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A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo
A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo
A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo
E-book808 páginas10 horas

A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo

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Sobre este e-book

O livro A Guerra entre China e Estados na Coreia: da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo tira do esquecimento a origem da disputa entre China e Estados Unidos, pela autonomia da Coreia do Norte, da balança de poder da Ásia e do status quo político internacional. A Guerra Sino-americana entre 1950 e 1953 foi travada por três milhões de soldados de 26 diferentes nacionalidades. Os desenvolvimentos das operações militares e negociações diplomáticas na Península Coreana entre a coalizão de países formada por China, Coreia do Norte e União Soviética e a coalizão de membros dos cinco continentes das Nações Unidas liderada pelos Estados Unidos alteraram as relações internacionais da Guerra Fria e as relações políticas e de segurança regionais da Ásia e da Europa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de nov. de 2020
ISBN9786558201663
A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo

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    A Guerra entre China e Estados Unidos na Coreia da Escalada às Negociações de Cessar-Fogo - Érico Esteves Duarte

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Guerra é uma disputa de força, mas o padrão original de força se altera no curso da guerra.

    Mao Tse-Tung, 1938.

    A democracia é desconfortavelmente parecida com um daqueles monstros pré-históricos com um corpo tão longo quanto este quarto e um cérebro do tamanho de um alfinete: ele jaz ali em sua confortável lama primitiva e dá pouca atenção ao seu ambiente; ele é lento para se irritar – na verdade, você praticamente tem que bater na sua cauda para conscientizá-lo de que seus interesses estão sendo perturbados, mas uma vez que ele percebe isso, ele se apega a eles com tanta determinação cega que ele não apenas destrói seu adversário, mas em grande parte destrói seu habitat nativo.

    George Kennan, 1951.

    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer ao povo da Coreia do Sul, pela paciência e gentileza que sempre tiveram com a minha insistente e, muitas vezes, desorientada determinação de conhecer sua história militar. A ideia do presente livro se desenvolveu durante minha pesquisa de doutorado sobre a logística da guerra. Sua empreitada e potencial de contribuição mostraram-se muito maiores do que eu era capaz de lidar na época. Sua retomada foi reiniciada, timidamente, em 2012, com uma viagem de um mês pelas cidades e regiões que foram os principais campos de batalha dessa guerra. Portanto, aos coreanos, meu muito obrigado.

    Mas, apenas durante meu período de pesquisas na Alemanha e Reino Unido, pude retomar o livro. Por isso, devo agradecer ao Instituto de Estudos de Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo, na pessoa de seu diretor, na época, Michael Brzoska. Bem como a parceria estratégica da professora Patrícia Schneider, pela acolhida e pela oportunidade de imersão em minha pesquisa ao longo de 2015. De maneira similar, a revisão bibliográfica não teria sido possível sem a disponibilidade da biblioteca do Joint Services and Command Staff College, à qual tive acesso durante meu período como pesquisador no Centro Corbett de Estudos de Política Marítima do King’s College, em Shrivenham, em 2016. Agradeço ao seu diretor Greg Kennedy, que ofereceu generosamente todos os recursos de que precisei.

    Todo esse período de pesquisa no exterior e este livro também não seriam possíveis sem a bolsa de pós-doutorado da Capes, pela qual fui beneficiado entre 2015 e 2016 e em relação à qual apresento, finalmente, seu último resultado.

    APRESENTAÇÃO

    Nos últimos anos, existe a crescente produção e preocupação acadêmica, jornalística e política quanto à possibilidade de uma guerra de influência na Ásia entre Estados Unidos e China, com implicações globais, principalmente em decorrência da ascensão chinesa e das tensões derivadas de ações norte-coreanas. O que poucos sabem, e o que a literatura especializada tem sido pouco efetiva em esclarecer e informar, é que: isso já aconteceu. China e Estados Unidos já guerrearem entre si pela autonomia da Coreia do Norte, pela balança de poder da Ásia e pelo status quo político internacional entre 1950 e 1953.

    Ainda que hoje as potenciais consequências e a complexidade de tal choque seriam muito maiores, existe uma memória, principalmente entre chineses e norte-coreanos, do que significou para suas nações a Guerra para Libertação da Pátria ou a Guerra para Resistencia à América e Assistência à Coreia. No Ocidente, tende-se a imiscuir a Guerra entre as Coreias de junho a outubro de 1950 com a nova guerra que teve início após o envolvimento chinês em novembro de 1950. Por essa razão, ela é mais comumente denominada como Guerra Esquecida ou Guerra Desconhecida.

    A Guerra Sino-americana foi o choque entre potencias que teve as maiores implicações políticas do século XX, após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Em torno de três milhões de soldados de 26 diferentes nacionalidades foram envolvidos. A partir de dezembro de 1950, Pequim, Washington, as demais capitais de Estado e as Nações Unidas passaram a se consternar com essa nova guerra. Com os sucessos de suas ofensivas na Península Coreana contra a coalizão de forças das Nações Unidas sob o comando dos Estados Unidos, a China se apresentou, pela primeira vez na sua história contemporânea, como uma potência. Ela desafiou o país e a ordem hegemônica do pós-Segunda Guerra Mundial, clamando para si a posição que achava sua por direito no Conselho de Segurança das Nações Unidas (e não do regime instalado em Taiwan), na Ásia e no mundo. A entrada da China comunista na Guerra da Coreia a transformou completamente para a Guerra Sino-americana.

    Minha ambição mais ampla com esse livro é confrontar o desafio de compreensão contemporânea de guerras limitadas a partir do seu caso contemporâneo mais clássico. Ele reconta e reconstrói a história da guerra entre China e Estados Unidos na Península Coreana entre dezembro de 1950 e julho de 1951, ou seja, desde o reconhecimento mútuo de beligerância entre eles, passando pelas alternâncias de seus objetivos políticos, ofensivas e defensivas, sucessos e fracassos até alcançarem um equilíbrio estratégico que possibilitou a abertura das negociações de cessar-fogo.

    Eu tenho como público-alvo principal, mas não exclusivo, o oficial e suboficial militares, cujas carreiras por mais especializadas e intelectualizadas que venham se tornando, ainda não são observadas como um público e mercado editorial e que demanda uma literatura adequada. Em segundo lugar, o decisor político e o estudioso de questões relacionadas à segurança e à defesa. Em todos esses casos, tenho o compromisso normativo de elaboração e disponibilização de um estudo que ajude na reflexão e educação da tomada de decisões sobre guerra. Por um lado, devido à origem bélica da maioria dos países e o papel central das forças armadas nesse processo, a identidade e valores das instituições militares, principalmente as terrestres, são embebidas por categorias absolutas e mais relacionadas aos elementos existenciais de guerras ilimitadas. No caso brasileiro, as sombras da Guerra da Tríplice Aliança, das guerras mundiais e mesmo das Guerras Napoleônicas ainda pairam e influenciam muito a cultura organizacional castrense, desviando a orientação das revisões das doutrinas, instruções e procedimentos das forças armadas brasileiras necessários para contextos similares ao de guerras limitadas. Por outro lado, uma parte significativa da literatura acadêmica brasileira não aponta a utilidade e a relevância da qualificação civil em assuntos de segurança e defesa para além de uma cláusula democrática de controle civil sobre os militares. O presente livro contribui para apontar um tipo de guerra em que a colaboração entre militares e civis não é uma opção, mas um imperativo. Para esse público, o livro, como um todo, é apontado como um apoio ao aprendizado e à compreensão sobre o uso da força.

