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Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio
Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio
Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio
E-book389 páginas5 horas

Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio

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Sobre este e-book

O livro Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio é uma adaptação da tese de doutorado da autora, defendida em 09 de janeiro de 2017, na Universidade do Porto em Portugal. Apresenta um olhar antagônico sobre o que é encontrado, tanto na versão jurídica oficial quanto na mídia formadora de opinião pública, a respeito do inquérito e julgamentos do assassinato da irmã Dorothy Stang.Esta obra parte dos conceitos básicos dos clássicos da sociologia para análise do Estudo de Caso ocorrido no contexto amazônico do município de Anapu, onde foram estabelecidas relações sociais conflituosas entre a irmã Dorothy, assentados do MST e fazendeiros. Isso com a conivência do Estado por meio de seus órgãos fundiários, que, ao não viabilizarem seus próprios projetos de Reforma Agrária, fomentaram, segundo o termo conceitual de Durkheim, o Fato Social que mais ofende a Consciência Coletiva é o Crime, no caso aqui apresentado, cometido contra a irmã Dorothy Stang.À essa análise foi agregada a teoria jurídica do Iter Victimae para melhor compreender essa Ação Social.. Concomitantemente, discute, à luz dos conceitos de Poder, Legitimação e Dominação, o papel do Estado em relação ao crime e às contradições contidas no sistema de racionalidade jurídico-positiva diante do Poder Simbólico e da pluralidade jurídica presente naquele espaço anapuense. Observa-se a edificação do cenário tripartite – polícia federal, polícia estadual e Ministério Público – desde a fase do inquérito até a esfera dos julgamentos populares regados de emocionalização e espetacularização pactuada entre a mídia na condição de aparelho ideológico e o poder jurídico, representante clássico dos aparelhos repressivos do Estado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de out. de 2019
ISBN9788547334055
Dorothy Stang: Invasão, Conflitos e Homicídio

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    Pré-visualização do livro

    Dorothy Stang - Nezilda Jacira Lourinho de Campos

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    À memória da minha avó Januária Macedo, pela abertura dos caminhos e incentivo por meio da doação diária dos gizes para que eu brincasse de professora no quadro de casa.

    Agradeço ao Desembargador luso António Àlvaro Melo, pela cobrança diária de quatro páginas da tese que deu origem a esta obra.

    APRESENTAÇÃO

    Quando recebi o convite para fazer a apresentação desta obra, jamais imaginei a surpresa que viria ao iniciar a leitura, primeiro, pela organização metodológica na distribuição dos capítulos associado à especificidade ímpar na arte de redigir; depois, pela coragem ao discorrer com olhar diferenciado sobre um fato social ofensivo, abominável e chocante, porém, bastante vitimizado e espetacularizado , como foi o assassinato de Dorothy Stang.

    Seria de extrema importância que o livro DOROTHY STANG: Invasão, Conflitos e Homicídio fosse compreendido especialmente por políticos e jornalistas de todo o Brasil.

    A quebra de conceitos forjados mediante o domínio afetivo, especialmente nos meios acadêmicos, causará abalos nos discursos que permeiam especialmente as mentes incautas. O domínio afetivo é justamente a cultura adquirida informalmente. Aquela passada em conversas pseudodescontraídas e não planejadas. Nesse sentido, rumando paralelamente ao cognitivo, o trabalho histórico /cultural da autora, desmistifica e muda conceitos. A autora acorda uma geração!

    A abordagem única e com visão isenta de comprometimento ideológico ou acadêmico/cultural brasileiro traz consigo questões consideradas polêmicas para o meio que se autoproclama a elite intelectual e pensante do país.

    Não é somente o conhecimento sobre a Amazônia em si que aguça a leitura. O que realmente nos chama a atenção é a abordagem cultural e histórica. Nezilda estabelece um novo e verdadeiro conceito em sua pesquisa que assustará aos incautos ou aqueles que já tenham sido incorporados pela ideia e imagem imaculada da vitimização.

