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O Menino Alquimista
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E-book152 páginas5 horas

O Menino Alquimista

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Sobre este e-book

Quando o Mar de Avatares se abre para dar passagem ao menino e seu sonho, ele segue em aventura na busca de um bem maior. Na viagem, perigos, desafios e personagens fantásticas surgem de um mundo que não é apenas faz-de-conta. Cada passo lhe impõe um desafio a vencer. A cada desafio vencido, ele se fortalece no domínio de si mesmo, enquanto a narrativa, integrando símbolos tradicionais de vários povos, culturas, da alquimia e da filosofia, o coloca diante do medo e da dúvida. É quando menino tem de descobrir o que está por trás deles, enfrentar o basilisco e verdadeiramente cumprir sua jornada.
IdiomaPortuguês
EditoraGulliver
Data de lançamento9 de abr. de 2020
ISBN9786586421095
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    O Menino Alquimista - Juarez Nogueira

    criança.

    1

    O Menino morava em Tempo Sempre.

    Ali já havia chegado o progresso com tudo que ele traz.

    Havia luz elétrica, rádio, televisão, coca-cola e até computador e internet. Tudo isso seria suficiente para afastar a fantasia dos mais acomodados, dos que não acreditam que existe um poder mais antigo que vem antes de todas as coisas criadas e não criadas ainda… Mas em Tempo Sempre tudo é possível e foi lá que começou essa história.

    Um dia fizeram uma ponte sobre o rio que atravessa Tempo Sempre. O rio, porém, da noite para o dia, mudou o curso e desviou-se da ponte. Seguiu indiferente, arrastando coisas e lembranças na corrente, quem tem medo sai da frente. Dizem, esse rio corre para além das montanhas do Kilimanjaro e, mais, para além do horizonte, em terras perdidas de Shangrilá. É um rio bonito de se ver. Em claras noites de lua, o rio reflete a luz da prata que os índios vindos da ilha de Malta jogaram nas águas para se livrarem do peso e da fúria dos homens que traziam consigo a noite e o cólera. O rio existiu desde sempre, tantas águas, tanta história. Por isso as margens são cheias de saudade e as águas são também memórias.

    Quando a geografia é fantástica, pouco importa a precisão. No território do sonho, tudo leva as pessoas, o tempo todo, ao lugar da escolha. Por isso, Tempo Sempre não está nos mapas porque – dizem – é um pedaço desgarrado de Atlântida, o continente perdido. Quem não sabe da história, precisa conhecer. Atlântida era uma misteriosa cidade, onde floresceu o conhecimento. Um dia desapareceu sob as águas do oceano Atlântico. Dizem que alguns atlantes conseguiram sobreviver. Foram habitar terras distantes, levando com eles a cultura do bem viver e a paz nascida do mais alto conhecimento. Reconstruíram parte da cidade, mas se afastaram tanto da humanidade que só quem acredita os pode ver. Mas quem quiser, mesmo e muito, pode também localizá-la nos mapas da imaginação ou no território do coração de toda infância.

    Em Tempo Sempre as horas demoram-se como distâncias em longa estrada e saudade sem eira nem beira. E as noites não aprenderam ainda a amanhecer direito, porque em Tempo Sempre pode ser dia e noite no mesmo instante, pode chover e fazer sol como se tudo de repente fosse puro encantamento. Ninguém se importa com isso, mas houve gente que não aguentou e foi embora. Embarcou no trem de Tempo Sempre que vai em direção ao infinito e jamais para de correr.

    Também instalaram por lá uma usina que joga detritos no rio e, se aumentou o índice de mortalidade de peixes, por outro lado nasciam muito mais crianças. Mas o fato não tem qualquer relação com a usina. A avó do Menino já disse um dia que isso é porque Tempo Sempre não vive sem o poder de renovação das crianças. Aliás, lá já aconteceu de haver até meninos voando sobre as ruas, nas alturas, no céu e em todos os lugares. (Sim. Isso era possível. A avó sempre lembrava: muitas são as crianças que perdem as asas quando crescem, só porque se esquecem de brincar com os anjos guardiões de toda infância – os quais, ela dizia, estavam em todo lugar, esperando apenas serem reconhecidos.)

    Derrubaram também alguns casarões antigos, ignorando o passado que ali morava, como se ele não habitasse Tempo Sempre… e erigiram na praça um monumento de bronze – dizem que em homenagem a um político, mas a gente de Tempo Sempre desconfia dessas coisas e não só desconfia como não confia mesmo, por muitas razões… Só os pombos parecem gostar, pousam em cima dele e o sujam com bostinhas brancas. Muitos dizem, aliás, ser bem isso que ele merece, mas essa é outra história…

    Desde que o cavalo Pégaso ganhou asas e partiu voando, parece que os outros cavalos começaram a perder sua utilidade e seu lugar para o aço e a mecânica, incluindo os cavalinhos-de-pau e os do carrossel. Então, para espanto de todos, numa dessas noites eternas também ganharam asas e fugiram voando para o mundo de Lá.

    Os carrilhões da igreja aprenderam a badalar sozinhos, raramente se calam agora. Mas não incomodam, tocam baixo, suaves, muitos hinos diferentes, conforme a alegria ou a tristeza da cor local. Ao que parece, não vão parar nunca. Os badalos, porém, parecem às vezes desorientar aqueles que, mesmo no tom da alegria, só sentem o toque do adeus.

