Leitura infantojuvenil: abordagens teórico-práticas
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Leitura infantojuvenil - Lucinea Aparecida de Rezende
leitores
Prefácio
Vivemos em um momento no qual a leitura e a formação do leitor assumem primazia nos discursos governamentais e na sociedade civil. Apesar de toda essa discursividade que reconhece a relevância da leitura numa sociedade grafocêntrica, no Brasil, as pesquisas e as avaliações
educacionais apontam para a precária formação de um público leitor e para a baixa qualidade do quadro escolar brasileiro. Para além das lamentações de que a grande maioria dos estudantes brasileiros não entende os textos que lê ou não gosta de ler, os textos aqui reunidos procuram contribuir para que haja um acréscimo quantitativo e qualitativo na capacidade leitora das pessoas, concebendo a leitura como um modo de produção de sentido. Nessa perspectiva, a leitura precisa fazer sentido para todas as idades, inclusive para os pequenos leitores. Assim, o trabalho proposto investe na leitura e na formação de leitores desde a infância, em especial, com a utilização da literatura infantojuvenil.
Leitura infantojuvenil: abordagens teórico-práticas, obra organizada por Lucinea Aparecida de Rezende, indica alguns caminhos percorridos por estudiosos da área que podem contribuir para a tão almejada formação da sociedade leitora em nosso país. O livro é composto por cinco estudos que abordam a temática da leitura, discutindo a literatura infantil e juvenil, com objetivo de contribuir para a formação de leitores no contexto escolar.
Focado em teorias e projetos que visam à formação de leitores, este livro preenche uma lacuna no que diz respeito ao trabalho com as obras literárias infantojuvenis no ambiente escolar, e, em especial, na educação infantil e nas séries iniciais. Nesse sentido, oferece exemplos de práticas que ajudarão o mediador da leitura literária a criar novas práticas que desenvolvam as capacidades leitoras dos aprendizes de maneira significativa, porque o universo ficcional possui um campo que gera liberdade para quem lê.
A obra é endereçada a todos os profissionais envolvidos com leitura e formação de leitores, com a finalidade de ampliar as reflexões e as experiências acerca da formação do leitor.
O primeiro estudo, Monteiro Lobato: fazedor de leitores
, escrito por Léo Pires Ferreira, mostra como esse escritor ajuda a desenvolver o prazer pela leitura literária. No percurso que faz, apresenta o legado valioso da obra de Lobato deixado para crianças, jovens e adultos. Ferreira também evidencia o pionerismo de Lobato na editoração literária no Brasil. Ao discorrer sobre os títulos infantis produzidos por Lobato, destaca suas inovações para a época, tanto na materialidade quanto no conteúdo das obras, para demonstrar as singularidades que diferenciam os livros de Lobato dos outros livros infantis. Além disso, o texto discute com bons argumentos a tão polêmica questão racial, pontuando que não houve intenções racistas na obra lobatiana. Por último, ressalta a presença do modernismo na obra e em todos os setores de atuação de Monteiro Lobato, bem como sua luta para provar a existência do petróleo no Brasil. Com efeito, revela que os leitores de Lobato, de qualquer idade, aprendem a pensar de forma crítica e, por isso, vale conhecer suas histórias.
O precursor da literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato, também está presente no próximo estudo, As diferentes cores de Chapeuzinho
, de Rovilson José da Silva e Sueli Bortolin que analisam diferentes versões reescritas de Chapeuzinho Vermelho ao longo dos tempos, sinalizando convergências e divergências entre as obras, por meio da comparação realizada com base nas invariantes proppianas. Além de Monteiro Lobato (com duas versões), os autores selecionados são Charles Perrault; Irmãos Grimm; Chico Buarque; Luis María Pescetti e João de Barro (Braguinha). Para tanto, os autores estabelecem um percurso que trata inicialmente da necessidade humana de ouvir e contar histórias; passam pelos precursores dos contos de fadas e suas principais características e chegam às análises das histórias e de seus resultados. O trabalho se justifica pela importância dos contos de fadas no desenvolvimento da criança e no auxílio do amadurecimento do leitor. Nesse sentido, este texto aponta para a necessidade de o adulto possibilitar o encontro da criança com os contos de fadas e, ainda, pode servir de fundamentação para projetos a serem desenvolvidos no contexto escolar.
