O Sorriso Da Bicicleta - Vol 1
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O Sorriso Da Bicicleta - Vol 1 - Casé Henrique
O sorriso
da bicicleta
Entre o Céu e o Cais
Volume 1Volume I
Casé Henrique
O sorriso da bicicleta
Volume I
Entre o Céu e o Cais
Casé Henrique
Copyright © Casé Henrique, 2021
1a edição
capa, diagramação e revisão
Luciano Smanioto
Informações da catalogação
Registro Biblioteca Nacional: 762.945 - Livro 1.479 - Folha 473
Apresentação
Entre o Céu e o Cais é a primeira história da obra O Sorriso da Bicicleta, uma série de narrativas com temática homoafetiva, inspiradas em eventos reais, coloridas pela aquarela da literatura, mas viscerais e intensas como exige a memória dos fatos.
Entre o Céu e o Cais conta a história de Jonas Vieira, que, aos 13 anos de idade, enfrentou a necessidade de se lançar para a vida, na tentativa de se libertar da superproteção familiar.
A maioria dos fatos narrados aconteceu a partir do ano de 1980 e a história se desenvolve até o início da década seguinte.
Uma história emocionante, que explora nuances de espiritualidade, da descoberta de amores homoafetivos, dos sofrimentos, do amadurecimento e da superação na experiência de vida dos personagens.
Este primeiro volume é dividido por capítulos, intitulados com nomes de músicas que marcaram os momentos vividos pelo protagonista.
o sorriso da bicicleta - vol. i - entre o céu e o cais 7
8
casé henrique
Capítulo 1
Quem Me
Levará Sou Eu
o sorriso da bicicleta - vol. i - entre o céu e o cais 9
Eu não consigo imaginar como seria viver meu passado nos dias atuais.
Seria perfeito se eu pudesse voltar à década de 1980, com a sabedoria de um mago. Poder reencontrar as pessoas de quem a vida se encarre-gou de me afastar. Valorizar as coisas mais simples, sem me desviar do caminho.
Mas o tempo é senhor de si e se renova a cada momento, como a fênix que habita secretamente em mim. Que nunca envelhece. Que muda as formas e as cores da vida. Que se cala mais do que o próprio silêncio. Que vive eternamente a idade em que nada é proibido. Que zomba de mim a cada tropeço. Que reside dentro de mim como se eu fosse seu abrigo.
É, o tempo voa, e de repente, as coisas deixam de ser como eram antes.
Eu vou, aos poucos, acertando as contas com meu passado e refazendo a vida no presente de cada avesso vivido. Minando os amores em plena contramão.
Eu tive uma infância muito solitária, com poucos amigos. Meu pai separou-se da minha mãe quando eu tinha oito meses de idade. E por ser filho tempo-rão, eu era seu bem maior.
A superproteção me fez ser uma criança muito ingênua e sem noção para algumas coisas. Lembro que, na escola, na terceira série, a professora pediu para criar frases com palavras que ela havia ditado. Mas como ela escreveu crie orações
, eu levei ao pé da letra, pensando que teria que inventar preces para santos.
Certa vez, o dono de uma padaria, observando a minha ingenuidade, pediu para que eu fosse correndo buscar uma escada de rodapé
.
As pessoas sempre percebiam que eu era uma criança sem malícia, contu-do, muito criativa. Inventava meus próprios brinquedos. Brincava de ser artista com amigos imaginários e pegava caixas de uva em feiras livres para fazer de palco. Cortava cartolina e fazia bonecos, e com folhas de jornal, confeccionava as roupas deles.
Minha mãe foi guarda do Instituto Penal Talavera Bruce, mas se aposentou antes do tempo, por problemas cardíacos. A grana estava curta, pois havia comprado um apartamento financiado pelo estado do Rio de Janeiro.
Passávamos os verões de Bangu sem ventilador. Ela não ligava, com receio de onerar muito a conta de luz. Guardava todo o dinheiro que conseguia juntar para pagar as prestações do apartamento.
Meu pai nunca ajudou minha mãe financeiramente, nem mesmo com as minhas despesas.
Minha irmã é 20 anos mais velha do que eu. Formada no Normal
, lecio-nava desde os 19 anos. Também não era bem remunerada. Pagava faculdade de 10
casé henrique
Literatura Portuguesa. Casou-se aos 24 anos. No início de 1980, minha irmã se separou do marido, ficando com um casal de filhos pequenos, meus sobrinhos.
Por conta da separação e por sua casa ser muito grande, ela convenceu minha mãe a alugar o apartamento, que ficava na mesma rua, para morarmos com ela em sua casa.
Minha irmã dava aulas à tarde no mesmo colégio em que eu estudava – na época, cursava a quinta série, pela manhã.
Sob o abrigo das asas zelosas da minha mãe e da minha irmã, minha superproteção era dobrada. E eu precisava me sentir sozinho em meio à multidão.
Então, em um sábado, esperei todos dormirem, e por volta das 23h, saí sozinho pela primeira vez.
Saí bem devagarinho, pelos fundos da casa. A área de serviço tinha uma meia-parede em todo seu contorno, e do meio para cima, eram várias basculantes.
A porta fazia muito barulho ao abrir, então, eu a deixei previamente entreaberta.
Passei gel nos cabelos e, de pijama mesmo, pulei o muro da minha casa, que dava acesso a uma outra casa, velha, abandonada, que sequer tinha portas ou janelas. Tinha cor amarelada, bem desbotada, e paredes com pouco reboco, o que deixava os tijolos visíveis. No pátio, havia um pé da frutinha abiu, bem adocicada; seu látex grudava levemente nos lábios, causando uma certa aflição.
Durante a semana, improvisei uma mesa dentro daquela casa abandonada.
Deixei ali, previamente, um pedaço de espelho quebrado, um toco de vela e uma caixa com fósforos. Um relicário de apetrechos que serviriam de subterfúgio para todas as minhas futuras escapadas nas noites de sábado.
Acendi a vela e através do pequeno espelho admirei a mim mesmo, colo-cando a roupa de sair que havia previamente deixado em um closet improvisado.
Tomei banho da colônia Conturé. Pulei o muro pela frente da casa abandonada.
Com passos frenéticos, corri para as delícias da noite com a certeza de que o mundo não era só aqui
.
Para me autoafirmar, comprava cigarros. Mal sabia acender. Mesmo com tonteira e tossindo muito, tirava proveito dos meus 1m82 de altura para aparentar ter mais idade.
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12
casé henrique
Capítulo 2
Devassa
o sorriso da bicicleta - vol. i - entre o céu e o cais 13
O cheiro forte de orvalho que impregnava o mês de junho de 1980 não poderia chegar aos dias atuais. O friozinho que gelava as minhas na-rinas na noite daquele sábado ficou de mãos dadas com o calor da liberdade, no começo do desmame familiar, aos 13 anos de idade.
A chuvinha fina anunciava as vivências que estavam por vir no primeiro sábado em que eu me aventurava longe das mulheres que me protegiam