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Retratos do mal-estar no ato educativo: um estudo em psicanálise e educação
Retratos do mal-estar no ato educativo: um estudo em psicanálise e educação
Retratos do mal-estar no ato educativo: um estudo em psicanálise e educação
E-book329 páginas4 horas

Retratos do mal-estar no ato educativo: um estudo em psicanálise e educação

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Sobre este e-book

Retratos do mal -estar no ato educativo: um estudo em Psicanálise e Educação é fruto de uma inquietação que se transformou em uma pesquisa acadêmica, e versa sobre um mal-estar que se observa entre alunos e professores. Foram escutados, em grupo e individualmente, alunos que eram classificados por alguns professores, como "alunos problema". Foi possível observar que os espaços de fala permitiram que cada um pudesse falar de si, escutar-se e escutar o outro, fato que gerou uma virada interessante em suas falas. Evidenciou-se que o discurso pedagógico verticalizado, o currículo descontextualizado, bem como posturas institucionais e docentes que tentam dirimir as inquietações e as divergências dos estudantes, tornam os espaços de ensino e aprendizagem em algo que os alunos nomearam como insuportável. As falas apontaram para experiências de morte do sujeito do desejo, e, em resposta à essa ameaça de não ser sofrida pelos alunos, eles se faziam escutar em enunciados violentos e mortificantes, quando não em ato. Este livro aponta para a necessidade de um ato educativo que se distancie da lógica segregativa e moldável, ampliando seu leque de opções com espaços para a voz do aluno-sujeito. Mostra como cada construção subjetiva se alia com a construção de conhecimento a partir do estilo em formatação de cada sujeito de desejo; o lugar do professor como mediador na transmissão do saber-fazer com o aprender como essencial nos discursos destes alunos, evidenciando que o lugar de autoridade não pode ser confundido com espaço para o autoritarismo, mas que este sirva ao jogo do semblante necessário à transferência aluno-professor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de nov. de 2020
ISBN9786558771548
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    Pré-visualização do livro

    Retratos do mal-estar no ato educativo - Priscila Almeida

    AGRADECIMENTOS

    Este livro foi originalmente escrito como dissertação de mestrado para o programa de pós graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Por isso, devo agradecer a minha orientadora e à banca examinadora pelo cuidado na leitura do texto, observações pertinentes e pela acolhida a meus escritos.

    O trabalho intelectual e acadêmico que os professores doutores Maria de Lourdes Ornellas, Marcelo Veras, Rinaldo Voltolini e Tânia Hetkowisky desempenharam com brilho, foi por eles honrado e confirmado em seu valor.

    Agradeço ainda,

    à UNEB pela acolhida e pelo espaço de discussão e estudo a que se propõe;

    aos alunos e professores participantes da pesquisa que deram voz e sentido ao escrito;

    ao amigo Bionor Brandão que acolheu inquietações e partilhou momentos de debates e construções teóricas;

    à Rafael e Lucas que amorosos lidaram com certas ausências necessárias a escrita, sempre contando com o forte abraço recheado de palavras;

    à Mylla Almeida, atenta leitora dos originais que me ajudou a pensar a formatação deste livro;

    e aos meus pais, Mabian e Washington Almeida, mais uma vez e sempre, pelo amor e apoio.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    PREFÁCIO

    PRELÚDIO

    1. INTRODUÇÃO

    2 . AMPLIANDO CONCEITOS: DESEJO, DEMANDA E CONHECIMENTO

    2.2 DEMANDA E SUA ETERNA INSATISFAÇÃO

    2.3 CONHECIMENTO

    3.O ALUNO E A DEMANDA DE CONHECIMENTO ESCOLAR

    4. ESTILO DE APRENDER: TRANSMISSÃO E CRIAÇÃO

    5 . PESQUISA EM PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO

    6. RETRATOS DO MAL-ESTAR NO ATO EDUCATIVO

    7 . ALUNO-SUJEITO:TODO CASO É ÚNICO

    Aira: interação frente a obesidade e o luto infantil

    Ila: entre o pai e a mãe tinha uma avó

    Diogo: perdido entre pais sumidos.

