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Cursinhos Alternativos e Populares: Geografia das Lutas
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Cursinhos Alternativos e Populares: Geografia das Lutas
E-book410 páginas5 horas

Cursinhos Alternativos e Populares: Geografia das Lutas

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Sobre este e-book

Em Cursinhos alternativos e populares: Geografia das lutas, o desafio é o de situar, no âmbito da problemática urbana, a questão do acesso ao ensino superior como a realização do direito ao uso de equipamentos urbanos historicamente negados para a maior parte da população, em função dos lugares que tal parcela populacional ocupa no processo de produção. Em todo o trabalho, o lugar ocupado na produção é considerado determinante das condições de reprodução de cada um: nos lugares e condições de moradia, no acesso e na qualidade dos serviços de saúde e educação, na presença ou ausência de equipamentos de lazer. Tais contradições produzem experiências de lutas para a superação de dificuldades que acabam se transformando, em determinados momentos, em movimentos sociais, a exemplo das experiências dos cursinhos alternativos e populares.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de jul. de 2020
ISBN9786555238976
Cursinhos Alternativos e Populares: Geografia das Lutas

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    Cursinhos Alternativos e Populares - Cloves Alexandre de Castro

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Isis e Sofia, pela nossa caminhada.

    A meus pais, Cloves e Ana, pelo que sou.

    Para todos os que se dedicam ao combate

    das desigualdades e injustiças, por amor

    à humanidade.

    AGRADECIMENTOS

    Foram muitas as pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho e, nesse momento, sempre se corre o risco do esquecimento, mas saibam que não se trata de ingratidão, pois seria impossível relacioná-los todos aqui, embora estejam inscritos em outro plano, invisíveis aos olhos.

    Entretanto, vou mencionar algumas pessoas por suas contribuições e incondicionais disponibilidades diante dos inúmeros pedidos de ajuda. Em primeiro lugar, agradeço ao meu amigo Sérgio José Custódio, que me apresentou, em 1995, a prática dos cursinhos alternativos e populares por meio da experiência do Cursinho do DCE-Unicamp.

    Sou grato ao professor, amigo e mestre Jayro Gonçalves Melo, pela leitura afinada do texto, as apuradas contribuições e por ter aceitado o convite para redigir o prefácio desta obra.

    Agradeço na pessoa do professor Everaldo Santos Melazzo, aos docentes do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, que formaram a minha geração, especialmente os professores Raul Borges Guimarães, Antônio Tomaz Jr., Sérgio Braz Magaldi e Bernardo Mançano Fernandes ‒ que me inseriu no mundo da pesquisa no Núcleo de Estudos e Reforma Agrária (Nera).

    À Isis Mendieta, pela sua valiosa contribuição no processo de revisão e confecção dos mapas.

    Agradeço ao Gustavo Eiji Kaneto, que cedeu os direitos autorais do seu fotográfico registro da Rede Emancipa em luta pela conquista das cotas raciais na USP. E ao amigo Felipe de Castro Horta Hoffmann, pela fotografia que está na orelha deste livro.

    Aos meus pais (Cloves e Ana) e irmãos ‒ Denise, André (in memoriam), Ana Paula, Nádia e Tiago ‒, pelo apoio incondicional de sempre, o estímulo e a clareza na compreensão da necessidade do conhecimento em um país com tantos milhões de excluídos do sistema educacional. Agradeço a todos(as) aqueles(as) que se dispuseram a narrar-me as suas experiências e que me conduziram a dezenas de universidades, associações de bairros, escolas públicas, entidades de representações populares, para que eu pudesse conhecer e refletir sobre o fenômeno dos cursinhos: Sérgio, Marli, Márcio, Maurício, Chão, Bianca, Renato, Del Royo, Luciana, Danilo, Miro, Evandro, Reinaldo, Douglas, Frei David, Roberta, Fábio, o meu muito obrigado. Agradecimentos especiais a Bia, Lilian e Renato, os quais tive o prazer e a honra de compartilhar a gratificante tarefa de construir, nas dependências da escola estadual de 2.o grau Professor Alcântara Machado, no bairro do Ipiranga, cidade de São Paulo, o cursinho Laudelina Campos de Melo.

