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A volta do Abominável
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E-book276 páginas4 horas

A volta do Abominável

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Sobre este e-book

Esta é a história contemporânea de um homem envolvido em atividades nem sempre muito lícitas que encontra quase todos os dias uma estranha mulher em suas caminhadas pelo Leblon, no Rio de Janeiro, e planeja seu sequestro. Acabam virando amantes e se mudam para a pequena cidade de Pleasantville, no Estado de Nova Iorque. Mas antes disso, muitas coisas estranhas acontecem com este anti-herói. Em Português do Brasil.
***
A contemporary romance about a man and a woman living in the city of Rio de Janeiro. At first, he was convinced she came from another reality and planned to eliminate her. At the same time she was absolutely sure he was a sexual predator and took preventive measures. Eventually, they became lovers, and they moved to Westchester County, NY. In Portuguese only.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de nov. de 2019
ISBN9780463076378
A volta do Abominável
Autor

Carlos Gentil Vieira

Carlos Gentil Vieira nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil e mora na cidade do Rio de Janeiro há muitos anos. Começou sua atividade de escritor aos nove anos de idade, no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, quando escreveu "O Reino sem Sossego", um livro cujos originais (com ilustrações do autor) se perderam no tempo, depois de várias tentativas de edição. Ainda não existia a Smashwords. Depois disso, na vida adulta, escreveu em parceria um livro na área de Administração de Empresas chamado "O Gerente Animador". E, depois, vieram outros livros, todos disponíveis aqui no formato de eBook. O autor confessa que adora a comida típica mineira, e arrisca uma cachaça de vez em quando. Tem preferência pela "Bento Velho", de Conceição do Mato Dentro. Carlos Gentil Vieira was born in Belo Horizonte, MG, Brazil, and has lived in Rio de Janeiro for a long time. He loves typical Minas Gerais cuisine, with dishes such as "frango com quiabo", "canjinquinha com costelinha" and "feijão tropeiro". Sometimes, as traditional in his state, he drinks an authentic "cachaça", which he recommends to adults as a healthy habit.

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    A volta do Abominável - Carlos Gentil Vieira

    A VOLTA DO

    ABOMINÁVEL

    Carlos Gentil Vieira

    Copyright © 2019 Carlos Gentil Vieira

    Smashwords Edition

    Todos os direitos reservados, incluindo os direitos de reproduzir total ou parcialmente o texto deste eBook em qualquer meio físico, magnético ou pela internet. Obrigado por fazer o download deste livro. Se você gostou e quiser compartilhar o prazer da leitura com outra pessoa, recomende que ela faça o download de uma cópia adicional. Ajude a preservar o direito do autor.

    Smashwords Edition, License Notes

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    ****

    Aos meus amigos da Confraria

    Este livro é uma obra de ficção. Todos os personagens, diálogos e situações são frutos da imaginação do autor. Só o Leblon é real. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

    O autor agradece a Amadeu Marques, mestre e confrade, que contribuiu com inúmeras correções e sugestões para a melhoria da compreensão do texto.

    Capítulo 1

    EU JÁ TINHA VISTO AQUELA MULHER MUITAS VEZES. Ela surgia, assim do nada, no meio do meu caminho, cabelos escorridos, de uma cor loura desmaiada, rosto pálido, olhar perdido no horizonte, sapatos baixos. Comecei a achar curiosa a coincidência. Experimentei, de propósito, tomar caminhos diferentes nas minhas andanças pelo Leblon, em horários totalmente aleatórios. Um dia passava pela Rua Rainha Guilhermina, outro dia pela Rua General Artigas, e nos dias de chuva pela Avenida Ataulfo de Paiva. De repente, virava a esquina e lá vinha ela. Passei a observá-la melhor. Devia trabalhar ali por perto, em alguma loja, ou seria frequentadora da Bodytech, ou era uma médica a caminho do consultório. Tinha que ser alguma coisa destas. Poderia mesmo ser uma médica. Tinha sempre um ar vagamente absorto, talvez pensando em alguns pacientes difíceis, com situações de saúde complicadas, até mesmo envolvendo verdadeiros dramas familiares. Mas o que fazia uma médica, em horários tão diversos, andando pelo bairro? Pensando melhor, achei improvável esta hipótese. Os médicos estão sempre correndo para chegar aos consultórios, em geral apinhados de gente esperando a hora da consulta. Pensei, então, que ela poderia ser uma acompanhante de idosos, está na moda, a cidade vive cheia de acompanhantes desfilando seus trajes brancos pelas ruas e praças. Ou, quem sabe, uma autora de telenovelas. Isto, uma autora que transitava pelo meu caminho em busca de inspiração para seus personagens.

