Santos na modernidade capitalista (1870-1930): Novas abordagens e releituras de velhas fontes
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Santos na modernidade capitalista (1870-1930) - eManuscrito
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SANTOS: NO ENTRE-SÉCULOS DA MODERNIDADE CAPITALISTA
Luiz Henrique Portela Faria¹
Maria Apparecida Franco Pereira²
Parte significativa da historiografia sobre Santos afirma ter a cidade atravessado um período de intensa transformação no final do século XIX e início do século XX. Se compararmos as estatísticas, veremos que a Cidade abandonou seus trajes provincianos para alcançar o título de porto mais movimentado do país; estuário da produção cafeeira e destino de milhares de imigrantes. Além disso, nela circulavam os ideais republicanos, liberais, libertários, socialistas e abolicionistas. Não à toa, Santos viria a ser conhecida como "a Barcelona brasileira (ROSEMBERG, 2006, p.30) e também como
a Moscouzinha brasileira" (TAVARES, 2007).
Trabalhos pioneiros de Andrade (1989), Gitahy (1992), Pereira et al. (1995), Honorato (1996) e Pereira (2008), por exemplo, assinalam as lancinantes transformações urbanas que a cidade experimentou num curto período de tempo, em razão da necessidade da expansão do capital no Brasil que, na tentativa de buscar novos mercados, possibilitou a criação da estrada de Ferro Santos-Jundiaí (1867) e a expansão/modernização do Porto de Santos (1892).
Em outra perspectiva, Lanna (1996), procurando compreender a dinâmica de formação da vida urbana no Brasil, examinou a cidade de Santos, considerando, entre os aspectos citados pelos trabalhos anteriores, também os de natureza social, como a questão epidêmica que exigiu reformas no porto e na cidade; a presença de imigrantes oriundos de diversos países distintos, bem como a inserção desses indivíduos na sociedade santista e a circulação de ideias abolicionistas que propiciou a atração de milhares de negros em fuga nos anos finais da escravidão.
Essas questões sociais, emergentes nesse contexto do final do século XIX e início do XX, permitiram que a elite santista oferecesse uma representação da ideia de progresso, propiciando um novo modo de viver e pensar, que foram transmitidas por meio de práticas civilizadas
, trazendo o modo europeu de viver como modelo do que é moderno
.
Outros trabalhos de semelhante competência historiográfica colaboraram na divulgação de novas fontes e problemas relacionados a esse período da história de Santos, trazendo novas perspectivas e dialogando com as fontes sob diferentes pontos de vista (MATOS, AVELINO, 2017; VEIRA, 2011; FARIA, 2013, 2009; ROSEMBERG, 2006; ANDRADE, 2000; BLUME, 1995).
O presente texto pretende articular uma releitura acerca do desenvolvimento da modernidade capitalista em Santos, na transição do século XIX para o XX. Os pressupostos teóricos e metodológicos estão presentes em toda a elaboração do artigo, no diálogo com as evidências – fontes históricas, tanto na sua forma primária quanto secundária, conforme Thompson (1981).
O texto está organizado em cinco partes, a saber: na primeira, procura-se evidenciar alguns aspectos sociais quanto à modernidade capitalista em Santos. Num segundo momento, as etapas de modernização do porto. A terceira parte apresenta o movimento abolicionista e, na seguinte, discute-se a questão habitacional nesse período de transição. Por fim, demonstra-se que houve dois processos imigratórios distintos para a cidade, tanto de pessoas pobres quanto aqueles que vieram para investir capital.
Compreende-se por modernidade capitalista o que Alves (2011) conceitua como a segunda modernidade do capital, isto é, período entre a Primeira e a Segunda Revolução Industrial, quando ocorreu a instauração e a difusão do modo de produção capitalista no ocidente.
A segunda modernidade do capital é a modernidade-máquina, temporalidade histórica em que se constituiu um estilo de pensamento, de política e de sensibilidade estética que poderíamos caracterizar como modernista. Foi nessa etapa de desenvolvimento do capitalismo ocidental, no bojo do qual se desenvolveu o processo de modernização que constituiu-se [sic] a classe social (burguesia e proletariado) e o Estado nacional em torno da qual s–e consolida o território propriamente dito da Nação e da Cidade. São tais determinações essenciais que irão compor a identidade social de homens e mulheres da segunda modernidade. Enfim, a segunda modernidade é a modernidade propriamente dita.
