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Contos de Santiago
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E-book318 páginas3 horas

Contos de Santiago

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Sobre este e-book

Uma jornada em busca do amor pelo Caminho de Santiago

Beth é uma mulher cuja vida está desmoronando, ela está com problemas no casamento, sua carreira está em crise e sua saúde não está nada boa.

Quando ela descobre que seu marido está levando uma vida dupla, ela percebe que precisa se afastar da vila onde mora, onde todos sabem tudo sobre a vida dos outros, e passar um tempo sozinha. Ela decide fazer algo que nunca fez antes. Ela embarca em uma peregrinação a Santiago de Compostela.

Enquanto Beth percorre os oitocentos quilômetros pelo norte da Espanha, ela é testada tanto fisicamente quanto emocionalmente. Ela chega às profundezas do desespero e sente vontade de desistir, mas depois conhece outros peregrinos: um soldado ferido no Afeganistão, uma mulher que procura seu filho perdido, uma freira devota, um viúvo que pensa que sua vida acabou e muitos outros, cada um tem sua própria história para contar. Todo mundo tem um segredo em suas vidas.

Quando ela chega a Santiago de Compostela cinco semanas depois, ela percebe que a jornada a mudou de uma forma que ela jamais esperava.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento12 de jun. de 2021
ISBN9781071524718
Contos de Santiago
Autor

Joan Fallon

Dr. Joan Fallon, Founder and CEO of Curemark, is considered a visionary scientist who has dedicated her life’s work to championing the health and wellbeing of children worldwide. Curemark is a biopharmaceutical company focused on the development of novel therapies to treat serious diseases for which there are limited treatment options. The company’s pipeline includes a phase III clinical-stage research program for Autism, as well as programs focused on Parkinson’s Disease, schizophrenia, and addiction. Curemark will commence the filing of a Biological Drug Application for the first novel drug for Autism under the FDA Fast Track Program. Fast Track status is a designation given only to investigational new drugs that are intended to treat serious or life-threatening conditions and that have demonstrated the potential to address unmet medical needs. Joan holds over 300 patents worldwide, has written numerous scholarly articles, and lectured extensively across the globe on pediatric developmental problems. A former adjunct assistant professor at Yeshiva University in the Department of Natural Sciences and Mathematics. She holds appointments as a senior advisor to the Henry Crown Fellows at The Aspen Institute, as well as a Distinguished Fellow at the Athena Center for Leadership Studies at Barnard College. She is also a member of the Board of Trustees of Franklin & Marshall College and The Pratt Institute. She currently serves as a board member at the DREAM Charter School in Harlem, the PitCCh In Foundation started by CC and Amber Sabathia, Springboard Enterprises an internationally known venture catalyst that supports women–led growth companies and Vote Run Lead, a bipartisan not-for-profit that encourages women on both sides of the aisle to run for elected office. She served on the ADA Board of Advisors for the building of the new Yankee Stadium and has testified before Congress on the matters of business and patents and the lack of diverse patent holders. Joan is the recipient of numerous awards including being named one of the top 100 Most Intriguing Entrepreneurs of 2020 by Goldman Sachs, 2017 EY Entrepreneur of the Year NY in Healthcare and received the Creative Entrepreneurship Award from The New York Hall of Science in 2018.

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    Contos de Santiago - Joan Fallon

    A romancista escocesa Joan Fallon vive e trabalha no sul da Espanha. Ela escreve ficção contemporânea e histórica, quase todos os seus livros têm uma protagonista feminina forte. Ela é autora de:

    FICÇÃO:

    Spanish Lavender

    The House on the Beach

    Loving Harry

    The Only Blue Door

    Palette of Secrets

    The Thread That Binds Us

    The al-Andalus series:

    The Shining City (Book 1)

    The Eye of the Falcon (Book 2)

    The Ring of Flames (Book 3)

    NÃO-FICÇÃO:

    Daughters of Spain

    (todos estão disponíveis em brochura e ebooks)

    www.joanfallon.co.uk

    Joan Fallon

    Contos de Santiago

    © Copyright 2013

    Joan Fallon

    O direito de Joan Fallon de ser identificada como o autora deste trabalho foi afirmado por ela de acordo com o Copyright, Designs e Patents Act 1988

    ISBN 978 107 154 1609

    AGRADECIMENTOS

    Embora Os Contos de Santiago seja uma obra de ficção, gostaria de agradecer a ajuda que recebi das seguintes fontes:

    Em setembro de 2011, June Holland percorreu o Caminho de Santiago de Roncesvalles até Santiago de Compostela. Ela levou cinco semanas. Meus sinceros agradecimentos a June pelo tempo que ela passou falando e compartilhando suas experiências comigo.

