Ações crítico-formativas: formação de formadores de língua portuguesa: formar para transformar os espaços formativos
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Ações crítico-formativas - Grassinete C. de Albuquerque Oliveira
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
O Constante Diálogo
Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
[...]
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.
Carlos Drummond de Andrade (1997).
Este livro é resultado de uma pesquisa de doutoramento realizado no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – LAEL, da PUC-SP, a qual buscou compreender criticamente os sentidos e significados atribuídos por formadoras de Língua Portuguesa, da Secretaria de Educação e Cultura do Acre, aos conceitos de gêneros discursivos, sequência didática (SD) e multiletramentos. Para alcançar esse objetivo, foram desenvolvidas duas ações formativas em períodos alternados, nos anos de 2017 e 2019. Essas ações formativas focalizaram o diálogo incessante e necessário, com ênfase na interação eu-e-o-outro, no silêncio dialogado, conforme proposto por Drummond (1997), para que, na escolha do diálogo e da melhor palavra houvesse a transformação das participantes envolvidas nesta pesquisa.
Com esse propósito, refletimos em como promover diálogos de modo que ocorresse uma predisposição ao senso crítico, à observação dos fatos, ao ouvir, argumentar e silenciar. Em como pensar a educação no contato, nas atribulações, nas alegrias e nas tristezas, partes de todo processo que envolvem a inter(ação) entre o eu-e-o-outro e que, muitas vezes, misturam-se, fazendo parecer que somos um só. Esse COMO, que agrega distintas classificações, sempre trouxe, para mim, movimentos de inquietação, de angústia, de intensos conflitos, ingredientes esses que fazem parte da profissão professor.
Esse COMO envolveu-me e trouxe-me para este projeto. Ele evidencia as inquietações e as inúmeras discussões sobre a educação brasileira, nos mais diferentes campos e lugares. Nas discussões sobre a qualidade X quantidade. Sobre formador X professor e professor X aluno. Sobre sistema X escola, entre tantos outros. Face a essas situações binárias, em que o X
parece separar e não adicionar e ampliar, objetivamos compreender criticamente os sentidos e significados atribuídos pelas participantes nas ações formativas aos conceitos de gêneros discursivos, sequência didática e multiletramentos. Vygotsky ([1934] 2005) ressalta que os significados encontram-se na intersecção entre o pensamento e a linguagem, de modo que não podem ser considerados isolados e independentes, pois realizam-se e concretizam-se no social. O sentido é formação dinâmica, fluida, complexa, que tem zonas de estabilidade variadas, sendo o significado uma dessas zonas que a palavra adquire em contexto situado.
Aliada ao pensamento vygotskyano, expor como cheguei a esses objetivos é importante para que se entenda a proposta desta pesquisa. Considerando-me um sujeito sócio-histórico-cultural e, em consonância com as concepções de Vygotsky ([1934] 2005), de Vygotsky, Luria e Leontiev ([1934] 2016) e de Engeström (2002; 2016), traço um relato de minha experiência como educadora, que tem sido constantemente alterada quanto ao que compreendo sobre educação. De algum modo, ser educadora esteve presente em minha vida e, ao mesmo tempo em que cursava o ensino superior de Letras: Português/Espanhol, também atuava como professora de Língua Portuguesa, em uma escola privada de Rio Branco, AC.
Esse fato mostra uma realidade comum no território nacional e evidenciada por Freire e Leffa (2013), quando discutem a questão da formação inicial, já que inúmeros casos comprovam que o professor em formação inicial encontra-se em sala de aula, em serviço, sem ter concluído o ensino superior, o que faz com que teoria e prática docente atuem juntas no constituir-se como professor.
O processo educativo no chão da escola movia meu olhar para o aprendiz que se constituía como sujeito, como alguém atravessado pelas questões sociais. Como docente, ora o via como adolescente, ora como adulto. Ademais, a curiosidade desses estudantes, seu olhar quando conseguiam atenção, as pergunta, as brincadeiras, o ser diferente eram pontos que se configuravam como motivação para mim, já que um dos traços de minha personalidade é a vontade de transgredir, de ir além do que é posto, de buscar novas trajetórias para os entraves que aparecem no caminho.
Apesar de ter uma vida voltada para a educação, somente em 2011 optei por prestar concurso para o Ensino Básico, na Secretaria Estadual de Educação do Acre (SEE-AC), e conhecer como é o universo da escola pública, já que o meu contato havia sido mínimo, tanto no antigo Segundo Grau, quando fiz o Magistério, quanto no Ensino Superior, nos estágios supervisionados.
Quando aprovada no concurso, fui lotada em uma escola de Ensino Médio de bairro periférico, cujas particularidades eram muitas e variavam desde famílias totalmente ausentes, adolescentes grávidas, até estudantes que usavam e vendiam drogas nos muros (dentro e fora) da escola. Somado a isso, era visível o abismo que existia entre os funcionários e os professores, tanto na questão da estrutura operacional quanto na relacional.