    Agradeço à Editora Appris, na pessoa do João Bernardo, pela eficiência e pelo profissionalismo no processo de revisão e edição.

    Por fim, minha gratidão à professora Regina Célia Bega Santos, que orientou a tese que deu origem a este livro, e aos membros da banca examinadora: os professores Vicente Eudes Lemos Alves e Márcio Antônio Cataia, do Departamento de Geografia da Unicamp; Gilberto Cunha Franca, do Departamento de Geografia da UFSCar; e Núria Hanglei Cacete, da Faculdade de Educação da USP, pelas leituras e análises valiosas que muito contribuíram para esta obra.

    APRESENTAÇÃO

    O livro Cursinhos alternativos e populares: Geografia das lutas é resultado de reflexões que acompanham a minha trajetória acadêmica a partir do final da década de 1990, cujos conteúdos são os movimentos sociais e a luta pelo acesso ao ensino superior público, gratuito e de qualidade.

    Trata-se de um tema que virou objeto de análise diante do desafio de fazer uma reflexão, por meio de esforço teórico-metodológico, da minha prática política e militante em movimentos sociais, mas também como trabalhador, filho de operários e egresso da escola pública da pré-escola à pós-graduação.

    Neste livro, o leitor encontrará a trajetória dos processos que constituíram os atuais movimentos de cursinhos alternativos e populares, cuja temporalidade data da década de 1950, e está articulada a fenômenos estruturais do Brasil, cujas consequências são a manutenção dos privilégios oriundos de uma sociedade escravista e colonial. Nesse sentido, a presente obra também se apresenta na perspectiva de contribuir acerca de uma leitura sobre o Brasil.

    Cloves Alexandre De Castro

    PREFÁCIO

    O homo sapiens é o animal mais inteligente e mais perigoso do planeta, pois é ele que mata de forma organizada para se reproduzir e se reproduz de forma ordenada para matar. Todos os outros animais estão sob seu poder e controle. Para chegar a esse ponto, contudo, percorreu e continua a percorrer um longo caminho, o qual é tão longo que ele, homo sapiens, inventou fases do que ele denomina evolução. A grande divisão temporal inventada é a de Pré-História e História. A evolução determinante, no entanto, é a biológica. Vem da própria formação do planeta e dos componentes químicos que deram origem à vida de todos os seres que se propagaram, uns permanecendo e evoluindo, outros desaparecendo por meio de causas naturais ou por determinação do animal mais forte e capaz. Assim, o planeta está totalmente povoado hoje.

    Fora da cadeia alimentar dos outros animais, em seu habitat natural, hoje, o homo sapiens, graças ao seu poder de abstração para garantir avanços cognitivos consideráveis, controla e interfere na natureza, na qual ele próprio está inserido, para se eternizar no planeta terra. Ele oferece a si mesmo enormes conquistas tecnológicas alcançadas e por alcançar, o que não acontece de forma linear e contínua. Daí a necessidade de operar recortes na história de aglomerados humanos denominados cidades, países, civilizações. Tais aglomerados, por sua vez, exigem saberes relativos a espaços e territórios. As sociedades, de outro lado, são recortadas e analisadas segundo ordenamentos detectados por detentores de saber científico. Geografia, História, Sociologia, Antropologia e outras áreas de conhecimento podem ser fontes de informação para nutrir analistas voltados ao seu entorno. Munido de conceitos e categorias específicas para sua inserção no conjunto corporativo de determinados campos de saber, o analista e investigador recorre a depoimentos encontrados em registros escritos, entrevistas com atores sociais, infraestruturas produzidas ou administras em função de objetivos específicos etc.