    O olhar científico, mas com visão aparte da normalmente estabelecida e figurada como condição sine qua non para qualquer que seja o estudo acadêmico brasileiro, abre um novo espaço de leitura, pesquisa e ensinamentos não somente para o meio, mas especialmente para a sociedade brasileira.

    A coragem é acrescentada à personalidade dessa mulher estudiosa, que é socióloga, pesquisadora, historiadora e autora!

    O nascimento dos conflitos agrários, a explicação e entendimento dos motivos, trazem o necessário para compreensão do que é a produção agropecuária no Norte do Brasil e como os governos, ONGs etc. a tratam.

    Discursos antes enraizados cairão! Tabus forjados derreterão!

    A leitura é de facílimo entendimento e fascínio exagerado. Àqueles que buscam o conhecimento dos conflitos é leitura obrigatória, especialmente aos que criam políticas sociais no campo no Norte e especialmente na Amazônia.

    Alcebiades Maroja

    Coronel QOPM RR

    PREFÁCIO

    Um caso, uma biografia, um país

    O assassinato da Irmã Dorothy Stang em Anapu é o mote desta interessante reflexão de Nezilda Campos sobre as questões que enquadram os conflitos jurídicos, desocultando o que as suas fachadas encobrem. A freira, religiosa norte-americana naturalizada brasileira, era uma conhecida defensora dos trabalhadores rurais e de paradigmas de desenvolvimento sustentável para a Amazónia. A sua morte era, de certa maneira, uma questão de tempo.

    O seu assassinato surge, neste livro, como um revelador de conflitos que ultrapassam a racionalidade estritamente jurídica. Atente-se, pois, com particular atenção ao jogo de atores que se vai desnudando; as correspondências (nem sempre perfeitas, pois nenhuma homologia é um dispositivo mecânico) entre posições sociais, disposições e tomadas de posição. Compreender-se-á, no final, que a análise sociológica não pode submeter-se às amarras positivistas, que reduzem a coisas os fenômenos sociais e que esquecem as imbricadas teias do mundo da vida. Esta é uma porta que se abre na e para a linguagem, mas essa jamais ocorre num vazio. História, espaço e distribuição do poder são ingredientes elementares da relação social.

    Assim, enquanto trabalha sobre uma narrativa, o livro de Nezilda Campos penetra nos territórios do simbólico, nas efabulações e representações que estão longe de ser um mero reflexo do real: traduzem-no, sem dúvida, mas constituem-no no mesmo movimento.

    Amante do método biográfico, Nezilda traça com mestria as articulações entre um percurso, um tempo e um modo. Retrato do Brasil: eis a senha para este livro. De um Brasil atravessado pelo conflito, pelas regras da violência ancorada nas lógicas de uma modernização seletiva, tardia, assincrônica e desigual.

    Saibamos, pois, libertar-nos das lentes míopes de uma sociologia positivista para focarmos a pluriperspectiva dos conflitos e das visões do mundo.

    Prof. Dr. João Miguel Teixeira Lopes

    Universidade do Porto/Portugal

    LISTA DE ABREVIATURAS

    Sumário

    CAPITULO I

    A AMAZÔNIA E O ESTADO DO PARÁ, TERRITÓRIO SANGRENTO NOS CONFLITOS DE TERRA

    1.1 - AMAZÔNIA

    1.2 - TERRA DO MEIO: INÍCIO, MEIO E FIM DOS CONFLITOS

    1.2.1 - O MUNICÍPIO DE ALTAMIRA

    1.2.2 - O MUNICÍPIO DE ANAPU 

    1.3 - OS MOTIVOS E A REALIDADE CONFLITUOSA NA REGIÃO

    1.4 - A PRESENÇA DO ESTADO

    1.4.1 - O INCRA

    1.4.2 - OS APARELHOS REPRESSORES

    1.4.2.1 - A ATUAÇÃO DAS POLÍCIAS

    1.4.2.2 - A PARTICIPAÇÃO DA JUSTIÇA

    CAPÍTULO 2

    IRMÃ DOROTHY UM ANJO QUE CHEGA NA AMAZÔNIA OU UM VERDADEIRO DEMÔNIO NA REGIÃO?