    Para além disso, eu faço uma contribuição empírica ao organizar e sintetizar uma perspectiva multidimensional a partir de fontes ocidentais e orientais, primárias e secundárias, que é original e relevante. Os capítulos dois e três combinadamente com a terceira parte do livro podem ser lidos separadamente e serem de maior e direto interesse do leitor de História das Relações Internacionais que busca maior compreensão da Guerra da Coreia, da Guerra Sino-americana e das políticas externas de Estados Unidos, China e União Soviética no pós-Segunda Guerra Mundial.

    A Parte II analisa a arte da guerra do contexto da Guerra Sino-americana. Ela analisa os elementos físicos da Península Coreana, os comandantes e suas condições de comando e os vários aspectos táticos e logísticos das forças combatentes. Portanto, compreende os capítulos mais técnicos do livro e é dedicada a profissionais militares e dos Estudos Estratégicos. Apesar de não ser imprescindível, possibilita um entendimento mais aprofundado da terceira parte do livro.

    Por fim, para os aficionados, como eu, pela história de operações militares, a Parte III atenderá aos seus interesses, de forma bastante satisfatória.

    Érico Duarte

    Sumário

    1

    INTRODUÇÃO 15

    1.1 A EVOLUÇÃO DA GUERRA DA COREIA PARA A GUERRA SINO-AMERICANA 17

    1.2 DEFINIÇÃO DE GUERRA LIMITADA E BASE TEÓRICA 22

    1.3 FONTES DE ESTUDO 24

    PARTE I

    BASES CONCEITUAIS E HISTÓRICAS

    2

    A TEORIA DA GUERRA LIMITADA DE CLAUSEWITZ 29

    3

    O CONTEXTO DA GUERRA SINO-AMERICANA 37

    3.1 AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS CHINESAS E A CONSTRUÇÃO DO

    ESTADO SOCIALISTA ASIÁTICO 37

    3.2 RAZÕES HISTÓRICAS E IMEDIATAS CHINESAS PARA A GUERRA COM OS

    ESTADOS UNIDOS 43

    3.3 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS NORTE-AMERICANAS E A CONSTRUÇÃO DO

    ESTADO HEGEMÔNICO 53

    3.4 RAZÕES HISTÓRICAS E IMEDIATAS NORTE-AMERICANAS PARA A GUERRA

    COM A CHINA 61

    3.5 NÚMEROS DAS FORÇAS COMBATENTES CHINESAS E DA COALIZÃO COMUNISTA 69

    3.6 NÚMEROS DAS FORÇAS COMBATENTES NORTE-AMERICANAS E DA

    COALIZÃO DAS NAÇÕES UNIDAS 73

    4

    ANÁLISE DOS FINS: PROPÓSITOS POLÍTICOS E POSSIBILIDADES ESTRATÉGICAS 81

    4.1 AS CONDIÇÕES POLÍTICAS 81

    4.2 AS POSSIBILIDADES ESTRATÉGICAS DA CHINA 86

    4.3 AS POSSIBILIDADES ESTRATÉGICAS DOS ESTADOS UNIDOS 96

    4.4 AVALIAÇÃO POLÍTICA DA GUERRA SINO-AMERICANA 108

    PARTE II

    A ANÁLISE DOS MEIOS

    5

    O TEATRO DE OPERAÇÕES DA PENÍNSULA COREANA 115

    6

    O COMANDANTE E AS FORÇAS COMBATENTES CHINESES 123

    6.1 PENG DEHUAI E O COMANDO DAS FORÇAS DA COALIZÃO COMUNISTA 123

    6.2 A CAPACIDADE COMBATENTE DAS FORÇAS CHINESAS E NORTE-COREANAS 126

    6.3 AS CONDIÇÕES LOGÍSTICAS CHINESAS 137

    6.3.1 A Mobilização das Forças Combatentes Chinesas e Norte-coreanas 138

    6.3.2 A Movimentação das Forças Combatentes Chinesas e Norte-coreanas 142

    6.3.3 A Manutenção das Forças Combatentes Chinesas e Norte-coreanas 145

    7

    O COMANDANTE E AS FORÇAS COMBATENTES

    NORTE-AMERICANAS 153

    7.1 MATTHEW RIDGWAY E O COMANDO DAS FORÇAS NORTE-AMERICANAS 154

    7.2 A CAPACIDADE COMBATENTE DAS FORÇAS NORTE-AMERICANAS 158

    7.3 AS CONDIÇÕES LOGÍSTICAS NORTE-AMERICANAS 169

    7.3.1 A Mobilização das Forças Combatentes dos Estados Unidos e da Coalizão das Nações Unidas 170

    7.3.2 A Movimentação das Forças Combatentes Norte-americanas 176

    7.3.3 A Manutenção das Forças Combatentes Norte-americanas 181

    Galeria de Fotos do Arquivo do Autor 186

    PARTE III

    A ANÁLISE DOS MÉTODOS

    8

    OS PLANOS DA GUERRA SINO-AMERICANA 203

    8.1 O PLANO DE MAO TSE-TUNG 205

    8.2 O PLANO DE MATTHEW RIDGWAY 211

    9

    A OFENSIVA CHINESA DE ANO-NOVO: DE 31 DE DEZEMBRO DE 1950

    A 14 DE JANEIRO DE 1951 217

    9.1 CONDIÇÕES RELATIVAS DE FORÇA 217

    9.2 Planos e Decisões Estratégicas dos Comandantes 222

    9.2.1 A 1ª Batalha do Rio Imjin – 31 de dezembro de 1950 a 8 de janeiro de 1951 225

    9.2.2 As Batalhas de Chuncheon-Hoengseong e Wonju – 29 de dezembro de 1950

    a 15 de janeiro de 1951 230

    9.3 IMPLICAÇÕES DIPLOMÁTICAS E AVALIAÇÃO 237

    10

    A OFENSIVA NORTE-AMERICANA PARA RECONQUISTA DE SEUL:

    25 DE JANEIRO A 22 DE ABRIL DE 1951 241

    10.1 Atualizações Políticas e das Condições Relativas 241

    10.2 PLANOS E DECISÕES ESTRATÉGICAS DOS COMANDANTES 246

    10.3 INÍCIO DA 1ª OFENSIVA DE RIDGWAY 249

    10.3.1 A Batalha dos Tuneis Gêmeos, 28 de janeiro a 3 de fevereiro 252

    10.4 O AVANÇO NORTE-AMERICANO AO RIO HAN, 4 A 10 DE FEVEREIRO 257

    10.4.1 A Batalha de Hoengseong de 7 a 18 de fevereiro 259

    10.4.2 A Batalha de Chipyiong-ni de 11 a 15 de fevereiro 267

    10.5 A RECAPTURA DE SEUL 274

    10.6 A BREVE FASE COERCITIVA DA 1ª OFENSIVA DE RIDGWAY 279

    10.7 AVALIAÇÃO DA 1ª OFENSIVA DE RIDGWAY 281

    11

    A OFENSIVA CHINESA DA PRIMAVERA,

    22 de Abril a 27 de Maio 287

    11.1 ATUALIZAÇÕES POLÍTICAS E DAS CONDIÇÕES RELATIVAS 287

    11.2 PLANOS E DECISÕES ESTRATÉGICAS DOS COMANDANTES 291

    11.3 A 1a FASE DA 2a OFENSIVA DE PENG, 22 A 30 DE ABRIL 295

    11.3.1 A 2ª Batalha do Rio Imjin, 22 a 29 abril 298

    11.3.2 A Batalha de Yonchon, 22 a 28 de abril 306

    13.3.3 A Batalha do Rio Kapyiong, 22 a 28 de abril 308

    11.4 O ENCERRAMENTO 1ª FASE DA 2ª OFENSIVA DE PENG 313

    11.5 SUSPENSÃO DA AÇÃO 315

    11.6 A 2ª FASE DA 2ª OFENSIVA DE PENG, 16 A 27 DE MAIO 320

    11.6.1A Batalha do Rio Soyang, 16 a 21 de Maio 325

    11.7 O CONTRAGOLPE NORTE-AMERICANO 337

    11.8 AVALIAÇÃO 342

    12

    A OFENSIVA NORTE-AMERICANA PARA O

    CESSAR-FOGO, 27 DE MAIO A JULHO DE 1951 345

    12.1 ATUALIZAÇÕES POLÍTICAS E DAS CONDIÇÕES RELATIVAS 345

    12.2 PLANOS E DECISÕES ESTRATÉGICAS DOS COMANDANTES 347

    12.3 INÍCIO DA 2ª OFENSIVA DE RIDGWAY 351

    12.3.1 A Batalha de Yeoncheon, 1 a 13 de junho 353

    12.3.2 Batalha de Hwacheon, 5 a 14 de junho 355

    12.3.3 As Batalhas pela Nova Linha Kansas, 4 a 14 de junho 357

    12.4 A ABERTURA DAS NEGOCIAÇÕES DE CESSAR-FOGO 361

    12.5 AVALIAÇÃO DA 2ª OFENSIVA DE RIDGWAY 365

    13

    CONCLUSÃO: AVALIAÇÃO FINAL E CRÍTICA 367

    13.1 AVALIAÇÃO E CRÍTICA DA CHINA 368

    13.2 AVALIAÇÃO E CRÍTICA DOS ESTADOS UNIDOS 376

    13.3 AS IMPLICAÇÕES DA GUERRA SINO-AMERICANA 378

    REFERÊNCIAS 381

    1

    INTRODUÇÃO

    O entendimento de que entre 25 de junho de 1950 e 27 de julho de 1953 tenha ocorrido uma única guerra – com continuidade de objetivos políticos, metas bélicas, planos, relações diplomáticas, comandantes e forças combatentes – é um erro factual grave. Esse mau-entendimento também omite as particularidades de um tipo de guerra estranha naquela época e que se torna cada vez mais comum no século 21: uma guerra entre coalizões em que as barganhas ocorrem enquanto se luta, e as implicações políticas das ações combinadas de uso da força e da diplomacia não se limitam ao entorno do teatro de operações, mas afetam os interesses de beligerantes, e terceiros países, em outras regiões – ou guerra limitada.

    O atual debate estratégico retorna ao estudo desse tipo de fenômeno, e a essa guerra em particular, em decorrência das condutas bem-sucedidas de guerras limitadas pela Rússia na Geórgia, Criméia e Ucrânia; e como seus desdobramentos inauguram um novo padrão de relações políticas entre Ocidente e Rússia.¹ Apesar do viés marcadamente eurocêntrico, esse debate não tem como constatação central o retorno das guerras limitadas, pois essas nunca deixaram de ser um dos mais recorrentes fenômenos estratégicos. Vide as várias constatações de sua relevância para compreensão do panorama de segurança da América do Sul e do Brasil², do Oriente Médio, da África, do sul da Ásia e mesmo da política de segurança dos Estados Unidos de, pelo menos, os últimos sessenta anos.³ Estudos estatísticos mais amplos apontam que apenas entre 10% e 19% das guerras travadas entre 1816 e 1985 podem ser enquadradas como completamente distintas de guerras limitadas.⁴

    O problema central do debate corrente é que existe um prognostico pessimista dessas novas relações entre Ocidente e Rússia tendo em vista o mau histórico de guerras limitadas travadas pelos Estados Unidos e Europa. Entre 1990 e 2001, os Estados Unidos teriam feito uso combinado e bem-sucedido de coerção e diplomacia em cinco de dezesseis ocasiões, e os demais países ocidentais teriam realizado seis condutas com sucesso de trinta e seis casos.⁵ Para além de dificuldades intrínsecas de casos específicos, o diagnóstico é que existe um problema grave na compreensão sobre as possibilidades e limites do uso combinado de coerção militar e barganha que, de uma maneira ou de outra, tem provocado a falta de competência em como conduzir esse tipo de guerra.⁶

    Aponta-se aqui que a constatação da correlação entre a truncada compreensão e a baixa performance na conduta de guerras limitadas é mais um sintoma da grande divisória nuclear.⁷ Em que a omissão ou recusa às bases teóricas clássicas por parte dos estudiosos e praticantes contemporâneos apenas incorre em perdas para eles mesmos.

    Diferente das experiências das demais grandes guerras do século 20, e da conduta da própria Guerra da Coreia até então, a Guerra entre China e Estados Unidos foi uma guerra em que chanceleres e diplomatas tinham grande relevância, e mesmo generais e almirantes tiveram que agir como negociadores. Isso era percebido como contraditório, pois envolvia as duas grandes potências do século 20 e 21 que, ainda assim, eram refreadas a uma guerra sem vitórias decisivas. No contexto do século 20, esse entendimento foi definido como sendo a alternativa às guerras convencionais totais e à hecatombe nuclear.⁸ Não surpreendentemente, esse simples procedimento lógico de antítese não foi capaz de oferecer arcabouço conceitual suficiente para os comandantes estadunidenses e chineses, que tiveram que aprender sobre ela enquanto a conduziam, e seus países sofreram por isso. O impacto dessa guerra foi tão agudo que existiu a preocupação por parte de burocratas e analistas da época em registrar os documentos e acontecimentos, perpetuando seu estudo no futuro,⁹ inclusive do ponto de vista da Teoria da Guerra de Carl von Clausewitz.¹⁰

    Na verdade, ao contrário dessa orientação, o estudo da Guerra da Coreia pouco se avançou para além do registro histórico e, mais importante, a Guerra Sino-americana é relegada a uma posição marginal e obscura na formação militar, diplomática e política. Com raras exceções,¹¹ não existe uma compreensão conceitualmente embasada da Guerra Sino-americana como uma guerra limitada que sirva de reservatório de conhecimento para sua compreensão e mesmo para a reflexão de guerras limitadas posteriores. Marcante como foi para o século 20, esse embate deveria ser um estudo de caso clássico para educação de comandantes, diplomatas e chefes de estado.

