Léopold Sédar Senghor: Uma Narrativa sobre o Movimento da Négritude
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Léopold Sédar Senghor - Gustavo de Andrade Durão
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus e aos meus guias, que tornaram possível a realização deste livro. Toda essa narrativa surgiu datada no tempo e no espaço, mas ainda assim é tão atual. Sou grato aos professores Robert Slenes (Unicamp), Patrícia Teixeira Santos (Unifesp), Omar Thomaz (Unicamp) e ao professor Alain Kaly. Sem suas instruções e sugestões talvez o Movimento da Négritude não poderia ser narrado no espaço acadêmico.
Agradeço aos amigos – a família que escolhi, principalmente, a professora Maria Elizabeth Bueno de Godoy, a querida amiga irmã Liza Lopes Godinho e ao irmão Led D’Paula, vocês são especiais e sempre seguirei com vocês ao meu lado.
Também agradeço aos espaços institucionais da Maison de France e da Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas, onde eu pude produzir durante esse tempo. Agradeço, ainda, e mais uma vez, a ilustríssima professora Patrícia Teixeira Santos, que gentilmente aceitou fazer o prefácio e acompanhou minha jornada até aqui.
É preciso quebrar essa velha ordem, essa ordem morta. Precisaremos sempre, o mundo sempre precisará dos valores da négritude, pois esse mundo poderá sempre destruir a morte e reinventar a vida (Tradução livre do autor).
Il faut briser cet ordre ancien, cet ordre mort. On aura toujours besoin, le monde aura toujours besoin des valeurs de la négritude car ce monde devra toujours détruire le mort, réinventer la vie.
(Léopold S. Senghor entrevista à Édouard Maunick In: Notre Librairie – Revue des Littératures du Sud, N, 127 – jan-mars, 2002, p. 11).
PREFÁCIO
Ser negro como experiência universal
É com muita alegria que apresento esta obra que chega em excelente hora. O século XX foi marcado pelas grandes ideologias que se traduziram em experiências nacionais locais, propondo formas de integração e de construção da cidadania para todos aqueles que foram considerados não brancos
e não civilizados
.
Por meio dos questionamentos de uma geração importantíssima de intelectuais que irá deparar-se com a inserção periférica de seus territórios de origem, na ordem que se globalizava, produzindo mais periferias e sujeitos subalternizados, a condição de ser negro deixa de ser uma via de produção de sujeitos reificados e torna-se uma experiência histórica, cultural e política de empoderamento, que permite a inserção na ordem mundial, como interlocutores políticos. Do ponto de vista das condições políticas locais, esses intelectuais enfatizaram o protagonismo social dos negros, levando a crítica das políticas coloniais de assimilação e a ênfase na necessária agência política em primeira pessoa, buscando alternativas no passado e nas experiências sociais compartilhadas, para constituir caminhos alternativos e de afirmação política e das subjetividades.
Dessa importante geração, destaca-se a figura de Léopold Sedar Senghor, cuja trajetória e atuação intelectual é muito bem contextualizada e analisada nesta obra de Gustavo de Andrade Durão. A partir da constatação, à época de grande importância de mobilização social e política, da existência de uma alma negra, o movimento Négritude pautou caminhos fundamentais para a constituição de um rico diálogo África e Espaços Diaspóricos nas Américas, em torno da autonomia política, da integração dos africanos e seus descendentes na ordem política regional e global, e uma possibilidade de interação política e intelectual que pudesse superar a barreira do racismo científico e dos processos coloniais, no caso africano, e das repúblicas americanas que em suas constituições excluíam os descendentes de africanos da cidadania e do direito a terra.
Partindo da literatura como um caminho intelectual para a construção de uma narrativa de continuidade entre o presente e o passado pré-colonial
, o movimento Négritude se expande e suscita uma geração fundamental de intelectuais, apresentados nesta obra de Gustavo Durão, que estarão na base das leituras dos movimentos anticoloniais e independistas da segunda metade do século XX.
A literatura permitiu, de acordo com as considerações de Edward Said na sua obra Cultura e Imperialismo, ser um campo de batalha dos que queriam exercer o poder de narrar sobre o outro
. E no século XX a literatura produzida pelo Movimento Négritude permitiu outra forma de narrar, revolucionariamente contra hegemônica, que ainda ecoa para nós, nos árduos tempos contemporâneos que atravessamos.
Destaco ao fazer este prefácio que Gustavo Durão tem uma trajetória de nos favorecer o contato com Senghor e toda geração dos intelectuais do Négritude, que remonta ao mestrado defendido na Unicamp, sob a orientação de Robert Slenes. Ela é utilizada em diversas disciplinas de graduação e pós-graduação em História, Ciências Sociais e Letras no país.
E por isso, esta obra sobre Senghor vem em um momento tão necessário, no qual é fundamental trazermos mais e mais contribuições para o conhecimento do movimento Négritude e das contribuições políticas e culturais que tocam profundamente nos dilemas que enfrentamos contemporaneamente nos processos de construção identitárias individuais e coletivos, na persistência do racismo como retórica e práticas nas relações sociais e políticas e na necessária produção de uma epistemologia de questionamento a atual ordem globalizada, favorecendo a emergência de outros sujeitos e projetos alternativos, que portem em si a utopia, mas também a possibilidade de constituição de projetos contra hegemônicos e que ampliem as sociedades civis das nações contemporâneas, contemplando de fato a diversidade social, não como retórica, mas como elemento fundamental para se garantir a cidadania plena e a democracia.