    2.1 - SUA HISTÓRIA E SEUS OBJETIVOS

    2.2 - O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESPERANÇA – PDSE

    2.3 - O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA SE SOBREPÕE À RELIGIÃO?

    2.4 - A AGRESSIVIDADE NA FORMA DE ASSENTAR E O GENE DA VIOLÊNCIA CONTIDO NA PROPOSTA DE SOCIEDADE MAIS JUSTA E COM DIREITOS HUMANOS 

    CAPÍTULO 3

    UM CONSÓRCIO OU O ITER VICTIMAE ASSASSINA EM ANAPU A IRMÃ DOROTHY STANG? 

    3.1 - EXISTIA CONSÓRCIO? QUEM ERAM OS SEUS MEMBROS?

    3.2 - A PRESENÇA DA CONGREGAÇÃO IRMÃS DE NOTRE DAME: A BÍBLIA, A FOICE OU ESPINGARDA?

    3.3 - O ATIVISMO MISSIONÁRIO EM UMA REALIDADE DE BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

    3.4 - O CENÁRIO E O QUOTIDIANO NO JOGO DE INTERESSES ENTRE VÍTIMA E INDICIADOS

    CAPÍTULO 4

    O DIA EM QUE ANAPU VIROU A CAPITAL POLÍTICA E MIDIÁTICA DO MUNDO

    4.1 - 12 DE FEVEREIRO DE 2005 A IRMÃ DOROTHY É ASSASSINADA EM SUA ANDANÇA MATINAL

    4.2 - EIS QUE SURGE O ESTADO E SUAS INSTITUIÇÕES

    4.3 - NO SENADO FEDERAL, OS INTERESSES POLÍTICOS E A POLITICAGEM

    4.4 - A DISPUTA POR MATÉRIAS E OS DISCURSOS MIDIÁTICOS NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO COLETIVO

    CAPÍTULO 5

    O CENTRALISMO LEGAL DO ESTADO NA APLICAÇÃO DO DIREITO POSITIVO, OS PODERES SIMBÓLICO E DA PALAVRA NOS JULGAMENTOS 

    5.1 - A DERROTA DA PROPOSTA DE FEDERALIZAÇÃO DOS JULGAMENTOS E A RESPONSABILIDADE DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ

    5.2 - A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

    5.3 - INVERSAMENTE AOS PRECEITOS DA JUSTAPOSIÇÃO DA RAZÃO, A ESTRATÉGIA DA EMOCIONALIZAÇÃO NA TENTAVIVA DE PRESSIONAR OS JULGAMENTOS 

    5.4 - O PODER SIMBÓLICO COMO BASE NAS CONDENAÇÕES DOS RÉUS EM UM CRIME POLITIZADO PELO GOVERNO 

    5.5 - O PACTO ENTRE PODERES E A ANÁLISE DO DISCURSO SOBRE CRIME E CRIMINOSOS PARA ANIQUILAMENTO DOS RÉUS

    CAPÍTULO 6

    QUE ENTREM OS RÉUS 

    6.1 - RAYFRAN DAS NEVES SALES – O HOMICIDA

    6.2 - CLODOALDO CARLOS BATIST – O COMPARSA

    6.3 - AMAIR FEIJOLI DA CUNHA – O INTERMEDIÁRIO

    6.4 - VITALMIRO BASTOS DE MOURA – O FAZENDEIRO MANDANTE

    6.5 - REGIVALDO PEREIRA GALVÃO – O FAZENDEIRO MANDANTE

    REFERÊNCIAS 

    CAPÍTULO I

    A AMAZÔNIA E O ESTADO DO PARÁ, TERRITÓRIO SANGRENTO NOS CONFLITOS DE TERRA

    1.1 - AMAZÔNIA

    Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro 

    disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro 

    roubou seu lugar.