    Nunca a vi trocar uma palavra com alguém. Quando, por obra do acaso, eu a via fazendo umas compras no supermercado, notava que ela não dirigia a palavra nem à funcionária do caixa. Não falava com ninguém. Muda.

    Outro dia, tomando meu café da manhã no supermercado e passando os olhos em minhas mensagens, levanto casualmente a cabeça e lá está ela escolhendo uma fruta. Notei que leva um tempo exagerado para escolher qualquer fruta. Uma laranja, maçã ou um abacate. Primeiro olha de longe, assim como a avaliar a estética da fruta. Depois ela escolhe, pega, vira de um lado e do outro, cheira, observa a consistência, compara com outras, larga uma e substitui por outra que lhe parece melhor, volta a pegar a primeira, fica indecisa. Este processo ela repete quantas vezes for necessário. Pareceu-me irritante.

    Acredito que ela seja uma pessoa muito solitária. Sempre sozinha. No exato momento em que eu me virava para pegar uma fatia de pão, ou um pedaço de queijo, levantei os olhos e vejo que ela já havia desaparecido. Juro que comecei a pensar que talvez ela não existisse de verdade. Fosse objeto de algum tipo de alucinação minha, consequência desta profissão estressante que abracei.

    Quem sabe ela seria uma viajante no tempo, como em algum filme a que assisti? Existe isso, sim. Há muitas histórias registradas para comprovar. Ou acham que aquelas pirâmides do Egito, perfeitas, com proporção áurea e tudo, foram feitas do dia para a noite por uns escravos maltrapilhos, conduzidos a chicote pelos feitores? E Machu Picchu, aqui no Peru, com aquelas pedras imensas, certinhas, uma encaixando na outra, no alto de uma montanha, e com pontos de observação astronômica? Chegaram lá nas costas de lhamas? Claro que não.

    Acho perfeitamente possível que um ser, sei lá de onde, transponha o portal do tempo como uma viajante, caminhe um pouco pelas nossas ruas, lance uma olhadela naquelas pessoas eternamente sentadas às mesas do Talho e depois volte satisfeita ao seu mundo, dizendo Lá não fazem nada na vida, a não ser bater papo. Ah, mas fazem muito bem. Com perfeição.

    Depois de vários destes encontros fortuitos, um dia, com toda esta minha perspicácia desenvolvida desde a escola fundamental, comecei a reparar se a roupa que ela usava era sempre a mesma. Não era, mas apenas com pequenas variações. Uma blusa azul clara hoje, uma outra semelhante em cor bege amanhã, uma verde depois de amanhã. Mas sempre o mesmo visual. Não seria o que se esperaria de uma viajante no tempo, apesar de enigmática. Esta deveria sempre aparecer com uma roupa fora de moda, ou muito antiga ou muito futurística.

