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O poeta de Kailasa
O poeta de Kailasa
O poeta de Kailasa
E-book205 páginas2 horas

O poeta de Kailasa

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Sobre este e-book

O cenário encantador da região de Kailasa, atualmente região que fica entre Kodari, no Nepal, e Nyalm, no Tibete, é o palco onde um poeta desconhecido vive uma das experiências mais desafiadoras que o ser humano pode experimentar: a experiência da perda, de amar profundamente, e ver que no fim tudo desaparece, restando o vazio, a busca desesperada de um sentido para a vida.
É surpreendente pensar que estes poemas que estavam perdidos na beira de uma estradinha qualquer, no caminho de Kailasa até Katmandu, chegam até nosso tempo com os temas ainda tão atuais, como a miséria social, a repressão política e militar, a imposição de uma cultura colonialista sobre as culturas locais, como ocorreu no Nepal daquele tempo.
O Poeta de Kailasa traz da terra do Buda, em singelos poemas narrativos, conforme a tradição literária hindu, as paisagens inebriantes da cordilheira do Himalaia como cenário a esta história de amor de duas almas que têm seu maior desafio: compreender o porquê do sofrimento e continuar amando incondicionalmente.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento31 de ago. de 2020
ISBN9786556741895
O poeta de Kailasa

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    Pré-visualização do livro

    O poeta de Kailasa - Paulo Cezar Weber

    nepalês

    Apresentação

    Mais do que uma honra, é um enorme prazer apresentar este livro, cujos poemas contêm profundas reflexões sobre a existência humana.

    O Poeta de Kailasa, na verdade, reflete a alma do seu autor: sensibilidade, delicadeza e comprometimento com a busca pelo sentido da vida, em tudo o que ela pode representar de empatia e alteridade.

    Percorrendo as páginas iniciais, o leitor atento sentir-se-á provocado a viajar pelos caminhos que escolheu para a sua própria vida, ao tempo em que poderá revisitar e fortalecer os valores que professa, que lhe são preciosos e que, talvez, estejam obscurecidos pela azáfama do cotidiano.

    A novidade é que esta viagem interior será percorrida através dos passos e narrativas das personagens, que caminham em um cenário inusitado para a maioria dos chamados ocidentais.

    Por sua vez, os poemas... ah, os poemas... tão bucólicos, tão detalhistas e tão ternos, que provocam, inevitavelmente, profundos e silenciosos suspiros. Ou seja, prepare-se, leitor, para fazer uma leitura em dimensão de tempo desacelerada. Dito de outra forma e se me fosse permitido falar em linguagem de mercado, recomendaria que este livro fosse consumido em doses homeopáticas.

    Não é um livro para ser lido. É um livro para ser degustado.

    Não é um livro para se ler em qualquer lugar. É uma leitura exigente. Requer um ambiente tranquilo, sem interferências e, de preferência, com uma boa música de fundo, para que se possa ter uma experiência completa.

    Encerro a apresentação do Poeta de Kailasa, sob pena de antecipar inadequadamente a aventura que espera o leitor. Nada me resta de adjetivo, além da emoção de traduzir a obra do amigo Paulo Weber, como uma leitura necessária.

    – Cristina Delgado

    Caro amigo Kanishka

    Não nos falamos há mais de doze anos, quando deixei Katmandu. Na época, viajara às pressas para atender a um pedido das autoridades de Kailasa, que me intimaram a assumir a casa do primo Mahadeva, bem como tomar providências quanto à cremação do corpo, pois ele falecera dentro da casa. Esse fora o motivo pelo qual não fui mais visto no comércio e nem me despedi do amigo. Tinha em mente logo enviar notícias, mas diversas ocupações me impediram. Saiba, no entanto, que não foi por desconsiderar tua amizade.

    Recordara-me, com satisfação, que depois de fechar minha loja de armarinhos, sempre atravessava a rua e ia ter contigo na livraria. Assim como eu, o amigo estava naquele comércio há muitos anos. No início, pouco me interessava pelos livros, mas aos poucos, observando a riqueza de seus comentários a respeito de outros países e outros povos, passei a folhear um ou outro livro e, quando dei por mim, estava lendo avidamente.