    (VITAL LIMA)

    A Amazônia é uma região brasileira conhecida em todas as partes do mundo pelos mais variados motivos, que vão desde as atrações pela riqueza de sua flora e fauna em uma floresta gigantesca de mata virgem até os encantos mitológicos. Nos últimos séculos várias expedições e projetos internacionais se fizeram presentes nessa região prometendo lutar pela preservação do ecossistema que sustentará o planeta, pois dizem que é o pulmão do mundo. O Greenpeace, que é uma Organização Não Governamental que trabalha com questões de meio ambiente, é um exemplo disso. A referida ONG tem sua sede em Amsterdã, mas também está nos demais Países Baixos e tem escritórios espalhados em 40 países. Essa organização que atua internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável trabalha com campanhas e publicidades cujo objetivo é sensibilizar a opinião pública para a importância ambiental das áreas de florestas na Amazônia do Brasil. É importante que aqui se destaque a atuação dessa ONG que tem como princípio e concepção filosófica a Desobediência civil e a ação direta¹.

    Obviamente que a Amazônia, não sendo apenas um território brasileiro, mas a esperança de todas as nações, tem seu nome pronunciado em todos os idiomas e com os mais variados sotaques. Portanto é natural que existam algumas diferenças, inclusive no próprio idioma do país, o português, herança da colonização que está presente no Brasil com alguns desacordos em relação ao uso da língua falada e escrita em Portugal.

    No que concerne à palavra Amazônia, ressalta-se que no idioma português brasileiro chama-se e escreve-se Amazônia com acento circunflexo, enquanto no idioma pioneiro e europeu, usa-se Amazónia com acento agudo, ambos, porém, para designar ou nos referirmos a Selva e Floresta Equatorial Amazônica. Mas as diferenças não param por aí, também estão presentes no imaginário e no olhar que as pessoas alheias a essa região têm sobre a realidade cultural e cotidiana desse espaço geográfico localizado no norte do Brasil.

    A denominação tem sua origem pela derivação grega e lendária das Amazonas, conhecidas como mulheres guerreiras pertencentes a uma tribo liderada por Hipólita, que não aceitava homens, por essa razão, os recém-nascidos do sexo masculino tinham suas vidas ceifadas logo após o nascimento. De acordo com o folclore brasileiro, existiu na região uma tribo semelhante às Amazonas quanto à rejeição masculina, formando uma sociedade grupal rigorosamente matriarcal que dominava a região próxima ao rio². Essa tribo chamava-se Icamiabas ou Iacamiabas, denominação originária do tupi i + kama + iaba, cujo significado é peito partido.

    O termo Amazônia, no sentido de região, foi utilizado pela primeira vez em O País das Amazonas, do barão Santa Anna Néri³. Porém existe outra versão para o termo que eventualmente pode representar um monte existente no entorno do rio Conuris no atual território do Equador. Gastão Cruls diz: Aí existe mesmo, já nas cabeceiras do rio, a serra Itacamiaba, que por muito tempo se quis ter como o habitat da famosa tribo, e cujo nome deturpado paraicamiaba, foi também empregado como sinónimo de Amazonas (2001, p. 58).

    O que chamamos de Hileia Amazônica trata-se de uma floresta que cobre a maior parte da Bacia Amazônica da América do Sul, apresenta uma vegetação com árvores de grande porte e folhas que acompanham a mesma proporção. A referida região apresenta temperatura de bulbo úmido. Essa floresta tropical cobre 5.500.000 de quilômetros quadrados dos 7.000.000 existentes e nela estão incluídos territórios pertencentes a nove nações, entre as quais o Brasil, que tem a maior parte da floresta tropical com sessenta por cento de toda a área, ficando os quarenta por cento restantes divididos entre Peru, com treze por cento, e o restante entre Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador, Guiana, França (Guiana Francesa) e Suriname.

    FIGURA 1 – A GRANDE AMAZÔNIA

    FONTE: Aragón (2005a, p. 16), adaptado por Lira (2010).

