Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais
Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais
Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais
E-book445 páginas3 horas

Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS EM CIÊNCIAS CRIMINAIS lança um novo olhar sobre a criminalidade, sendo fruto da união de esforços entre os mais diversos pesquisadores do ramo, como professores universitários, advogados, delegados de polícia, defensores públicos e estudantes de direito, cada qual com sua experiência. Os temas trazidos nesta obra dialogam entre si e inovam ao trazerem questões de altíssima relevância acadêmica, tais como garantismo penal, Juizados Especiais Criminais, delação compulsória, tráfico de pessoas, tráfico de drogas, aborto eugênico, crimes cibernéticos, Direito Penal de emergência, maioridade penal, pedofilia, segurança pública, prisões cautelares, pluralismo jurídico, investigação criminal e banco de dados genético, racismo virtual, feminismo e prisão
preventiva. Por seu conteúdo atual e dada a relevância dos temas, esta leitura torna-se imprescindível a todos que
buscam transpor as vias do senso comum e aprofundar o seu conhecimento prático e acadêmico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jan. de 2021
ISBN9786555239003
Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais

Relacionado a Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Estudos Contemporâneos em Ciências Criminais - Felipe Antunez Martins

    Felipe.jpgimagem1imagem2

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES

    PREFÁCIO

    Nunca pensei em escrever um livro. Escrevi dois. Porém prefaciar um livro é muito difícil. Ainda mais quando os organizadores são dois ícones no mundo jurídico-universitário: professor Felipe Antunez Martins e professora Adriane Damian (que tive a honra de conhecer por ocasião de um grande evento sobre Tribunal do Júri), assim como um grupo de apoio e pesquisa que faz da advocacia e da docência um mundo à parte, apresentando verdadeiras minas inesgotáveis de pepitas de sabedoria.

    Eis, pois, mundo acadêmico-jurídico, uma das melhores obras da atualidade; quer do ponto de vista técnico, quer pela facilidade de apreensão dos múltiplos assuntos, rigorosa e cuidadosamente elencados, por meio da mais ampla pesquisa, tornando-se uma leitura extremamente agradável e prazerosa.

    Assim, méritos desses escritores incansáveis e preocupados com o ensino superior, bem como a demonstração de amor para com a instituição URI-Santiago, onde para honra minha tenho uma neta quase formada em Direito e que frequenta a URI desde o ensino fundamental: Eduarda Nascimento. Daí o meu amor e meu carinho por esses dois profissionais, verdadeiros monstros sagrados do Direito.

    A obra que ora me honra prefaciar é de uma riqueza imensa, trazendo uma doutrina invejável dos múltiplos assuntos, e que será de grande sucesso para os operadores do mundo jurídico.

    A obra inicia tratando da delação compulsória, assunto por demais debatido na última década. Estende-se ao adolescente enquanto vítima e seu direito ao silêncio. A respeito disso o livro traz um manancial de argumentos para assegurar, principalmente, os direitos e garantias constitucionais, com destaque para o art. 5º, LXIII, da CF.

    Em seguida, o assunto reserva-se a considerações sobre medidas despenalizadoras no Jecrim. Aliás, os Juizados Especiais, criados há mais de 13 anos, surgiram para desafogar o Poder Judiciário, permanecendo até nossos dias e trazendo (na área criminal) aos autores do fato a possibilidade de acelerar o procedimento. Entretanto, ao oferecer a transação ou a suspensão condicional do processo, há fortes críticas de que é retirada do autor do fato a possibilidade de provar sua inocência, havendo, inclusive, uma negociação entre acusado e Ministério Público. Logo, uma leitura obrigatória desse capítulo bastante provocativo e esclarecedor, além de sempre atual.