    Um livro inestimável para peregrinos e escritores sobre o Caminho é Caminho de Santiago, de John Brierley, publicado pela primeira vez em 2003.

    Sou grata também às várias postagens na internet por peregrinos que queriam deixar registradas as suas experiências, em particular Caminho de Santiago em 20 Dias, de Randall St Germain. Meus agradecimentos e admiração a todos eles.

    PRIMEIRA SEMANA

    DIA 1

    CAPÍTULO 1

    BETH

    Por um momento Beth acha que está de volta ao hospital, a cama é dura e tem aquele murmurinho constante de pessoas e barulho de portas abrindo e fechando. Ela abre os olhos e pisca, tentando reconhecer em sua volta. Não, não é o hospital, agora se lembrou. Ela está na Espanha e por conta própria. Pela primeira vez na vida está viajando sozinha. Não tem Joe para acompanha-la, para rir das suas piadas e fazer com que a jornada fique mais fácil. Aonde ele está hoje? Ela se pergunta. O que está fazendo? Uma onda de amargura a atinge e ela consegue sentir o gosto amargo na boca. Provavelmente ele está ocupado com o maldito Test Match, como de costume.

    Ela senta e olha em volta. O quarto é simples, limpo e com tinta recente. O piso é de azulejo quadrado em preto e branco. Ela está na cama de baixo de um dos dois conjuntos de beliches que estão isolados do resto do alojamento por duas divisões, cada uma de um lado. O homem da cama ao lado já está de pé e vestido, ele está amarrando suas botas, cuidadosamente passando o cadarço em volta do tornozelo e fazendo um nó duplo.

    — Oi, espero que eu não tenha te acordado — disse o homem com um sorriso preguiçoso —, quero acordar cedo antes de todo mundo.

    Ele tem sotaque americano.

    Ela percebe que o dia mal amanheceu, ainda assim, pelo periférico da visão, nota que as pessoas já estão se mexendo, tossindo e fazendo aqueles sons matinais que são universais.

    — Na verdade não. Mas parece que todos já levantaram, então eu devo levantar também, — ela responde.

    — Você vai ver, é melhor estar na estrada no primeiro raiar do sol, para começar, é mais fresco.

    — Não pretendo ficar nessa cama, de qualquer forma, — ela diz para ele — essa cama é mais dura que uma tábua.

    — Não é exatamente um Ritz, não é? — ele pergunta.

    Ela observa ele enfiar suas coisas e um travesseiro numa mochila, enrolar seu saco de dormir e prender na parte de cima, e em seguida prender o pacote inteiro nas costas.

    Buen camino — ele diz e vai embora.

    Buen caminho, tenha uma boa caminhada, — ela espera que isso seja verdade. No momento ela tem dúvidas sobre a sabedoria das suas ações. Tudo parecia tão simples quando estava fazendo o planejamento da viagem em casa. Joe e ela tinham experiências em fazer caminhadas, além de terem caminhado por toda a Inglaterra por anos, já passaram férias fazendo trilha no Pireneus, escalando montanhas no País de Gales e, antes de ficar doente, considerou fazer caminhada no Nepal. Então, Caminho de Santiago parecia nada mais que apenas mais uma caminhada, sua dificuldade comparada com as outras. A única diferença é que agora ela faria esse trajeto sozinha.

    Ela foi meticulosa na sua preparação, focando em ganhar força nas pernas ao caminhar dez quilômetros por dia e, ocasionalmente, encaixando uma caminhada mais longa de cerca de trinta quilômetros. As vezes ela dirigia-se para as áreas montanhosas de Exmoor e atravessava as colinas, outras vezes fazia o caminho pela costa ou pegava um atalho nas estradas de terra de Barnstaple. Ela estava se sentindo preparada para qualquer coisa que pudesse acontecer nessa viagem. Mas, havia um aspecto para o qual ela não tinha considerado: o fato de que ela poderia acordar num quarto repleto de estranhos. Somente quando ela estava no ônibus lendo o guia de viagem sobre o albergue dos peregrinos onde ela planejava passar a primeira noite que ela percebeu que esse hospital medieval convertido em albergue oferecia aos viajantes uma escolha entre cento e vinte camas, todas num único cômodo enorme. A ideia de dormir com mais de cem outros peregrinos a encheu de uma ansiedade irracional. Como ela lidaria com os roncos e gemidos de tanta gente ao seu redor durante as noites, sem contar o cheiro daqueles corpos tão próximos? Ela sentia náusea só de pensar nisso, se fosse possível, voltaria atrás sem pestanejar. Mas o ônibus para Pamplona passava somente uma vez por dia, então ela não tinha escolha a não ser fazer o check-in com todos os outros turistas.