    A maior biodiversidade encontrada em uma floresta tropical do mundo encontra-se na Amazônia, que também representa mais da metade das florestas tropicais do planeta, inigualável pela riqueza de seu bioma, pois porta a maior variedade de flora e fauna do planeta. A floresta Amazônica é equatorial, com clima quente e úmido em função da aproximação que tem com a Linha do Equador, portanto há variação de temperatura durante o ano, onde a média anual é de vinte e oito graus centígrados, enquanto as temperaturas extremas oscilam entre quatorze e quarenta e dois graus centígrados, mas as chuvas são abundantes por um período que dura seis meses.

    Os estados que abrangem a Amazônia brasileira são: Pará, Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, os quais perfazem uma área de 5.033.073 km2 e correspondem a sessenta e um por cento do território brasileiro. A referida área equivale a trinta e dois países da Europa Ocidental e é sete vezes maior que a França. No estado do Pará há a Ilha de Marajó⁴ que fica na embocadura do rio, cuja extensão territorial é maior que alguns países como Bélgica, Holanda e Suíça. Aos olhos dos estudiosos, a região se mostra essencial ao clima e à diversidade biológica do planeta em virtude de abrigar mais de duzentas espécies diferentes de árvores por hectare, mais de 1.400 tipos de peixes, 1.300 pássaros e 300 mamíferos, mantendo dessa forma o equilíbrio do ecossistema.

    O contingente populacional dessa região é por volta de 16.500.000 habitantes, porém 62% estão concentrados nas zonas urbanas, enquanto 38% se distribuem na zona rural. O peixe é a principal fonte de alimentação da população que habita os municípios interioranos, pois existem na região aproximadamente 3.000 espécies, mas, estudos mostram que apenas 36 espécies são exploradas⁵.

    No século XIX Carl Von Martius, naturalista austríaco que dedicou parte de sua vida aos estudos e pesquisas na Amazônia, apresenta nos quinze volumes de sua obra Flora Brasiliensis, um trabalho minucioso sobre a fauna e flora amazônica, a existência de grande diversidade de espécies existentes na região, porém, aponta a dificuldade de acesso às altas copas, detalhe que pode significar desconhecimento de grande parte da fauna. A floresta amazônica apresenta diversidade também quanto ao solo e apresenta um mosaico de habitat distintos, isso inclui as florestas de transição, matas secas e matas semidecíduas, que incluem as matas de bambu, campinaranas, enclaves de cerrado, buritizais, florestas inundáveis como igapó e várzea, além da floresta de terra firme.

    Nas últimas décadas a floresta Amazônica tem sido agredida sistematicamente por meio dos desmatamentos desenfreados que transformam aceleradamente áreas florestais em áreas não florestadas, isso devido aos assentamentos humanos e ao desenvolvimento da terra.

    Já no início do século XX, o escritor Euclides da Cunha visualizava o interesse especial do mundo em relação à Amazônia e acenava para os cuidados que os governos deveriam ter com sua preservação não apenas no sentido de conservação da floresta e suas riquezas, mas, também sobre a sua propriedade (FONTELES FILHO, 2013). Na década de 1960, o espaço amazônico é ambicionado pelo mundo inteiro. A partir de 1964, época do governo militar no Brasil, muitas foram as discussões sobre internacionalização da Amazônia ⁶, e essa passa a ser objeto de preocupação ao que concerne controle e integração, daí surge no primeiro período do regime o slogan Integrar para não Entregar, colocando em prática o ambicioso projeto geopolítico de campanha migratória para a região, cuja proposta era exterminar com os vazios demográficos amazônicos, utilizando a mão de obra nordestina fragilizada pelas secas daquela região.

    O repovoamento⁷ dessa região foi sendo ampliado por toda a sequência dos governos militares. Por meio do Plano de Integração Nacional (PIN), programa geopolítico e política de assentamento, que recrutava pessoas sem propriedades rurais de todas as regiões do país para ocupação na Amazônia. O processo de assentamento foi mais intenso e acelerado, recebendo homens oriundos principalmente das regiões nordeste e centro-oeste, porém existe também um percentual significativo da região sul. Esse contingente de homens do campo que veio atraído pela política do PIN com o desejo e propósito de se tornar proprietário de terras, também tinha que carregar o compromisso de transformar a realidade de terras desabitadas e improdutivas em propriedades produtivas na região.