Esta obra já nasce bem-vinda e é fruto da trajetória de um pesquisador que desde muito cedo se propôs a pesquisar e evidenciar o protagonismo histórico e social de homens e mulheres africanos e seus descendentes, para poder propor narrativas históricas questionadoras da ordem subalterna em que se encontra o continente africano e, do ponto de vista das relações sociais em dimensão local, proporcionar caminhos intelectuais e políticos antirracistas e ampliadores dos direitos individuais e coletivos.
Leiam, discutam, problematizem e dialoguem com Senghor e a geração dos pensadores da Négritude. Que isso possa revitalizar as nossas utopias e nos proporcionar caminhos ricos para a nossa convivência plural e coletiva em democracia e liberdade.
Guarulhos, 27 de maio de 2018
Patricia Teixeira Santos
Departamento de História – Universidade Federal de São Paulo
Pesquisadora do CITCEM – UP – Portugal
Pesquisadora associada do LAM – Universidade de Bordeaux – França.
Sumário
Introdução 15
CAPÍTULO I
A Redescoberta da África 27
I.1 – As movimentações artísticas do início do século XX 28
I.2 – As contribuições de W.E.B. DuBois 39
I.3 – O Renascimento do Harlem e os escritores norte-americanos 45
I.4 – Do Harlem à Paris: A gênese do movimento 56
CAPÍTULO II
A Négritude Cultural Revisitada 65
II.1 – Léopold Senghor – uma vida 66
II.2 – A movimentação da négritude: um começo 70
II.3 – O que o homem negro carrega 76
II.4 – As contribuições da etnologia 83
II.5 – As influências antilhanas da Négritude: René Maran e Jean Price-Mars 96
CAPÍTULO III
A Négritude e suas transformações 115
III.1 – Os periódicos na formação da Négritude 116
III.2 – A Exposição Colonial de 1931 e o Manifesto Surrealista 129
III.3 – A Négritude de Senghor – entre a recusa ao assimilacionismo
e a politização do Movimento 144
Conclusão 155
Referências 159
Obras de Referência 159
Obras analisadas de Léopold Senghor 159
Referênicia Geral 160
Introdução
O interesse de estudar os intelectuais africanos surgiu de dois lugares importantes para essa pesquisa o Universo da Aliança Francesa e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi durante o ciclo de palestras da Aliança Francesa sobre a Francofonia que tive contato com a vida e a obra de Léopold Sédar Senghor (1906-2001). Conhecendo sua História de trás para frente vi um pouco da importância daquele que foi um dos primeiros negros a fazer parte da academia francesa de letras na França e um dos principais incentivadores da Francofonia no mundo. Mas o interesse pela sua juventude e sua formação intelectual foi o que mais despertou minha curiosidade. Como um senegalês suplantou a lógica de dominação colonial e fundou um movimento filosófico-literário? Como o conceito de négritude e mesmo os ideais que o envolviam se confundiram com a sua trajetória? De que maneira Senghor divulgou uma noção de intelectual e fundou alicerces teóricos para a valorização de um estilo próprio dos pensadores negro-africanos de seu tempo?
Algumas dessas perguntas foram respondidas nas leituras do compêndio escrito por ele no "Liberté I: Négritude e Humanisme" de 1964, obra fundamental para entendermos algumas das facetas do pensamento desse jovem Senghor. O Movimento de Négritude, as influências intelectuais desse pensador e sua percepção da colonização e cultura francesas aparecem de maneira magistral nesse conjunto de ensaios nos quais busquei ressaltar algumas das suas ideias principais. O recorte escolhido foi de 1920 até 1945, enfocando um pouco dos dados das biografias históricas de Senghor voltados à sua formação intelectual até a penetração no universo da Négritude. O papel político de Senghor apareceria somente em pesquisas mais adiantadas, mas aqui foi preciso ressaltar a ambiguidade e o desejo de acomodação de Senghor diante das imposições do colonialismo francês.
De certo modo, a posição de Senghor foi privilegiada, pois a partir de 1920 já havia produções literárias e artísticas importantes que compõem alguns traços de uma intelectualidade negra preocupada com sua identidade e com a legitimidade da sua expressão cultural.¹ As primeiras décadas do século XX foram de fundamental importância na exposição e na reivindicação da humanidade do negro que ganhava espaço nos meios artísticos e literários dos Estados Unidos e de Paris, principalmente.² Por isso, estamos enfocando não só as influências para o Movimento de Négritude, mas ainda as condições históricas que possibilitaram a sua proliferação no mundo inteiro.