Com essa preocupação, o estudo seguinte, Leitura e contos de fadas: matéria-prima nos processos de ensino e aprendizagem
, de Lucinea Aparecida de Rezende e Flávia Cruz, sugere algumas possibilidades de como utilizar contos de fadas na escola. Inicialmente, as autoras fazem considerações importantes sobre livros, leitura e leitores para todos os educadores com o intuito de sensibilizá-los e prepará-los para a nobre função de mediadores da leitura. Trata-se de um texto que objetiva melhorar os dados sobre a leitura no Brasil, tornando a leitura significativa para aquele que a lê. Com o apoio de um instrumental teórico pertinente, as autoras apresentam o conto de fadas e suas funções, especialmente, do ponto de vista psicanalítico. Feito isso, discorrem sobre a arte de ler e contar histórias infantis, valorizando o gênero discursivo em foco por ser mais cativante às crianças. O papel do professor como mediador de leitura é destacado, com a advertência de que para formar leitores é preciso antes ser leitor. Como parte dessa reflexão, as autoras fornecem entrevistas realizadas com especialistas envolvidos com o tema abordado, selecionados pela atuação representativa nos trabalhos com a prática de leitura do texto literário em Londrina e região.
As considerações sobre a importância de ouvir histórias e ler contos de fadas encontram eco no texto As histórias infantis, a fantasia e a criança enlutada
, de Cleide Vitor Mussini Batista, que problematiza a questão da morte para as crianças a partir de um recorte na história. Batista discute sumariamente como a humanidade concebeu e concebe a criança e a temática morte, enfatizando a alteração na visão de existência e morte na sociedade capitalista que valoriza o ter
em detrimento do ser
. Na sequência, mostra a relação entre o desenvolvimento cognitivo, de acordo com Piaget, e a evolução do conceito de morte em crianças de até seis anos de idade, com a observação primordial de se considerar as capacidades e vivências de cada criança. A estudiosa, com base em teóricos da área, alerta que negar a morte tem como consequência um luto mal elaborado e evidencia a necessidade de o adulto auxiliar a criança no processo de elaboração do luto. Em vista disso, aborda a literatura infantil como um recurso lúdico que possibilita às crianças o seu acesso ao vivido e ainda traz sugestões interessantes de obras literárias e filmes sobre esse assunto para serem utilizados com as crianças com a finalidade de elaborar a questão das perdas e da morte como parte da vida.
Por fim, complementando essas abordagens teórico-práticas, o texto Projeto de leitura ‘Viajando com as palavras’: livros em busca de leitores
, de Silza Maria Pasello Valente e Taís de Oliveira, apresenta outras possibilidades concretas da utilização da literatura infantojuvenil na escola por meio do relato de um projeto, de caráter permanente, desenvolvido e acompanhado por avaliações. Ressalta-se que essa experiência é relatada após uma série de informações sobre a leitura, tanto do ponto de vista histórico, para compreender como a leitura se consolidou como uma prática social, quanto da concepção do ato de ler para subsidiar o processo de formação de leitores no contexto escolar. Também informa alguns dados importantes da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, com o objetivo de mostrar os desafios que estão postos para a escola diante da formação de leitores, que justificam a proposta desse projeto em colaborar para a melhoria dessa realidade.
Ao final da leitura deste livro, percorridos os caminhos já trilhados e indicados pelos pesquisadores, é possível vislumbrar diferentes dimensões sobre a leitura e o papel da literatura e do mediador para a construção de um percurso promissor na formação do leitor.
Célia Regina Delácio Fernandes
Introdução
No universo do Era uma vez... e dos que pensam a formação do leitor, a leitura infantil e juvenil estão presentes. Por iniciarem o ser humano no campo literário, esses gêneros podem ser utilizados como instrumentos para a sensibilização e o estar no mundo de maneira crítica e, para muitos, prazerosa.
Pensandoassim, algunsautoresforamconvidadospelaorganizadora desta obra para tratarem de aspectos voltados a esse universo. Convite aceito, Léo Pires Ferreira teceu argumentos acerca de Monteiro Lobato: fazedor de leitores
; Rovilson José da Silva e Sueli Bortolin escreveram a respeito de As diferentes cores de Chapeuzinho
; eu, Lucinea Aparecida de Rezende, e Flavia Cruz, voltamo-nos para a Leitura e os contos de fadas: matéria-prima nos processos de ensino e aprendizagem
; Cleide Vitor Mussini Batista escreveu As histórias infantis, a fantasia e a criança enlutada
; Silza Maria Pasello Valente e Taís de Oliveira trataram do Projeto de leitura ‘Viajando com as palavras’: livros em busca de leitores
.