    Eles eram todos tão jovens e entusiasmados, ela ficava cansada só de olhá-los, com suas vistosas e novas mochilas e botas de caminhada limpas. Enquanto caminhavam, sus conversas animadas intercalavam-se com a batida dos galhos de árvore que usavam na estrada de asfalto. Eles pareciam vir de todas as direções, e eram muitos, como se todos os jovens da Europa estivessem convergindo em Caminho de Santiago naquela tarde de outono. Não é de espantar que o jovem da cama ao lado quisesse sair cedo, pensa ela.

    Na verdade, como percebe no momento, os medos dela sobre o hostel, ou albergue como é universalmente conhecido no Camino, não tinham fundamentos. Ela mal notou o rapaz na noite anterior, nem mesmo os ocupantes das outras duas camas e, embora não tivesse sido uma noite perfeita, certamente não tinha sido ruim o suficiente para impedi-la de fazer a viagem que planejou.

    Ela veste os seus shorts, encontra umas meias limpas em sua bolsa e, em seguida, coloca o item mais importante de um viajante, as botas. Elas já estão velhas e desgastadas, mas não confortáveis. Sou uma fazedora de trilha experiente, diz a si mesma, já andei muitos quilômetros com essa bota, não trilhas difíceis, porém longas. Caminhar a ajuda relaxar, tem um jeito de fazer parar seus pensamentos de ir de encontro com sua imaginação atormentando-a com imagens sombrias do futuro.

    Ela sai para a luz pálida da manhã, há uma ligeira névoa que fica suspensa no ar, fazendo-a tremer. Ela desliza o poncho à prova d'água sobre a cabeça e sai, seguindo as flechas que a guiam pelo caminho. Tem muito deles, mas parecem quase supérfluos, com tantos peregrinos se movendo na mesma direção. Ela se junta à procissão desgrenhada de roupas brilhantes, jaquetas fluorescentes e postes brilhantes que, se vistos de cima, devem criar a impressão de uma cobra grande e multicolorida, serpenteando pela encosta. As botas dos peregrinos fazem um estrondo silencioso ao longo das ruas de paralelepípedos como o rosnado de algum animal místico. É isso que ela quer, ela se pergunta, ser apenas mais um peregrino em uma multidão anônima? Talvez seja. Talvez ela possa se perder aqui entre todos esses estranhos.

    Ela os segue até a periferia da cidade, onde alguns dos peregrinos pararam para tirar suas fotos por uma placa de trânsito que proclama, quase com uma alegria inanimada, "Santiago de Compostela 790 km". 

    "Olha o quão longe é, quase oitocentos quilômetros. Você vai fazer isso?" a placa a desafia. "Você está pronta para este desafio?"

    Ela se sente derrotada antes de começar e mais uma vez considera a possibilidade de abortar a caminhada.

    — Quer que eu tire sua foto? — uma garota pergunta.

    — Não, obrigada, eu não tenho uma câmera, — ela diz.

    — Bem, no seu celular, então.

    — Também não tenho celular, desculpe.

    — Sem celular.

    A garota não poderia ficar mais surpresa.

    — Mas e se algo acontecer? E se alguém quiser entrar em contato com você?

    Ela encolhe os ombros. Ela tinha ouvido o mesmo argumento de Joe.

    Os peregrinos estão se afastando agora, a cobra está se dividindo em segmentos. Alguns caminham em pequenos grupos, conversando, outros em pares e alguns, como ela, caminham sozinhos. Todos os conselhos que ela leu dizem-lhe como é importante andar em seu próprio ritmo, ela sabe que, se tentar acompanhar alguns desses jovens, logo estará exausta.  Ela quer andar sozinha, há um longo caminho a percorrer: setecentos e noventa quilômetros, lembra ela.