A partir disto surgiu a escolha pela análise histórica da vida e obra de Léopold Sedar Senghor, que é importante não só por seu destaque no meio intelectual, mas porque ele se projetou e representou a Négritude como movimento cultural importante nas décadas de 30 e 40. Além de estabelecer o diálogo entre autores franceses, antilhanos, africanos e norte-americanos, Senghor pode ser considerado um dos maiores ícones da língua e cultura franco-africanas da atualidade, sendo considerado o principal idealizador da Francofonia.
Léopold Sédar Senghor, Aimé Césaire e Léon-Gontran Damas foram os principais intelectuais e fundadores do movimento, visto que a força do coletivo fez com que a Négritude se perpetuasse e ganhasse maior espaço no campo político e intelectual, sobretudo no mundo ocidental. De fato, não havia um documento de fundação e os outros intelectuais que participaram no começo podem não ter ficado até o fim, visto que não eram mais do que uma dúzia de pensadores negros imigrados na França.
É de grande interesse que se perpasse alguns dos diálogos intelectuais realizados entre Senghor e uma gama de escritores que estavam produzindo poesias, artigos e panfletos que expressavam as situações de desigualdade e exclusão vivenciadas pelos negros no mundo todo. Expor a existência de um conjunto de escritores e pensadores de descendência africana que se organizava como representantes dos direitos dos povos negros é importante, pois, exaltou não só a riqueza de suas manifestações culturais, mas a existência de um grupo social que ocupava um papel importante na recusa à inferioridade científica do negro e da colonização dos povos da África.
Importante lembrar também que o sentido da négritude se alterou significativamente no passar das décadas, mas o objetivo do trabalho é compreender como ela surge e de que maneira esse conceito fundamental carrega fatores importantes na conscientização e na divulgação de noções compreendidas como traços da cultura negra
ou africana pelo mundo.
Pretende-se compreender ainda de que modo essas produções escritas abordam imagens de África e o que ser negro-africano significaria para os organizadores da Négritude, sobretudo, para Senghor. O espaço em que surgiu o Movimento de Négritude, não significava a inserção do negro na sociedade francesa, mas, sobretudo, uma reivindicação dos valores negros na sociedade, o que se fez por meio de suas produções intelectuais das revistas Légitime Défense (Legítima Defesa) e L’Étudiant Noir (O Estudante Negro) entre as décadas de 1930 e 1940.
A escolha em analisar parte da obra "Liberté I: Négritude et Humanisme" ³ de Senghor propicia mostrar não só como esse escritor dialogava com o ambiente intelectual francês, mas também interpretar quais eram para ele os valores de divulgação dos atributos negro-africanos. Para Senghor nos primeiros momentos do Movimento de Négritude era mais importante realizar essa busca interior pela percepção das características do que era ser negro
.⁴
Eu penso que o momento mais forte foi o momento de ter encontrado Césaire e Damas, nós fomos postos a viver essa négritude... Éramos um grupo pequeno, nós nos reunimos e conversamos e nós tínhamos a consciência de parir um mundo novo.⁵
Por vezes, a narrativa de Senghor se confunde com o conceito de négritude e aqui vale uma rápida digressão enfocando a ambiguidade em se trabalhar interpretando o pensamento desse notável escritor senegalês. No âmbito do Pós-colonialismo o trabalho de Senghor começa a ser valorizado, seja pela sua visão da situação colonial seja pela releitura dos contextos culturais e políticos de outros pensadores africanos com os quais teve contato.
O trabalho de Senghor em prefaciar as obras de pensadores como Birago Diop e Malick Fall deixa claro o seu papel de interlocutor de outros escritores africanos responsáveis pela divulgação do contexto social literário francófono. O desconforto de Senghor diante dessas narrativas que eram ao mesmo tempo exemplo do sucesso da missão civilizadora francesa e uma abertura para a divulgação de uma literatura negro-africana é o que caracteriza parte de sua obra analítica como algo pertencente à crítica pós-colonial.⁶
Foi justamente a ambiguidade no pensamento de Senghor que trouxe o interesse para a caracterização da négritude e de como ele compreendeu e contribuiu para incentivar uma multiplicidade de interpretações do conceito que surgiu no próprio movimento.⁷ De maneira diferente da trabalhada por Césaire, a négritude para Senghor foi mais que uma bandeira foi uma espécie de símbolo cultural dos negros, um patrimônio cultural
de todos os povos africanos e seus descendentes na diáspora. Isto, de certa forma é uma resposta aos valores culturais franceses que não conseguiam dar conta da questão humana, inclusive perpetuando a desvalorização do negro africano mediante a experiência colonial francesa.⁸ Por isso, a Négritude como movimento literário é importante, pois ela trabalha com a possibilidade de ter se construído uma ampla rede de diálogo intelectual que possibilitou um novo projeto para os povos negros que estavam sob qualquer tipo de exclusão social. Esse foi o motivo de seu potencial de expansão e a razão de sua queda posteriormente.
A relevância da análise da négritude como conceito está na legitimação dos valores que a palavra agrega e na complexidade que se pode observar dos usos e sentidos que ela traz consigo. É preciso definir, antes de tudo, não só a négritude como um conceito utilizado pelo conjunto de escritores negro-africanos, mas como um ideal que em determinado momento histórico incentivou pensadores ao estudo das desigualdades cometidas