    Nesse sentido que aponto o principal argumento do presente livro. A Guerra Sino-americana é tratada aqui como o caso clássico para estudos sobre guerra limitada, guerra de coalizões, diplomacia coercitiva, relações sino-americanas e Coreia do Norte. Recuperando a teoria de guerra limitada de Carl von Clausewitz para sua verificação e tratamento como fonte de reflexão e mesmo aprendizado, realiza-se a análise crítica (kritik) da campanha que abre a Guerra Sino-americana e transforma a Guerra da Coreia em algo muito além de que uma guerra civil internacionalizada. O livro tem como recorte a análise dos efeitos mútuos dos desenvolvimentos militares e diplomáticos entre Estados Unidos, China e suas respectivas coalizões desde a escalada dessa guerra a partir de dezembro de 1950 e até sua moderação e início das negociações de cessar-fogo abertas no próprio teatro coreano, a partir de 10 de julho de 1951.

    1.1 A EVOLUÇÃO DA GUERRA DA COREIA PARA A GUERRA SINO-AMERICANA

    O primeiro esforço de delimitação do livro é a demarcação dos atributos políticos e estratégicos da Guerra da Coreia e da Guerra Sino-americana. A Guerra da Coreia teve início e desenvolvimento que podem ser compreendidos a partir de três conotações, que foram alteradas, principalmente a primeira, pelo choque chinês contra a coalizão liderada pelos Estados Unidos.

    A primeira e mais distinta conotação da Guerra da Coreia é que ela tenha sido o escalonamento de uma fratura da sociedade coreana, que vinha sendo incapaz de produzir uma consciência política nacional e uma solução nativa no contexto posterior ao domínio japonês. Nesse sentido, a Guerra da Coreia foi resultado da falência das instituições e lideranças políticas coreanas que demandaram algum tipo de arbitragem internacional, ocorrido dentro dos padrões do embate da Guerra Fria.¹² Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Coreia foi palco de um padrão de desenvolvimento político em que grupos locais passaram a ter papel mais destacado. Houve desenfreados movimentos e choques entre grupos políticos das mais variadas tendências que apenas mediante aos envolvimentos soviético e norte-americano compuseram as lideranças políticas no norte em torno de Kim Il-Sung e no sul em torno de Syngman Rhee. Ambos eram produtos antagônicos de uma sociedade desestruturada com a sucessão de domínios estrangeiros desde meados do século 19. A questão crítica era que suas perspectivas – respectivamente, revolucionária e reacionária – foram os mais fortes elementos de escalonamento aos extremos da Guerra da Coreia. A única particularidade comum entre Kim Il-Sung e Syngman Rhee era o objetivo inconciliável de unificação das Coreias sob suas respectivas bandeiras.¹³

    Segundo, essas duas guerras na Coreia foram a última campanha de Stalin na promoção da revolução comunista.¹⁴ A invasão norte-coreana era o projeto político de Kim Il-Sung que foi transformada e passou a servir principalmente à política externa do líder Mao Tse-Tsung a partir do envolvimento chinês. Porém, a direção geral de Stalin foi o elemento essencial para o desenvolvimento da Guerra da Coreia em termos de objetivo, timing e caráter, sendo que apenas o primeiro aspecto foi preservado na passagem para a Guerra Sino-americana.

    O objetivo político da invasão norte-coreana, do ponto de vista Stalin, era assegurar a China dentro de zona de influência soviética. Apenas secundariamente era seu objetivo estender uma zona tampão soviética na Ásia contra os Estados Unidos e o Japão.¹⁵ Já o timing da invasão seguia o convencimento de Stalin que os Estados Unidos não se interporiam. Por um lado, Stalin era bombardeado pelos argumentos de Kim Il-Sung de que como eles não tinham interposto militarmente na guerra civil da China. Portanto, sendo a Coreia um país de menor importância, os Estados Unidos teriam certamente um impulso ainda menor para envolvimento. Um famoso discurso do Secretário de Estado Dean Acheson de fevereiro de 1950 – em que a Coreia era apontada como fora da área de cobertura dos Estados Unidos na Ásia – foi um elemento importante para que esse convencimento se firmasse. Por outro lado, Stalin, por meio de seus serviços de inteligência e da imprensa norte-americana, concluiu que se os Estados Unidos desejassem interpor na defesa da Coreia do Sul, isso levaria meses de preparação. Se Kim fosse rápido e decisivo o suficiente, o tempo estaria ao seu favor. No pior cenário possível, uma intervenção americana levaria ao choque entre Estados Unidos e China, cujo principal resultado seria a hostilidade entre eles, o que levaria Mao a buscar ainda mais o apoio de Stalin.¹⁶ Por fim, o caráter da coalizão comunista sob os desígnios de Stalin era defensivo, e apenas posteriormente converteu-se a objetivos políticos positivos. Até dezembro de 1950, Stalin planejava baseado na estimativa que o Ocidente era muito mais forte e coeso que seu bloco comunista. Originalmente, os tratados de assistência militar da União Soviética com a Coreia do Norte de 1945 e com a China comunista de 1950 eram pautados por um medo de ofensivas conduzidas, respectivamente, pela Coreia do Sul e pelo regime chinês nacionalista em Taiwan, com apoio dos Estados Unidos.¹⁷ Toda a articulação entre União Soviética, China e Coreia do Norte sob a batuta de Stalin tinha como objetivo político original a manutenção do status quo soviético na Ásia, por meio da prevenção contra o fortalecimento chinês, a acentuação da presença norte-americana ou, mesmo num futuro mais distante, a recuperação do Japão.

    Uma terceira e última conotação, que se tornou mais crítica após o envolvimento chinês, é que a Guerra da Coreia foi a revisão da política externa dos Estados Unidos para a Ásia e a reafirmação de seu papel na contenção da União Soviética e do comunismo. Toda a política norte-americana para a Ásia após a Segunda Guerra Mundial foi subordinada a um único objetivo: enquadrar o Japão como o bastião dos Estados Unidos na Ásia e na Guerra Fria. Para o Secretário de Estado Dean Acheson, era algo natural que o Japão fosse o grande tesouro da Ásia e que, dessa maneira, servisse como centro fulcral da recuperação econômica e de estabilidade política da região. Por isso, ele ajustou todas as políticas que os Estados Unidos tinham para o Extremo Oriente em função de garantir o ressurgimento do Japão como potência. O compromisso dos Estados Unidos com Taiwan, a aproximação indesejada com a China comunista e o envolvimento na Coreia eram medidas subsidiárias a essa linha-mestra. No pensamento de Acheson, o Pacífico deveria ser uma área de influência predominante dos Estados Unidos para o bem de sua economia e como forma de contenção do comunismo. O controle do Pacífico dar-se-ia a partir do Japão porque essa era a única nação industrializada do Oriente. E a melhor forma de recuperação regional era a reconstrução do Japão segundo seu sistema de comércio pré-guerra. No entanto, apesar da consistência da política externa norte-americana para o Japão, o mesmo não se pode dizer das políticas subsidiárias para a Coreia e a China.¹⁸

    A invasão norte-coreana de 25 de junho de 1950 levou os Estados Unidos a uma resposta ambígua e, ao mesmo tempo, energética.¹⁹ A ambiguidade era fruto do envolvimento oscilante dos Estados Unidos na Coreia e a força da resposta norte-americana era resultado do medo da punhalada contra o coração do Japão, como a invasão era definida por Acheson. Do ponto de vista do envolvimento dos Estados Unidos, a completa surpresa e despreparo da resposta à invasão norte-coreana e, depois, à intervenção chinesa foram dos elementos mais críticos de sua história política. A principal consequência disso seria uma tensão institucional de grandes proporções.