    Embora quase todas as terras localizadas na Amazônia ainda fossem dos estados e da União, as terras foram efetivamente ocupadas muito mais durante os 21 anos em que o Brasil foi governado pelo regime militar do que nos cinco séculos de história. Porém essa acelerada ocupação desvinculada de uma política de reforma agrária no País talvez tenha limitado as questões burocráticas e documentais quanto à propriedade, e essa situação pode ser considerada a raiz da problemática sangrenta que hoje existe na região entre proprietários fazendeiros, pecuaristas e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terras (MST).

    Segundo Otávio Velho (1975, p. 213), o governo militar mostrou grande habilidade por meio do Programa de Integração Nacional (PIN), na medida em que, [...] foi capaz de mobilizar o sentimento nacionalista, neutralizando a esquerda nacionalista ao mesmo tempo em que permanecia basicamente cosmopolita no seu caráter, já que inclusive essa colonização da Amazônia implicaria numa maciça participação estrangeira.

    Com o vácuo deixado pela ausência de reforma agrária surgem grupos nacionais e internacionais, com militantes embasados pelo paradigma de Desobediência Civil e Ação Direta. Esse novo instrumento, que se autodenomina defensor e a serviço das populações desfavorecidas, precisa extrapolar a condição de um grupo desagregado e ocasional para outra condição, pois essa situação não lhes permite poder e força. Tais grupos carecem de uma identidade institucional que os legitime a fim de que possam se multiplicar e justificar a necessidade de sua existência diante e a favor da população dominada. Assim, surgem as ONGs, que saem da invisibilidade social e criam um espaço com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros (BOURDIEU, 1983, p. 122).

    No mesmo momento em que existiam fortes comentários insinuando que os olhos do mundo estavam voltados para a Região Amazônica e, não obstante, à primeira vista, pareça que algo concreto exista em relação aos interesses de Internacionalização da região, muitas são as coincidências e sucessões de fatos que se fizeram presentes entre as décadas de 1970 e 1980. Enquanto o governo militar ainda tentava consolidar o Programa de Integração Nacional (PIN), política governamental de integração e povoamento na região, iniciado aos primeiros quatro anos da década de 1970, objetivando afastar o espectro da internacionalização, mas, ainda em andamento, eis que, concomitantemente a esse período, imigrantes norte-americanos no Canadá com estilo de vida hippie e quakers fundam, em 1971, a ONG Greenpeace.

    Coincidentemente, esse também é o momento em que se dá o retorno da estadunidense Dorothy Stang⁸ ao Brasil, uma vez que em 1966 iniciou suas visitas e intenções de se estabelecer no País, instalando-se e vivendo por alguns anos na cidade de Coroatá, no estado do Maranhão. Porém, dessa vez, retorna na condição de religiosa da Congregação Nossa Senhora do Namur, em atividade pastoral e missionária, mas começa a assessorar e organizar os trabalhadores rurais da Região do Xingu, área da Amazônia priorizada pelo governo militar para implantação do Programa de Integração Nacional na década de 1970, cuja base se localizava no município de Altamira.

    No fim da década de 1970, explode a greve dos metalúrgicos no ABCD Paulista e dessa base sindical surgem lideranças políticas de acordo com o que Gramsci denominou de intelectuais orgânicos (COUTINHO, 1999), cuja maior referência desse movimento sindical, é o metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, que anos depois, em 2003, tornou-se presidente do Brasil. Nesse período, e da mesma célula de filosofia socialista, nascem no Brasil as entidades Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Sem Terra (MST) ⁹, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

    A partir desse período, em que surgem essas entidades, os referidos Movimentos Sociais se proliferam aceleradamente de forma insurgente contra todos os segmentos de poder existentes no País, uma vez que o governo militar já tinha declarado ter cumprido seu papel e já estar governando em um processo gradativo a caminho da democracia desde a entrada do presidente General Ernesto Geisel, que assumiu a presidência do Brasil em 1974 com a proposta de distensão lenta, segura e gradual. Ernesto Geisel não conseguiu cumprir o todo prometido, pois, paradoxalmente, com o mesmo decreto, em 1977, trouxe o Ato Institucional número 5 (AI5)¹⁰ e em 1978, usou-o também para fechar o Congresso e aprovar a entrada se senadores biônicos¹¹.