    Uma vez experimentei fechar um dos olhos para ver se ela desaparecia. Sim, poderia ser um efeito de catarata precoce. Nunca se sabe. Não sumiu, ficou onde estava. Olhar perdido no infinito. Comecei, de brincadeira, a fazer uns testes. Mudei totalmente de itinerário. Subi aquela ladeira da Rua Sambaíba, aquela mesma que meu amigo Fred frequentava todas as vezes que vinha ao Rio, desci uma escada que interliga a rua de cima com a rua de baixo nos fundos do Edifício Antuérpia, andei pela Rua Aperana, quase me esgueirando, cheguei até a Avenida Visconde de Albuquerque, exultante, porque não encontrei ninguém vagamente conhecido, e respirei aliviado. Pelo menos neste percurso pouco frequentado pelo distinto público não a vi, sentada ao acaso no meio-fio, por exemplo. Estou aqui mesmo, com certeza, e o ser enigmático não chegou até o canal. Mas eis que viro na Avenida Delfim Moreira, olho para a esquerda e lá vem ela. Mesmo olhar absorto. Mesmo tipo de roupa, mesmos sapatos pretos baixos, mesmos cabelos escorridos. Comecei a ficar nervoso. Não é possível. É muita coincidência, até meu amigo Sarmento, que vive obcecado por coincidências, duvidaria. Um de nós teria que falar alguma coisa, e este não seria eu. Tenho muito medo de seres de outra galáxia. De outra galáxia?, exclamará o espantado leitor ou leitora. Ora, convenhamos que é uma possibilidade. Já se discute abertamente na mídia a existência de outras civilizações galáticas. Vejam só se não concordam comigo.

    Eu conheço a história de Seth, uma entidade não corpórea que se apresentou a um casal na cidade de Elmira, no estado de Nova York, nos Estados Unidos. Isto na década de 60 do século passado. Ele conseguiu se comunicar através da pessoa de Jane Roberts, depois de um longo treinamento. Ela não era, segundo seu depoimento, propriamente uma médium. A princípio pensou-se em uma dupla personalidade, dúvida que perdura até hoje. Mas psicólogos chamados a opinar na ocasião foram unânimes em dizer que não se tratava de dupla personalidade. Então, de onde teria vindo Seth? Ele lhes disse que veio de uma outra realidade. Seu objetivo era educar. Relatou que havia passado por várias vidas neste mundo, experimentara situações de extremo desconforto e agora era uma entidade não-corpórea. Seth chegou a ditar livros, através da voz de Jane Roberts. Todo o material gerado por cerca de vinte anos de experiências foi reunido e doado à Universidade Yale, nos Estados Unidos. Ora, então Seth me autorizava a pensar que seres poderiam transpor um umbral de realidades diferentes. Inclusive de galáxias distantes. Não é ficção científica.

    Portanto, se aquela moça desconhecida e solitária fosse uma manifestação de outra realidade, eu estava preparado. A única coisa que não consegui atinar, de início, é por que razão só eu teria notado esta ocorrência de uma ruptura no tempo. Atribuí ao fato de que poucas pessoas, hoje em dia, têm o domínio do próprio tempo como eu. Vivem apressadas, correndo daqui para ali. Basta ver como anda o trânsito nestas ruas, que um dia foram tão pacatas. É só haver um pequeno incidente, um velhinho atravessando a pista mais devagar, e as buzinas são acionadas com impaciência. Todos parecem que estão correndo para tirar o pai da forca, como se dizia no tempo dos meus pais. Sabem a origem desta expressão? Diz a lenda que ela é atribuída a Santo Antônio, que correu a livrar o próprio pai de ser enforcado.

    Foi, então, caminhando pela praia, que me ocorreu, pela primeira vez, a ideia de sequestrá-la. Não se espante. Sim, sequestro. Num primeiro instante repeli qualquer pensamento deste tipo. Depois comecei a fazer pequenas concessões. Talvez só um sequestro relâmpago. Apenas para comprovar minhas teorias. Como reagiria um ser galático ao se ver privado de liberdade? Pronunciaria palavras estranhas, espernearia, ameaçaria seu sequestrador com raios cósmicos? Depois rejeitei com vigor esta ideia maluca, logo eu, uma pessoa que se considerava do bem, apesar de uns pequenos deslizes. O que pensariam meus amigos lá do Jobí, ou da Confraria? Passado um primeiro instante de perplexidade comigo mesmo, comecei a gostar dos detalhes. Apareceu-me um sorriso estranho, algo assim meio malévolo, como pude observar no espelho lá de casa. Nascia, tenho certeza agora, um novo homem com manifestações que talvez tivessem ficado ocultas por décadas a fio. Ou manifestações ancestrais, quem sabe? Uma conhecida minha diria: Não, você sempre foi assim, só nunca quis aceitar.