    Nas vésperas da invasão norte-coreana, os Estados Unidos viviam em um estado de ansiedade e esperavam pelo incidente que levaria o mundo à terceira guerra mundial.²⁰ Mas eles esperavam um ataque na Alemanha, Turquia, Grécia ou Irã.²¹ Todos esses pareciam lugares de mais elevado valor e operacionalmente mais convenientes aos soviéticos.²² E, de fato, eram: a mudança da posição soviética em torno da questão norte-coreana também foi rápida. Stalin deslocou a disputa bipolar para um contexto e um padrão de uso da força além (ou aquém) do esperado pelos Estados Unidos.²³ Tornando-se, portanto, um raro caso de surpresa estratégica.²⁴

    Ao início de 1950, o entendimento norte-americano era de que havia pouca possibilidade de uma invasão da Coreia do Norte num futuro recente.²⁵ O esforço militar de ambição limitada em um atrasado país asiático era algo que se desenvolveu abaixo do radar do monitoramento político dos Estados Unidos.²⁶ Em grande parte, porque a política de contenção de Truman, antes da Guerra da Coreia, resumia-se apenas a ameaça de ataques aéreos estratégicos em combinação com o provimento de suprimentos militares e equipamento para países ameaçados; mesmo depois que o monopólio nuclear fora quebrado pelos soviéticos em setembro de 1949.²⁷ Essa era uma grave deficiência da política externa dos Estados Unidos que a nova política de segurança nacional – NSC 68 – procurava revisar desde o início do ano de 1950. Essa demandava uma estratégia equilibrada e criticava a perspectiva da Junta dos Chefes de Estado-maior, reduzida à resposta aérea estratégica na defesa da Europa, um papel marginal das forças combatentes terrestres e o abandono de áreas marginais como a Coreia. O Conselho de Segurança Nacional apontava que ataques nucleares lidavam apenas com a perspectiva de dissuasão contra uma guerra total e as alternativas de confrontação comunista eram deixadas de lado. Por isso tudo, não houve qualquer antecipação à crise coreana e toda orientação política que se seguiu foi em um ambiente de alta incerteza e improvisação. Portanto, parte das razões do desenvolvimento bélico na Coreia deu-se por conta de uma má elaborada e, consequentemente, volátil política externa norte-americana para a Ásia.²⁸

    Ainda assim, tal resposta foi um dos elementos mais surpreendentes. Por um lado, ela mudou radicalmente as orientações que se mantinha desde 1947, impactando com surpresa aliados e rivais, pois fazia da situação coreana uma crise internacional.²⁹ A velocidade do comprometimento norte-americano foi algo que nem Stalin nem Kim esperavam, e que Mao apenas era capaz de entender como algo conspiratório e planejado furtivamente havia muito tempo. Por outro lado, essa resposta era altamente desarticulada e desamparada de qualquer perspectiva além do curtíssimo prazo.³⁰ Tanto que a constituição, o envio e a retirada do Oitavo Exército dos Estados Unidos na Coreia seguiram a lógica temporária e subordinada de emprego da força na Ásia em relação à Europa, onde verdadeiramente a Guerra Fria seria travada.³¹

    O envolvimento chinês na Coreia produziu uma nova guerra, distinta da anterior por três aspectos principais. Primeiro, as forças combatentes chinesas passaram a ser o principal contingente militar no teatro de operações coreano com consequências de como e para quais metas bélicas e objetivos políticos se travava a guerra. A partir de então, a China passava a ter papel central nas dimensões estratégicas e logísticas, por conseguinte se alterou o caráter da coalizão comunista. Diante da possibilidade de uma derrota norte-americana nos campos de batalhas, Stalin refez sua estimativa com relação ao equilíbrio relativo global de forças com o Ocidente e passou a considerar objetivos políticos positivos. Inicialmente um resultado estratégico que pudesse drenar as forças dos Estados Unidos, provocar uma reviravolta nos alinhamentos dentro das Nações Unidas e ameaçar o Japão, efetivamente.³²

    Segundo, houve uma profunda revisão na conduta da guerra pelos Estados Unidos. O presidente Henry Truman usou a justificativa do envolvimento chinês para retomar o controle e cercear o insulamento do estamento militar, criado pela geração de oficiais militares vitoriosos da Segunda Guerra Mundial que controlavam o processo decisório do Pentágono e deste com os comandos militares mundo afora. A principal evidência disso foram as ascensões do Departamento de Estado e do Escritório de Mobilização de Defesa como agências-chave e compostas apenas por civis com acesso direto ao presidente para controle e desenho das implicações políticas e logísticas da guerra, que passava a ter efeitos globais mais significativos. A intervenção chinesa foi o evento catalisador definitivo para a mobilização ocidental para uma possível terceira guerra mundial na Europa e materialização da NSC-68, o que incluía a perseguição de uma rede de alianças nos vários continentes, incluindo a América do Sul e o Brasil. Alterou-se, por fim, também as relações dos Estados Unidos com sua coalizão, principalmente com a Commonwealth britânica que passou a pressionar Truman para uma política de guerra mais moderada e consequente.

    Terceiro, enquanto a participação norte-americana na Guerra da Coreia tinha a conotação de uma ação policial internacional, no choque com a China, foi o momento divisor de águas em que as principais propostas civilizatórias do século 20 se apresentavam e qualificaram o valor de suas vontades e vocações políticas. Apenas após o envolvimento chinês e transformação do caráter da guerra, que os Estados Unidos reconheceram que se tratava de um embate em torno de propostas alternativas de organização social. Sem essa constatação, não é possível apreciar os significados interpretados pelas sociedades envolvidas e a superioridade moral que chineses e norte-americanos se apresentavam ao mundo a partir dessa nova guerra. A partir de então, as questões coreanas originais tornaram-se periféricas e as questões políticas entre China e Estados Unidos tornaram-se centrais. Por um lado, existia a expectativa chinesa de recuperação da posição de Império do Meio frente aos bárbaros capitalistas, como expresso por Mao Tse-tung.³³ A confrontação com os Estados Unidos era profetizada e tida como necessária para consolidação da nova identidade nacional chinesa.³⁴ Do ponto de vista norte-americano, por outro lado, o choque com a China foi o primeiro e real teste frente aos comunistas na defesa da nova ordem internacional em construção e, especificamente, forçou os Estados Unidos a abandonarem a política de não reconhecimento e isolamento da China comunista e a leniente mobilização para consolidação de suas alianças e contenção da União Soviética.³⁵ Essa perspectiva norte-americana, como interpretada por seu comandante de campo nessa nova guerra, o general Matthew Ridgway, foi apresentada em memorando para todos os soldados de sua coalizão ao assumir comando em dezembro de 1950. Em Why We Are Here, ele expôs:

    As questões reais são se o poder da civilização ocidental, como Deus o permitiu florescer em nossas terras amadas, desafiará e derrotará o comunismo; se a regra dos homens que atiram em seus prisioneiros, escravizam seus cidadãos, e desmontam a dignidade do homem, deve deslocar a regra daqueles a quem o indivíduo e seus direitos individuais são sagrados; se vamos sobreviver com a mão de Deus para nos guiar e liderar, ou perecer na existência morta de um mundo sem Deus.

    [...]