    Pois bem, Cloves Alexandre de Castro é um geógrafo que, no percurso de sua história individual, deparou-se com a possibilidade de atuar em uma área sensível das relações humanas. Ele analisa movimentos sociais de grupos humanos organizados para rebater outros grupos humanos em conflitos relativos ao processo de produção e organização da sociedade global em Estado no Brasil. Alguns conceitos e categorias são utilizados pelo analista-pesquisador para tornar objetivas determinadas relações que passam despercebidas em nosso cotidiano, exceto para os diretamente envolvidos, ou seja, os denominados atores sociais. Tais atores mobilizam-se no seio da sociedade pensada e percebida como sociedade de classes em luta pela hegemonia político-econômica. Instituições são produzidas e legitimadas no transcorrer da história e do processo de territorialização no espaço global em que se reproduzem e se fortalecem. As que Cloves investiga e analisa são as instituições de ensino, apontando as características elitistas de algumas e as características de luta política de grupos alijados do sistema hegemônico de ensino por força de condições econômicas e de discriminação racial.

    Assim é que Cloves navega na história de instituições de ensino, apontando contradições que potencializam lutas significativas contra forças conservadoras e elitistas que só recuam frente a movimentos sociais fortalecidos pela adesão massiva de excluídos do sistema educacional em nível superior. Suas análises e investigações confluem para os denominados cursinhos alternativos e populares destinados à preparação de pobres e negros oriundos de escolas públicas e necessitados de preparação para concorrer a vagas em universidades também públicas e gratuitas. O recorte temporal abrange o período de 1950 a 2010. O recorte espacial considera o território nacional. A análise, contudo, incide com mais intensidade nos conflitos que envolvem as três universidades públicas do estado de São Paulo (Unesp, USP e Unicamp) mais próximas da vivência e da militância do autor no processo de organização e administração de tais cursinhos.

    A análise percuciente dos dados leva o autor a extrapolar o empirismo de abordagens superficiais e apontar determinações não perceptíveis à primeira vista. Um exemplo está na conclusão de que tais cursinhos explicitam as condições desiguais de pleiteantes ao ensino superior, mas também apontam para alternativas possíveis de transformações profundas no sistema. Apoiado em Henri Lefebvre, conclui que a disseminação de movimentos populares decorrente de contradições do sistema produtivo capitalista insere-se na perspectiva de superação da planificação econômica e a completa atenção à planificação social, instituindo-se, dessa forma, uma nova ordem, em que a solidariedade seja a tônica na sociedade urbanizada. Para a formulação e a consolidação dessa nova ordem, considera o autor, apoiando-se em Boaventura Sousa Santos, não ser incompatível a atuação conjunta de movimentos sociais, dos partidos políticos e do Estado.

    Jayro Gonçalves Melo

    Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp

    LISTA DE SIGLAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    1

    MOVIMENTO SOCIAL NA GEOGRAFIA: UM DEBATE PELO ESPAÇO

    1.1 AS GEOGRAFIAS DA GEOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

    1.2 SIGNIFICANDO SUJEITOS E ATORES NO PROCESSO SOCIAL

    1.3 A TRAJETÓRIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA NOS ESTUDOS SOBRE MOVIMENTOS SOCIAIS

    2

    O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO CAPITALISTA DA SOCIEDADE E AS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES

    2.1 A PRODUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL DA CIDADE NO PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIOESPACIAL

    2.2 A UNIVERSIDADE NO CONTEXTO DA CIDADE

    2.3 URBANIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E LUTAS SOCIAIS: PROCESSOS, CONTEXTOS E DESFECHOS

    3

    ESTADO E UNIVERSIDADE NO BRASIL: DESVENDANDO UM PROCESSO

    3.1 APONTAMENTOS SOBRE OS TERRITÓRIOS

    3.2 HERANÇAS DA FORMAÇÃO ESCRAVISTA COLONIAL NO ESTADO BRASILEIRO

    3.3 BRASIL: A TRAJETÓRIA DO ENSINO SUPERIOR À UNIVERSIDADE

    3.3.1 A República e a materialização do projeto burguês de sociedade

    3.3.2 A formação da universidade no Brasil

    4

    CURSINHOS ALTERNATIVOS E POPULARES NO CONTEXTO DAS DISPUTAS DE PROJETOS PARA O BRASIL: 1950-2010

    4.1 A LUTA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À UNIVERSIDADE NO CONTEXTO DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIL, SINDICAL E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