    Também interessantes as considerações sobre tráfico de drogas (art. 33, da Lei 11.343/2006), que tem sido tão debatido nestes mais de dez anos de vigência. Especialmente, como distinguir o delito de tráfico e para uso próprio. Existe, sabemos, uma linha imaginária que os separa. Onde ela está? Isso pode gerar a possibilidade de erro e, em consequência, não raras vezes, de uma condenação injusta. A lei traz poucos pressupostos para um e para outro. Daí a necessidade de argumentarmos ao juiz que, por exemplo, a quantidade de droga, só por si, não é o bastante para acusar o cidadão de tráfico.

    Na sequência, os autores abordam um assunto polêmico e que, há décadas, é discutido por várias classes sociais, especialmente pela Igreja, pela medicina e por grupos de mulheres interessadas pelo assunto, que é o aborto. In casu, discute-se o aborto eugênico (art. 128, inciso I, do CP). Hoje, com o avanço tecnológico, pode-se verificar, já nos primeiros meses de vida intrauterina, a má formação congênita do feto (encefalocele occipital), o que autorizaria, em tese, o aborto eugênico. Temos vasta jurisprudência dos Tribunais Estaduais e Superiores, autorizando (ou não) a paciente a efetuar a interrupção da gravidez. Esse capítulo é de extrema importância para futuros debates.

    Os dignos autores ousam, nesta brilhante obra, discorrer sobre um tema moderno, qual seja, os crimes cibernéticos, surgidos com o advento da moderníssima tecnologia e que, até há pouco, sequer tinha previsão no Código Penal. O surgimento de novos tipos penais para atender, principalmente, às vítimas desse tipo de crime exigiu o debate sobre o assunto, a fim de garantir a todos os participantes das redes sociais, em especial, a proteção do Estado, na garantia dos direitos e garantias individuais. No entanto tudo isso acabou gerando conflitos entre garantias, isto é, de um lado, os defensores da livre manifestação do pensamento; de outro, os que defendem o direito à privacidade e à honra, todos previstos no art. 5º, da Carta Magna. Portanto, um capítulo imperdível.

    A obra é tão rica que trouxe à baila o Direito Penal de emergência, contrastando com o Direito Penal mínimo. Em nosso país, desde o final do século passado, o Direito Penal passou a ser chamado para resolver as mais variadas questões. Hoje, para tudo, convoca-se o Direito Penal como a tábua de salvação quando, na verdade, precisamos do Direito Penal mínimo. Resultado: condenações com penas homéricas, presídios superlotados, famílias desestruturadas, destruídas, menores desamparados, desnutridos, abandonados, ou seja, futuros delinquentes. Tudo isso em razão de uma política desastrosa, de uma educação deficiente e de uma cultura ultrapassada. No entanto deixo aos leitores saborear esse assunto tão apaixonante.

    Seguem os nobres autores escrevendo um capítulo sobre os elementos e principais efeitos do garantismo. No início deste século, com mudanças severas em vários tipos penais e suas consequentes penalidades, começaram a surgir, acanhadamente, grupos verdadeiramente defensores dos direitos fundamentais, chamados de garantistas. Nada mais eram do que grandes e renomados juristas, entre eles o professor, escritor e jurista Luigi Ferrajoli. A intervenção desses ilustres iluministas trouxe grande contribuição aos novos juízes, desembargadores e ministros, atuantes neste século. No entanto longe estamos do necessário garantismo num estado democrático de direito.

    Para minha felicidade, os autores abordam a redução da maioridade penal, um dos assuntos das minhas palestras por este Brasil afora. A redução, pelo que se vê, deverá ocorrer em breve. A meu sentir, não solucionará o problema da violência no Brasil. Se o Estado não fosse negligente e fornecesse educação adequada à criança desde os primeiros anos de vida, cumprisse com suas obrigações sociais em relação à família, não teríamos menores infratores, é minha opinião. O Estado falha ao não atender às necessidades básicas, mínimas. Entretanto, quando o cidadão completa 18 anos e comete um delito, o Estado, sem dó nem piedade, prende-o, encarcera-o, condena-o e joga-o num presídio que não tem condições de recuperá-lo, fazendo com que ele volte à sociedade, aí sim, um criminoso pós-graduado e com sequelas irreversíveis. Esse assunto vai gerar discussões ferrenhas. Ficarei só observando. Não me joguem pedras!