    Na análise final, a questão agora unida aqui na Coreia é se o comunismo ou a liberdade individual prevalecerá, e, não se engane, se o próximo arroubo de pessoas guiadas pelo medo que acabamos de testemunhar em todo o [rio] Han, e continuar a testemunhar em outras áreas, deve ser contestado e derrotado além-mar ou permitido, passo a passo, se aproximar de nossa própria pátria e em algum momento futuro, ainda que distante, engolir os nossos próprios entes queridos em toda a sua miséria e desespero [sic].

    [...]

    Essas são as coisas pelas quais lutamos. Nunca os membros de qualquer comando militar tiveram um desafio maior do que nós, ou uma oportunidade mais nobre de mostrar a nós mesmos e ao nosso povo o seu melhor e, assim, honrar a profissão de armas, e aqueles que nos criaram.³⁶

    Assim, a partir de dezembro de 1950, a Península Coreana tornou-se o palco para que a negociação por meio das armas padronizasse os contrastes de dois sistemas culturais e ideológicos muito distantes entre si. Dramaticamente difícil porque ela se desenvolveu por meio de um esperanto diplomático sem diplomatas. Desde 1945, Estados Unidos e China não tinham representações diplomáticas entre si, e nem a China comunista era reconhecida pelos Estados Unidos e as Nações Unidas. A distância cultural entre eles passou a ser minimamente reconhecida e harmonizada ao longo da campanha de 1951 e, com o seu resultado, das negociações de cessar-fogo a partir de julho do mesmo ano. A padronização dos relacionamentos de alteridade entre ambas as sociedades decorreu de um equilíbrio de poder objetivo – de forças combatentes no teatro de operações.

    A partir da disponibilização de recursos e meios limitados num espaço geográfico isolado, as principais propostas civilizatórias do século 20 – comunista e capitalista – tomaram contato e confrontação contínua, estabelecendo suas bandeiras sobre posições relativas de equilíbrio de poder a partir do qual negociações passaram a ser cogitadas e mesmo oportunas. Mas esse não dizia respeito a qualquer equilíbrio de poder. Ambos os lados perseguiram vantagens no teatro de operações que dessem vantagem nas mesas de negociações de cessar-fogo em Kaesong (e depois em Panmunjom) e nas várias comissões e no Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova Iorque.

    Por parte da China, tal condição de vantagem estratégica foi produzida e desperdiçada em janeiro de 1951, dando a oportunidade para que os Estados Unidos aprendessem a configurá-la de acordo com o entendimento de um equilíbrio de poder segundo certos parâmetros de vantagem necessários para que seus objetivos políticos fossem alcançados.³⁷

    Um segundo argumento principal que busco sustentar neste livro, portanto, é que a China perdeu essa guerra. Primeiro porque ela desperdiçou a oportunidade de direciona-la em um momento de ganhos políticos com vantagens diplomáticas e estratégicas extraordinárias e inesperadas em troca de uma busca cega por uma vitória decisiva. Segundo, porque os Estados Unidos foram capazes de impor o momento e a agenda de negociação para o cessar-fogo, bem como retirar da China todas as concessões almejadas.

    Além disso, desde que em guerras limitadas, raramente, há vitórias retumbantes, o fortalecimento ou enfraquecimento relativo tornam-se os principais parâmetros de sucesso. Mesmo antes de julho de 1951, os Estados Unidos já se encontravam política e militarmente mais fortes que seus oponentes, na Coreia e na Europa. Evidencias disso foram: a composição das forças combatentes de sua coalizão na Coreia foi replicada na estruturação militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a série de acordos dos Estados Unidos com outros países produzidos durante essa guerra – com destaque para o tratado de paz com o Japão. Que ao principal comandante da coalizão das Nações Unidas na Coreia, general Matthew Ridgway, fosse atribuída a responsabilidade de firmar tal tratado em 1952 e, logo depois, fosse realocado como comandante supremo das forças aliadas na Europa e da Otan, não foram simples coincidências, mas medidas articuladas dentro de uma reorientação política influenciada pelos resultados estratégicos alcançados na Guerra Sino-americana em 1951.

    1.2 DEFINIÇÃO DE GUERRA LIMITADA E BASE TEÓRICA

    É necessária realizar uma definição do fenômeno bélico e apresentar as bases teóricas do estudo. Não existe contestação ao fato que a concepção de guerras limitadas foi empreendida por Carl von Clausewitz e Julian Corbett, sendo recuperada na esteira da Guerra da Sino-americana por:

    [...] cientistas políticos e especialistas em defesa ocidentais, que buscavam conceber o uso da força, seja na guerra ou na dissuasão, como um instrumento efetivo de contenção da União Soviética, China e os grupos comunistas internacionais alinhados a eles.³⁸

    Existe um consenso quanto à contundência e à originalidade da formulação teórica de Clausewitz sobre guerras limitadas. No entanto, é também reconhecida que tal formulação no Da Guerra é incipiente. Além disso, o esforço de relacionar suas proposições conceituais com seus estudos de análise crítica sobre casos de guerras limitadas ainda aguarda seu empreendimento.³⁹ Ainda assim, uma formulação preliminar é possível a partir de uma parcela desses escritos, em especial o capítulo Propósitos e Meios da Guerra do Da Guerra e a Campanha de 1796 na Itália.

    Quanto a Corbett, ele não apenas cunhou o termo guerra limitada, mas desenvolveu uma das mais originais contribuições teóricas sobre a guerra.⁴⁰ A teoria das operações marítimas em guerras limitadas foi apresentada em Some Principles of Maritime Strategy e teve suas proposições testadas e expandidas em The Maritime Operations of Russo-Japanese War 1904-1905 (publicado originalmente em 1914). Além da verificação do poder explanatório da teoria de guerras limitadas para o século 20, esse livro seria importante por outras duas razões. Por um lado, Corbett avançou as primeiras proposições conceituais sobre operações conjuntas.⁴¹ Por outro lado, o caso histórico de estudo é muito relevante porque ocorreu no mesmo teatro de operações da Guerra Sino-americana e com algum efeito sobre ela em razão de ter sido o início do processo alienação da Manchúria do controle chinês. Portanto, a sua utilidade reside não apenas em termos teóricos, mas também como referência de eventos históricos que afetaram os relacionamentos políticos entre União Soviética, China e países ocidentais mesmo cinquenta anos após a guerra entre o Império Russo e o Império Japonês.

    Apesar disso, como na Guerra Sino-americana houve o comando do mar inconteste pelos Estados Unidos, não existe a oportunidade de verificação das proposições de Corbett. Por isso, eu decidi por não as incluir neste livro, apenas suas argumentações que ilustram ou reforçam a formulação original de Clausewitz.⁴²

    Guerras limitadas são aquelas em que o inimigo é compelido a uma barganha diplomática após os custos de resistência armada e de perdas pelos enfrentamentos ultrapassarem um determinado limiar.⁴³ Guerras limitadas são lutas enquanto se negocia, envolvendo a produção de equilíbrio de forças no teatro de operações e de equilíbrio de recursos de barganha na mesa negociação de maneira simultânea, interligada e interativa.