    4.2 O MOVIMENTO NEGRO

    4.3 CURSINHOS ALTERNATIVOS: UMA NOVA PRÁTICA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA DÉCADA DE 1990

    4.3.1 A experiência dos estudantes da USP de Ribeirão Preto: a trajetória do Cape e a constituição do Fórum de Cursinhos de Ribeirão Preto e Região (FCRPR)

    4.3.2 A importância estratégica dos cursinhos da Unesp

    4.3.3 Cursinho do DCE ‒ Unicamp: da gestão identidade ao Movimento dos Sem Universidades (MSU)

    4.3.4 Rede Emancipa: movimento social de cursinhos populares

    5

    MOVIMENTO DE CURSINHOS ALTERNATIVOS E POPULARES: LUTANDO NOS ESPAÇOS DA CIDADE, PELO USO DO TERRITÓRIO DA UNIVERSIDADE

    5.1 DAS AÇÕES CONSTITUIDORAS DOS CURSINHOS ÀS PRÁTICAS QUE OS FAZEM ALTERNATIVOS OU POPULARES

    5.2 A TRAJETÓRIA DA EDUCAFRO

    5.3 A TRAJETÓRIA DA UNEAFRO

    5.4 A TRAJETÓRIA DA REDE EMANCIPA

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    Este livro é fruto de um estudo que pretende contribuir para a compreensão do surgimento e da ação dos cursinhos alternativos e populares como movimento socioespacial urbano de luta pelo acesso ao ensino superior no Brasil. Além disso, é um caminho que contribui para a compreensão do Brasil, pois mergulhei nas questões estruturais da sociedade brasileira que alimentam as privações que a hegemonia política e cultural do país impõe de forma violente à maioria da Nação. Entre as tantas exclusões, está o acesso à educação básica e superior de qualidade.

    Ao ingressar no curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT-Unesp), campus de Presidente Prudente, no ano de 1998, e fazer parte do movimento estudantil local, participei, na condição de sujeito social, junto à direção da faculdade, a colegas e a entidades de representação estudantil, da construção do Cursinho Ideal da Unesp, no qual exerci, por quatro anos, a prática docente nas disciplinas de História do Brasil e História Geral. Essas práticas me estimularam a refletir teoricamente sobre a militância na organização dos cursinhos e na luta pela democratização do acesso ao ensino superior.

    Tal reflexão resultou na monografia de bacharelado, Cursinho Ideal da Unesp: por uma política pública de combate à exclusão social, defendida em 2002, orientada pelo professor Everaldo Santos Melazzo; na dissertação de mestrado, Cursinhos alternativos e populares: movimentos territoriais de luta pelo acesso ao ensino superior no Brasil, defendida em 2005, na mesma instituição de ensino superior, orientada pelo professor Jayro Gonçalves Melo; e na tese de doutorado realizada no Instituto de Geociências da Unicamp (IG-Unicamp), orientada pela professora Regina Célia Bega Santos, cujo título é Movimento socioespacial de cursinhos alternativos e populares: a luta pelo acesso à universidade no contexto do direito à cidade, defendida em dezembro de 2011 e que deu origem a este livro.

    O leitor pode sentir certo estranhamento ao não encontrar, nestas páginas, reflexões acerca da conjuntura política brasileira atual, no entanto não é esse o objetivo da obra, mesmo porque o desfecho da atual conjuntura ainda é um campo em aberto, exigindo de todos nós muita ação e reflexão.

