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PÉTALAS ESPARSAS
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PÉTALAS ESPARSAS
E-book397 páginas4 horas

PÉTALAS ESPARSAS

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Sobre este e-book

Fruto de mais de 10 anos de trabalho, mistura sensibilidade e poesia, através da história profunda de um belíssimo amor e de muitas reflexões para a vida!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de dez. de 2019
ISBN9788540031340
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    Pré-visualização do livro

    PÉTALAS ESPARSAS - Pablo Bernardes

    Pablo Bernardes

    PÉTALAS

    ESPARSAS

    se existe Amor, existem Pétalas...

    se não existe, tudo é em vão

    Goiânia-GO

    Kelps, 2019

    Copyright © 2019 by Pablo Bernardes

    Editora Kelps

    Rua 19 nº 100 – St. Marechal Rondon

    CEP 74.560-460 – Goiânia-GO

    Fone: (62) 3211-1616

    E-mail: kelps@kelps.com.br

    homepage: www.kelps.com.br

    Programação visual

    Tatiana Lima

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

    BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS

    DIREITOS RESERVADOS

    É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

    Impresso no Brasil

    Printed in Brazil

    2019

    a meu amado Deus, que criou e embelezou as flores...

    à minha esposa Monique, que se parece muitíssimo com elas...

    aos meus filhos Luca e Mariana, que gorjeiam alegria no meu ninho-coração..

    aos meus Pais, que semearam as raízes do que sou...

    aos meus Irmãos, que compartilham comigo do mesmo tronco...

    à minha avó Juracy, que fornece sombra nos dias quentes...

    à minha tia Dora, que despetala versos nos encontros da família...

    aos Mestres da língua, que me proveram da seiva necessária...

    e a Todos aqueles que plantam boas sementes e cultivam belos jardins...!

    Agradecimentos

    À amiga e web designer Aline Cristine Abrantes Fernandes, pelo belo trabalho na capa do livro e no vídeo de divulgação...

    Ao professor e mestre Carlos André Pereira Nunes, pelas instruções de Língua Portuguesa no decorrer desta escrita...

    Ao amigo e instrumentista Cleber Ferreira, pela transformação das músicas compostas para este livro em partituras...

    Ao produtor e amigo Marco Aurélio Monteiro da Silva, pela admirável produção da música-tema deste romance...

    À Kelps, pelo trabalho primoroso de editoração...

    À minha querida esposa, aos meus pais, familiares e amigos, pelo apoio, incentivo e auxílios vários...

    A meu amado Deus, pelas pétalas de inspiração poética e pelos ensinamentos de vida!

    Toda honra e glória ao Senhor!

    Prefácio

    cinco horas da manhã. com o céu ainda noite, um Pequeno senhor pega sua enxada. quando morreu, ele a tinha nas mãos.

    por essas Mãos, a chacrinha bem cuidada se encheu de Frutos e Flores, que ornavam a casa e o lago, pelas mesmas mãos construídos.

    por essas Mãos, o café da manhã esperava na mesa, todos os dias, pela família que iria despertar. e, ao lado de uma das xícaras, Rosas cheirosas ainda exalam...

    por essas Mãos, mais de cem crianças órfãs ganharam um Lar.

    vovô não poupava Esforços, apesar da chagas que o importunava. não perdia a Fé, apesar de não saber que o alimento viria, nalgumas vezes, somente após sua oração de Gratidão. não se intimidava, apesar de sua tão simples Sabedoria.

    − um homem se mede daqui pra cima! − dizia ele, apontando o pescoço.

    do seu Amor floriram Pétalas, até hoje Regadas por muitos.