    Outro dia me disseram, para meu horror, que há pessoas que já nascem más. Falávamos a respeito do comportamento de crianças nos primeiros anos de escola. Eu prefiro acreditar em Jean-Jacques Rousseau: O homem é bom por natureza, a sociedade é que o corrompe. E se assim for, eu aplaco a minha consciência. É impossível continuar sendo bom na sociedade em que vivemos atualmente. Fui corrompido por ela.

    Se eu a sequestrasse e ela não desaparecesse, ou gritasse por socorro, ou pedisse clemência, de joelhos, então ela não seria uma entidade, mas apenas uma moça perdida, que por uma estranha razão cruzava o meu caminho quase todos os dias. Mas, olha, é muita coincidência mesmo. Não é uma coisa trivial. Vocês dirão, com ar de reprovação, que ninguém fica observando todas as pessoas que cruzam o nosso caminho, no dia a dia do bairro. Eu fico.

    Então, supondo que as reações fossem de um ser humano absolutamente normal, assim mesmo eu a manteria sequestrada. Foi o que pensei. Ela merecia, dizia para mim mesmo, como a justificar mais uma vez a minha atitude. A gente leva um certo tempo para aceitar uma maldade, mas depois é fácil. Agora que gostei da ideia, desta aventura, digamos, não vou desistir. Hoje ouvi a notícia de um idoso que matou a esposa de 86 anos porque ela o controlava muito. Olha que absurdo. Ficar controlando um idoso em suas saídas para tomar, certamente, uma água mineral no bar da esquina. Mas não precisava o marido chegar a esse ponto. Ficou fácil matar, é o que parece. Todo dia algum ex-marido, namorado ou amante se sente no direito de matar ou mutilar uma mulher. Até os idosos, vejam só. Talvez seja este um efeito da superpopulação, de que me fala sempre o meu amigo Otávio.

    Comecei a elaborar um plano. Primeiro, pegarei, de súbito, no braço dela. Com suavidade. Se eu estou minimamente certo, ela vai apenas me lançar um olhar de surpresa, mas não vai se opor. Depois, penso em conduzi-la, com firmeza, até o Café Severino. No caminho, já dentro da livraria, vou observar se ela se sente atraída por algum dos muitos livros expostos na Argumento (o café fica lá nos fundos). Tenho certeza que não. Ela não me parece um ser intelectual, destes que vivem a perscrutar lançamentos de livros e capas de revistas. Nunca a vi parada lendo qualquer coisa na banca de revistas. Ali mesmo na esquina da Rua General Artigas, perto do supermercado, tem uma muito frequentada. Sempre que pude observar ela passou direto pela banca. Nem um olhar de curiosidade para a capa daquelas revistas semanais que vivem anunciando o fim da república. Se eu não estiver enganado, ela vai atravessar o corredor da livraria da mesma forma. Olhar perdido no infinito, apenas deslizando entre as prateleiras, os cabelos louros escorridos sobre os ombros esvoaçando. E eu a conduzirei com suavidade, é verdade, mas também com determinação. Não sou bobo. E se ela gritar? Assumirei um ar severo, de quem trata uma deficiente. Lá pedirei café para dois e umas torradas. Ela certamente fará um gesto de enfado, como a sugerir uma repetição. No máximo, levantará um dedo e pedirá para trocar a torrada por um pão de queijo desta vez. Será que eu já a trouxe aqui, em outra realidade?

    Existe isto sim, não fiquei maluco. É uma questão estudada até por Stephen Hawking. Vários universos paralelos que podem conviver ao mesmo tempo. É o chamado multiverso. Os mesmos personagens vivendo caminhos alternativos, possibilidades diferentes. Naquele dia que alguém sofreu um acidente, como seria se ele tivesse retardado por cinco minutos a saída de casa? Dizem os estudiosos deste assunto que esta realidade alternativa existiu e segue seu caminho, com os mesmos personagens, mas histórias diferentes. Já lhe ocorreu que ao ter um sonho em que você está num lugar desconhecido, convivendo com pessoas estranhas, pode estar apenas tendo um rápido insight de uma outra realidade?