    Elas ocorrem em contextos que a motivação popular é mínima ou moderada e o objetivo político estipulado pelo governo é de valor também apenas razoável. Dessa maneira, a mobilização dos recursos para a condução das hostilidades é limitada e escassa. Ou seja, a perda de recursos convertidos em meios de combate não será fácil ou rapidamente substituída. Por isso, um lado dificilmente será capaz de desarmar o outro e o desejo por paz irá aumentar ou diminuir dependendo da probabilidade de sucesso e da quantidade de esforço necessário. Se os incentivos são de igual valor em ambos os lados, ambos resolverão suas disputas políticas por meio do alcance de um equilíbrio aceitável para ambos os lados. Se os incentivos de um lado significam perdas do outro, portanto um acordo demorará mais para ser produzido, e aquele lado capaz de sustentar enfrentamentos por mais tempo conseguirá melhores condições de barganha sobre aquele que urge mais pela paz.

    Embora uma guerra limitada não seja uma guerra existencial ou incondicional, ela não é necessariamente absolvida ou aquém de grande destruição e danos a vida política ordinária. Ela é um tipo de relacionamento político que articula o uso da força e a barganha diplomática na oferta de incentivos positivos e negativos que avancem pontos de uma agenda de negociação.

    O fenômeno das guerras limitadas é a principal forma de busca violenta por poder e interesses entre grupos políticos, logo deveria ser um objeto constante de estudo pelas Relações Internacionais. Embora guerras ilimitadas como as Guerras Púnicas, as Guerras Napoleônicas e a Segunda Guerra Mundial tenham sido centrais na reconfiguração dos seus respectivos sistemas políticos interestatais; são as guerras limitadas que norteiam as transições e mudanças estruturais da política global.⁴⁴ A partir delas que se alteram no longo prazo os equilíbrios de poder, retirando e transferindo recursos entre as unidades de um sistema e expandindo, restringindo ou alterando as relações entre elas. É por meio de guerras limitadas que grandes potencias constroem suas áreas de influências e acumulam seus meios materiais e coercitivos diferenciados. Mas também é no fracasso em delimitar instancias de disputa limitada com outras potências, geralmente mais fracas, e superestimarem a correlação de meios e, assim, a resistência ilimitada de seus oponentes que grandes potências declinam, pelos menos parcial ou temporariamente.⁴⁵

    O terceiro e maior argumento deste livro é que a teoria de guerra limitada de Clausewitz contribui para o avanço do debate estratégico contemporâneo, ao produzir a identificação, análise e avaliação da conduta de guerras limitadas; e a possibilidade de corroboração dessas inferências em estudos de caso que iluminam problemas práticos do desenho de planos e da conduta da guerra em si. Nesse sentido, a Guerra Sino-americana torna-se um estudo de caso obrigatório em razão de sua importância histórica e potencial investigativo.

    1.3 FONTES DE ESTUDO

    A pesquisa do livro desenvolveu-se a partir de uma ampla revisão bibliográfica ocidental e oriental, documentação primária e estudos de campo na Coreia. No caso da participação dos Estados Unidos e a coalizão de países das Nações Unidas, existe suficiente disponibilidade de material que registra as decisões e ações políticas, nas suas dimensões diplomáticas e estratégicas, bem como de seus aspectos logísticos e doutrinários. Existe suficiente material sobre o papel do Congresso, da imprensa e a variação do apoio popular. A participação militar e diplomática dos países coligados, principalmente da Commonwealth e da Coreia do Sul, é organizada e relevante por permitir corrigir as lacunas e omissões das fontes norte-americanas, que ainda são bastante limitadas às narrativas das participações de departamentos, unidades e contingentes, cujos registros primários são disponíveis e abertos na internet.⁴⁶

    Do lado chinês e da coalizão comunista, a disponibilidade não é plena, mas suficiente em razão da revisão e expansão de bases secundárias e primárias. Isso se explica pelo fato que a China comunista no período da guerra encontrava-se em um estágio de Estado em formação. Isso teria repercussão num governo ainda de baixa institucionalização e burocratização e que não era capaz e nem desejava registrar todos os ocorridos do período. Os primeiros registros de oficiais e figuras-chave da China na guerra surgiram em um contexto distinto e posterior, em que se desejava marcar a contribuição individual à Revolução Chinesa e manter o discurso propagandístico de que guerra na Coreia tivesse sido uma vitória retumbante da coalizão comunista e conduzida impecavelmente. Uma parte importante dos registros chineses sobre a guerra – exemplarmente do comandante chinês na guerra, Peng Dehuai – ocorreu sob a motivação de expurgos de oficiais do exército chinês por Mao Tse-tung ao fim da década de 1950 e durante o período de terror da Revolução Cultural entre 1966 e 1976. Um esforço de revisão tem sido feito desde a década de 1980, inclusive para recuperação das reais contribuições desses personagens.

    Porém, esse não era o caso da União Soviética, que registrou tudo que ocorreu no período, com o zelo de recuperar e arquivar documentação norte-coreana e chinesa. No contexto pós-Guerra Fria, a abertura desses arquivos a estudiosos chineses e russos, e ocasionalmente ocidentais, tem sido relevante na reconstrução das decisões e ações da coalizão comunista na guerra. Nesse sentido, a real contribuição acadêmica chinesa é contemporânea e da década de 1990 em diante por meio de pesquisadores e alunos de pós-graduação chineses, geralmente vinculados a instituições norte-americanas, com pesquisas em arquivos russos. Mais recentemente, obras de estudiosos chineses e japoneses com amplas bases primárias, acesso à documentação oficial chinesa e a entrevistas de comandantes, oficiais e combatentes vêm sendo traduzidas para o inglês, com destaque para a obra de Xiaobing Li, China’s Battle for Korea: The 1951 Spring Offensive.

    Por fim, eu realizei uma viagem à Coreia do Sul em 2012, com visita aos memoriais e aos campos de batalhas de Inchon, Wonju, Punchbowl, Hwancheon e Choerwon ou Triangulo de Ferro, além da Zona Desmilitarizada (DMZ). Todos esses foram lugares onde ocorreram a maioria e as mais importantes batalhas do período em que o livro tem seu enfoque principal.

    PARTE I

    BASES CONCEITUAIS E HISTÓRICAS

    2

    A TEORIA DA GUERRA LIMITADA DE CLAUSEWITZ

    A Teoria da Guerra de Clausewitz é a mais marcante realização intelectual para o entendimento sobre a guerra.⁴⁷ Sua realização é distinta do pensamento e teorias da guerra que foram produzidas antes e é inegável seu papel como ponto de referência de tudo que foi consistentemente produzido depois. Sua distinção reside na sua conformação de uma metodologia de estudo da guerra e da educação formal sobre a guerra.

    Para tal, aponta-se que Clausewitz realiza três desenvolvimentos conceituais para formulação e refino dessa contribuição. São elas:

    Que a definição de guerra não faz sentido senão como a continuação da política com outros meios;

    A conceituação dos tipos de guerras que existem na realidade: guerras ilimitadas e guerras limitadas;

    A constatação das razões de tendência de superioridade da defesa sobre o ataque.

    Afirma-se aqui que essas três contribuições conceituais estão amplamente vinculadas entre si e devem ser a linha de exposição sobre guerras limitadas. Foi na Nota de revisão de 1827 que Clausewitz apontou pela primeira vez esse contraste entre guerras ilimitadas e guerras limitadas e indicou como isso implicou na revisão do Da Guerra.