    Lara: o pacto de silêncio

    Nivia: Narciso38 acha feio o que não é espelho

    Iara: o proibido seduz

    Nina: da mãe à professora

    Ana: a mudança para extramuros

    Marta: entre o morto-espelho e a arte de viver

    8. CRI(A)ME ALUNO-SUJEITO:CRIAÇÃO SINGULAR

    POSFÁCIO

    REFERÊNCIAS

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    Bibliografia

    PREFÁCIO

    Ao sair da primeira reunião, fiquei com aquela questão: vocês já escutaram os alunos sobre o que tem ocorrido entre eles e a escola?

    Essa frase foi pinçada do livro de Priscila Almeida, uma interrogação que nos coloca diretamente no âmago de sua pesquisa. A escuta do outro é muito mais difícil do que parece. Trata-se de um exercício que desloca o mestre de sua posição habitual, falar. Falar para ser escutado. O saber, no sentido clássico, prescinde do aluno, é um saber em si. Seria essa a questão desse livro que vocês agora folheiam? Para além do discurso do mestre, a autora toma o caminho de pesar o avesso do discurso do mestre: o que pode a psicanálise no ambiente escolar? Quais são seus limites e suas condições de atravessamento do modelo clássico de educação?

    A educação para todos nem sempre foi um direito universal, ela é bem mais recente na história da civilização. Em nossos dias, ainda que precária em diversas regiões do globo, a formação dos jovens em ambientes educacionais criou a condição necessária para uma separação entre o que se aprende no contexto familiar e na cultura. Para além do que se transmite, a arte de transmitir, por si mesma, contém até hoje sua parte de mistério. Ensinar não é tarefa fácil, pois só se ensina quando alguém aprende, assim como ser escutado é muito mais difícil do que gritar.

    Com Freud uma nova modalidade de escuta dessa juventude que se separa do núcleo familiar é possível. A subversão freudiana está em identificar, desde muito precocemente, os determinantes que induzem em cada história uma resposta singular às palavras dos pais, dos mestres e de seu ambiente cultural. Infância vem do latim, in fari, aquele que está fora do discurso. Como dizer que a criança está fora do discurso, se desde o trauma do encontro com a linguagem ela sacrifica o gozo da Lalíngua em prol das chicanas da demanda e do desejo do Outro? E o que seria esse sacrifício em jogo? Retomamos aqui a precariedade da condição humana. Para o homem, o nascimento não o liberta, ao contrário o aliena em uma relação sem a qual ele não sobrevive. De todas as espécies, o homem está entre as que por mais tempo necessita dos cuidados corporais da mãe. Nascer é depender do corpo de um outro. É dessa comunhão que nasce a ficção do corpo materno como resquício ineliminável da vida infantil, ou, como diz Lacan, a mãe para o homem sempre contamina a mulher¹.

    Um dos mais preciosos textos sobre a infância e adolescência é, sem dúvidas, o Emílio ou da educação, de Rousseau. Em que ponto a psicanálise lacaniana pode interrogar Rousseau e sua educação? Estamos aqui no âmago do que pode ser o in fari, o fora do discurso, base etimológica do infans. Em Emílio, Rousseau busca restaurar o homem natural para viver virtuosamente a realidade social. Para Rousseau o importante seria o resgate do bom e do justo perdidos na infância quando essa encontrava o campo dos ideais corrompidos de sua época. Ou seja, para além do discurso, reencontraríamos o bem e a virtude da infância. O fora do discurso, desse modo, era para Rousseau a própria localização do bem. O bem estaria na base do ser humano, seria seu arcabouço moral sobre o qual erigiria sua armadura para enfrentar o mundo dos homens. Tudo muda de perspectiva com a invenção freudiana. O mal-estar a civilização não se dissocia do mal-estar na civilização.

    Para Lacan, o fora do discurso é um canal para o sem-sentido, que a partir do último ensino de Lacan é a definição mesma do real. Uma das ideias mais audaciosas de Lacan foi justamente separar a loucura da desrazão, apostando no rigor lógico da loucura como modalidade de defesa do real, este sim, insensato. Eis que surge então a pergunta, o que é uma educação que inclua o real? Quando Freud lista a educação como uma das tarefas impossíveis, ele não deixa de apontar o real em jogo, sempre inassimilável pelo Outro educador.