    Pedofilia no âmbito familiar. Esse é o assunto da segunda década deste século. Meu escritório, semanalmente, recebe casos desse jaez. É um tipo de processo que mais preocupa os advogados. Principalmente em razão da veracidade dos denunciantes/vítimas. Os juízes, por sua vez, são obrigados a dar uma satisfação à sociedade. Geralmente, há duas versões: a do acusado e a da vítima. Nossos tribunais têm sido unânimes em acolher a versão isolada da vítima como razão de decidir. Daí o perigo de uma sentença injusta, nos crimes de estupro de vulnerável. Assunto que vai provocar uma guerra por meio desta obra maravilhosa.

    Os autores deste livro foram tão perspicazes que não deixaram faltar a exploração sexual no tráfico internacional. Esse delito sempre houve. Pessoas insensíveis e sem escrúpulos aproveitavam-se da fragilidade de jovens, não raras vezes, sem alternativas para fazê-los mudar de país, geralmente, com promessas mirabolantes de bons empregos, sendo que ao chegarem ao destino deparavam-se com situações adversas. Aliás, o Código Penal, como sempre o salvador da Pátria, criou um novo tipo penal (art. 149-A, do CP), o que é bem explorado pelos autores.

    Sobre a segurança pública, os autores dizem o que a população quer ouvir, isto é, um Estado omisso que não cumpre com sua obrigação, não atende às mínimas condições de dignidade humana da família brasileira, deficitário em termos de pessoal e material necessários à segurança da população, e esperando que as tragédias ocorram para depois agir. Uma espécie de tapar o sol com a peneira. Pior, sem expectativas de melhoras e com a violência crescendo, geometricamente, em todas as cidades, nas grandes metrópoles, inclusive no campo.

    Outro tema trazido pelos nobres autores é o pluralismo jurídico: os limites às normas penais costumeiras. Tem tudo a ver com o capítulo que traz à baila o princípio da intervenção mínima, assunto brilhantemente abordado pelos autores e de tamanha relevância.

    A análise das prisões cautelares aborda nosso sistema arcaico do processo penal, sempre buscando trazer uma teoria simpática, mas pecando, ao mesmo tempo, pela sua inaplicabilidade na prática. Um exemplo foi a Lei 12.403/2011, responsável pelo art. 319, do CPP, elencando as novéis medidas alternativas, o que achávamos que reduziria a massa carcerária. Pergunta-se: quantos acusados foram beneficiados? Um, lá de vez em quando. Assim foi, é e será no Brasil, ou seja, leis para inglês ver, mas existem.

    Sobre o Banco de Dados de Informações Genéticas (Lei 12.654/12), embora aprovado há quase sete anos, pouca doutrina existe. Porém, em razão do esforço e dedicação nas pesquisas dos autores, será um capítulo de grande valia para o mundo do Direito. Afinal, esses dados genéticos são do indivíduo ou do Estado? Lembremo-nos de que, no caso de uma investigação de paternidade (Direito de Família), o investigado não está obrigado a fornecer seu DNA, por exemplo.

    Como disse, ab initio, os assuntos desta obra são tão magníficos quanto inesgotáveis. Foi abordado o racismo virtual. Sabemos que o racismo e o preconceito sempre existiram e existirão, assim como outros depreciativos, relativos à pessoa e à dignidade humana. O Brasil é um grande exportador de preconceitos e, em consequência, tem suportado críticas internacionais. Outros países não ficam para trás. Um exemplo recente foi a crítica recebida, em 2017, pela jovem brasileira Monalysa Alcântara, eleita Miss Brasil. Também no futebol e em todas as classes sociais. Tudo isso um ranço da nossa cultura milenar e que ainda deverá estender-se por algumas décadas.

    Muito importante o capítulo reservado ao tráfico de órgãos, com um estudo puramente técnico e que faz com que o assunto seja debatido pela sociedade. A todos nós interessa. Afinal, como nos proteger e prevenir das desigualdades de tratamento entre os seres humanos?

