012), até a década de 1970, os cientistas do cérebro não se referiam a si mesmos como neurocientistas e nem ao seu campo de pesquisa como neurociências. Suas identidades profissionais estavam fortemente ligadas aos seus campos de origem: neurofisiologia, neuroquímica, neurologia, etc. Mesmo na década de 1980, a identidade de neurocientista ainda não estava cristalizada. Segundo a autora, foi somente na década de 1990, denominada década do cérebro, que a utilização do termo neurocientista para se referir ao pesquisador do campo das neurociências se estabeleceu no meio científico. Caber apontar que a formação deste pesquisador, tanto no Brasil⁴ como no exterior, ocorria e ainda ocorre majoritariamente ao nível da pós-graduação. Isto significa que o neurocientista pode ter se formado em qualquer curso de graduação, desde Biologia, Medicina e Psicologia até Química, Ciências da Computação e Engenharia. O determinante não é, portanto, sua formação inicial, mas sua atuação enquanto pesquisador no estudo do sistema nervoso – o que aponta para as neurociências enquanto um campo eminentemente científico e em grande parte acadêmico⁵.

    O neurologista, neste sentido, não pode ser considerado um neurocientista por atuar em um campo clínico-terapêutico. Como uma especialização da medicina, podemos dizer da neurologia o que o filósofo e médico Georges Canguilhem (2007) disse da medicina como um todo: trata-se de uma técnica ou arte situada na confluência de várias ciências, mais do que uma ciência propriamente dita (Canguilhem, 2007, p. 6). O mesmo vale para a neuropsicologia e para a psiquiatria. Isto não significa, contudo, que neurologistas, neuropsicólogos e psiquiatras não possam atuar como neurocientistas, mas sim que se o fizerem terão que ir além da função clínica, tornando-se, também, pesquisadores.

    Cabe apontar, contudo, que esta perspectiva que separa neurociências de clínica tem sido amplamente questionada, já tendo inclusive se configurado internacionalmente um novo campo denominado neurociência clínica (ou neurociências clínicas), que se propõe a articular os achados neurocientíficos com a prática em saúde mental. Os neurocientistas clínicos são, em grande parte, psiquiatras, neurologistas ou médicos de outras especialidades que não somente se utilizam dos conhecimentos científicos para diagnosticar e tratar certos transtornos entendidos como neurológicos, como também realizam pesquisas sobre tais questões. No Brasil, segundo Bacheschi e Guerreiro (2004, p. 25), estima-se que entre 5% e 10% dos cerca de 2,5 mil neurologistas

    poderiam receber a denominação de neurocientistas clínicos (em contrapartida aos neurocientistas básicos, que atuam em laboratórios ou fazem pesquisas experimentais), devido à sua expressiva produção científica em periódicos de bom impacto, reconhecidos internacionalmente.

    O que diferencia, portanto, o neurocientista clínico do neurologista é sua atuação enquanto pesquisador.

    Já a expressão educação é ainda mais complexa. Por exemplo, o sociólogo Émile Durkheim, em seu clássico ensaio "Educação e Sociologia", conceitua educação como a

    ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destinada em particular. (Durkheim, 2011, p. 53)

    De uma forma mais simples, Durkheim (2011, p. 54) aponta para a educação como a socialização metódica das novas gerações.

    Já Libâneo (2010, p. 30), mais recentemente, chama de educação

    o conjunto das ações, processos, influências, estruturas que intervém no desenvolvimento humano dos indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.

    Em comum nessas duas definições está a perspectiva de que a educação é um processo amplo, variado, circunscrito socialmente e que inclui, mas não se reduz à

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