    Imagino que não chegaremos a trocar, eu e a desconhecida, uma única palavra. Ela já sabe que a vou sequestrar. Ela já viu e reviu esta cena muitas vezes. Pensará, talvez, com nostalgia, em seus pacientes. Sim, porque eu continuo acreditando que ela seja uma médica. Engraçado que eu também tenho esta desconfiança para mim mesmo, desde que aquela menina, talvez de uns dez anos, sentou-se ao meu lado numa festa, olhou para mim e perguntou: Você é médico? Ao que eu retruquei com veemência, De jeito nenhum. E ela apenas completou Mas você tem cara de médico, o que me deixou perplexo para o resto da noite. Se tive alguma certeza sobre que atividade profissional não gostaria de exercer nesta existência, esta foi a de médico. Então, conheço bem o perfil. Se é verdade que já fui médico, em alguma outra vida passada, como talvez tenha insinuado aquela menina da festa, então tenho razões de sobra para desconfiar desta viajante.

    Meu plano para o sequestro era simples mas parecia exequível. Depois de uma ligeira pausa para o café, eu perguntaria o seu nome. Não é possível a gente sequestrar uma pessoa sem saber o nome dela. Depois eu me renderia ao ar de resignação que ela assumiria, e tomaríamos o caminho do cativeiro.

    Onde eu esconderia a sequestrada? Comecei a pesquisar notícias de jornais para aprender um pouco. Há sequestros relâmpagos, com objetivos definidos de se obter dinheiro em caixas eletrônicos, e este não era o meu caso. Há sequestros com objetivos sexuais, e este ainda não era o meu caso. Há sequestros de devedores, ou para pedirem um resgate, e também não era o meu caso. Então, descobri um filme que mostra um sequestrador compulsivo de mulheres, que as levava para um complexo no subsolo de uma propriedade. Gostei mais desta ideia, mas onde eu encontraria um subsolo disponível no Leblon? Talvez naquela galeria da Ataulfo de Paiva onde eu fazia a mega sena, aquela mesma, ali antes do Jobí. Fui até lá dar uma olhada. Todas eram lojinhas bem simples, há uma costureira, um bombeiro, e várias lojas vazias. Certamente não é um lugar com privacidade. Depois, pensei em levá-la ao supermercado da esquina. Existem uns corredores compridos, cheios de caixas, ninguém notaria, penso eu, uma moça sequestrada. Ou talvez sim. Aquele gerente desagradável vive fiscalizando os cantos. Certamente para apanhar algum casal de funcionários em atitudes suspeitas, com longos suspiros e discretos gemidos, durante o expediente. É, o supermercado não serve. Passando pela Praça Antero de Quental ocorreu-me de deixá-la dentro da estação do metrô. Existem muitas portinhas, alguma delas há de se abrir muito raramente, talvez sirva de depósito para material de limpeza. Como os funcionários não me parecem, nunca pareceram, muito afeitos à limpeza, talvez uma destas portinhas fique eternamente fechada. E com a circulação interminável de pessoas, quem há de reparar numa pobre moça, pálida, conformada, triste, de cabelos louros escorridos, dentro de um cubículo? Ainda mais se ela lá ficar sem dizer uma palavra. Comecei a achar a estação um bom lugar. Até porque quando os jornais noticiassem o fato daria uma boa manchete. Algo assim como A loura encarcerada na estação do metrô Antero de Quental. Algo vagamente surrealista e literário. Gostei.