    O que me encanta é que os autores fizeram questão de gabaritar a presente obra, trazendo vários assuntos importantes e atuais. O feminismo contra-hegemônico e o caminho para o despatriarcalismo social. Esse assunto é por demais empolgante. Sobre ele escrevi um livro: Feminicídio – Quando a Arma Substitui as Flores, primeira obra escrita no Brasil, após a Lei 13.104/15. Naquela época eu dizia que o Brasil e os países da América do Sul não evoluíram, permaneceram marcando passo enquanto a sociedade e suas modernidades avançaram. Esse tema é apaixonante e renderá milhares de leituras, além de ser uma especial fonte de consultas.

    Por fim, os autores analisam a malfadada prisão preventiva, inimiga número um dos advogados criminalistas. Aliás, conectada com o capítulo sobre medidas cautelares. No dia 31 de janeiro de 2019, defendi um cidadão no Tribunal do Júri que estava preso há dois anos e seis meses por força de prisão preventiva. E tantos outros casos ocorreram nestes 38 anos de profissão. Ele foi absolvido. Sim, e esses quase três anos de encarceramento, quem o indenizará? Ninguém, porque vivemos no Brasil. Aqui não se cumpre a Constituição. Temos no capítulo reservado aos Direitos e Garantias Individuais (CF, art. 5º, LVII) o chamado princípio da presunção da inocência. Qual tribunal do país respeita esse princípio? Nenhum. Nem o guardião da CF (o STF). Pior, a tendência é piorar; não que sejamos pessimistas, mas realistas.

    Encerrando este primeiro prefácio que escrevo em minha vida (possivelmente o último), quero dizer aos autores que foram felizes, precisos, luminosos, iluminados e guiados por Deus para escrever esta grande obra, que servirá de fonte de consulta nessa pluralidade de assuntos, cada qual mais atual e importante. A análise cautelosa de cada assunto e os detalhes mais sutis que se fizeram presentes fazem desta obra, uma consulta obrigatória dos acadêmicos e dos operadores do Direito em geral. Com certeza nenhum TCC na área penal e processual penal será realizado sem consultas ao livro do momento: Estudos contemporâneos em Ciências Criminais.

    Obrigado, meu caro professor Felipe e professora Adriane, pela lembrança do meu nome. Com a mais absoluta certeza, não foi a melhor escolha. Credito essa grande honra à nossa amizade, que será imorredoura. Que o Grande Pai os abençoe e ilumine. Muito sucesso!

    Antônio Prestes do Nascimento

    Professor universitário e advogado criminalista

    Sumário

    1

    DELAÇÃO COMPULSÓRIA: um debate a respeito da oitiva processual do adolescente enquanto vítima do delito de corrupção de menores e a extensão de seu direito constitucional ao silêncio

    Diego Rodrigues Quadros e Lucas Appel Mazo

    2

    LEI N° 9.099/1995: breves considerações sobre as medidas despenalizadoras no Juizado Especial Criminal

    Francine Meira da Silva e Marcelo Pimenta Gonçalves

    3

    CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO crime de tráfico de drogas previsto no artigo 33 da lei 11.343/2006

    Thomas Ramos Gonçalves

    4

    O ABORTO EUGÊNICO DIANTE DA INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

    Adriane Damian Pereira e Claiton Dalvan Gonçalves Eberhardt

    5

    OS CRIMES CIBERNÉTICOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO:

    uma análise da legislação diante dos direitos fundamentais

    Francielle Benini Agne Tybusch, Liara Ruff dos Santos e Nathali Nunes Salbego

    6

    DIREITO PENAL DE EMERGÊNCIA x PRINCÍPIO DA

    INTERVENÇÃO MÍNIMA: Harmonização ou

    Antagonismo no sistema penal?