Esse período de grandes mudanças³ se expressou, sobretudo nas cidades, que se tornavam cada vez mais populosas, em função das novas atividades que abrigavam, com destaque para a indústria e serviços.
A expansão cafeeira veio impulsionar mudanças urbanas para melhor atender ao desenvolvimento na exportação. Criou-se uma malha ferroviária que favorecia as ligações do interior com cidades portuárias, polos de escoamento da produção para o exterior. Esse processo resultaria em grande impacto para os centros urbanos em função das transformações de relação de produção e exportação de café.
Deu-se, no caso do Brasil, a paulatina substituição da mão de obra escrava pela livre, com a entrada, especialmente em São Paulo, de imigrantes europeus.
As estruturas de transporte se modernizavam com a progressiva afirmação das ferrovias que asseguravam rapidez e segurança no deslocamento das cargas do Interior – área de produção – até os portos.
Essas mudanças se justificaram devido à necessidade de articulação entre o envio de matérias-primas para o mercado internacional, fruto do desenvolvimento da segunda etapa da Revolução Industrial.
Assim, o desenvolvimento econômico sugerido pela expansão capitalista, atrelada às inovações tecnológicas do final do XIX, associa-se a transformações sociais, com a abolição da escravidão (1888), e mudanças políticas, com a Proclamação da República (1889).
Santos e uma nova ordem social
O Brasil está inserido umbilicalmente na economia europeia, sobretudo a partir do século XIX. Após a Independência, integramo-nos como exportadores de produtos primários à divisão internacional do trabalho, estruturada ao redor da Grã-Bretanha, a oficina do mundo
(SINGER, 2001, p.80).
Da segunda metade e nas três primeiras décadas do século XX, a economia agroexportadora cafeicultora comanda o território brasileiro, marcada pela dimensão da modernização e da riqueza capitalista, inicialmente capitaneada pela Inglaterra.
O Brasil mantinha-se como fornecedor de produtos tropicais para o continente europeu, no tripé latifúndio, monocultura e trabalho escravizado. Era considerado um país essencialmente agrícola, de a maior parte da população rural, e o desenvolvimento técnico lentamente caminhava. As terras ou as rendas de um modo geral estavam concentradas em grandes plantadores, uma oligarquia rural, com produção voltada para o exterior.
Buscavam-se no estrangeiro tanto os produtos para o desenvolvimento da modernidade como máquinas, implementos para o desenvolvimento férreo, urbano e portuário, quanto um novo modo de viver, pensar e agir.
O século XVIII marcou o início de uma transição econômica para o território paulista, com a volta das minas dos portugueses e seus descendentes, aplicando capitais significativos na lavoura canavieira.
A comercialização do produto, principalmente a partir do triângulo do açúcar (Campinas, Piracicaba, Jundiaí), criou no porto de Santos – juntamente com o comércio de importação de produtos lusos – uma incipiente infraestrutura econômica.
No século seguinte, o território foi sendo tomado pelo cultivo do café que, como produto de exportação, trouxe a riqueza para o país e, em particular, para o Rio de Janeiro e para São Paulo.
O café, na sua marcha do Vale do Paraíba para o Oeste paulista, na segunda metade do século XIX, povoava o território. A economia agroexportadora exigia, para a ligação entre hinterland e exterior, a construção de estradas de ferro, portos, linhas telegráficas e telefônicas. O desenvolvimento de novos núcleos urbanos com seus novos traçados atraia o serviço de companhias de fornecimento de água, esgoto, iluminação.
Nesse clima de modernização, repercutem em Santos outras transformações da modernidade que correm no Brasil: abolição da escravatura, a República, a imigração, a urbanização com transformações no seu traçado urbano (abertura de ruas, canalização de córregos e sua ida em direção à barra e formação de bairros), mas, principalmente, com o equipamento de higienização (campanhas sanitárias)⁴, fornecimento de luz (primeiro a querosene) e de água; introdução de meios de transporte (bondes e carroças puxados a muar)⁵. Ponto alto é a construção do cais de pedra a partir de 1890.