    Com o passar dos anos, essas leituras oportunizaram-me a conhecer outras culturas; outras formas de ver a vida e, assim, debater contigo sobre muitos assuntos e não apenas te ouvir, em silêncio, como fazia no início de nossa amizade.

    Curiosamente, pouco encontrei sobre nossa própria região, nossa própria gente, sobre a cultura e os costumes de Kailasa. Estranho, não? Então decidi escrever esta carta por dois motivos: o primeiro, desculpando-me por não ter dado notícias logo no começo da minha ausência em Katmandu; o segundo, para solicitar ao amigo um grande favor, que será o de organizar e publicar um livro, a partir dos escritos que lhe enviei dentro de uma sacola de couro. Tratam-se de anotações, ou poemas narrativos, escritos pelo primo Mahadeva.

    Durante meses, estive pensando no que fazer com as centenas de cartas escritas pelo primo, deixadas por ele num vão do assoalho, ao lado do altar. Chamou-me a atenção o fato de que o destinatário delas era a própria esposa, Nila, que havia desaparecido há muitos anos. Na época em que ela desaparecera, ele havia feito uma viagem de alguns dias e, quando retornou, não a encontrou mais. Ninguém na vila soube informar o que acontecera com ela. Para nós da capital, estranho, era alguém desvanecer sem deixar vestígios.

    No interior, em cidades como Kailasa, muitas pessoas são atacadas por animais selvagens, vindos das florestas do sul, ou raptadas por bandidos do norte e levadas como escravas às terras distantes. Como o tempo foi passando e ela não aparecera, ele começou a lhe escrever cartas, imaginando que caso viesse a morrer e ela retornasse, saberia de tudo o que se passara quando ausente.

    Aproximadamente vinte anos depois, o primo faleceu. Como a mulher continuara desaparecida, e não havia parentes próximos na cidade, fui chamado para os trâmites funerários e, na arrumação da casa, acabei encontrando as cartas. Em muitas delas, o primo narrava sobre assuntos íntimos do casal. Essas eu queimei em respeito à sua memória. Selecionei, na medida do possível, aquelas que traziam alguma contribuição para preservar nossa cultura, isto é, tradições e costumes de nosso povo. Logo de início, sem saber o que fazer com as cartas, eu procurei o respeitado professor da vila, Barid Devko, e contei-lhe sobre o ocorrido com o primo e o material deixado. Ele leu algumas delas e depois me aconselhou a preservá-las, pois, na sua modesta opinião, a vida cotidiana e cultural da cidade estava anotada, com ênfase, nas cartas do primo Mahadeva.

    Alguns dias depois, ele me procurou para contar sobre a ideia que teve de reunir as cartas e fazer um livro, um livro com papel da palha do vale de Katmandu, tendo em vista que ela era mais grossa que o papel vindo do estrangeiro; tinha uma coloração amarelada, difícil de remover. Achei uma excelente ideia, pois a família registraria em livro um pouco de sua história.

    O professor, além disso, se ofereceu para me ajudar na tarefa de organizar as cartas. Logo, a primeira dificuldade que encontramos foi de não possuírem o registro da data de quando foram escritas, ou seja, não era possível saber a sua ordem cronológica. E, durante vários dias, trabalhamos para estabelecer uma linha cronológica, razoável, dos acontecimentos da vida do primo, para que o leitor pudesse interagir com o contexto histórico do mundo do primo e ter condições de se localizar no espaço e tempo, considerando, também, os aspectos culturais, convencionais e conservadores da vida familiar, como o casamento e o nascimento dos filhos.