    Ana Paula Pinto da Rocha e Jéssika Pires Quadrado

    7

    OS ELEMENTOS E OS PRINCIPAIS EFEITOS DO GARANTISMO

    Charles Dias do Nascimento

    8

    A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL: sensos e contrassensos

    Luiz Felipe Zilli Queiroz

    9

    PEDOFILIA NO ÂMBITO FAMILIAR

    Rosa Mari de Almeida Fleck

    10

    PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO CONTROLE DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS SEXUAIS NO BRASIL

    Felipe Antunez Martins e Michele Noel Beltrão

    11

    SEGURANÇA PÚBLICA: uma questão social, legal e

    de polícia

    Bruna Maroneze de Andrade Vieira e Flavio Ceder Caitano de Moraes

    12

    PLURALISMO JURÍDICO: os limites às normas penais costumeiras

    Arcénio Francisco Cuco

    Aurélio Adelino Bernardo

    13

    ANÁLISE DAS PRISÕES CAUTELARES À LUZ DA LEGISLAÇÃO VIGENTE

    Vanderson Machado Cippolat

    14

    BANCO DE DADOS DE INFORMAÇÕES GENÉTICAS NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS NO BRASIL À LUZ DA LEI 12.654/2012

    E EXPERIÊNCIAS EM OUTROS PAÍSES – ESPANHA E

    ESTADOS UNIDOS

    Adriane Damian Pereira, Aline Trindade Borba e Graziela Maria Migliavasca de Lima

    15

    RACISMO VIRTUAL

    Ari Ricardo Avila Schuller

    16

    TRÁFICO DE ÓRGÃOS E TECIDOS: uma análise contemporânea do crime invisível sob a luz dos direitos humanos e da legislação brasileira

    Rafaela Deponti Cogo

    17

    PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONÚNCIA NO TRIBUNAL DO JÚRI

    Bianca Angonese, José Roberto Rusch e Marta Giovana Miorança

    18

    FEMINISMO CONTRA-HEGEMÔNICO E O CAMINHO PARA O DESPATRIARCALISMO SOCIAL: uma perspectiva do feminismo descolonial

    Felipe Antunez Martins e Tricieli Radaelli Fernandes

    19

    PRISÃO PREVENTIVA: uma análise sob a ótica do princípio da presunção de inocência

    Jennifer da Silva Sudati, Maria Clailta Machado Martins e Yasmin Ramos Ibairro

    SOBRE OS AUTORES

    1

    DELAÇÃO COMPULSÓRIA: um debate a respeito da oitiva processual do adolescente enquanto vítima do delito de corrupção de menores e a extensão de seu direito constitucional ao silêncio

    Diego Rodrigues Quadros

    Lucas Appel Mazo

    Introdução

    O presente trabalho objetiva propor a discussão a respeito do regime jurídico aplicável à oitiva do adolescente em conflito com a lei enquanto suposta vítima de crime de corrupção de menores conexo a fato delituoso eventualmente cometido em concurso de agentes com pessoa adulta.

    Para tanto, abordar-se-á, inicialmente, o tratamento dispensado na oitiva de vítimas, em geral nos processos de persecução penal, tendo em vista a posição hoje dominante na doutrina e jurisprudência sobre o tema.

    Em seguida, passar-se-á a demonstrar o tratamento diferenciado conferido ao adolescente em conflito com a lei nos processos infracionais, tendo por parâmetro as disposições convencionais, constitucionais e legais a respeito do assunto.

    Com base nessas premissas, propor-se-á o debate a respeito da extensão do direito constitucional ao silêncio ao adolescente ouvido na condição de vítima, no processo penal que apura a prática do crime de corrupção de menores conexo aos demais fatos delitivos supostamente praticados pelo maior com o aludido adolescente.

    Nesse ponto, apontar-se-á, sob o prisma do adolescente, a violação de sua integridade psíquica e a extensão do direito ao silêncio, que transbordaria os limites endoprocessuais do processo infracional, para alcançar esse adolescente também na condição de vítima no processo penal.