    Em Lacan, esse impossível de educar é o que faz da educação um dos nomes do Outro que não existe.

    "Esse discurso para o Outro, essa referência ao Outro, se prolonga mais além do Outro, para constituir a questão: Que quero? Mais exatamente, a questão se dirige aqui ao sujeito, e sob uma forma já invertida – Que queres?"².

    O projeto educativo, se tomamos o olhar psicanalítico, está fadado ao fracasso se ignorar o desejo, sempre transgressor, ou tiver a pretensão de poder subjugá-lo aos ideais do Outro. Trata-se, portanto, de tentar isolar o desejo coletivo fruto dos movimentos de identificação em busca de um desejo que é sempre traidor do discurso universal. Como dizia um antigo mestre de minha juventude, quando o professor diz que está cansado de ensinar e seus alunos não aprendem há um erro na proposição, pois só se ensina algo quando alguém aprende. Para além do conteúdo, trata-se, portanto, de ensinar a desejar aprender.

    Ao lermos as palavras de Aira, Ila, Diogo, Ana, Nina, Iara, Nívia, Lara ou Marta, encontramos sujeitos que, um a um, fazem pensar no modo singular como a experiência de ensinar pode atravessar esses sujeitos, marcando-os com a marca de um desejo que vai muito além de uma simples transmissão de saberes. A pesquisa de Priscila é fundamental, ela atualiza o desejo freudiano de pensar a psicanálise fora da academia, mas não sem ela.

    Marcelo Veras


    ¹Lacan, J. Télévision, p.51

    ²Lacan, J., Le Séminaire livre VI – Le désir et son interpretation, Éditions de La Martinière – Le Champs Freudien, p.348, Paris 2013

    PRELÚDIO

    Em toda empresa educativa, além dos conhecimentos transmitidos efetivamente, há algumas quantas coisas que, pelo contrário, perpassam em negativo no seio do ato. É o caso, precisamente, da própria alusão ao todo epistêmico impossível de ser veiculado na sua totalidade, da doação dos ideais que toma a forma de um dever-ser endividado, do saber sobre o desejo que revela ser ou um saber-não sabido ou uma certeza (isto é, um não saber), bem como o desejo que, embora transmitido, sempre é do Outro. Neste contexto, cabe afirmar que conhecimento, saber, desejo e dívida simbólica se pressupõem e se articulam em toda educação. Mais ainda, cabe concluir que educar não é nada mais que o corriqueiro pôr em ato de um processo de filiação ou assujeitamento a ideais, desejos, sistemas epistêmicos e dívidas. (LAJONQUIÈRE, 1997, p.32-33)

    A experiência de anos escutando no consultório o mal-estar no ato educativo e suas dimensões psíquicas e comportamentais, questões relativas ao ensinar e aprender que permeiam o cotidiano escolar de crianças, professores e diretores escolares, mostrou-me que cada um desvela sua inquietação diante do controle impossível sobre qualquer bom procedimento educacional. Em 2017 resolvi aprofundar meus estudos no campo da Educação, o que me levou a um mestrado na área. Este livro registra e dá consistência a pesquisa realizada neste momento de aprofundamento aos estudos do ato educativo. No segundo semestre de 2017, comecei meus contatos com o campo empírico na área de Educação para que a pesquisa fosse realizada no espaço escolar público. Acredito que a teorização precisa avançar por estes locais e auxiliarem professores, gestão e todos que trabalham na área de educação no serviço público. Fiz contato com coordenadores pedagógicos de escolas públicas, na cidade do Salvador, para que eu pudesse escutar o mal-estar que permeava estas instituições. Uma das escolas após contatos telefônicos com coordenadoras pedagógicas e com a diretora se mostrou interessada que eu fosse até a escola, o que ocorreu dias depois. Desta maneira, me apresentei, escutei as inquietações demonstradas pelos educadores e fiquei a pensar como poderia dar continuidade àquelas escutas.

