Festejos, liberdade e fé
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Festejos, liberdade e fé - Rafael J. Barbi
www.editoraviseu.com
Agradecimentos
Publicar um livro, no contexto brasileiro, é algo reservado para poucos. Entre os vários caminhos, muito autores talentosos não conseguem seu intento e, ainda mais um livro de temas relacionados à História, são cercados por desafios ainda maiores. Por isso, é fundamental realizar os devidos agradecimentos.
Este trabalho tem origem na minha dissertação de mestrado, apresentado à Universidade Federal de São Paulo, por causa disso, agradeço meu orientador, Prof. Dr. Jaime Rodrigues, grande mestre e exemplo, que por diversas vezes teve a capacidade de acreditar em mim quando eu mesmo não conseguia. Agradeço por esses momentos, pelas longas conversas, pelos conselhos, incentivos, compreensão, puxões de orelha, caronas e amizade.
Agradeço à Profa. Dra. Maria Luiza Ferreira de Oliveira e à Profa. Dra. Regina Célia Lima Xavier pelos preciosos e sinceros apontamentos feitos na qualificação, que ajudaram essa pesquisa a se reinventar e seguir o rumo que deveria.
Aproveito para agradecer aos professores que ao longo do período do mestrado compartilharam um pouco de seu conhecimento e conseguiram contribuir para a realização dessa pesquisa. Agradeço também ao Prof. Dr. Walter Cruz Swensson, ainda da época da graduação, que se tornou um grande amigo e incentivador da continuidade da minha carreira. Também não posso deixar de agradecer ao Prof. Dr. Rogério Lopes de Carvalho, o responsável por orientar minhas primeiras pesquisas sobre o tema durante a graduação. Nas pessoas deles, estendo os agradecimentos a todos os outros professores da graduação, pois o primeiro incentivo que fez com que eu acreditasse que esse momento seria possível, partiu deles.
Agradeço o atendimento sempre solícito e imensamente providencial do pessoal do arquivo do Museu Republicano Convenção de Itu, através da Giovana Balsan e da Anicleide Zequini. Agradeço também à Sra. Valéria, responsável pela secretaria da Igreja de São Benedito e responsável pelo acesso à documentação histórica da instituição.
Não posso deixar de agradecer aos meus queridos colegas da turma de mestrado em História, da turma de 2013, pela amizade, companheirismo e companhia não só durante o período em que cursamos as disciplinas, mas principalmente pela amizade ao longo de todos esses anos.
Entre os amigos, também gostaria de agradecer ao querido José Victor Castedo, que não só se mostrou extremamente presente em momentos críticos, como também foi responsável direto pelo sucesso da pesquisa, já que através dele consegui ter acesso aos arquivos da Irmandade de São Benedito. Também agradeço a todos os amigos que em diferentes momentos deram força, momentos de descontração e de demonstração sincera de amizade.
Também não posso deixar de agradecer a Bruna de Oliveira Garcia, que durante o período da pesquisa, foi fundamental nos momentos de debate sobre as fontes, metodologias e no auxílio durante a transcrição do alto volume do corpo documental que construiu esse trabalho.
Ainda por essa obra ter sua origem na minha dissertação de mestrado, não posso deixar de agradecer à equipe do Museu da Cidade de Salto, por isso, meus agradecimentos a Gabriela, José Roberto, Bernadete, Juliano, Orlandini, Matheus, Marcus, Fernanda, Almir, Marileni e Camila, todos funcionários e ex-funcionários do museu que contribuíram muito para a jornada, simplesmente pelo fato de sempre estarem dispostos a vestir a camisa e seguir em frente. Ainda em relação ao pessoal do trabalho, meus profundos agradecimentos a Marcos, Cris, Laura e Emerson, meus chefes ao longo dos anos de Museu e que sempre incentivaram que eu continuasse essa empreitada.
Outro agradecimento imenso é dedicado à minha avó, Olinda Santa Rosa Barbi, que a cada dia me mostra como podemos superar os diversos obstáculos que a vida nos impõe, sempre com coragem e perseverança.
Ainda sobre a questão dos incentivos, não posso deixar de agradecer imensamente à Giulia de Freitas Prado, pelo imenso carinho e apoio para que eu realizasse essa empreitada, além de brindar essa pequena obra com o seu imenso talento, realizando a capa mais maravilhosa que eu poderia imaginar.