    Ainda, sob a ótica da pessoa maior que responde ao processo criminal, indicar-se-á o prejuízo decorrente da aqui denominada delação compulsória do adolescente e da violação indireta do nemo tenetur se detegere, resultado da inobservância do devido processo legal em sua perspectiva substancial, enquanto processo hígido e justo.

    Do tratamento jurídico dispensado à oitiva da vítima no processo penal brasileiro

    De acordo com o artigo 201 do Código de Processo Penal, alterado pela 11.690/08, sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

    O parágrafo primeiro do referido dispositivo informa que se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade..

    Em interpretação doutrinária de Renato Brasileiro de Lima (2014, p. 650), afirma-se que, ainda que a figura do ofendido não deva ser confundida com as das testemunhas, é possível que ocorra a condução coercitiva desse sujeito para oitiva à autoridade policial ou judiciária. Para o autor, ressalvada a hipótese de invasão física do ofendido, este poderia até mesmo sofrer a condução coercitiva para fins de realização de exame pericial.

    Do mesmo modo, até mesmo para a doutrina de Aury Lopes Jr. (2013, p. 654), de acentuado viés garantista, permanece a possibilidade de condução da vítima (inclusive na fase policial) para prestar depoimento e esclarecer os fatos de que for questionada. Em específico, diz o autor que a vítima tampouco pode invocar direito de silêncio, pois essa é uma garantia que apenas o imputado possui.

    No mesmo sentido tem se manifestado a jurisprudência dos Tribunais de Justiça brasileiros, a exemplo de precedente oriundo do TJ/RS, que denegou ordem de habeas corpus à vítima que desejava não ser conduzida coercitivamente à audiência, como se verifica pela respectiva ementa, in verbis:

    HABEAS CORPUS. LEI N° 11.340/06 - (LEI MARIA DA PENHA). PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS. AUDIÊNCIA. Depreende-se dos parcos documentos digitalizados e das informações disponíveis na página eletrônica do Poder Judiciário, que o acusado M.V.M.S. foi denunciado pela prática, em tese, do delito de lesão corporal, em sede de violência doméstica, figurando a ora paciente como suposta vítima. Oferecida a defesa e não sendo caso de rejeição da denúncia ou de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 26SET2017. Intimada da solenidade, a sedizente vítima manifestou o interesse de não comparecer à audiência, tendo em vista os abalos psíquicos sofridos. O pleito, contudo, restou indeferido, em decisão assim fundamentada: Vistos etc. A vítima L. N. S., mediante defensora constituída, informou nos autos que não tem interesse do prosseguimento do feito, motivo pelo qual não comparecerá na audiência designada. Requereu a liberação do encargo. (fl. 39)O Ministério Público manifestou-se pelo prosseguimento do feito, requerendo a condução da vítima à audiência. (fl. 41) DECIDO. Acolho a promoção do Ministério Público. No caso dos autos, embora a vítima refira que não deseja prosseguir com o processo, como trata-se da prática, em tese, do delito de lesão corporal, em sede de Violência Doméstica, o prosseguimento da ação penal, independe da vontade da vítima, já que é incondicionada. Assim, a falta de interesse da vítima no prosseguimento da presente ação, em nada modifica a situação, pois o Ministério Público apresentou denúncia. ISSO POSTO, INDEFIRO o pedido da vítima à fl. 39 e mantenho a audiência designada à fl. 33, uma vez que se trata de ação pública incondicionada à representação. Outrossim, ratifico a decisão da fl. 25, a qual recebeu a denúncia. Assim, considerando que a vítima foi intimada, conforme certidão da fl. 42, verso, porém refere que não comparecerá a audiência, determino a expedição de mandado de condução para a audiência designada nos autos. Intimem-se. É contra essa decisão que a paciente manifesta inconformidade. A decisão hostilizada, ao menos num juízo perfunctório, não se mostra teratológica ou manifestamente ilegal, a ponto de justificar o deferimento da medida de urgência. Isso porque, na dicção do artigo 201, § 1º, do CPP, o Juiz poderá determinar a condução coercitiva do ofendido quando este, intimado para prestar as suas declarações, deixar de comparecer, sem motivo justo. Não podemos olvidar, outrossim, que em delitos como o da espécie, a palavra da vítima assume especial importância, pois normalmente são cometidas sem testemunhas. Ademais, imperioso ressaltar que, embora seja a paciente a vítima da conduta delituosa que deu ensejo à ação penal em apreço, a responsabilização criminal dos responsáveis é interesse do Estado, cabendo ao magistrado que conduz a instrução processual assegurar às partes os meios disponíveis no ordenamento jurídico para produzirem as provas necessárias para a comprovação de suas teses, observando e respeitando o devido processo legal. Ladro outro, ressalto que dentre as várias alterações produzidas pela Lei n º 11.690/08, o ofendido passou a ser tratado não apenas como mais um meio de prova, e sim como pessoa que merece proteção do Estado. Dentre as prerrogativas do ofendido, está a possibilidade de permanecer em espaço separado antes do início da audiência e durante a sua realização, assim como requerer a retirada do réu da sala quando for prestar as suas declarações, condutas que deverão ser observadas pelo juízo de origem, se necessárias forem. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. (RIO GRANDE DO SUL, 2017, p. 1).