    Neste livro, o desafio foi o de situar, no âmbito da problemática urbana, a questão do acesso ao ensino superior como a realização do direito ao uso de equipamentos urbanos historicamente negados para a maior parte da população, em função dos lugares que tal parte da população ocupa no processo de produção. Em todo o trabalho, o lugar ocupado na produção é considerado determinante das condições de reprodução de cada um: nos lugares e condições de moradia, no acesso e qualidade no/dos serviços de saúde e educação, na presença ou ausência de equipamentos de lazer. Tais contradições produzem experiências de lutas para a superação de dificuldades que acabam se transformando, em determinados momentos, em movimentos sociais, a exemplo das experiências dos cursinhos alternativos e populares.

    Associadas à desvelação dos processos constituintes dos cursinhos alternativos e populares, indaguei-me se, e em que momento, essas experiências podem ser compreendidas como ações que contrariam os interesses do capital. Tal questão é respondida, mas não esgotada, apenas no último capítulo.

    Apesar de a questão da desigualdade no acesso ao ensino superior ser um dos motivadores das experiências dos cursinhos alternativos e populares, não foi objetivo deste trabalho a mensuração dos estudantes desses cursinhos que ingressaram na universidade. Tal empreitada exigiria uma ação organizativa conjunta dos cursinhos e movimentos com as fundações de vestibulares, que implicaria na inclusão da pergunta, no questionário de inscrição, se o candidato se preparou para o exame vestibular em cursinhos populares e/ou alternativos.

    O livro é composto por cinco capítulos. O primeiro capítulo foi construído com a intenção de explanar sobre a produção relativa a movimentos sociais na Geografia a partir do Movimento de Renovação da Geografia Brasileira, e tem como base o debate dos principais trabalhos que compõem as tendências analíticas sobre movimentos sociais na Geografia. Nesse capítulo, procurei acompanhar o avanço desse debate, o qual, mais tarde, será útil para qualificar o movimento de cursinhos alternativos e populares como movimento socioespacial.

    Pensar os cursinhos alternativos e populares como movimentos sociais urbanos exigiu situar o objeto de luta desses movimentos no contexto da cidade, pois a educação, além da significação da experiência cotidiana da vivência do ser, é um equipamento cultural e urbano responsável pela socialização do indivíduo e, no capitalismo, pela sua ambientação à disciplina do trabalho alienado, ademais da ruptura, explicitando a ambiguidade conservadora e revolucionária da educação. Por isso, no segundo capítulo, dediquei-me ao processo de formação da cidade e do urbano para compreendermos o momento em que a instituição social universitária surgiu na cultura ocidental. Procurei situar o surgimento da universidade junto ao processo caracterizado de crise do modo de produção feudal ‒ como parte indutora do fenômeno urbano que se anunciava por meio da tímida vida urbana nascente, e como uma instituição que se distanciou da Igreja porque se acentuou a crise do pensamento escolástico, mas, ao mesmo tempo, teve sua autonomia ameaçada em relação ao Estado na medida em que se consolidam as bases do modo de produção capitalista.

    Ainda nesse capítulo, apresentamos as principais universidades surgidas até o ano de 1499, e problematizamos uma explicação do porquê a universidade floresceu nas colônias espanholas e inglesas na América, e, no Brasil, apenas cursos superiores ligados aos colégios da Companhia de Jesus foram criados.

    O tema do terceiro capítulo é Estado e universidade no Brasil. Nele, acentuamos ser necessário entender a formação do Estado brasileiro (sociedade), suas práticas e relações de reprodução das classes dominantes, para se chegar à compreensão do processo que originou a primeira universidade permanente do país, em 1920, a Universidade do Brasil, no estado do Rio de Janeiro. Por isso, a atenção ao processo constitutivo da herança patrimonialista e clientelista, e também do escravismo colonial, produtor da sociedade autoritária no país, que fez do acesso ao ensino superior um privilégio de classe.

    Nesse capítulo, a emergência e o acesso aos equipamentos de educação são entendidos como partes do processo urbano-industrial da sociedade brasileira vivido com mais intensidade a partir do início da década de 1950. Assim, associamos o surgimento de instituições federais e estaduais de ensino superior até o momento atual aos fenômenos indutores do desenvolvimento urbano e, mais recentemente, às estratégias de desenvolvimento regional, empreendidas pelo Estado, também indutor dos processos de desenvolvimento urbano.