E, por fim, um agradecimento a Miguel Garcia Barbi. Responsável direto pelo fato de eu acreditar que podemos mudar o mundo e a defesa pelo direito à voz e memória das pessoas, e que essa é uma batalha pela qual vale a pena lutar. Esse trabalho e todos os outros que farei nessa minha vida, será para você!
Belo é céu também quando escurece
e não só com o sol a brilhar.
O céu negro é templo em prece
Com estrelas, assim a brilhar.
Trecho do cântico Herói da Virtude – Confederação
Nacional de Irmandades de São Benedito
Dedico este trabalho a Miguel Garcia Barbi, meu maior orgulho!
Um profissional preocupado com a memória, mas capaz de saber que ela às vezes nos coloca diante de armadilhas. Um historiador apto a lidar com uma gama variada de fontes na composição de uma narrativa historiográfica, que lida com a memória sem se deixar enredar por ela. Esta é uma boa definição de Rafael Barbi e, por extensão, do livro que ele escreveu e que o leitor tem agora em suas mãos.
O livro deriva de sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo. O percurso intelectual e profissional de Rafael deixa claro que as universidades públicas são os lugares de formação de excelência em um país como o Brasil. Nelas, e apenas nelas, dá-se o encontro entre a dedicação exclusiva dos docentes ao ensino, à pesquisa e à extensão universitária e da dedicação dos estudantes à sua própria formação e devolução à sociedade dos benefícios ali construídos.
Em quase todas as cidades do Brasil viveram memorialistas, narradores tradicionais de histórias que, via de regra, endossam uma visão adocicada sobre o passado e as elites locais. Em geral, são homens brancos, por vezes vinculados à fé religiosa e à política, e seus textos costumam deixar de lado ou folclorizar a ação dos sujeitos históricos menos favorecidos. O influente historiador britânico E. P. Thompson deu boas lições para se fazer uso de textos como esses, que expressam preconceitos e abismos de classe em suas narrativas, mas que não devem ser descartados em uma escrita da História elaborada por historiadores de ofício. Rafael aprendeu bem a lição: partindo de textos memorialísticos, soube utilizá-los e contornar seus problemas valendo-se do método do historiador social. Esse método remete à dívida que os historiadores têm para com as gentes comuns do passado, cujas vozes foram invisibilizadas em nome de um elogio do progresso, da linearidade triunfante da narrativa dos vencedores e do ocultamento das lutas travadas em diferentes cenários, incluindo o cotidiano.
Aqui, o leitor encontrará escravos e libertos organizando suas próprias vidas como lhes foi possível fazer diante das condições que se apresentavam. Reunidos em torno de uma entidade religiosa – a Irmandade de São Benedito de Itu – homens e mulheres pretos fizeram festas, expressaram sua devoção e adesão sincera ao cristianismo, deixaram frestas que permitem vislumbrar a presença de tradições africanas e enfrentaram a luta desgastante pela liberdade. Enfim, negociaram e se acomodaram à vida de uma importante localidade da então província de São Paulo no século XIX, enquanto a vida se transformava na sociedade que procurou construir para si uma memória de progresso e de fim gradual do cativeiro sem as máculas da escravidão e do racismo.
Leitores mais atentos poderiam indagar: porque, sendo maioria, os escravos não superaram sua condição de forma coletiva, organizando-se e pondo fim ao cativeiro de uma vez? Bem, os sujeitos que viveram o passado não seguem o roteiro que nós, pessoas do futuro, construímos para eles. Homens e mulheres do passado tinham seus próprios anseios e limitações, e fizeram o que lhes foi possível fazer. Esse é um dos sentidos de ser historiador: compreender as ações humanas em seu contexto. Uma forma diferente de pensar sobre o passado não nos livra do julgamento do futuro. As gerações que estão por vir apontarão o dedo para o nosso tempo e perguntarão: como vocês, em pleno século XXI, deixaram vicejar a fome, a pandemia, o racismo descarado, a falta de cuidado com o outro, a entrega do poder político a uma quadrilha – em poucas palavras, como permitiram o ressurgimento do autoritarismo que beira o fascismo? Os historiadores enxergar a dinâmica do tempo dessa forma e sofrem com isso, mas seria oportuno que toda a sociedade enxergasse a si mesma no espelho e que pudesse refletir e aprender algo com a organização dos irmãos de São Benedito de Itu. Os trabalhadores escravizados, nossos antepassados, tem algumas lições a nos ensinar. Resta-nos querer aprender.