    − que Saudade do senhor, vovô! − e nem o conheci...

    mas conheci minha avó, e ela me ensinou tanto! deu-me meus primeiros livros, com os quais eu me deliciava em meio a frutas, nuvens e bolachas, deitado sobre o telhado de casa.

    vovó tinha mais instrução: era professora. no único livro que escreveu (não publicado), contava a Dor de uma mãe vendo o seu filho, crescido, partindo talvez para sempre! os Filhos da vovó, no entanto, eram mais de cem! e eles, Pétalas da mesma Flor, tornavam-se Pétalas esparsas no mundo, mas não distantes do coração de quem a elas Dedicou a própria vida!

    por isso, este livro é Fruto de todos, de qualquer um; basta existirem Pétalas:

    é Fruto da mãe diligente que Cuida do filho doente; do filho que pacientemente Conforta seu pai; do Amigo distante que nunca se vai...

    dos Tão namorados de agora; dos Tão namorados de sempre; dos tantos nos quais a Riqueza do Amor se Aprimora...

    daquele que Zela com Fidelidade da sua mais Bela metade; e do outro que trai sem respeito e afeição, mas Implora sincero Perdão...

    é Fruto do Amor que começa; do Amor que virá; do Amor que não cessa nem fraquejará...

    do Amor Desmedido, Leal, Destemido; das grandes Histórias; do Cotidiano; e mesmo das poucas fagulhas de Amores humanos nas muitas escórias!

    pois Amar e Ser Amado é o ideal. mas o Amor, por ser Amor, deve Florir ao natural; sem razões nem manual; sem pressão de ação oposta (deve vir sem exigências ou pendências de resposta)...

    como Pétalas e Pétalas Esparsas num caminho com o intuito singular de Enobrecerem quem sobre elas caminhar. e ainda deixam no lugar bem mais Beleza e o seu Perfume!

    eis a Grandeza do Amor que esta obra resume.

    − hoje, vovó, depois de tanto tempo, ainda ouço seus chinelos pela calçada e sinto a Alegria das plantinhas com quem a senhora conversava. perdão por usar o seu título, mas é também a minha Homenagem! além do mais, sei que se estivesse aqui a sua risada Modesta apenas me diria:

    − não se preocupe com isso, meu bem; são Pétalas que um dia deixei pra você também!

    Minha história é muito triste,

    porém digna de interesse:

    foi preciso que ela assim acontecesse.

    Pois, da lágrima nascida de uma concha machucada,

    uma pérola é tecida como nada!

    E, da angústia mais doída, da saudade mais pesada,

    o poeta traz à vida a sua obra mais amada!

    Através da minha dor,

    floresceu o meu amor!

    e nasceu um grande amor!

    Através das minhas perdas,

    encontrei-me noutro alguém...

    Se brotaram muitas pétalas –

    perpetalem-me também!

    A ternura de uma pétala

    vem do espinho que a modela.

    Minha história foi tão triste;

    mas é bela, muito bela!

    SUMÁRIO

    Primeira Parte

    01– , porque ela me amava!

    02 – Tal como nos filmes de ação

    03 – Nos braços da cesta de vime

    04 – Repetindo, repetindo...

    05 – Os primeiros pequenos passos do amor

    06 – Assuntos pessoais...

    07 – Sábado!

    08 – Cinco pontos e uma surra!

    09 – Estátuas

    10 – A outra face do amor

    11 – Na rua

    12 – Lírios de saudade

    13 – A última nota de um violão sem cordas

    14 – Sozinho

    15 –

    16 – Chorei-me!

    17 – Outro motivo de amor

    18 – Indiferença

    19 – Marcas eternas

    20 – O que importa na vida

    Segunda Parte

    01 – Aprendendo a medicinar com amor

    02 – Poética e divertidamente

    03 – Arquivos doentes

    04 – No SAME

    05 – O silêncio que me disse tudo

    06 – O sorriso de gude

    07 – A lista

    08 – A mais bonita flor de flamboyant!

    09 – As primeiras notas de um novo sentimento

    10 – A insigne dama da casa

    11 – Esperança!

    12 – O gorjeio de um bem-te-vi!

    Terceira Parte

    01 – Bomba!

    02 – Dezoito minutos

    03 – Voe, andorinha, mas não do meu coração!