    Obviamente, nas hipóteses de em que haja possibilidade de autoincriminação, a vítima, em razão do princípio do nemo tenetur se detegere, poderá negar-se a prestar os esclarecimentos solicitados.

    Consigne-se então que, a despeito da expressão sempre que possível que inicia a redação do art. 201 do Código de Processo Penal, a leitura atual acerca do tema pela doutrina e jurisprudência, de forma majoritária, aponta para a imprescindibilidade de comparecimento da vítima, tanto em fase pré-processual quanto na fase judicial, para fins de prestar esclarecimentos do fato, podendo ser até mesmo coercitivamente conduzida para tanto.

    Do regime jurídico aplicável ao adolescente no processo que apura a prática de ato infracional. Das garantias convencionais, constitucionais e legais. Do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento

    Tendo como base a doutrina da proteção integral, arraigada, dentre outros, nos ditames das Regras de Beijing, e com olhos voltados ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, a legislação brasileira dispôs que o tratamento conferido ao adolescente em conflito com lei submeter-se-á a princípios e regras específicos tendo por escopo a tutela da condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento.

    A respeito de tal panorama principiológico, cabe indicar a previsão inserta no tópico 7.1 das Regras de Beijing, que assim dispõe:

    7. Direitos dos jovens

    7.1 Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.

    A despeito de tratar-se de regra não juridicamente vinculativa (soft law), tal mandamento possui importante componente informativo e teve nítido caráter orientador para elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.

    Alargando ainda mais o âmbito protetivo supraindicado, o artigo 227 da Constituição federal de 1988 dispõe que:

    É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

    [...]

    IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

    V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; [...]

    No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, superando a negativa e ultrapassada carga axiológica do Código de Menores, passou a tratar o adolescente em conflito com a lei como sujeito de direitos, estabelecendo, sob o ponto de vista processual, algumas garantias, tais como:

    Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.

    Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

    I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;

    II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

    III - defesa técnica por advogado;

    IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

    V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

    VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

    A despeito de o ECA não trazer de forma expressa o direito ao silêncio do adolescente enquanto suposto autor de ato infracional, entende-se que tal direito emerge não apenas da disposição do referido tópico 7.1 das Regras de Beijing, mas também do art. 5°, inciso LXIII, da CF/88, e ainda da necessária exegese teleológica dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, que se já resguardam a todo tempo a pessoa maior, e assim o devem fazer quanto aquele que ainda se encontra em fase de desenvolvimento.

    Desse modo, com a constatação da possibilidade de prática de ato infracional por adolescente, sozinho ou em concurso com pessoa adulta, terá ele a garantia de ser submetido a um procedimento especial de análise e apuração do ato.

    Assim, com base em representação ministerial, desenvolver-se-á o procedimento de apuração da

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1