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Cidades visíveis
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E-book61 páginas54 minutos

Cidades visíveis

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Sobre este e-book

Nesta série de ensaios a autora apresenta uma cidade e um objeto ou pessoas que lembram esses lugares. Desta maneira o livro se converte num guia rápido de viagem por Praga e os guarda-chuvas, París e os trens, Berlim e as malas perdidas, Viena como uma matrioska, Lima e os limões, Suva e os banquetes e uma Bangkok cheio de monges budistas peregrinando por suas ruas. Um livro sobre a nostalgia que produz depois de tempo as viagens. Esta obra obteve o Prêmio Dolores Castro de Literatura escrita por mulheres em Aguascalientes, México.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento16 de out. de 2020
ISBN9781071569771
Cidades visíveis

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    Cidades visíveis - Carmen Avila

    Cidades visíveis

    Carmen Ávila

    Viaja para reviver teu passado? —era nesse momento a pergunta do Kan, que podía também se formular assim: Viaja para encontrar teu futuro? E a resposta de Marco: —O além é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu  ao descobrir o muito que não teve e não terá. Diálogo entre Kublai Kan e Marco Polo.

    As cidades invisíveis, Ítalo Calvino

    A cidade e os guarda-chuvas

    O livro ‘As cidades invisíveis’, de Ítalo Calvino, inicia com o seguinte parágrafo que se titula A Cidade e a Memória:

    Partindo de lá e caminhando três jornadas até o leste, o homem se encontra em Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas em bronze de todos os deuses, ruas pavimentadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro, que canta todas as manhãs sobre uma torre.

    Para mim, Calvino tinha chamado Diomira ao que na verdade era a Praga que eu tinha conhecido em um verão de 2007. As cúpulas de suas igrejas não são de prata, mas brilham igual que o azul diamante dos olhos do menino Deus que se encontra em uma delas. Suas estátuas de bronze não são de todos os deuses, mas são quase do mesmo: poetas e mártires queimados ou sacrificados pela liberdade. Suas ruas não estão pavimentadas de estanho, mas parece que seu belo rio tem estanho líquido que acaricia as pontes desde donde nasce até San Juan Nepomuceno. Seu teatro ão é de cristal, mas sim de pedra e ouro, e existe essa torre e esse afônico galo dourado que canta pontualmente para marcar a hora de um relógio antiguíssimo que ainda ninguém sabe como foi construído e como ainda segue funcionando.

    É estranho como as cidades se guardam no cérebro. Irma, uma canária que conheci, me disse que ela recordava os anos em que tinha visitado Praga anteriormente pela cara que tinha o homem que a tinha acompanhado (ela tinha se divorciado duas vezes e o rosto de um ou outro marido o relacionava com edifícios ou pontes da cidade ou com distintos anos). Me lembra dessa cidade também teme que ver com um homem alemão, a quem convidei a sair e me deixou plantada. No outro dia, quando me encontrava no refeitório da universidade, com Cristina, uma espanhola adorável e punk, o alemão chegou até nossa mesa e se desculpou comigo: é que estava chovendo e não tinha guarda-chuva. Cristina me disse: que elegante!, olha que vir se desculpar!. E a verdade no lugar de me irritar e esquecer o assunto me pareceu um gesto de boa educação sua desculpa e desde aí comecei a me interessar mais nele.

    Quando vivi em París, o alemão foi me visitar. Uma conhecida mexicana, cujo nome esqueci, me perguntava sobre como tinha encontrado com o alemão e quando contei que foi na capital da República Tcheca, ela lembrou a cidade com que sua visita coincidiu com um dia chuvoso, mas em específico, com os guarda-chuvas, pois afirmava que quando ela tinha ido e começado a chover, as tchecas, como si caísse enxofre do céu, se apressavam a caminhar empurrando com seus cotovelos e seus ombros a quem tinham em frente e  aos lados para não se molhar, sacando seus guarda-chuvas como se fossem espadas para a batalha. Ela mesma afirmou: foi como descreveu Kundera em ‘A insuportável leveza do ser’, as tchecas ficam muito grosseiras quando chove. Minha amiga se referia ao seguinte parágrafo, memorável, do romance:

    Chuviscava. Os apresados pedestres abriam os guarda-chuvas e em um momento a calçada estava repleta. Os guarda-chuvas chocavam uns contra outros. Os homens eram amáveis e, quando passavam junto a Teresa, levantavam o cabo do guarda-chuva por cima da cabeça para que pudesse passar. Mas as mulheres não se apartavam. Olhavam para frente com dureza e cada uma delas esperava  que a outra reconhecesse sua debilidade e retrocedesse. O encontro entre guarda-chuvas era uma prova de forças. Teresa ao princípio se apartava, mas quando compreendeu que sua amabilidade nunca era correspondida, pegou o guarda-chuva com a mesma firmeza que as demais. Várias vezes chocaram violentamente contra o guarda-chuva da frente, mas ninguém disse desculpa. Pelo geral ninguém dizia nada, duas ou três vezes ouviu dizer imbecil! ou merda!.

    Minha amiga e Kundera tinham razão. Um desses dias de verão caminhava com Cristina e esse alemão de quem me apaixonei, íamos pelo centro da cidade, chamado o centro velho. Apenas começou a chover, um homem que vinha caminhando em sentido contrário a nós apressou o passo, nem sequer

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