    04 – O belisco do quase

    05 – A endocardite que acelerou o meu coração

    06 – Wait a minute, ok?

    07 – A minha bela flor

    08 – A casa virtual

    09 – Algo estranho...

    10 – O segredo do cofre

    11 – Os cabelos que o coração molhou

    12 – Xeque-mate!

    13 – Atônitos!

    Quarta Parte

    01 –

    02 – Meu poeta

    03

    04 – Meu pôr do sol

    05 –

    06 – Meu apego

    07

    08 – Meu auxílio

    09

    10 – Meu elo

    11

    12 – Ser médico é ser...vir!

    13 – Pombos-correios

    14

    15 – Mobili(z)ando...

    16 – A surpresa!

    17 – Um dia inesquecível

    Quinta Parte

    01 – A dor de vê-la sofrer

    02 – Cápsulas de amor

    03 – O início da luta

    04 – Tentando sorrir

    05 – Radioterapia

    06 – Na saúde e na doença

    07 – Casa de vento

    08 – O amor é forte como a morte!

    09 – A despedida

    10 – O gavião e a tartaruga

    11 – A noite que Deus nos deu

    12 – A primavera

    Sexta Parte

    01 – Cumplicidade

    02 – Sentimentos ocultos

    03 – Coração de pedra

    04 – Maquiagens?!

    05 – Humana?

    06 – Traumatizada!

    07 – A maior de todas as armas

    08 – O canto triste que nos fez chorar

    09 – O novo projeto de vida

    10 – Os sábados que eram nossos...

    11 – As lições que a vida deixa

    12 – A imagem singela do perdão

    13 – Pétalas do coração!

    14 – Marcas profundas

    15 – A estrada bonita da vida

    Sétima Parte

    01 – O nosso banquete de amor

    02 – Amo você, porque...

    03 – Brincando...

    04 – Tim-tim!

    05 – Sementes aladas

    06 – Ouro!

    Última Parte

    01 – É hora de partir...

    02 – A mais dura decisão

    03 – O coração do amor

    04 – Viver é amar!

    Músicas Compostas para esta Obra

    Primeira Parte

    À Preta

    Única pétala chamada pelo nome.

    E dizem que não há flores pretas...

    Capítulo 1

    , porque ela me amava!

    – Atenção: luz... câmera... – cochichei. Depois gritei: – Açããããão!

    – Chispa daqui, minino... Cê tá me atrapaiano! – berrou.

    Antes mesmo que eu pensasse em vir ao mundo, um par de ásperas mãos zelava cada cantinho lá de casa. Mamãe gostava muito daquela senhora! Eu também. Isso porque a transformei no meu brinquedo predileto. Eu adorava importuná-la!

    – Piqueno atrivido, devolve meu sapato...

    Ela era negra. A negra mais negra dos arredores. Daí o apelido Preta. Meu pai dizia que o sorriso dela era farto e falto. Farto pelo contorno exagerado dos lábios; falto pelos poucos dentes que sobreviveram. Seis. Dois em cima e quatro embaixo. A sua gargalhada, porém, ecoava forte, gostosa e engraçada. Enchia a casa! Emendava um espirro a um rápido serrote:

    – Tchiarrarrarrarra... tchiarrarrarrarrarrarra...

    Além do mais, Preta revelava enorme habilidade na cozinha! Criava e decorava pratos de variados sabores e formas, misturando ingredientes que aparentemente não se combinavam, como repolho, abacaxi e maionese. Não é que ficavam deliciosos!

    – Puw!

    – Aaaara, que susto! Minino traquino...

    Segundo ela, meus pais já foram muito pobres. Logo que se casaram, por exemplo, alugaram um dos cômodos de uma velha marcenaria para lhes servir de quarto, sala e cozinha. O banheiro jazia no quintal. Não possuíam geladeira nem televisor; apenas um armário e um guarda-roupa, feitos de caixas de uva. A mesa e o sofá foram presenteados pelos amigos marceneiros. O fogão de lenha, meu pai o improvisou no canto do muro. Toda noite, meu pai recolhia os toquinhos que sobravam na marcenaria para aquecer o banho de mamãe.