A escolarização é visível na cidade, marcada pela presença do símbolo da modernidade educacional (que reúne escolas isoladas) e os grupos escolares: Cesário Bastos (1900), Barnabé (1902), Macuco (1918).
A municipalidade caminhou mais lentamente para o agrupamento de suas escolas. Contudo o destaque de sua ação é para a Academia de Comércio de Santos (1907-1917).
Grandes Escolas de Congregações Católicas são implantadas na primeira República na cidade portuária: Santista (dos Irmãos Maristas) e Colégio Coração de Maria (1902); Colégio S. José (francesas) e Colégio Stella Maris, das belgas Cônegas de Santo Agostinho.
A modernidade também se fixa na criação da primeira Escola de formação para professoras, o Liceu Feminino Santista (1902). Rosemberg (2006, p.19) chama a atenção para esse clima de modernização que repercute na cidade:
O decênio organizado [...] por ser internacional, surge como um período que marca com mais nitidez algumas transformações porque passou o país que evidentemente implicam reflexos significantes em Santos. Tais transformações carregam a reboque movimentos socioeconômicos que, em comparação com grade parte das cidades da província de são Paulo despontam com muito vigor em Santos, dentre as quais destaco as seguintes:
a) a intensa movimentação portuária e a chegada em grande massa de imigrantes oriundos de todo o planeta, cambiando ideias subversivas e novas ideais;
b) as copiosas possibilidades de trabalho na cidade, mesmo instável e informal, subvencionadas pela economia cafeeira;
c) o movimento abolicionista e republicano que concorreu para levar centenas de escravos fugidos e negros forros para a cidade;
d) as severíssimas epidemias de febre amarela, varíola e peste que tiveram início no fim da década de 1880.
Nesse ritmo de inovações, uma nova ordem – do agir social, comportamental e urbano – instaurou-se ainda não bem estruturada, repleta de incertezas, conflitos e burlas, exigindo novos códigos, conforme apura Rosemberg (2006). À medida que o comércio nacional e internacional trazia maior movimentação para o porto, observamos o papel do comerciante como centro da elite
, como observa à pranteada historiadora Betralda Lopes (1979).
A cidade vai ser, então, sede de uma elite marcada pelo seu status econômico que envolve um estilo de vida e comportamento sociopolítico. Essa elite caracteriza-se por participação em diversas instituições locais; há predomínio das relações de parentesco da elite e com pessoas ligadas à atividade política.
Como exemplo dessa participação da elite santista, tem-se Júlio Conceição (1864-1938), comissário de café da elite fazendeira de Piracicaba, que veio para Santos, em 1882, a fim de participar da casa comissária de café de sua família. Membro da Câmara Municipal de Santos, foi também provedor da Santa Casa de Misericórdia de Santos (1897 a 1902). Era casado com Mariana Freitas Guimarães, de tradicional família da elite cafeeira Freitas Guimarães.
Radicado em Santos, o coronel Antônio de Freitas Guimarães Sobrinho (1869-1921) veio trabalhar no porto em 1886, como guarda-livros da comissária de Café Bento Quirino Nogueira & Cia. Mais tarde, tornou-se sócio-gerente da firma, então sob a razão social de Freitas, Lima, Nogueira & Cia, diretor da Associação Comercial de Santos.
Figura de destaque na política, um dos fundadores do Partido Municipal, em 1904, de oposição ao governo municipal. Em 1910, Guimarães Sobrinho foi eleito vereador e, em 1914, elevado à presidência da Câmara Municipal de Santos, cargo em que permaneceu até 1919.
Como outros representantes da elite cafeeira santista, pertenceu a várias sociedades ou agremiações locais de assistência social como a Sociedade Humanitária dos Comerciários, Asilo de Órfãos, Gota de Leite, Cruz Vermelha, União Operária, Albergue Noturno e na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos (provedor de 1916 a 1921).
A modernização do porto
Santos, como sede do porto escoador, progredia impulsionada pelas necessidades da exportação do café. A construção e a inauguração da ferrovia inglesa São Paulo Railway, ligando o porto a Jundiaí, em 1867, inundou a cidade de sacas de café, tornando-a a cidade das carroças
, com o centro comercial repleto de cocheiras.