    No decorrer das reuniões, a diretora e as coordenadoras foram bem receptivas e demonstraram interesse que fosse desenvolvido um projeto na escola em 2018. Em seus discursos, falaram da necessidade de trabalhar com os alunos e professores, auxiliando na relação entre eles, pois reclamavam de grande desgaste, o que havia gerado mal-estar para ambos os lados. Elas discorreram sobre situações que tratam do desinvestimento libidinal dos alunos para com as aulas, atos violentos e de excesso, o que, segundo elas, reflete diretamente na ação pedagógica e na relação dos professores com os alunos. Pergunto se em algum momento houve intervenção no sentido de colocar os alunos para falarem, escutar o que estava ocorrendo nesta relação aluno-escola/aluno-professor. Já que os professores vinham relatando tantas questões e havia um espaço de fala dos professores com a coordenação pedagógica. Elas disseram que sempre chamavam alunos para atendimento individual e/ou com familiares, quando estes se envolvem em algum delito. Mas que nunca tinham realizado algo que chegasse ao grupo estudantil.

    Ao sair da primeira reunião, fiquei com aquela questão: vocês já escutaram os alunos sobre o que tem ocorrido entre eles e a escola? O desinvestimento do aluno para com a construção de conhecimento proposta pela escola é algo que me inquieta há algum tempo. Este ponto de mal-estar tem sido queixa frequente no consultório, seja pelos pais que levam os filhos porque estes não querem estudar, não têm atenção, é hiperativo e não consegue estudar na escola, seja por professores que vêm se tratar com a queixa de que não sabem mais lidar com os alunos, questionando seu papel enquanto saber-fazer profissional e se sentindo desgastados, desautorizados.

    Depois de conhecer a estrutura escolar, escutar alguns professores e entender melhor a dinâmica escolar fiz a proposta de escutar os alunos e trabalhar com eles o lugar década um deles enquanto aluno nesta escola. Assim, consegui jogar luzes no aluno como sujeito de desejo diante desta escola, estudando, assim, a questão do desinvestimento deste aluno para com a construção do conhecimento. A temática foi bem acolhida, pediram que eu trabalhasse com os alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II. Esta escola trabalha com ensino fundamental II e ensino médio; como sexto ano é o primeiro ano do ensino fundamental II, estes são alunos que, geralmente, estão chegando à escola e apresentam dificuldades em lidar com a nova rotina.

    Diante do acolhimento, ficamos de nos reencontrar, em março de 2018, quando a escola teria se organizado para o ano letivo. Como foi combinado, entrei em contato com a escola em março e comecei as visitas mais frequentes à escola em abril e maio, após ajustes da pesquisa, submissão ao comitê de ética da UNEB. Em maio, ocorreram as reuniões com professores, pais e alunos, em junho e julho, as conversações e escutas individuais foram realizadas.

    Após uma reunião com os alunos³, em que me apresentei e expliquei os objetivos e o formato da pesquisa, trinta se interessaram em participar. Destes alunos, nove conseguiram a autorização dos seus responsáveis. Estes nove responsáveis (mães e avós) foram à escola, quando expliquei o tema estudado e todo o processo técnico e metodológico que envolvia a pesquisa e, assim, aceitaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para que os alunos pudessem participar, bem como os alunos, que também assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), conforme recomenda o Código de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. Desta maneira, nove alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II foram os que participaram da pesquisa, selecionados por livre demanda.

    A escolha pelo trabalho de escuta aos alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II, especificamente, partiu da demanda escolar que apontou um mal-estar entre alunos e professores, especificando que nestas turmas os alunos eram mais agitados e de difícil acesso pelos professores. As idades dos alunos participantes perfazem de dez a treze anos. Esta faixa etária localiza um momento de intensas combinações e composições, subjetivas e orgânicas, que exigem um novo posicionamento frente às demandas de conhecimento. Este é um período da vida que, diante do olhar psicanalítico, pode ser fonte de questões decorrentes das referências imagéticas, em detrimento das simbólicas, tão conhecidas em nossa sociedade atual.

    Freud (1914/1996h) afirma que entre a latência e a puberdade se situa um momento em que costuma haver um desligamento do pai, um declínio da autoridade paterna. O que se transmuta em um ponto de desamparo para o jovem, e, assim, o professor pode vir a ocupar esse espaço vazio, com toda a ambivalência que isso implica. Figura amada e odiada, nela é suposto o saber e é a ela que o jovem vai se referenciar, em muitos momentos escolares. O autor afirma que muitos demonstram um verdadeiro fascínio pela personalidade dos mestres e, outros tantos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores (1914/1996h, p. 248), aludindo, assim, à incomensurável carga afetiva presente na transmissão e na apreensão do saber, nesse período da vida.