    – Sua mãe era a mi-minha vida! – certa vez ele me disse com olhos de saudade.

    Mesmo sob tanta escassez, meu pai não abria mão de assalariar Preta para que ela cuidasse de casa e principalmente de mamãe, enquanto ele se dedicava ao trabalho. Mamãe era portadora de talassemia, uma doença hereditária que afeta as estruturas e funções das hemácias. Por isso frequentemente ela estava anêmica e acamada; frequentemente recebia transfusões de sangue.

    Duma noite para outra, os negócios de meu pai deslancharam, e embolsamos muito dinheiro. Então, pouco depois do meu aniversário de quatro anos, fomos morar em um sobrado. Por causa do seu tamanho e do aspecto envelhecido das suas telhas, a cidade o chamava Casarão.

    O Casarão possuía dois pavimentos. No andar superior ficavam a suíte e o escritório de meu pai, uma adega, a minha suíte, uma miniacademia e uma grande sala íntima, que apelidamos facilmente de Salona. No térreo foram feitas outras três salas, dois banheiros, a copa, a cozinha (com área de serviço) e o quartinho de Preta, o qual restara atrás da casa. O armário da cozinha exibia, em uma das paredes, oito portas iguais, mas a última dava na despensa.

    O quintal também se mostrava espaçoso. Moravam no seu gramado algumas fruteiras, uma piscina, uma sauna, uma pista de aeromodelos e o parque de diversões, construído exclusivamente para mim. Esse parque continha escorregador, balanço, cama elástica, o labirinto de pedras e tanque de areia.

    Apenas meu pai, eu e Preta desfrutávamos aquela casa.

    – Larguissaí, sô... Qué machucá?

    Quadros vários decoravam as paredes do Casarão. Havia cópias de pinturas famosas nelas, como Rose Méditative, de Dalí, e Vase de Fleurs à la Fenêtre, de Gauguin, além de outros quadros sem cor, sem vida, tristes. Meu pai era apaixonado por todos! Às vezes, os seus olhos se perdiam estáticos em uma obra por um longo, longo tempo... quase sem piscar. Viajando pelas trilhas e sombras da arte... Degustando talvez o mesmo sabor que sentiu aquele que eternizou na tela os seus sublimes traços.

    Visivelmente, uma das pinturas era a mais querida de meu pai! Pintada por ele mesmo, ficava no seu quarto – a única do quarto: um retrato lindo de mamãe! Cabelos soltos, batom discreto, olhar distante... Segundo meu pai, o quadro fora pintado enquanto ela escrevia. Mamãe era poetisa.

    "Antes de dizer que ama

    como é uso popular

    dê razões para quem ouve

    realmente acreditar!"

    Esculpido na moldura do quadro. Palavras de mamãe.

    Não a conheci. Ela morreu durante o parto em que nasci. Disseram-me que meu pai ficou profundamente abalado por anos! Além disso, voltou a apresentar os tiques e a gaguez que tivera na infância. Nunca mais pintou um quadro sequer e isolou-se de quase todos os seus amigos também. Quando nos mudamos para o Casarão, meu pai ajuntou os pertences da amada e os trancou na despensa, onde ninguém podia entrar.

    – Êêêêta! Cê vai deitá nas almufada moiado assim?

    Meu pai era um homem de baixa estatura, pouco sorriso e nenhuma paciência. Típico negociante, saía de casa antes de o galo se espreguiçar e voltava somente quando a noite já estava no céu. Para me alegrar, enchia-me de presentes e deixava-me dormir junto dele nas raras vezes em que não levava nenhuma namorada para casa – eis a razão por que eu detestava aquelas mulheres! Desde que mamãe morreu, nunca mais ele quis saber de relacionamentos duradouros.