A cidade fervilhava com um movimento incessante de pessoas e carroças transportando o café da ferrovia para os armazéns das comissárias, que formam a liga
de cafés do mesmo tipo e que, depois de reensacado, era levado para o porto ou para os armazéns do exportador (cf. PEREIRA, 1980).
Inúmeros são os bancos estrangeiros e as casas exportadoras nesse período. Entre eles, as inglesas E. Jonhston & Co. Ltd. (desde 1842 operando do Rio de Janeiro e a partir de 1882 com sede em Santos) e Naumann Gepp & Co. Ltd. (1887); as alemãs Theodor Wille & Co. (1844) e Nossacke & Co. (1891); as americanas Hard, Rand & Co. (1885) e Leon Israel & Co. (1909); a francesa Jessouroun Irmãos & Co. (1915). Em Santos, desenvolveu-se uma indústria de sacaria (PEREIRA, 1980, p.155).
Em 1870, fundou-se a Associação Comercial de Santos que reúne o alto comércio exportador (comissários de café, na sua maioria nacional; exportadores e as instituições de apoio, como bancos, estrangeiros de várias nacionalidades; e as grandes empresas de navegação) e comércio importador, com muitos negociantes portugueses bem-sucedidos.
Ainda completando esse panorama, há os zangões
ou corretores de café que intermeiam os comissários e os exportadores. Os trabalhadores caixeirais, em 1879, fundam a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de Santos.
A estrutura portuária tornou-se obsoleta principalmente após a construção da ferrovia inglesa S. Paulo Railway (encalhamento de navios no canal, pontes de madeira, insuficiência de trapiches para armazenar as mercadorias que permaneciam ao léu, péssimas condições de salubridade, sem um dique de anteparo das águas mal servidas, epidemias de febre amarela). Era comum a espera das embarcações sem condições de aportamento. Muitas vezes os navios descarregavam as mercadorias em pontões ou saveiros que, por sua vez, aguardavam muitos dias para atracar
(PEREIRA, 1980, p.36).
Os antigos atracadouros eram pontes feitas de madeira, que ligavam a terra firme aos navios fundeados. As pontes que serviam aos trapiches (armazéns) começaram a ser demolidas por volta de 1892, com a organização do porto. Em 1883, 14 pontes. Em 1892, cem pontes ou armazéns flutuantes baldeavam as mercadorias dos navios para a terra.
Em 1870 são nove pontes e trapiches e vão aumentando à medida das solicitações. Entre outras havia a da S. Hampshire & Co., Zerrener Bullow & Co., Belmarço & Co., Paquetá (de Joaquim Xavier Pinheiro, proprietário da Fábrica de Cal São Benedito), Brasil e América (do comerciante Francisco Ferreira Goulart), Augusto Leuba & Cia., a da Alfândega e as da São Paulo Railway.
Impunha-se a construção do cais moderno, de pedra, com todo o seu aparelhamento mecânico. A projectada obra tão reclamada pelo comercio e ainda mais pela higiene de nossa cidade continua procrastinada. Diz-se muita coisa tem-se feito muitos exames, plantas e riscos, mas o que é verdade é que se passa o tempo nada se resolve ainda
(ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SANTOS, 1884).
Depois de várias tentativas em nível de Município, Câmara, Estado ou de particulares, o governo imperial, em 12 de julho de 1888, pelo Decreto n.º 9.979, assina o contrato para a construção do cais do porto.
A construção da estrutura de cais de atracação, a exploração e a administração do Porto de Santos passam para a iniciativa privada, em 1888, que arcaria com seu próprio capital.
O grupo formado por José Pinto de Oliveira, Cândido Gaffrée, Eduardo Palassin Guinle, Braga & Cia. e outros ganharam a concorrência para exploração do porto. É constituída a empresa Gaffrée, Guinle & Cia. (Eduardo Palassin Guinle faleceu em 1912) e Cândido Gaffrée (falecido em 1919, sendo substituído por mais de 40 anos por seu filho Guilherme), com sede no Rio de Janeiro.
Tempos depois, em 1889, foi transformada em Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos e, a 7 de novembro de 1890, em Companhia Docas de Santos.
