Adolescência com Prazo de Validade
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Sobre este e-book
porque depois que se sai, não se pertence mais.
(PERIPERI, fem., 18 anos).
Prazos... Prazos para viabilizar adoção, prazo para permanecer no
contexto em que se encontra, prazos de saída da instituição que, por
certo tempo, funcionou como espaço de "acolhimento". São os
prazos que preocupam, os prazos que fazem do período que era
para ser de aprendizado e construção de identidade, um momento
repleto de con ito e incerteza.
A leitura desta obra revelará uma realidade invisível: o prazo de
validade para ser acolhido e protegido. Estamos falando de uma
situação comum ao adolescente que completa 18 anos alijado de
vínculo de ¬liação.
Prepare-se para um choque de realidade, onde adultecer é ser ejetado
para um mundo que não lhe cabe e não lhe espera. Transformando
o que era para ser um prazo, num corte.
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Adolescência com Prazo de Validade - Neusa Marques
INTRODUÇÃO
Esta obra retrata a responsabilidade assumida pela autora em denunciar a você, leitor, a realidade experimentada por crianças e adolescentes que tiveram parte de suas vidas em instituições de acolhimento e as suas percepções no momento da saída por completar a maioridade civil.
Eu, autora por missão, intuição ou escolha (possível a um adolescente de 18 anos), decidi deixar a casa de meus pais e a cidade em que morava, na certeza de que continuaria tendo o apoio necessário e a companhia daquele que viria ser meu parceiro de vida, para estudar Psicologia na capital. Assim, iniciei minha trajetória profissional.
Ao longo dessa atividade profissional, sempre me seduziu dar atenção ao público jovem e à dor dos submetidos e silenciados, quer sejam os que atendia na Unifacs, Universidade Particular, quer os do Centro de Atenção a Adolescentes, instituição pública estadual, âmbitos que concomitantemente atuava. Nessa atuação, uma demanda me impactou especialmente: o suposto sintoma depressivo em adolescentes acolhidos por ocasião do anúncio de sua desinstitucionalização.
Na esfera pessoal, experimentava o desfecho da adolescência de minhas filhas uterinas, preparadas para realizar suas escolhas pessoais e profissionais e a entrada do meu caçula nesse processo. Filho esse que muito pequeno nos escolheu como família, convocando-nos para pai, mãe e irmãs, crescia alegre, saudável, cercado por uma ampla rede de proteção e apto para definir e arriscar seus passos para o futuro.
Enquanto isso, os adolescentes oriundos de instituições de abrigo me relatavam não saber de seu passado e muito menos sobre seu futuro.
Como Obra e Autora sempre se entrelaçam, foi quando não podia andar que caminhei. Por necessidade de suspensão das atividades profissionais para enfrentar algumas cirurgias ortopédicas, decidi ingressar no Programa de Mestrado em Educação, buscando levar à Academia a reflexão sobre esta temática: que prática educativa as instituições de abrigo oferecem para promover a reinserção de um adolescente à sociedade quando ele completa 18 anos?
Assim surgiu o tema da minha dissertação, que analisa o momento de saída da instituição de acolhimento, determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por completar a maioridade, desvelando o impacto dessa prática educacional na vida dessa parcela da população precocemente marcada pela exclusão e carência de informação.
Editar essa dissertação e transformá-la em livro busca ultrapassar os limites da esfera acadêmica, ampliando a reflexão pelos diversos segmentos societários sobre a delicada temática que emudece esses jovens e os impossibilita de definir um melhor desfecho.
Ao dar voz e visibilidade aos sujeitos deste estudo, convocamos os adultos envolvidos e/ou espectadores desse cenário, sejam os executores da lei, profissionais das instituições de acolhimento, educadores públicos, profissionais da saúde, grupos sociais e familiares a tomarem nota da importância de seu papel transformador, de uma prática estabelecida, numa prática sensível e efetiva de estruturação de sujeitos em desenvolvimento; norteados pela premissa de que o desenvolvimento saudável requer necessariamente uma rede de proteção, com vínculos estáveis de afiliação, seja biológica, escolhida ou designada e a brevidade de quem tem pressa de crescer.
O que me falam é que minha mãe estava doente e aí teve de me deixar no orfanato. Só que eu já passei por vários lugares, como vento.