    – Não quero so-sofrer tudo de novo! – justificava, referindo-se à morte trágica da esposa.

    – Por que o sinhô num busca força em Deus? – Preta um dia lhe aconselhou.

    – deus? deus não existe. Ninguém vê tanto so-so-sofrimento como o meu e fica de b-braços cruzados – disparou, enraivecido.

    Como ele não permanecia em casa durante o dia, tive que colecionar passatempos para me distrair. Apreciava ler, redigir histórias de aventura, jogar videogame, nadar, registrar bobagens na minha filmadora e brincar no parque. Nos intervalos, eu gastava o tempo irritando Preta; afinal, ela era a minha única companhia.

    – Socê fizé de novo, eu vô contá pro seu pai! – vivia repetindo, mas nunca contava. Então eu fazia de novo.

    Outra diversão que me fascinava eram os programas da tevê a cabo. Por causa deles, todo dia eu escolhia uma profissão para mim.

    Quando mostravam o espaço, eu virava um astronauta. A minha nave cósmica, projetada e construída pelo comandante da expedição, ficava no quintal. Ela era de papelão.

    Quando exibiam as aventuras dos animais no Discovery Channel, eu preferia ser veterinário. Por que alguns sapos fecham os olhos para engolir o alimento?; Como os vaga-lumes produzem luz e os camaleões mudam de cor? Eu sabia bem. Aliás, a minha memória armazenava uma coleção de curiosidades sobre dezenas de animais, embora só tenhamos tido um peixinho dourado. Mas ele morreu logo. Meu pai não gostava de bichos.

    Às vezes, eu optava pela medicina, após as emergências do Plantão Médico. Essa eu exercia com dedicação! Entre os meus brinquedos preferidos, havia dois bonecos grandes e um pequeno que eram operados e reanimados repetidamente por mim em uma sala cirúrgica que improvisei no meu closet. Escolhi esse local porque era silencioso e porque dispunha de uma luminária que emitia luz branca bem forte: o meu foco cirúrgico.

    – Desfibrador... bridor... lador, enfermeira – pedia eu a uma cadeira, que eu vestira de mulher.

    Por vezes, já me aventurei a cientista. Adorava o Professor Beakman e os seus loucos experimentos! Bastavam-me alguns materiais, e as ideias voavam...! Uma das minhas primeiras invenções foi um foguete de garrafa de plástico, no qual eu introduzia ar com uma bomba de encher bola. Palmas surgiam quando ele expulsava a sua rolha e viajava até o teto. Foi assim que ganhei a minha primeira medalha na Feira de Ciências do colégio. Nada mal para um garoto de sete anos. Pena meu pai não ter ido me ver...

    Essas eram as minhas profissões frequentes, mas até ninja e caçador de fantasmas eu já fui.

    Em alguns finais de semana, meu pai brincava comigo. Ele era aficionado aos seus aviõezinhos de controle remoto. Dois perderam a vida nas águas da piscina.

    Jamais levei colegas da escola para a nossa casa. Também não me lembro de nenhum parente por lá. Aliás, quando pequenino não conheci ninguém da família fora meu pai. Ele alegava que eram todos aproveitadores.

    – Nunca ligaram quando a gente era po-pobre, quando a gente passava falta das coisas... Não va-vai ser agora!

    – Por que o sinhô num perdoa eles? – Preta um dia lhe recomendou. – Deus ia ficá feliz cum sinhô...

    – deus? deus não existe. É p-p-pura invenção dos fracos – afirmou meu pai, persuadido.

    Conforme ele, o único que também podia usufruir o seu dinheiro era eu. Como aproveitei! Bastava lhe pedir algo, e ele o comprava para mim. Talvez pensasse que isso substituiria a sua ausência. Do lado do parque, por exemplo, havia mesas de pedra para refeições em família. Meu pai as derrubou e ergueu um amplo quarto de brinquedos no local. Aquele quarto guardava mais brinquedos do que qualquer loja da cidade – e eram todos meus!