    Logo ela se vê andando em uma estrada de terra suja através de bosques úmidos onde samambaias escuras cobrem o chão e esquilos pulam de árvore em árvore e lá, no meio do caminho, sombreada por árvores de carvalho e olmo, está uma antiga encruzilhada de pedra, coberta de líquen.  Esta é o Cruzamento dos Peregrinos, construída para guiar e proteger os peregrinos e purificar a floresta do mal.  Ela está na Floresta Sorginaritzaga, o Bosque de Bruxas de Carvalho. À sua frente, mais afundo na floresta, é o local de um coven de bruxas.  É aqui que, no século XVI, a Igreja Católica ordenou que nove pessoas fossem queimadas na fogueira por bruxaria.  Ela estremece com o pensamento e anda um pouco mais rápido.

    Estes são os Pirinéus Atlânticos, uma paisagem mais suave e ondulada do que os seus homólogos orientais. A princípio, a caminhada não é difícil, o caminho desce morro abaixo, mas de acordo com seu livro guia, agora que ela deixou Roncevalles, o caminho começará a subir montanha acima até alcançar o Alto de Mezquiriz, o ponto mais alto dessa etapa do Caminho. A partir daí, voltará a descer, até Larrasoaña.

    Hoje é o aniversário dela. Ela não contou a ninguém. Não há ninguém aqui para contar. Ela está fazendo cinquenta anos. Cinquenta anos e o que ela fez com sua vida?  Meu Deus, o que aconteceu com todos aqueles planos e ideias que ela tinha?  Ela havia treinado como jornalista e planejava ser uma correspondente estrangeira, esse era o seu objetivo. Foi disso que eles falaram quando ela estava na universidade. Aquilo era tudo que ela sempre quis ser. A maioria de seus amigos estava na faculdade estudando Inglês, mas poucos deles queria ser jornalista, os demais usavam seus diplomas como passaportes para empregos na área de educação, na BBC ou, no caso de um deles, na Royal Shakespeare Company. Ela se pergunta o que aconteceu com eles agora?  Eles tiveram sucesso em suas vidas ou estão, como ela, lamentando o fato de terem alcançado meio século sem realmente conseguir nada? E o que tem ela? Em vez de se tornar a mulher-âncora de notícias do Channel 4, ela engravidou e se casou com Joe.

    Ela já está cansada e decide descansar. Pensar em seu aniversário a fez sentir pena de si mesma, algo que ela tenta evitar. Ela sabe que não faz sentido lamentar o passado, mas é difícil não o fazer.

    Ela senta em uma pedra ao lado do caminho e olha em sua volta.  Adiante ela pode ver o brilho do rio Erro, enquanto serpenteia pelo vale em direção ao mar. O caminho faz várias curvas e desce a encosta da montanha, mas, a não ser por um borrão de vermelho ao longe, provavelmente o último dos peregrinos desaparecendo de vista, não há ninguém por perto. Apesar do sol, que agora está ficando cada vez mais forte, ela se sente arrepiada. Mesmo nos pântanos, ela nunca se sentiu tão isolada quanto agora.

    Se levanta. Se ela seguir o caminho, ela a levará até a beira do rio, onde poderá encher sua garrafa de água. Com cautela, ela desce pelas encostas cobertas de cascalho até chegar a margem.  O rio flui rapidamente e a água cai sobre as rochas, criando mini cachoeiras que brilham ao sol, ela cruza com cuidado, pulando de um degrau para outro até chegar do outro lado. A margem gramada do rio está seca e coberta com flores silvestres.  Ela se senta novamente, deixando sua mochila escorregar de seus ombros para o chão ao lado dela. Não há ninguém por perto.  Um silêncio paira no ar como um feitiço esperando para ser quebrado. Sem se mover, ela observa os peixes, nadando para a frente e para trás entre os bancos de areia.  Um lampejo de azul iridescente chama a atenção dela, dizendo que sua presença perturbou um pássaro. Ela espera e ele retorna, a perspectiva de uma refeição é muito tentadora para ele e, quase antes de perceber, ele pega um peixe e vai embora. A visão deste lindo pássaro a anima e, por nenhuma razão aparente, ela se vê sorrindo. Seria bom ficar um pouco mais e ver o sol continuar subindo no céu, expulsando a bruma matinal, mas ela precisa seguir em frente.  E além disso, ela está com fome. Ela não comeu nada desde o pão de queijo que comeu no ônibus, na noite anterior. Ela se inclina para frente, mergulhando a mão no rio.  A água é cristalina e fria como gelo, vinha diretamente das montanhas. Beth desenrosca a garrafa de água e a enche.  Ela joga um pouco de água no rosto e se levanta.

