Tréguas e Epifanias no Precipício
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Tréguas e Epifanias no Precipício - Arlindo Gonçalves
Arlindo Gonçalves
TRÉGUAS E
EPIFANIAS
NO PRECIPÍCIO
Editora Estronho – 1ª edição
TRÉGUAS E EPIFANIAS NO PRECIPÍCIO
Todos os direitos da obra reservados a Arlindo Gonçalves
_____________
Autor: Arlindo Gonçalves
Capa: Marcelo Amado (a partir de foto de Arlindo Gonçalves)
Preparação de texto: Heidi Gisele Borges
Revisão: Heidi Gisele Borges e Marcelo Amado
Ilustrações: Matheus Vigliar
Foto do autor: Luciana Fátima
Editor responsável: Marcelo Amado
ISBN: 978-85-9458-056-6
_____________
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Estronho: São José dos Pinhais, PR
www.estronho.com.br
Facebook: estronhobook // Instagram: estronho
Para Luciana,
Comigo nos bons momentos, também pelos precipícios da vida.
Para meus pais,
Agora novamente juntos.
Para todas as vítimas de violência doméstica.
I - Tréguas
Crestian Ivánovitch [...] torno a pedir sua condescendência por um momento. Não tenho por que esconder nada do senhor [...] Sou um homem pequeno, o senhor mesmo o sabe; mas para minha sorte, não lamento ser pequeno. É até o contrário [...] e para dizer tudo, até me orgulho de ser pequeno e não um grande homem.
Fiódor Dostoiévski
eBook_Arlindo5O nome do bar
O
bar não se chama Precipício. Nunca teve esse nome. Foi tudo invenção minha porque, num momento difícil da vida, passei a vir aqui para beber sozinho, deprimido por uma tragédia familiar; sem saída ou perspectivas. Então, Precipício, na verdade, era o nome da minha situação particular da época, não a designação do boteco. Foi em 2004 que tudo ocorreu e eu afundei, perdendo-me num abandono que achava interminável. Logo, passei a frequentar esse bar. E, agora, estou aqui, seis anos depois, na véspera do Natal de 2010.
OOO
Quem falou tudo isso foi Marcos Eduardo de Almeida. Eu vario a forma de lembrá-lo: tem dias que é Marcos; outras vezes, Eduardo. Hoje, vou chamá-lo de Marcos. Ele estava naquela ocasião de maneira semelhante à que eu estou agora, no mesmo botequim, mas com a distância de quatro anos. Comigo, a cena se desenvolve alguns dias antes do Natal de 2014.
Marcos contou, lá atrás, que não era Precipício; talvez, ele nem se lembrasse do nome verdadeiro do estabelecimento: Lanches Celso Garcia — prosaico e longe do impacto que um botequim chamado Bar Precipício causaria a quem o ouvisse. Nosso amigo assim batizou o boteco porque, apesar de deprimido, afundado num abandono paralisante e que o levou ao alcoolismo, era uma pessoa bastante criativa; gostava de escrever literatura — produzia contos. Nunca nos conhecemos para valer, apenas vínhamos aqui e acabei sabendo um pouco sobre ele, mesmo sem termos falado um com o outro. Nós nos víamos, mas não interagíamos, por assim dizer. Eu saberia detalhes da vida dele bem depois. Quem me contou muita coisa sobre o escritor foi um padre que atuava na região do Brás.
Mas se Marcos não chegou a ser meu amigo, foi de muitos no Bar Precipício. Encantou-se com as diversas histórias colhidas no estabelecimento. E escrevia seus textos baseando-se nos casos de que tomou conhecimento.
Isso foi entre 2004 e 2010. Mesmo triste, em depressão, ir ao Precipício trouxe certo alento a ele, que se motivava com o que ouvia daqueles que conhecia no boteco; tentava transformar tudo em literatura nos diversos contos que escrevia na esperança de um dia fazer do material um livro.
Esse processo durou até o meio de 2010, quando, por recomendação médica, Marcos teve de parar de beber (ou mesmo tentar). Então, nosso companheiro iniciou uma luta para preservar a saúde, debatendo-se para ficar longe dos copos, o que significava afastar-se do Bar Precipício. E ele, de fato, fez isso após algumas recaídas.
Em fins de 2010, Marcos programou uma despedida definitiva do boteco. Marcou um happy hour na véspera do Natal daquele ano, à tarde, um pouco depois do almoço. Então, chegou ao Precipício antes de todo mundo. E, da mesma maneira que faço hoje, sentou-se, pediu uma cerveja e ficou relembrando aqueles com quem cruzava pelas mesas e balcões, alguns dos quais viriam ao encontro.
A partir daqui, alternaremos a narrativa. Enquanto ele relatará as histórias dos amigos de copo, eu contarei um pouco do que soube acerca de quem foi o próprio Marcos.
eBook_Arlindo2Luxor
L
uxor vem aqui quase todas as quintas-feiras. Chega na companhia de vários de seus amigos e amigas de trabalho. Eles são empregados de uma corretora de seguros próxima ao Precipício. Todos sentam-se, divertem-se, gargalham ao sabor das cervejas. Acabei incluído na turma deles.
Lembro-me de um dia o Luxor chegar muito estressado. Ele disse para o pessoal:
Como pode esse monte de cartas de recusa do meu livro? Essas editoras não sabem nada de nada!
Luxor é uma figura especial. Bonito, culto, inteligente, sagaz, bem-informado. Gay assumido e resolvido na vida, ocupa um cargo muito bem remunerado na corretora. É, portanto, feliz em vasta gama das áreas da vida e a leva de forma ativa e sofisticada: frequenta museus, vernissages, saraus, lançamentos de livros; viaja para