(Cabula, masc., 17 anos)
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A HISTORICIDADE DO ABANDONO NO BRASIL
Desprezo em que jazem coisas ou pessoas, eis a definição que o dicionário Priberam conceitua como abandono. Para o ser abandonado, experiência dolorosa, insuportável. Estudos desenvolvidos pela Universidade de Michigan⁴ afirmam que a rejeição social machuca, pois a dor do abandono atinge as mesmas áreas do cérebro que atuam na resposta a experiências sensoriais dolorosas. Só quem passou ou passa por tal situação sabe a aflição que sente. Se o adulto convive com fantasmas psicológicos provenientes do abandono, quanto mais uma criança, dependente de proteção, carinho, segurança e amor.
A tecnologia e a facilidade no acesso à informação fazem com que, diariamente, possamos ver um grande número de crianças abandonadas, nos locais mais inusitados possíveis. Questões, por vezes, são formuladas na cabeça do espectador da notícia sobre o porquê de o responsável pelo infante ter agido de tal forma. A cada dia aumenta-se nas instituições de acolhimento a soma de menores desassistidos por aqueles que deveriam protegê-los.
No entanto, a história nos mostra que o abandono de crianças é um fenômeno presente em todas as épocas, com variações de causas e circunstâncias. Na Grécia Antiga, o berço da civilização ocidental, vários mitos fizeram referência a crianças abandonadas por seus pais ao nascer. Júpiter, deus da luz, por exemplo, fora abandonado, mas recolhido e criado por pastores; Poseidon, deus das águas, também fora abandonado, mas criado e protegido por uma ama. Abandonados também foram os gêmeos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte, que, salvos, ainda bebês, e amamentados por uma loba, foram criados por um pastor e, tempos depois, fundaram a cidade de Roma.
A Bíblia Sagrada também é fonte de registros de abandono. No Antigo Testamento, mais precisamente no livro do Gênesis, Ismael, filho de Abraão e de sua escrava Agar, foi enjeitado e colocado sob um arbusto no deserto, com risco de morrer de sede e de fome, sendo salvo por Deus com incumbência de tornar-se líder de seu povo. Outro exemplo contido no mesmo livro e amplamente conhecido na história ocidental é o de Moisés, abandonado à beira do rio Nilo numa cesta de vime. O bebê foi recolhido pela filha do faraó, o que possibilitou a ele, coincidentemente, ser criado e amamentado por sua mãe biológica, serva da filha do faraó.
Maria Luiza Marcílio, renomada autora e pesquisadora brasileira, chama a atenção para o fato peculiar de que, nas narrativas das trajetórias dos enjeitados mitológicos ou bíblicos, após o abandono, há sempre alguém que os salva e promove uma ascensão em seu destino, o que acarreta na propagação de dogmas e paradigmas que permeiam o imaginário coletivo até nossos tempos, relacionados à possibilidade de o abandonado, além de sobreviver, tornar-se herói.
Tais paradigmas não coincidem com o legado dos riscos e consequências que podem se associar à situação do abandono. As sequelas não estão relacionadas apenas com a superação ou não, dos indivíduos que sofreram o abandono, mas, terminam por provocar em todos os envolvidos – no que abandona, no abandonado, no que ampara – um sentimento de culpa, de impotência, se a circunstância de abandono não se converte em êxito para o que fora abandonado.
As peculiaridades históricas da prática universal do abandono de crianças coincidem num ponto: o exercício incondicional do poder do adulto. Na Grécia Antiga, por exemplo, o poder dos pais sobre os filhos era absoluto. O abandono era uma alternativa admitida e aceita, assim como a comercialização, o infanticídio de crianças portadoras de uma deformidade ou oriundas de famílias pobres. Com a difusão do cristianismo no Império Romano, o quadro não se alterou muito, visto que a Igreja sempre tratou a pobreza com muita condescendência.
Para um maior entendimento das correlações de poder que se estabelecem no ato de abandonar, tomamos da Sociologia o conceito de abandono como retirada das condições básicas para o exercício da cidadania, derivando o processo de marginalização social e, da Psicologia, o conceito de abandono como perda das figuras parentais responsáveis pelos cuidados infantis e referências