    O caminho continua através de florestas arborizadas até atravessar uma estrada principal. À sua frente, ela vê uma torre de igreja, ela chegou à pequena aldeia de Gerendiain. Hora de parar e tomar café da manhã.

    Há alguns peregrinos à sua frente, possivelmente já fizeram uma parada e estão a caminho de novo, porque não hesitam, mas caminham propositalmente pelo aglomerado de casas. Ela entra no que ela supõe ser a praça principal, uma pequena área cercada por casas de pedra e encontra um café.  Um casal de idosos está sentado em uma das mesas, com suas mochilas e estandartes de peregrinos a seus pés.

    — Olá, — o homem diz.

    Ele parece um professor aposentado, com seu cabelo branco cuidadosamente penteado e óculos redondos.

    — Oi.

    A mulher olha para ela e sorri.

    — Você parece exausta, — diz ela.

    Ela está comendo um sanduíche grelhado enorme.  O cheiro do queijo é de dar água na boca.

    — Suponho que sim — Beth responde.

    Ela se senta à mesa ao lado deles.

    — Meu nome é Jill, — a mulher diz a ela.  — E este é o meu marido, Dennis.

    — Olá, sou a Beth.

    — Sua primeira vez no Caminho? — Dennis pergunta.

    Ela acena a cabeça.  Ela quer atrair a atenção do garçom, que está conversando com um grupo de peregrinos na outra mesa.  Por fim, ela consegue captar a atenção dele e ele vem em sua direção.

    — Um daquele, — ela pede, apontando para o sanduíche meio comido da mulher.  — E um café preto grande.

    O garçom diz alguma coisa em espanhol, ou basco, seja lá o que for, ela não entende.  Não parece importar, porque ele vai embora e logo retorna trazendo-lhe o sanduíche e o café.

    — Esta é a nossa terceira vez, — diz Dennis, com orgulho. — A primeira vez que fizemos apenas os últimos cem quilômetros, mas foi o suficiente para obter nossos certificados.

    — Nós ainda estávamos trabalhando na época, — acrescenta Jill.  — A gente só podia tirar umas duas semanas de folga.

    — Agora que estamos aposentados, estamos fazendo tudo.

    Eles são um casal agradável, mas Beth não está a fim de conversar.  Ela está com fome e cansada.  É surpreendente o quanto a caminhada a deixou exausta.  Ela pega uns comprimidos e coloca um na boca.  Jill está olhando para ela, mas não comenta.

    — A segunda vez que fizemos o Camino del Norte, — continua Dennis.  — Pegamos o barco para Santander e descemos de lá.

    — Sim, mas desta vez queríamos fazer tudo direito, — continua Jill.  — Nós nos permitimos dois meses, para que possamos fazer todos os rodeios e tudo mais.

    — Vamos para Finisterre depois também.

    — Parece bom", diz Beth.

    Ela está gostando do sanduíche e o café está quente e forte, assim como ela gosta.  Ela sente sua energia retornando.

    — Você está se sentindo melhor agora, querida? — Jill pergunta.

    — Sim, estou bem.  Provavelmente deixei meu nível de açúcar ficar muito baixo.  Talvez eu devesse tomar café antes de partir hoje de manhã.

    — Nós sempre tomamos.  Um bom café da manhã às seis e depois seguir nosso caminho — diz Dennis.  — Depois uma parada para um café quando sentimos que precisamos descansar.

    — Gostamos de tomar nosso próprio tempo, — confessa Jill.  — Afinal, agora que estamos aposentados, temos tempo para parar e sentir o cheiro das flores.

    Ela ri.

    Ela deve ter sido uma mulher bonita quando mais nova, Beth pensa, olhando para o nariz arrebitado e os olhos amendoados, agora sua pele cai em dobras suaves e linhas finas cruzam seu pescoço.  Ela está usando um chapéu largo feito de um algodão amarelo brilhante, ele lança um brilho dourado em seu rosto.

    — Aonde está indo? — Dennis pergunta.

    — Larrasoaña.

    — São mais quinze quilômetros, — diz ele.  — Você deve chegar lá a tempo para o almoço.

    O garçom se aproxima e dá a conta.

    — Bem, vamos indo.  Vejo você em Larrasoaña, talvez.

    — Sim.

    Buen camino, — diz Jill, puxando o chapéu com firmeza na cabeça.  — Tenho certeza de que nos encontraremos com você de novo. Você ficaria surpreso com a frequência com que se encontra com as mesmas pessoas.