Inaugurado em 1892 o primeiro trecho, o porto expandiu-se, sofrendo períodos de tropeços, interrupção, conforme as crises de café ou guerra mundial (1914-1919); e de euforia e de crises de 1929, na Bolsa de Nova York.
A modernização chegou também aos navios que de velas foram passando a vapor, tornando-se maiores, exigindo adaptação do cais de atracação e mudanças do perfil operacional marítimo.
A partir de 1870 foram mais comuns os grandes transatlânticos de passageiros. Entre as grandes empresas que se sediaram em Santos estavam a Liverpool Brazil and River Plate Starship Company e a Royal Mail Steam Packet Company (PEREIRA, 1980).
A construção do cais dar-se-á por etapas e às vezes lentamente sem cumprimentos dos prazos iniciais. Além da construção da obra, a Cia. Docas deveria executar serviços de aterro e dragagem
(PEREIRA, 1980, p.42). O porto moderno de então construído na Primeira República será:
a) de 1888 a 1892: partindo da Alfândega (Rua Brás Cubas) para o Valongo (estação férrea) um trecho de 288 metros, inaugurado no dia 2 de fevereiro de 1892; em 1893 efetua-se a ligação dos trilhos da São Paulo Railway com o porto;
b) 1892-1899, constrói-se o trecho da Alfândega (R. Brás Cubas) até a curva do Paquetá, mais 884 m: totalizando 1872 metros.
c) Iniciado em 1902, o cais entre Paquetá e Outeirinhos (2848 metros, perfazendo 4720 metros de cais construído): inclui-se a construção do aterro com as pedras do desmonte dos Outeirinhos e da pedreira do Jabaquara.
Em uma linha férrea, trenzinhos da Cia. Docas levavam pedras do canteiro do Jabaquara para a construção do cais, perfazendo um longo percurso cujos vestígios estão presentes ainda hoje.
Em dezembro de 1909, foi assentado o último grande bloco, nos Outeirinhos (direção da Avenida Rodrigues Alves) com a presença de autoridades.
Localizada em Bertioga, começou a ser construída, em 1905, a Usina Hidrelétrica de Itatinga (e sua ferrovia de acesso) para abastecer o Porto de Santos, que passava a exigir maior suprimento de energia elétrica em função da modernidade de seus equipamentos e instalações de armazéns e escritórios, à iluminação geral do cais.
De 1910 a 1928, a extensão do cais não se alterou de: 2200 do Valongo ao Paquetá e 2526 metros, do Paquetá ao Outeirinhos, num total de 4726 metros. Novo aumento somente se dará em 1929/1930, com a construção de área na Ilha Barnabé para abrigar produtos inflamáveis.
Entre os anos 1913 e 1914, George James Bruce, viajante inglês no Brasil, passando por Santos, observa:
Ainda bem para Santos que empresários britânicos e brasileiros de outros centros de controle do dinheiro demonstraram mais confiança no futuro do local que os próprios santistas. Cabe a estes agora dar segmento a essa iniciativa e se movimentar de forma a tornar a cidade merecedora das ferrovias, das docas, bondes, suprimentos de água, iluminação e outros bons recursos que os estrangeiros lhe trouxeram. (BRUCE, 2004, p.95)
Além disso, embora o século XX comece em 1901, os eventos que lançaram as bases do Brasil contemporâneo – a abolição da escravatura e a proclamação da República – começaram cerca de uma dúzia de anos antes
(SINGER, 2001, p.81). Esses acontecimentos entrelaçados também agitavam a cidade.
O movimento abolicionista na cidade
Mais significativo em Santos, pela sua longa maturação, foi o movimento abolicionista, sobretudo na década de 1880, que culminou com a abolição da escravidão em maio de 1888. A modernização estava manifesta na proposta de substituição do trabalho escravizado pelo livre, ocasionando uma nova organização econômico-social.
Entre intelectuais europeus dos séculos XVII e XVIII – os iluministas franceses e ingleses – circulavam (embora marcadas por reivindicações burguesas) as ideias de liberdade individual e a defesa dos direitos humanos (Locke), das causas das desigualdades sociais (inclusive escravidão), desenhando os traços a favor de uma sociedade democrática, baseada na igualdade entre os indivíduos (Rousseau). Na Inglaterra, Adam Smith desenvolvia o pensamento de liberdade de mercado e de trabalho assalariado.
