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Vera Ballroom
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E-book138 páginas1 hora

Vera Ballroom

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Sobre este e-book

Romance de tons clariceanos, mescla de ficção com ensaio acadêmico sobre a incomunicabilidade do discurso amoroso, Vera Ballroom investiga as relações entre o masculino e o feminino, na literatura e na vida. Os personagens centrais, a Vera e a Fera, dão voz a esse embate, de forma bastante original e criativa.
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento14 de ago. de 2020
ISBN9786586043464
Vera Ballroom

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    Vera Ballroom - Cleo Vaz

    Sumário

    Apresentação

    Texto de orelha

    Sobre a autora

    A Eles

    Ela bem sabia, às vezes, segurar uma coisa

    pela mão distante da outra e as fazer, perplexas,

    dançar, loucas, suaves, arrastadas...

    clarice lispector

    Apresentação

    A história da Vera é a de uma mulher que sempre foi apaixonada pelos homens e por Literatura – assim como uma aurora ardente.

    Sua alma, uma estrela inocente, seu corpo, uma rosa fechada. Vivenciou a via-crúcis, desesperada por encontrar um grande amor. De tão inúmeras as tentativas, os relacionamentos findam por se resumir aos diálogos Eles/Ela que, na verdade, eram monólogos, já que Masculino/Feminino perpetuavam aquela dissintonia. Perpassa o texto, a voz do Fera, um alter ego vérico a torturá-la, a minar-lhe o equilíbrio. E Vera vai e vem, vai e vem, tique-taque, tique-taque, da cidade para o campo, do campo para a cidade – sempre pensando neles. Vera Ballroom é, em parte, uma romanceação da minha tese de doutoramento Da incomunicabilidade no diálogo amoroso: escrita clariceana, onde pesquiso, nos nove romances da Clarice Lispector, o diálogo amoroso paralelo ao crescente esgarçamento da narrativa. Me valho da técnica da mistura de gêneros narrativos, da transparência da prosa à opacidade da poesia, como também da elucidação ensaística, para melhor iluminar o drama e a negação dos sentidos sofridos pelas mulheres há já lá se vão séculos.

    Por que a Vera não emplaca um namoro? Será que os homens não suportam a sua entrega, o seu tomar a iniciativa? O Fera a persegue, a sufoca, mina sua crença em si mesma, no mundo como um todo. Ela prossegue, no entanto, uma apaixonada pelos homens – os homens são grandes e pequenos. Acontece a cena do estupro exercido sobre o corpo da Vera pelo demônio erótico, ao final de uma noitada que ela esboçara como idílica, cercada pelo cenário natalino da cidade de Petrópolis toda ornamentada pelo sonho e pelo sangue, escorrendo dessa mulher.

    Há o encontro por fim da protagonista com o mundo maior, o das palavras, aquele da Literatura – a promessa da afinação do discurso entre Mulher/Homem.

    Cleo Vaz

    No ponto de ônibus, Vera espera a vida passar. Ela não tem consciência disso, mas eu tenho. Pretende, enquanto observa alheia os coletivos circulando, fazer hora, despistar-me e ­livrar-se de mim. Pura ilusão. Ela sou eu e eu sou ela. Unha e carne. Corpo e alma.

    Há uma longa e ventosa estrada a percorrer e minha cobiçada Vera está perdida no tempo e no espaço. Os acontecimentos da última década e meia, por nós vividos, precipitam-se como areia na ampulheta. Procuro manter-me impermeável ao destino, mas ela sente-se pressionada, encurralada, e o que é pior, o seu tempo se esgota, como o meu já se esgotou. Agora, sou atemporal.

    Vera, a passeadora solitária, jamais preocupada com direções a seguir ou caminhos a trilhar, inebriada pelo hábito da contemplação, o vício de abraçar as árvores, a nos paralisar.

    Flagro-me a admirá-la, cabelos ao vento, linda, esbanjando ternura e desejo de libertação.

    A atmosfera campestre desencoraja o fantasma que insiste em assombrar o seu itinerário.

    Havia passado quinze anos fora do mundo, período completo da relação com Carlos Daniel, vizinho e namorado pelos anos a fio da juventude.

    O seu casamento fora tal uma ilha, cercado de limitações por todos os lados, e ela insistia em mergulhar naquele oceano de impossibilidades, apesar dos meus incisivos conselhos. Arrastou o matrimônio ao longo do tempo, acuada pelo fantasma da solidão.