    Buen caminho — ela responde.

    Ela termina seu café da manhã e paga o garçom.

    — Você é inglesa? — ele pergunta a ela enquanto conta o troco dela.

    — Sim.

    — Muitas inglesas fazem trilhas em Caminho, — ele diz.  — O clima agora está bom.  Sem chuva.

    — E não muito quente, — acrescenta ela, pegando sua mochila.

    — Boa sorte.  Buen caminho — ele diz.

    Obrigada.

    Ela segue o caminho logo após Jill e Dennis, mas não há sinal deles agora.

    Ela consegue caminhar firmemente pelas próximas duas horas, parando apenas ocasionalmente para encher sua garrafa de água de uma das muitas fontes no caminho ou apenas para sentar e ouvir as claraboias por alguns instantes.  Ela pensa no que Jill disse sobre tirar um tempinho para parar e cheirar as flores, se essa viagem fizer alguma diferença em sua vida, é exatamente isso o que ela precisa aprender a fazer. 

    Ao se aproximar de Larrasoaña, o campo ia ficando mais cultivado até que ela alcançou as pastagens pontilhadas de rebanho bovino.  Cerca de dois urubus circulam bem acima de sua cabeça, sumindo e aparecendo enquanto voam entre as nuvens.  Eles a faz lembrar de casa.  Por um momento seus olhos se enchem de lágrimas quando pensa nos dias em que ela e Joe passeavam pelos pântanos, ouvindo o som dos urubus que voavam acima deles.  Como ela o amava naquela época.

    Eles se conheceram quando ela trabalhava no Bideford Gazette, era seu primeiro emprego, saiu direto da universidade com olhos brilhantes.  Joe, era mais velho que ela e extremamente bonito, já era um jornalista estabelecido, escrevia a coluna de esportes para o Gazette e trabalhava como freelancer para vários outros jornais.  Foi amor à primeira vista.  Era impossível ter sido de outra forma.  Ele era alto e tinha os ombros largos, um homem muito viril, com a barba por fazer, não se importava se tivesse que fazê-la.  Não era apenas George Michael que podia fazer seu coração bater forte naqueles dias, Joe tinha sex appeal e muito mais.  Mas não era apenas a questão de que ela o amava, ela o admirava também, ele tinha tudo, não só fama, ele era respeitado e tinha o reconhecimento de seus colegas e conhecidos.  Ele tinha tudo o que ela queria: uma carreira de sucesso no jornalismo.

    Eles viveram juntos por um tempo numa cabana de pescadores pequena perto do porto.  Ela se lembra daquela cabana com carinho, porque, apesar das paredes úmidas, das janelas encobertas e da falta geral de espaço, eles eram muito felizes lá.  Ela continuou escrevendo sua coluna sobre eventos locais.  Todo verão ela frequentava festas de jardins, escrevia sobre os vencedores do pão de ló mais leve, da melhor geleia de ameixa, do maior osso, dos tomates mais maduros.  Beth, juntamente com os adolescentes espinhosos que o Gazette empregava como fotógrafos, comparecia aos dias de esportes das escolas locais, registrava os vencedores da corrida de colher e ovos, salto em altura, salto em distância e outras competições de salto que eles faziam, ia a gincanas, natação e, no inverno, concertos de Natal.  Não foi isso o que tinha planejado, mas ela tinha Joe e era isso que importava, ela estava feliz.

    Ela enxugou os olhos com a ponta do lenço que colocara no pescoço e tentou soltar um sorriso tímido.  Pelo menos ela não precisa mais comparecer a essas terríveis apresentações de Natal.  Ela abriu mão de seu emprego no Bideford Gazette há cinco anos quando ficou doente e não escreveu mais nenhuma palavra desde então. 

    Ela pega o seu guia.  À sua frente encontra-se o rio Arga, ela está a pouco mais de três quilômetros de seu destino.  Ao contrário do rio anterior, o Arga é muito mais largo e fundo para atravessar a pé, mas há uma ponte estreita que, de acordo com uma placa pintada na margem, é o ponto de passagem dos peregrinos desde o século XIV.  Ao pisar na ponte ela não consegue evitar a sensação de estar seguindo os passos de uma longa fila de peregrinos, que se estende por séculos.  Todas as pessoas que já atravessaram esse rio têm seus próprios problemas, esperanças e sonhos, muitos estariam esperando por um milagre, alguns teriam buscado por perdão.  Por um instante, ela se vê não como

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