    De resto, dois mistérios me aturdiam. Primeiro: como meu pai conseguia tanto dinheiro nos negócios. Vários dos meus colegas de classe também tinham pais comerciantes, mas nem um destes era rico. Segundo: por que meu pai nunca me deixou entrar na despensa. Eu queria tanto ver as fotos, as roupas e as poesias de mamãe! Desde os quatro anos de idade, cresci com a sensação de que ela estava lá dentro. Acho que isso acontecia porque eu presenciava os meus amigos chegarem ao colégio com as suas mães... Elas arrumavam os seus cabelos, punham a mochila nas suas costas e os beijavam com beijos de boa aula!. Como eu sonhava em ter a minha mãe também! Por isso, todas as noites, antes de ir para a cama, eu descia sorrateiramente até a cozinha, aproximava-me da porta da despensa e cochichava:

    – Boa noite, mamãe...

    Em seguida, encostava a orelha na porta e fingia que ouvia uma voz suave me respondendo:

    Boa noite, filhinho... A mamãe te ama muito!.

    Então eu subia para o meu quarto e dormia feliz, porque ela me amava!

    Capítulo 2

    Tal como nos filmes de ação

    Sempre detestei lição de casa! Achava monótono copiar as respostas prontas dos livros ou tão somente aplicar uma fórmula. Por causa disso, nunca tive estrelinhas nem carimbos de Excelente! nos cadernos. E quão difícil era ter que inventar, a cada dia, outra maneira de enganar as professoras que conferiam folha por folha.

    Mesmo assim, as minhas notas eram altas. Não havia matéria em que eu tivesse dificuldade. Acho que isso provinha do meu interesse guloso pelos livros, os meus companheiros mais cultos e fiéis. O Mundo da Criança, Sítio do Picapau Amarelo e série Vaga-Lume eram alguns dos amigos que me faziam companhia durante as aulas de leitura. Mas essa paixão começou com um afetuoso romance que apareceu, estranhamente, na minha mochila certo dia.

    «Jamais despreze o seu pai, seja um óptimo menino e leia bastante!» – era o que me aconselhava a dedicatória dele. Quem a escrevera? Foi o que passou a me intrigar.

    O livro era Meu Pé de Laranja Lima, que devorei aos seis anos de infância. A sua história dolorida me comoveu profundamente!

    – Nunca vi uma alminha tão sedenta de ternura – disse o português do livro ao menino Zezé e a mim. Tal qual aquele garoto, também cultivei amigos em casa, desde as tímidas árvores do quintal – nem todas as árvores gostam de falar – até as mariposas peraltas que namoravam a luz do meu quarto.

    O convívio com os livros me fez sobressair nas redações. Não em textos dissertativos, pois eu odiava me fingir de crítico; mas nas histórias imprevisíveis que a minha imaginação gerava brincando. Os enredos que brotavam delas misturavam realidade a ficção, aventuras e mistérios, drama com humor.

    Porém o que mais atraía nos escritos era aquilo que eles não mostravam. Aquilo que ficava às escuras, apenas nas sombras das letras. Aquilo que morava em mim! Às vezes, chamava-se vazio... Outras vezes, solidão... Por isso, todo sentimento que eu almejava receber em casa ou em qualquer outro lugar se derramava de forma pontiaguda nas páginas que iam sendo concebidas. Esse era o meu segredo triste.

    A leitura me trouxe inteligência e esperteza. Embora certas vezes eu agisse como criança, nunca segui os costumes relativos à minha idade. Enquanto os meninos disputavam com as meninas os primeiros lugares da fila da lanchonete, eu as auxiliava nos exercícios de classe, e elas me levavam o lanche dia após dia.

    Quando a sirene anunciava o fim da última aula da manhã, eu disparava pelos corredores do colégio à frente de todos. Nem esperava a professora dizer o fatigado por hoje chega, crianças!. E bastava me aproximar do portão para avistar, perto dele, o motorista de meu pai.

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