    Comecei a fazer uns passeios de metrô só para poder testar as portinhas da estação. Apanhava o metrô direção Botafogo, descia na Praça Nossa Senhora da Paz, voltava direção Jardim Oceânico, descia na estação Antero de Quental. Fingia estar meio perdido, tentava abrir alguma porta, existem várias. Se dava de cara com algum segurança ou funcionário, fingia desorientação. Todos têm muita complacência com pessoas perdidas. Um turista, talvez. Destes que acabaram de chegar de Minas, não sabem bem para que lado é o mar, nem como chegar a Copacabana. Finalmente escolhi uma portinha bem discreta. Ela fica no fim de um corredor onde os passageiros passam apressados, indo em direção ou vindo das plataformas. Ali, pensei, ela poderia gritar à vontade, quem escutaria? Talvez meu amigo Marcondes, sempre atento aos detalhes. Mas ele mora longe, não costuma frequentar estas paragens. Bem, existe o problema das horas mais tarde, onde são escassos os passantes, e mais disponíveis os seguranças. Este problema eu resolveria depois. Conto com a colaboração da sequestrada, afinal de contas. Não se pode fazer tudo sozinho. Como sou inexperiente nestes assuntos, será preciso que ela me facilite um pouco a empreitada. Algo assim como aplicação prática da Síndrome de Estocolmo. Então, estava decidido. O cativeiro seria mesmo na estação do metrô. Fiquei satisfeito com o andamento do plano, já parecia coisa de filme americano. De vez em quando, eu até murmurava um "Well, let´s see what happens."

    Pois hoje fui apanhado de surpresa. Desço de uma consulta médica de rotina, e a vejo entrando nas Lojas Americanas da Ataulfo de Paiva. Que coisa engraçada. Será que ela também faz compras? Não, talvez apenas compare preços. Fiquei atento, reparando se outras pessoas a notavam. Ninguém notou. Já deviam ser umas seis horas da tarde, e isto me inquietou. Eu costumo vê-la nas manhãs ensolaradas, uma vez ou outra em dias chuvosos, parada debaixo de uma marquise, mas sempre pelas manhãs. Cheguei a cogitar que seria um problema de fuso horário naquela possível outra galáxia. Não daria tempo para ela aparecer de tarde. Nunca a vi frequentando o Celeiro, por exemplo, o que demonstra cabalmente que ela não é uma habitante desta vila. Nunca a vi sorrindo. Minto, vi sim. Estava na porta do Hortifruti de conversinha, para minha surpresa, com um casal de portugueses meus conhecidos das caminhadas. Eu ainda tentei pescar um pouco da conversa, não deu. Suponho que estivesse pedindo indicações. Onde encontrar um sapateiro nas vizinhanças, ou onde seria o consulado da Rússia (ali pertinho), ou talvez como se faz para apanhar um Uber. Supondo que ela seja mesmo uma viajante do espaço, tudo aqui é novidade. Eu pensei, naquela hora, que deveria acelerar meus planos. Ela poderia evaporar-se a qualquer momento, como a Efigênia, a gênia estagiária, do programa humorístico.

    Liguei para o Mário, um daqueles velhos amigos do Jobí versados em astrologia, e indaguei se esta época do ano seria propícia para novos empreendimentos. Ele ficou imediatamente excitado, o que me aborreceu um pouco. Pensou que eu estava querendo me lançar como importador de vinhos espanhóis, não sei de onde ele tirou esta ideia maluca. E começou, ao telefone, uma ladainha de nomes obscuros para mim. Era Rioja, Rías Baixas, Priorato, Ribeira del Duero e mais uma quantidade enorme de sugestões. Dê preferência a uvas autóctones, como a Tempranillo, disse-me ele. Fui obrigado a interrompê-lo, coitado, para dizer que não era nada disso. Era apenas uma venda, pela internet, de bitcoins. Eu disse que era coisa pequena, alguns poucos milhões de reais, e ele quase se engasgou do outro lado da linha. Foi o que bastou para ele mudar de tom. Passou a me fazer mil recomendações. Que eu era inexperiente, que isso era negócio para cachorro grande (palavras dele), que eu iria me dar mal, teria que emigrar para a Islândia, e não sei mais o quê. Eu já estava arrependido de

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