Jaime Rodrigues, junho de 2020, mês III do isolamento social
e mês XVIII da irresponsabilidade estatal.
Apresentação
Monsenhor Luiz Castanho de Almeida, usando o pseudônimo Aluísio de Almeida, escreveu uma produção consistente e diversificada sobre a história de Sorocaba, as tradições populares, o folclore da região e de São Paulo. Boa parcela dessa produção dedica-se às tradições católicas. Em uma de suas obras, encontramos o seguinte fragmento:
"Uma irmandade é um grupo fechado para honrar o Nosso Senhor e aos santos e até mesmo rezar pelas almas, cada uma com os seus estatutos próprios, chamados compromissos, quase sempre aprovados pelo Rei por causa dos efeitos civis (direitos de propriedade, por exemplo). Tinham as suas opas, os seus tocheiros e outras alfaias, altares ou capelas próprias, a imagem, as tumbas separadas dentro das igrejas ou jazigos externos, os direitos a sufrágios, certas obrigações¹"
Este trecho traz uma definição tradicional sobre o que é a irmandade e quais eram suas funções dentro da Igreja. Por ele, podemos observar as irmandades como associações que tinham como objetivo principal a devoção a um santo ou às diversas invocações atribuídas a Cristo e Maria, sendo as outras informações colocadas de forma secundária, como a questão das obrigações da irmandade para com seus irmãos.
Mas a atuação dessas associações religiosas extrapolou a esfera religiosa, atuando desde os tempos coloniais em diversos aspectos da vida cotidiana. Analisando a partir da Colônia, as irmandades tiveram importância para a expansão do domínio português. Portugal foi um dos reinos que firmou o Padroado com a Santa Sé; porém, o reino português tinha problemas a enfrentar. Um dos principais eram os seus vastos territórios coloniais, o que ocasionou contratempos na exploração, domínio e colonização do território. Adicionemos a esses problemas a questão da evangelização: também era obrigação da monarquia lusa garantir o culto e a propagação da fé e dos ensinamentos das leis e dogmas da Igreja católica.
Caio César Boschi apresenta um panorama desses problemas nas Minas Gerais. Aquela região despertou especial interesse da Coroa portuguesa a partir da descoberta do ouro. Essa descoberta forçou a coroa a se movimentar para exercer o controle sobre a produção do precioso metal. Porém, era grande a falta de mecanismos de controle.
O autor analisa as ações das irmandades como ferramenta do Estado para suprir sua ausência em determinadas áreas. O primeiro exemplo vem desde a metrópole, por meio das Misericórdias, pois o Estado não resolveu os problemas assistenciais em seus domínios. Logo, foi preciso eleger alguma instituição para resolver parte desses problemas e que realizasse serviços que o Estado não oferecia, como o auxílio aos doentes e órfãos. Este caráter de assistência também caracterizava a atuação das irmandades religiosas para com seus irmãos.
Além da assistência, as associações religiosas ganham destaque em sua função de representatividade social, congregando pessoas com a mesma origem, mesmo status social ou, em alguns casos, mesmo grupo econômico, como comerciantes. Fritz Teixeira de Sales, autor de um dos trabalhos pioneiros sobre as irmandades religiosas nas Minas Gerais, analisa a formação dessas associações:
(...) sabemos que cada irmandade englobava, em sua organização, determinado agrupamento social, camada ou estamento. Desde que uma irmandade tinha esse poder, tornava-se naturalmente uma força social ponderável e, portanto, merecia as atenções da Igreja. Não importava que ela fosse de brancos, pretos ou mulatos; importava seu poder como expressão desses grupos. E essa característica é de fundamental significação.
²
Como indica o autor, temos nas irmandades religiosas, não só no caso de Minas Gerais, aspectos interessantes acerca da representatividade social. Apesar de essencialmente haver uma similaridade com as corporações de ofício, observamos uma sutil diferença na dinâmica das irmandades. A diferença é que as irmandades apresentavam a característica de ampliar a gama de irmãos, no sentido de não aceitarem apenas um ofício determinado.
Portanto, as irmandades aceitavam apenas irmãos que se identificavam com aquilo que estava definido em seu compromisso³. Os textos eram variados, mas sempre giravam em torno da condição social do postulante a irmão e dados de ordem étnica e religiosa. Por exemplo, havia irmandades que proibiam a entrada de cristãos-novos. Outro caso era a proibição da entrada