    Em 1979, ao ser empossado na presidência do Brasil, João Batista de Figueiredo, discursa jurando fazer do país uma democracia. No seu governo foi realizada a reforma política extinguindo o bipartidarismo, aprovando, portanto, o pluripartidarismo. Também concede anistia ampla geral e irrestrita aos políticos cassados pelos atos institucionais, permitindo que os exilados pelo regime militar retornassem ao país.

    Assim, chegamos a um cenário propício ao Movimento das Diretas Já, que não somente reivindicava as eleições, mas soberania e preservação de nossas riquezas, entre as quais, a região amazônica era a primeira da lista. As Diretas não foram aprovadas, mas em 1985, por meio de eleições indiretas, o Congresso Nacional elege entre duas chapas, um Presidente e Vice-Presidente civis após vinte e um anos de governo militar. Dessa forma, a redemocratização era iniciada no Brasil, mas muitas situações, principalmente as fundamentais, ainda estavam pendentes, entre elas, a reforma agrária, que não foi contemplada no Programa de Integração Nacional e, conforme foi explicado nas palavras de Otávio Velho (1975, p. 213), a característica cosmopolita ficou como herança do governo militar na área da região amazônica, que até hoje padece com as práticas de desmatamento, devastação, cobiça, saque, violência e participação ativa de estrangeiros em espaço brasileiro e amazônida a fomentar conflitos com direitos de que tudo podem subsidiados pelas duplas nacionalidades.

    Na verdade, a partir do momento que os Movimentos Sociais e Organizações Não Governamentais tiveram seus respectivos credenciamentos ou reconhecimentos institucionalizados, vêm agindo livremente e exercendo uma espécie de governo paralelo no Brasil, pois, diante da cegueira, mudez e inércia do governo, que, ao isentar-se de tomar a direção e cumprir seu papel de dirigente do Estado, a palavra fica nas mãos e nas falas das ONGs, que funcionam como verdadeiros barris de pólvora tanto diante da população geral da região, quanto, e principalmente, em meio às populações residentes na floresta, pois, falam sobre o Estado como se fossem o Estado, e com essa espúria autoridade apresentam por meio dos veículos de comunicação dados que são divulgados em rede nacional pelos jornais impressos e televisivos sobre desmatamento na Amazônia¹².

    A ONG Imazom, por exemplo, afirma que, em um ano, 1.700km² de floresta nativa foram desmatadas, tendo, portanto, ocorrido um aumento de 215% entre o período de agosto de 2014 a fevereiro de 2015. Segundo a referida ONG, quase a metade dessas perdas aconteceram em áreas particulares, nas quais a floresta teve que vir abaixo para o plantio do capim que serve para produção e expansão da pecuária, situação ocorrida principalmente no Mato Grosso. Afirmam também que em Rondônia as árvores vêm sendo destruídas para dar lugar à agricultura, no estado do Pará a responsabilidade pelo desmatamento é atribuída à grilagem¹³.

    Nas afirmações da ONG, pode-se inferir ou destacar a situação do estado do Pará na condição de foco dos conflitos, pois, entre todos os motivos apresentados, somente no Pará a razão parece ser específica da grilagem em terras devolutas ou de terceiros com intuito apenas de especulação imobiliária. Pelo que afirma a ONG, no Pará não há semelhança com o estado de Mato Grosso, onde existem propriedades particulares que desmatam em nome da pecuária e, embora venha sofrendo ataques por parte dos ambientalistas, ainda figura na tabela econômica de produção e no mercado

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