    Aquela cena terrível – descoberta da amante – a persegue.

    – Carlos Daniel, não adianta mais negar, sei do seu envolvimento com aquela designer.

    – Vera, você está mais uma vez fantasiando.

    – Eu cheguei a telefonar para São Paulo, durante a sua última viagem a serviço. O seu sócio, Murilo, nada sabia a respeito do tal jantar de negócios.

    – É inútil tentar demovê-la; fique então entregue às suas desconfianças vãs.

    No dia seguinte, Vera recolheu todos os pôsteres que a amante Stela havia emoldurado. Carlos tivera a ousadia de permitir que aquela aventureira se encarregasse das gravuras que ela e o marido haviam comprado na última viagem a Nova Iorque.

    Num acesso de ódio, estaciona o carro importado num trecho mais deserto do viaduto e atira ao mar as fotos emolduradas.

    – Que raiva Alice, ele me deu esse automóvel como forma de expiar a culpa decorrente da traição!

    – Amiga, assim são eles – todos iguais.

    – Ela está se infiltrando mais e mais na agência, a fim de melhores chances.

    – De oportunistas, eles estão rodeados. Veja o que ocorreu ao meu Pedro. Chocado frente à iminência do adultério, passou um fim de semana inteiro só, em nossa casa de Petrópolis, dando a desculpa incrível da meditação. Voltou um bagaço. Você precisa ser forte como eu e ignorar a amante.

    – Não sei o que farei, já não sinto nenhuma atração por Carlos Daniel.

    Tenta, desnorteada, um escape desse beco sem saída. Quer reabilitar a paixão, que lhe confere forças extras para superar a crise. Sua dor, os grãos invisíveis do amor fragmentado, se espalha aos quatro ventos.

    A brisa suave jamais comovera o ex-marido; ele ansiava por tempestades, semeava o vento. A não efetivação da comunicação desejada estimula a capacidade reflexiva da Vera. Ao som pesado do tique-taque, a noite a conscientiza do já pressentido – os respectivos ritmos, seu e do Carlos, assumem vibrações díspares. Persegue a expressão o mais fidedigna possível da sua emoção, aflita por fisgar o claro enigma, e o consegue – presente a incomunicabilidade amorosa, que se faz soberana. Ensaia vários diálogos, todos por água abaixo; ama de paixão, tudo inútil. Sonda palavras que decifrem o mistério, nelas se refugia; seu corpo vivencia a inspiração, libertando-a do mal-estar da impermeabilidade intersexos.

    A intuição aguçada lhe permite perseguir termos os mais adequados ao seu discurso.

    À medida que ela vai adquirindo maior autonomia, o distanciamento do casal amoroso – Vera/Carlos – se intensifica e escasseiam os diálogos que, uma vez pronunciados, conotam uma dissintonia crônica, até findarem por completo, de forma drástica.

    – Permanece uma lacuna, Carlos, porque está impossível dar forma aos sentimentos mais profundos.

    – Você insiste em viver mergulhada em fantasias; é insuportável.

    A incomunicabilidade entre Feminino e Masculino é tamanha a ponto de ele vociferar sozinho, enquanto Vera permanece emudecida e voltada para as próprias cogitações, a maioria relativa à expressão.

    Perdida no tempo-espaço, sem identidade definida, ela vai e vem, vem e vai, ziguezagueando por ali. Pensa em suicídio, mas isso se limita à cogitação.

    A consciência da descontinuidade do homem, acirrada quando sobreposta à condição de continuidade espácio-temporal, faz com que Vera dramatize no ato amoroso uma fusão idealizada e proveniente do estado recorrente de vertigem.

    O patrimônio herdado é administrado pela dra. Celina, amiga de infância. Os imóveis alugados rendem-lhe uma quantia mais que suficiente para ter uma vida folgada.

    Não sofre de problemas financeiros, porém está desestabilizada emocionalmente. A forma que encontrou de ludibriar a sensação constante de desfalecimento, iminência da morte, foi sublinhar a paixão amorosa.

    Quanto maior é a sua angústia, mais forte se torna aquela sensação estranha de perseguição; como se os fantasmas que povoavam a sua infância, súbito reaparecessem.

    Vive no limite. Ser ou não ser Vera. Fluida, tal uma água-viva, traça um painel da sua trajetória, repleto de

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