    Compreendemos que Freud apresenta uma formulação condensadora de sua perspectiva de puberdade por meio da proposição de que nesse período ocorre o ‘encontro do objeto’ (Freud, 1905/1996). Mais precisamente, ‘o reencontro do objeto’, uma vez que este remete metonimicamente ao primeiro objeto de desejo, o seio materno. Essa concepção dialética da puberdade como um reencontro do primeiro objeto enlaça os três aspectos mencionados: a importância do real do corpo em jogo, a complexidade dos processos envolvidos e o papel crucial da fantasia inconsciente e da latência como operadoras da lacuna entre os dois tempos da sexualidade, separando o ‘encontro’ do ‘reencontro’. (VIOLA; VORCARO, 2015, p.62)

    Então, este é um momento da vida em que o desejo e a demanda estão em um processo de reedição, sendo a escuta um processo difícil e interessante, para desvelar e trabalhar o mal-estar que se apresenta quando não há espaço para o sujeito de desejo. Nesse processo de escuta, utilizei dois dispositivos: a conversação e a escuta individualizada. A conversação, na qual posso iniciar o manejo transferencial e trabalhar de maneira coletiva conteúdos que possam surgir diante da associação-livre dos alunos e, em seguida, uma escuta individualizada, para ampliar a escuta singular.


    ³Em um capítulo voltado para isto, detalharei melhor esse percurso.

    1. INTRODUÇÃO

    Nesta itinerância investigativa, analisei de que forma o aluno sujeito de desejo escuta a demanda de conhecimento advinda da escola, diante da possibilidade deste aluno operar seu próprio estilo no processo de aprender. Para isso, busquei identificar de que maneira desejo e demanda de conhecimento perpassam o campo educativo pela via da psicanálise e educação; analisando qual o lugar que a construção de conhecimento ocupa no discurso do aluno-sujeito⁴ e buscando a forma que o aluno-sujeito opera seu estilo de aprender diante da demanda de conhecimento escolar. A partir da escuta realizada com os alunos, questões foram surgindo e fui entrelaçando os pontos de mal estar com estudos teóricos.

    Estudar a temática - desejo do aluno-sujeito e demanda de conhecimento escolar - aponta para a ideia de que todo sujeito tem uma atividade intelectual e que o fato de mobilizar ou não essa potencialidade depende do sentido que ele confere àquilo que está ouvindo e à situação que está vivenciando. Isso levanta variáveis diante da história singular de cada aluno. Destarte, os motivos que despertam o interesse de aprender em um sujeito podem não ter nenhum efeito sobre outro, que tem uma história de vida diferente. Assim, a singularidade do desejo ganha textura importante na tessitura do campo educacional.

    A escola exerce, em seu cotidiano, o lócus de escolha dos conhecimentos que são transmitidos e discutidos com estes sujeitos singulares, dos quais estamos tratando neste escrito. Gatti (2013) demonstra, em seus estudos, que a escola seleciona, entre os conhecimentos, aqueles ditos essenciais, decidindo como, quando e em qual profundidade, cada conceito será trabalhado e de que forma irá agir pedagogicamente. Para a autora, a principal função da escola é levar os estudantes a apreender, a compreender os conhecimentos já produzidos, ao tempo em que formem valores para a vida humana. A escola precisa desenvolver ações pedagógicas que propiciem aprendizagens efetivas, contribuindo para a constituição humana e social de crianças e jovens. Essencialmente, a escola buscaria a construção de uma civilização, mas, nesse modelo conteudista, onde não há troca entre os sujeitos e não há escuta do aluno, o ensinar e o aprender podem se tornar inócuos.