Os textos evidenciam questões de estudo e ensino da leitura, em especial àquelas voltadas ao universo infantojuvenil.
Lucinea Aparecida de Rezende
Monteiro Lobato fazedor de leitores
Léo Pires Ferreira
Oh! Bendito o que semeia Livros,
livros à mão cheia E manda o povo pensar.
O livro caindo n’alma
É germe que faz a palma
É chuva que faz o mar.
(Do poema O livro e a América,
ALVES, 1959, p. 6, grifo meu).
O Sítio do Pica-pau Amarelo, idealizado por Monteiro Lobato, é a sede de todas as suas histórias infantojuvenis. De todos os 23 títulos escritos para crianças e jovens e, com certeza, também dirigidos aos adultos que conseguem abandonar o falso amor próprio dessa idade com relação a aspectos relativos às crianças - o centro das atenções é o Sítio.
Não há dúvidas de que o Sítio do Pica-pau Amarelo fez parte da memória infantil de José Bento Monteiro Lobato, nascido em 18 de abril de 1882, em Taubaté (SP), calcada na fazenda São José do Buquira. Essa fazenda, localizada no município de Buquira, hoje Monteiro Lobato, era de propriedade do avô materno, José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé, e foi herdada por Lobato, em 1911, quando da morte do avô.
Editoração
Monteiro Lobato foi o iniciador da editoração literária no Brasil. Antes dele, havia outras editoras que se limitavam a livros didáticos, principalmente voltados aos atuais cursos fundamental (primário e ginasial) e médio (científico e clássico), antes denominados primeiro e segundo graus. Naquele ano (1918), inicia a publicação de escritores brasileiros, cujos livros eram, então, editados na Europa, principalmente em Portugal e França. Nesse ano, Monteiro Lobato editou o seu primeiro livro para adultos, com o título Urupês.
Nestelivrofoilançadaafiguradopersonagem Jeca Tatu, descriçãodo caipira rural, acusado por Monteiro Lobato como agente de queimadas para o preparo da área para a próxima semeadura, procedimento que, atualmente, em grande parte do País, ainda é exercido. Denominou-o de piolho da terra
e o descreveu como malandro, sem iniciativas e aproveitador, vivendo exclusivamente às expensas do que a natureza lhe oferecia. Em Urupês, diz o narrador:
No meio da natureza brasílica, tão rica de formas e cores, onde os ipês floridos derramam feitiços no ambiente e a infolhescência dos cedros, às primeiras chuvas de setembro, abre a dança dos tangarás, onde há abelhas de sol, esmeraldas vivas, cigarras, sabiás, luz, cor, perfume, vida dionisíaca em escachôo permanente, o caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas.
Só ele não fala, não canta, não ri, não ama.
Só ele, no meio de tanta vida, não vive. (LOBATO, 1959e, p. 231)
Mas esse personagem criticado pejorativamente teve sua imagem refeita no livro Problema Vital , também de 1918, no qual Lobato mostrou a realidade da saúde no Brasil, redimindo-o das críticas formuladas no livro Urupês, quando da constatação de que o Jeca Tatu era (ou ainda é) um homem doente e concluiu: O Jeca não é assim, está assim
(LOBATO, 1959c, p. 221).
Os 1.000 exemplares da primeira edição de Urupês esgotaram em apenas trinta dias e, menos de um ano após, 12 mil exemplares estavam vendidos. Esse é um dado muito interessante na realidade de edições de livros no Brasil, pois, naquele período, a cultura brasileira contava com pouco mais de trinta livrarias em todo o território nacional. Aconteceu, então, um fato de destaque que merece ser informado. Com apenas esse número de livrarias no Brasil, alguém que se propusesse à atividade de editor poderia ser classificado como insano mental ou coisa parecida. E Monteiro Lobato iniciou essa louca
atividade, ou seja, tornou-se editor de livros não didáticos. Como vender essa enorme, à época, quantidade de exemplares? Para tentar ampliar esse número irrelevante de pontos de venda de livros, o editor enviou cartas-circular para inúmeros proprietários de ferragens, açougues, armazéns (chamados de secos e molhados), farmácias, padarias, bazares e lojas, entre outros. No texto (CAVALHEIRO, 1956, tomo 1, p. 222), consta o seguinte:
– Vossa Senhoria tem o seu negócio montado e quanto mais coisas vender maior será o lucro. Quer vender também uma coisa chamada ‘livro’? V. Sa. não precisa inteirar-se do que essa coisa é.