Assim, a abolição da escravatura fazia-se necessária. Em 25 de março de 1807, o Parlamento Britânico aprovava o Slave Trade Act, ou Ato contra o Comércio de Escravos, em todo o Império Britânico, e pelo Slavery Abolition Act, a partir de agosto de 1834, ficavam livres todos os escravos do Império Britânico. Várias são as sanções inglesas pela proibição do tráfico negreiro. A partir da segunda metade do século XIX, a escravidão africana começava a declinar em solo brasileiro – embora com leis parciais e reformistas (Eusébio de Queiroz, Ventre Livre, Sexagenários).
Em São Paulo, onde a escravidão negra alimentava a economia cafeeira, o cativo negro não estava mais aceitando, submisso ou resignado, maus tratos ou excesso de trabalho.
Várias eram as atitudes: suicídio, aborto, violência, assassinato de fazendeiros, rebeliões, fugas coletivas (cf. QUEIROZ, 1977). O movimento pró-libertação dos escravos caminhava em passos rápidos. Os grupos abolicionistas aumentavam.
A cidade destacava-se por ser um reduto abolicionista. Num total de 237 cativos em Santos pertencentes a 123 proprietários
(PEREIRA, 1988, p.98-99). A estrada de ferro ligada com o interior produtor trazia o café, mas também facilitava a fuga dos escravos.
O porto em construção atraía trabalhadores (escravos e livres). Na década de 1880 nota-se uma crescente simpatia pela causa escrava, manifestada em atos em sua defesa, diante das forças policiais; oferta de trabalho pago; debates e festejos nos teatros e praças públicas, além da propaganda nos jornais.
A cidade acolhia escravos, em quilombos. O mais importante foi o do Jabaquara, que abrigou milhares de cativos principalmente recebidos do movimento caifazes dirigido por Antônio Bento, da capital paulista. Havia outros, como o quilombo do português Santos Garrafão e de sua esposa negra Blandina; o do africano Pai Felipe e o de dona Francisca Amália de Assis Faria, no amplo quintal de sua casa (ANDRADE, 1989).
Muitas ofertas de formas de trabalho existiam, tanto para escravos como para libertos e imigrantes. Os negros cativos exerciam tarefas domésticas ou atividades ligadas ao comércio, carregando, catando ou ensacando café nos armazéns dos comissários, ou nos navios, na estiva.
Trabalhavam em firmas de café, como por exemplo a Souza Queiroz Filho, Lacerda Franco ou a Vergueiro. Havia (como em outros lugares) os escravos de aluguel⁶ e os escravos de ganho.
Os escravos de ganho, postos em disponibilidade por seu proprietário, podiam exercer atividades urbanas como vender alguma coisa, fazer transportes; tinham mais autonomia, pois recebiam diretamente o seu ganho, embora obrigados a dar parte a seus donos, porém, poderiam dispor de seu ganho para juntar dinheiro, a fim de adquirir a carta de alforria.
Rosemberg (2006, p.138) cita num processo no Fórum de Santos, em 1887, Escolástica Maria da Conceição, 21 anos, solteira, natural de Jundiaí, ocupada como alugada, servindo D. Mariquinha.
Movimentos abolicionistas medram na região como a Bohêmia Abolicionista. Fundada em 1881 agrupava jovens da militância santista, que utilizavam uma prática panfletária bem crítica, agressiva, satírica. Faziam comícios, atuavam em jornais manuscritos e impressos e escreviam peças teatrais.
Promoviam espetáculos artísticos e literários, destacando-se as peças de José André do Sacramento Macuco. Protegiam e escondiam os fujões, arrecadavam dinheiro para alforrias. Numerosos são os seguidores da Bohêmia Abolicionista. Entre eles, Vicente de Carvalho e Rubim César.
Também famoso, envolvendo elementos da Boêmia foi a Sociedade Emancipadora 27 de fevereiro
, instalada, sob a presidência do Major Joaquim Xavier Pinheiro, a 02 de março de 1886, no salão do júri do Fórum de Santos, com a presença de conhecidos abolicionistas, entre eles João Guerra, Heitor Peixoto, Gastão Bousquet e Joaquim Fernandes Pacheco (SANTOS, 1937,