    Os aspectos institucionais da escola são importantes pelos seus efeitos sobre a prática do professor, assim como sobre a atividade intelectual do aluno. A lógica do aluno é por vezes diferente da lógica escolar, e nem sempre isso é percebido pelos professores. Se para a escola é o estudante que deve realizar uma atividade intelectual para adquirir conhecimento, na lógica de alguns alunos, e de seus familiares, é o professor que deve ter esse trabalho, não o aluno. A posição de alguns estudantes diante da cena de aprendizagem é sentar-se na sala de aula e aguardar que lhe mostre os conhecimentos, para que possa fazer a avaliação exigida pela escola. O professor, através da sua escuta e trabalhando sua relação com o aluno, pode tentar estabelecer outra posição que não seja somente a de quem detém todo o conhecimento e que poderá apenas despejar o conteúdo previsto sobre o outro, o aluno.

    É necessário entender que a construção de conhecimento é uma bricolagem entre o saber do conhecimento e o saber do inconsciente, sendo assim, o amor ao conhecimento que o professor apresenta numa aula pode encantar o aluno-sujeito que, diante das relações especulares estabelecidas, pode facilitar ou dificultar a transmissão do saber fazer com este objeto apresentado ao aluno. Em sala de aula, os sujeitos transferem afetos que podem servir ou não ao processo do ensinar e aprender como potência.

    As escolas da rede pública de ensino têm sido o cenário de uma complexa organização de políticas públicas, nas quais os protagonistas do processo (professores e alunos) não são escutados para que projetos pedagógicos sejam implementados. Vemos muitas das instituições onde a decadência socioeconômica é evidente, seja pela falta de material didático, de estrutura física da escola, aliada à falta de autonomia do professor, ou pelo empuxo por parte deste em refugiar-se na impotência, evitando a prática dos espaços de fala e se enclausurando nos saberes contidos nos livros, justificando-se por não possuir garantias profissionais, nem salário suficiente para conduzir sua trajetória de maneira digna. É uma situação complexa que requer lentes multifacetadas, pois se é difícil para o professor, também é para o aluno.

    Este não tem em casa, nem na escola, um espaço de fala possível, para ser escutado e trabalhado em suas possibilidades diante das contingências da vida, o que acaba gerando, muitas vezes, atos violentos diante daquilo que não pode ser dito. Mas, mesmo dentro de tantas dificuldades há professores e alunos que conseguem adicionar brilho ao seu fazer. Nestes casos, os alunos encontram, em seus caminhos, enlaces com o amor ao conhecimento, que é desvelado por algum professor que ilumina a trajetória escolar de tal aluno.

    Diante deste rico cenário de contradições e tensões, o professor que admite o (im)possível de educar pode ter a chance de restituir a potência de seu ato. Ao continuar preso nos enredos totalitários de que sua práxis se estabelece ao ensinar tudo a todos, provavelmente reservará a si mesmo o lugar da impotência. A potência no ato de educar vem justamente do fato de que se o impossível não é passível de execução, há algo que surge como realizável no trabalho pedagógico. Essa criação do ato educativo se estabelece a partir da transmissão do saber-fazer do professor para aquele aluno, que se encanta diante do brilho desse saber-fazer, que marca o estilo do professor, podendo, assim, auxiliar o aluno a criar seu próprio estilo no processo de ensinar e aprender.

    A posição de Freud (1905/1996d;1908/1996e) frente ao conhecimento estava em pensar os determinantes psíquicos que levam o sujeito a ser um desejante. Abordar esse tema, a partir de uma perspectiva freudiana, é procurar resposta à pergunta: o que se busca quando se quer aprender algo? Diante desta reflexão, pode-se vislumbrar e entender melhor o que é o processo de ensinar e aprender, pois este depende da razão, que mobiliza a busca de conhecimento em cada sujeito.

    Para este autor, as primeiras investigações são sempre de ordem sexual e o que está em jogo é a necessidade do sujeito definir o seu lugar no mundo. A princípio, este lugar se situa em relação aos pais, ou melhor, o lugar do sujeito refere-se àquilo que os pais esperam que a criança seja. A pergunta de onde viemos vincula-se a qual é a minha origem diante do desejo de meus pais? O que estes querem de mim? Desta maneira, as perguntas sobre a origem das coisas estariam na base das primevas investigações infantis e é o que sustenta a relação do sujeito, como ser desejante de saber, com aquilo que o cerca, segundo a teoria freudiana.

    Em Lacan (1956-57/1995), o desejo advém entre a necessidade e a demanda, mas se distingue de ambas. A necessidade vincula-se ao que é da ordem do natural e se satisfaz com um objeto específico.

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