    Concluída a primeira parte, falei do amigo para o professor e de como tinha se dedicado à cultura em Katmandu e, que, portanto, você, amigo, seria a pessoa ideal para avaliar o conteúdo das cartas e ver se realmente caberia a publicação. Ele, o professor, de pronto concordou, mas sugeriu que recomendasse cautela, caso viesse publicar, pois seria necessário que você, amigo, fizesse uma consulta informal ao censor do governo para evitar dissabores com a polícia secreta. Isso se tiver algum amigo influente no governo que ofereça garantia de que não será denunciado. Ele mesmo chegou a antecipar que muitas cartas devem ser censuradas, ainda assim, o que restar será de bom proveito para a cultura da cidade.

    O amigo pode estar se perguntando por que deixei a capital para morar em Kailasa, pequena cidade em uma região abandonada pelo governo e à mercê de bandidos de toda sorte que se aventuram até o sul e utilizam a região como passagem para encurtar caminho. Foi vontade de Shiva, seria a resposta mais simples e rápida, mas não foi bem a vontade do venerado Deus, não creio. Não tenho uma resposta razoável que justifique a mudança tão radical em minha vida.

    Cresci no comércio da família a fazer cálculos e planos para o futuro, haja vista sempre ser o meu modo de pensar na vida, inclusive, familiar. Então veja que não se tratou apenas de uma mudança espacial, uma mudança de cidade, pois se fosse isso, não teria acontecido, porque não seria comercialmente viável. Aconteceu algo que me fez ver além do horizonte dos meus pais, da paisagem comercial que eu tinha da realidade. Portanto, foram as cartas do primo? A perda dolorosa da minha mulher? Sim, meu amigo, ela faleceu alguns meses depois que fiz a primeira viagem até Kailasa. Sinceramente, não sei o que responder. Talvez todos estes fatos tenham contribuído.

    Nas conversas com o professor Barid Devko, soube que seu mestre, o Buda, era um príncipe e que o pai dele se esmerava para lhe dar conforto e segurança. Inclusive o Buda também se casou e teve um filho. Viveu grande parte de nossas experiências mundanas. Contudo, em determinado momento da vida dele, ao se deparar com o sofrimento alheio, tomado de profunda compaixão, deixou tudo para trás e saiu em busca de uma resposta que lhe permitisse libertar os homens do samsara, deste mundo onde a ignorância e o apego prendem o homem em uma roda inexorável de sofrimento.

    Guardadas as devidas proporções, em Katmandu, eu tinha certo conforto e também uma vida relativamente segura sob o ponto de vista material. A família numerosa também nos passara a sensação de continuidade, de que nossas construções afetivas e materiais nunca seriam destruídas. Ilusão, meu amigo! Ilusão! Mesmo sem conhecer a vida daquele mestre, penso que tive também um estalo, um momento em que, mesmo não sendo muito claro, percebi o caráter precário das minhas certezas e a necessidade urgente de entender a realidade da qual estava mergulhado. Então abandonei minha prisão aurífera e fui morar em Kailasa.

    No começo foi muito difícil, mas com o passar do tempo fui descobrindo um mundo admirável. Por trás da aparente precariedade de tudo, havia uma profunda consciência de dependência uns dos outros. O sofrimento, oriundo das condições sociais precárias, o relevo irregular que nos obrigava a um verdadeiro malabarismo para plantar e alimentar os iaques. Era impossível viver aqui sem ajuda mútua. A necessidade de compartilhar as tarefas e mesmo, em determinadas situações, o próprio alimento, me ajudou a superar aquela postura de comerciante que eu tinha e assim me comportar desinteressadamente em relação aos outros. Digo que foi muito e muito mais difícil no começo.

    Anos depois, lembrando-me daquele tempo, lamentara não ter dado outro rumo à minha vida antes. Por exemplo, em Katmandu, minha rotina era regrada pelos costumes de casta; usava uma roupa para trabalhar no comércio, outra para o templo e outra ainda para o convívio familiar. Todos os movimentos eram acompanhados de comportamentos adequados para a ocasião, tudo mensurado, conforme as convenções de casta.

    Aqui, em Kailasa, não há isso; sou sempre eu, sem a preocupação

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