    Guerras podem ser de dois tipos, no sentido que o objetivo é sobrepujar o oponente – faze-lo politicamente desamparado ou militarmente impotente, assim o forçando a assinar qualquer paz que nos agrade; ou meramente ocupar alguns de seus distritos fronteiriços, de maneira que nós os anexemos ou os usamos para barganha nas negociações de paz. Transições entre um tipo e ou outro vão obviamente ocorrer no meu tratamento, mas o fato é que os propósitos dos dois tipos de guerras são muito diferentes e devem estar claros todo o tempo, e seus pontos são irreconciliáveis.

    Essa distinção entre os dois tipos de guerras é uma questão factual. Porém, não menos prática é a importância de outro ponto que deve ser absolutamente claro, notadamente que a guerra é nada que a continuação da política com outros meios. Se isso é firmemente mantido em mente por todo o tempo, isso irá facilitar o estudo do objeto e o todo será mais fácil de analisar.⁴⁸

    Portanto, o entendimento de guerras limitadas é mais bem realizado ao se introduzir e desenvolver seus conceitos em contraste com os conceitos relacionados a guerras ilimitadas. O próprio Clausewitz empreende essa exposição uma única vez, em Propósitos e Meios da Guerra, o capítulo 2 do Livro I do Da Guerra. Portanto, é este capitulo que oferece a principal fonte de entendimento dos dois tipos de guerra, mas, principalmente, suas principais considerações sobre guerras limitadas.

    Esse também é o procedimento realizado por Corbett na Parte I de Some Principles of Maritime Strategy, intitulada Theory of War, em que a maioria dos capítulos e das considerações também tem maior atenção para guerras limitadas. Corbett aponta que o entendimento de guerras limitadas foi desenvolvido por Clausewitz a partir do contraste com guerras ilimitadas em termos de utilidade e motivação políticas e os métodos de emprego das forças combatentes em cada uma delas.⁴⁹ No primeiro nível de distinção, existe a qualificação do papel da política na conformação da guerra, enquanto que o segundo nível de distinção abarca as distinções entre ataque e defesa e entre campanhas ofensivas e defensivas nos dois tipos de guerra.⁵⁰

    Assim, a primeira distinção entre guerras limitadas e ilimitadas é quanto o objetivo político determina o foco de aplicação da força e os padrões de intensidade de esforço.

    Em qualquer objetivo, a questão vital e panorâmica é a intensidade com qual o espírito da nação foi absorvido para seu alcance. O ponto real para se determinar na formulação de qualquer plano é: qual foi o significado do objetivo para os dois beligerantes, quais os sacrifícios que eles fariam por ele, quais os riscos que eles estavam preparados para correr?⁵¹

    Clausewitz aponta que a instrumentalização e a subserviência da guerra aos propósitos e circunstâncias da guerra repercutem que sua natureza seja sempre complexa e mutável. De acordo com isso, ele apresenta os elementos de uma guerra ilimitada. Estas são guerras em que a animosidade e os efeitos recíprocos de elementos hostis demandam que sua vontade de seguir lutando seja quebrada. Para tal, é necessário que:

    Suas forças combatentes sejam destruídas ou colocadas em uma condição em que elas não possam mais seguir lutando;

    O país precisa ser ocupado, e assim evitar que ele constitua novas forças;

    Finalmente, o governo oponente e seus aliados têm que ser conduzidos a pedir pela paz ou a população ser feita submissa.⁵²

    Clausewitz faz a qualificação que, em guerras ilimitadas, essas três metas para as atividades combatentes, ou metas bélicas seguem em ordem sequencial. Existe uma ordem natural entre a destruição das forças combatentes, a subjugação do país e a realização de um acordo de paz com o oponente. Em guerras ilimitadas, a conduta de guerra não ocorre ao mesmo tempo em que as negociações, mas antes, pois envolvem questões políticas em relações às quais o oponente recusa qualquer termo de paz.⁵³

    Nessa qualificação política de guerras ilimitadas, Clausewitz faz um adendo muito importante: guerras ilimitadas deveriam ser improváveis de ocorrer entre dois lados marcadamente díspares em meios materiais, a não ser que, em casos muito particulares, o lado mais forte e com interesses políticos positivos seja inábil para conduzir a guerra, implicando em improbabilidade de vitória ou custos inaceitáveis.

    Já guerras limitadas, por serem resultado de outro tipo de relacionamento político, geralmente são encerradas pela manipulação generalizada por ambos os lados justamente desses cálculos de probabilidades e custos. Essas são originadas mais por circunstâncias que profundas motivações e causas necessárias. Portanto, elas não são encerradas pelo colapso de um lado, mas pela análise da probabilidade de derrota e/ou a realização por um dos lados ou os dois que os custos necessários, em magnitude e duração, excedem o valor político de um objetivo. Assim, Clausewitz aponta que guerras limitadas são encerradas a partir da concessão de um acordo de paz de um lado a outro no decorrer dos enfrentamentos e a partir de um cálculo objetivo e racional. Ou seja,

    Quando os motivos e tensões são tênues, podemos imaginar que o mais claro prospecto de derrota pode ser suficiente como causa para um lado conceder. Se desde o início, o outro lado sente que isso é provável, ele irá obviamente concentrar-se em realizar esta probabilidade ao invés de tomar o longo caminho e derrotar o oponente totalmente.

    De ainda maior influência na decisão de se fazer paz é a conscientização de todo o esforço já realizado e dos esforços ainda a ocorrer. Desde que a guerra não é um ato de paixão sem sentido, mas é controlada pelo seu objetivo político, o valor deste objetivo deve determinar os sacrifícios a serem feitos por ele em magnitude e também em duração. Uma vez que o dispêndio de esforço excede o valor do objetivo político, o objetivo deve ser renunciado e ter-se a paz⁵⁴.

    Portanto, em guerras ilimitadas o acordo de paz é imposto quando um lado derrotado se encontra prostrado, e esse acordo tem muito mais utilidade em extinguir futuras fagulhas de hostilidade. Já em guerras limitadas, o acordo de paz é uma decisão política a partir das análises por cada parte das probabilidades da ocorrência de derrotas e das estimativas dos custos de se continuar travando tal guerra.

    Nós entendemos, que na guerra, quando um lado não pode tornar o outro completamente indefeso, o desejo por paz em ambos os lados irá aumentar ou diminuir com a probabilidade de sucessos adicionais e os custos de esforço que estes requerem. Quando esses motivos forem em ambos os lados igualmente fortes, então eles encontrarão um meio-termo para suas diferenças políticas. Que esses motivos sejam mais fortes de alcançar por um, deveriam permitir que eles fossem mais fracos para o outro. Quando suas somas apenas se bastam, então paz em relação a eles ocorrerá, mas naturalmente terá o melhor dela, o lado com o menor motivo para faze-la.⁵⁵

    Isso implica outro aspecto distintivo da variação de objetivos políticos no curso de guerras limitadas e ilimitadas. Em guerras ilimitadas, tal variação não existe, os objetivos políticos são polares e mantém-se assim até o termino da guerra. Embora guerras limitadas apresentem lados com objetivos políticos positivos e negativos, esses podem alterar muito no curso da guerra e podem mudar completamente dependendo do curso dos eventos e suas prováveis consequências.

    As implicações dos propósitos e relacionamentos de uma guerra limitada fazem dela um fenômeno mais complexo que guerras ilimitadas, de maneira que as avaliações e decisões políticas são parte inerente do desenho e conduta das campanhas. Isso é tão significativo que

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