    No quarto capítulo, são apresentadas ao leitor as experiências dos cursinhos alternativos e populares desde a década de 1950. Partindo das experiências dos cursinhos do Grêmio da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e do Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (Caaso), na USP de São Carlos-SP, situei o movimento estudantil brasileiro como o precursor da prática de cursos preparatórios para o exame vestibular fora do campo do mercado da educação.

    Também foram pesquisadas as experiências de cursinhos da década de 1960, situando-as no contexto da intensa vivência político-cultural do país. Entre tais experiências, destacam-se os cursinhos do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o Pré-USP, localizado na Rua Conselheiro Carrão, no bairro do Tatuapé, e o cursinho das Rosas, no bairro da Praça da Árvore. Tais experiências foram extintas com o endurecimento do regime autoritário no final dos anos de 1960.

    A partir da ressignificação das experiências produzidas pelos movimentos populares oriundos a partir da práxis libertadora dos agentes pastorais ligados à teologia da libertação, durante as décadas de 1970-1980, que deram origem ao que os sociólogos denominaram de novos movimentos sociais, emergiram, no final da década de 1980, novas experiências de cursinhos, denominados por mim de alternativos e populares. Os primeiros são oriundos das práticas do movimento estudantil e utilizados como exemplos de políticas de extensão universitária e políticas públicas, de administrações municipais e estaduais de governos do campo democrático popular. Os segundos se constituíram como frutos dos experimentos dos cursinhos originários do movimento estudantil, a partir da reprodução daquelas experiências nas periferias das grandes e médias cidades, por sujeitos sociais que as viveram como educandos e educadores nos cursinhos das universidades.

    Entre os sujeitos constituidores dos cursinhos populares, estão também o movimento negro que, por meio da luta antirracista, da denúncia sobre a precariedade e indisposição dos equipamentos urbanos e a percepção da ausência do negro nos cursos superiores do país, organizou-se e construiu importantes experiências de luta pela democratização do acesso ao ensino superior e da universidade brasileira, como a Educação para Afrodescendentes e Carentes (Educafro); o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC); o Cursinho Popular do Núcleo da Consciência Negra da USP; a União de Núcleos de Educação Popular para Negras e Negros (UNEafro), entre outros.

    Para tanto, os recursos metodológicos foram a prática de entrevistas com os sujeitos desses processos e, também, a observação das contribuições e ressignificações de experiências na formação e organização de cursinhos alternativos e populares. Fez-se necessário utilizar, neste trabalho, algumas entrevistas feitas durante a minha trajetória acadêmica, por se tratar de conteúdos fundantes acerca de objetivos que nos desafiamos a cumprir, por exemplo, o resgate da gênese das primeiras experiências de cursinhos alternativos e populares.

    O quinto capítulo trata de algumas práticas espaciais desenvolvidas no espaço urbano pela Educafro, pela UNEafro e pela Rede Emancipa de cursinhos populares, visando à propaganda da agenda e à conquista da pauta dos movimentos de cursinhos, que estão sempre articuladas a outras pautas em disputas na cidade, como a luta pela moradia.

    Nas considerações finais, analisamos as práticas dos movimentos sociais de cursinhos populares como experiências de lutas que podem contribuir, junto a outros movimentos sociais, para a organização de frentes e debates que objetivem a democratização dos usos da cidade e fortaleçam a participação social em todos os campos possíveis de ações, inclusive no aparelho de Estado.

    1

    MOVIMENTO SOCIAL NA GEOGRAFIA:

    UM DEBATE PELO ESPAÇO

    1.1 AS GEOGRAFIAS DA GEOGRAFIA DOS

    MOVIMENTOS SOCIAIS

    A concepção de movimento social que orienta este livro é a baseada em Santos¹, que o compreende como ação coletiva organizada, cujo objetivo é a contraposição e a superação das contradições produzidas por questões estruturais das sociedades de classes, cujo motor

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