    Com a usina, aumentou também o comércio e no mercado se compra até tapete voador, do legítimo hindu, compra-se e vende-se de tudo, se vende e se compra tudo, e até há quem fale, como político casual, que Tempo Sempre ainda vai virar uma aldeia global. Dizem isso porque há uma preocupação evidente: não se sabe o que a usina fabrica mas, desde quando foi instalada, o céu ficou mais cinza, há menos trabalho para os homens. Mesmo com menos trabalhadores, a usina parece cada vez maior, mais fechada sobre si mesma. Há muitas desconfianças e especulações. O pai do Menino mesmo um dia falou do perigo de a usina governar os destinos da economia de Tempo Sempre e de fazer desaparecer os moinhos que pontilhavam as campinas. Exatamente os moinhos, que faziam girar os sonhos.

    Um dia chegou um circo como há muito não se via e o elefante fugiu pela cidade, desabalado em feliz saudade das lonjuras africanas e das savanas de Botswana, lá, onde a África é uma aventura no coração da liberdade humana. Não conseguiram capturá-lo, apesar do muito esforço. O elefante transformou-se em pedra diante dos olhos espantados de toda a gente. Até hoje permanece encravado lá na praça, como um monolito caído do céu, como se fosse um moai da Ilha de Páscoa.

    Em Tempo Sempre a vida pode ser a mesma de antes e de sempre ou como nunca havia sido outrora ou em tempo algum. Muitas pessoas partiram, outras mudaram, mas em Tempo Sempre quase ninguém morreu, porque muitos descobriram como ficar encantados. Lá, as casas ainda são muito coloridas, a praça fica assim de namorados e todos procuram respeitar as leis de trânsito e da boa vizinhança.

    É bom, porém, não se deixar enganar pelos fenômenos que acontecem em Tempo Sempre, como se fosse tudo uma terra de faz de conta. Engana-se quem pensar assim. E se assim for, a chave para compreender a história terá se perdido nas mãos de quem não entender ou, tendo compreendido, embaçar a compreensão querendo desacreditar a história do Menino. Tempo Sempre não é invenção e existe como um lugar cheio de novidades, um segredo no quintal da infância, um caminho a ser descoberto e percorrido por quem não perdeu o medo de viajar pelo universo de si mesmo. Tempo Sempre é uma cidade-onde, situada num país-será, que fica num continente-quando, e que pertence a um mundo-como, dentro de um universo-porquê. A passagem não custa nada, basta tomar o caminho do conhecimento perscrutado em meio às necessárias utopias – sem as quais ninguém tolera toda a realidade que existe.

    É em Tempo Sempre, onde a cada instante alguém inventa uma nova brincadeira-de-viver, que vamos encontrar o Menino. Ali, inventando a sua própria brincadeira, o Menino conquistou um mundo todo seu e tirou dos sonhos uma verdade para conduzi-lo por toda a sua vida, da qual o mundo inteiro ainda vai saber e falar.

    2

    Uma vez choveu demais em Tempo Sempre.

    Choveu sem parar, choveu tanto que as pessoas fecharam-se nas casas. Nem mais se via a luz do sol. Não se podia ir à escola. O comércio fechou. Só a usina parecia não parar. Às vezes, em meio ao estrondo dos trovões, podia se ouvir o barulho das máquinas e das turbinas em funcionamento. À noite a chuva parava, mas recomeçava logo pela manhã, sem trégua.

    Eram dias sombrios. Naqueles dias, o Menino observou que por isso a visão das pessoas se modificava, pois tinham de se adaptar ao escuro para enxergar melhor. Ele pensou que quando o sol voltasse muitos haveriam que, acostumados a enxergar no escuro, já não reconheceriam a vida de antes, ou mesmo estranhariam a vida depois. Logo ele compreendeu que havia outros modos de ver e que o esforço para enxergar podia projetar uma visão diferente de tudo e de todos. Às vezes as sombras desenhavam imagens. Elas pareciam distorcer a verdade das coisas e das pessoas, então, coisas e pessoas moviam-se como meros reflexos de uma realidade. Também a visão direta da claridade, sem acostumar os olhos, cegava. Mas observou que depois de muito tempo no escuro, os olhos começavam a distinguir uma claridade que vinha de dentro. Havia gente que conseguia enxergar muito melhor no escuro e pessoas havia que, mesmo vendo a um palmo diante do nariz, pouco ou nada enxergavam. A escuridão ou a luz para elas nada significava.

    O Menino começou a perceber que, para enxergar bem, era preciso olhar profundamente. Quando assim fazia, podia descobrir novas formas, significados e até mesmo outras visões outra maneira de ver e conhecer. Era possível, pois, enxergar mais ou menos conforme a afinidade com a luz ou com a sombra. Então, compreendeu: os olhos, como os espelhos, que tudo veem, mas não veem a si mesmos, têm de se adaptar ao desejo de quem olha e quer ver.

    Quando enfim a chuva parou, a cidade ficou ainda sem luz elétrica porque rompeu-se a barragem da usina que abastecia o lugar. O sol voltou com toda força e a cidade ficou tão limpa. Durante algum tempo, foi engraçado, todos tiveram que usar óculos escuros para que os olhos se readaptassem à luz do sol. Mas muita gente em Tempo Sempre nunca mais enxergou do mesmo modo. Alguns passaram a ver mais em tudo, outros tiveram a visão diminuída e tantos ficaram reduzidos à completa cegueira – isto é, viam, mas não distinguiam as coisas e não poderiam mais dizer com precisão o que eram ou o nome delas. Estudiosos de vários lugares tentaram entender o que acontecia, mas as pesquisas não apresentaram sucesso. Por fim, chegou-se à conclusão de que muitas pessoas teriam se adaptado a uma visão conforme lhes agradava ver e tantos outros desenvolveram uma cegueira espontânea. Depois disso, deu-se o caso por encerrado e a vida continuou retomando seus passos e ritmos.

    Na casa do Menino, um dia seus pais dançavam na varanda ao som da música de Puccini, Nessun dorma, quando alguém veio

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