Para mim, esse contato foi extremamente significativo, pois lidei com a realidade do universo escolar público, que é bastante diferenciado do privado. Hoje, compreendo melhor as particularidades da escola pública. Esforcei-me para entender os mecanismos burocráticos que a norteiam, as normas e as regras do sistema educativo. Procurei oferecer atividades de ensino-aprendizagem de modo que os discentes desenvolvessem o senso crítico, a responsabilidade e, principalmente, a noção de que eles são a sociedade do amanhã e que também deveria partir deles uma transformação social.
Uma ação significativa, para mim, como funcionária da SEE-AC, foi a de conhecer como funcionava o sistema da escola pública, a gestão escolar; as famílias e a comunidade (que raramente participam das ações escolares); os discentes e as relações existentes entre esses sujeitos. Passei apenas três anos na rede estadual e muitos foram os embates. Um deles dizia respeito às ações de formação promovidas por formadores aos professores, e que, a meu ver, apesar da boa vontade dos primeiros, deixavam de perceber significativas particularidades existentes nas escolas públicas acreanas.
Enquanto professora da rede pública estadual, envolvi-me em muitas discussões sobre gêneros discursivos e sequências didáticas nos processos de formação continuada, algumas intensas, por conta de minha formação no Mestrado em Letras - Linguagem e Identidade, na Universidade Federal do Acre (UFAC), na linha de pesquisa Linguística Aplicada, com a elaboração de uma sequência didática do gênero resenha, desenvolvida junto aos estudantes do ensino superior do curso de Licenciatura em História, em 2008, na mesma universidade.
Devido à experiência do mestrado, e como docente da 3ª Série do Ensino Médio, a sequência didática evidenciou-se, para o contexto em que estava inserida, como um dos instrumentos válidos, que auxiliavam na escrita dos educandos e na apropriação de determinado gênero. Em 2104, depois de três anos de Estado, fui convocada para o Instituto Federal do Acre (IFAC). Exatamente após quatro meses de trabalho no IFAC, pouco tempo para qualquer ação efetiva em relação ao ensino, pesquisa e extensão, fui convocada para assumir o cargo de professora na Universidade Federal do Acre (UFAC), onde me encontro até hoje.
Ao refletir sobre minha atuação como educadora e seguindo a perspectiva da reflexão-na-ação e sobre-a-ação (SCHÖN ([1983] 2000), busquei, no doutorado, como pesquisadora-formadora, desenvolver com as formadoras da SEE-AC, de modo crítico-colaborativo, ações crítico-formativas que considerassem os multiletramentos, os gêneros discursivos e as sequências didáticas.
Denomino aqui, com aproximações em González Rey (2003), Volóchinov ([1929] 2017), Marx e Engels ([1926] 2001), Vygotsky ([1978] 1998) e Schön ([1983] 2000), ação crítico-formativa a toda proposta que busca, por meio de um tema comum, o envolvimento de sujeitos no complexo movimento do desenvolvimento social.
Nesse movimento, o conhecimento-na-ação
, entendido por Schön ([1983] 2000, p. 31) como uma reflexão em e sobre a ação desenvolvida em situações singulares e únicas em um dado contexto, é construído pelo profissional, que atribui sentidos à sua prática, ao saber-fazer, enquanto docente.
No espaço de formação de formadores, esse movimento envolve o pensar dialógico e dialético sobre a ação crítico-formativa, em prol da reflexão na e sobre a ação, visando a uma possível (trans)formação dos sujeitos envolvidos. Como a ação crítico-formativa busca intervir na realidade existente, é indispensável compreender como ocorreram os processos entre o desenvolvimento proximal e o potencial (VYGOTSKY, [1978] 1998), na teoria-prática e na colaboração entre os sujeitos envolvidos durante e após o processo.
Essa (trans)formação ocorre em processos, de maneira gradual, ativa, em que os sujeitos envolvidos são agentes na aprendizagem e refletem sobre a pertinência de adotar determinadas ações crítico-formativas em contextos diversos. Ao pensar sobre a prática situada (NLG, 1996) dos envolvidos no processo, é importante considerar que essa prática pode responder à necessidade de certo grupo, mas não à de outros, mesmo que todos trabalhem com a mesma temática. Todavia, somente no processo dialógico, de interação social e de confronto de vozes, as ações crítico-formativas podem ser redesenhadas para alcançar o objetivo pretendido.
As ações crítico-formativas desenvolvidas para as formadoras da SEE-AC apoiaram-se nos gêneros discursivos (BAKHTIN [1952-1953] 2016), na dialogicidade (VOLÓCHINOV, [1929] 2017), na sequência didática (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004) e na pedagogia dos multiletramentos (NLG, 1996; COPE e KALANTZIS, 2000; 2013a). A sequência didática, diferentemente da perspectiva do grupo genebrino, que a trata como módulos de atividades, é tratada neste trabalho como oficinas não-lineares, redes didáticas, caracterizadas por manter a relação com o todo e considerar que diferentes recursos semióticos atuam, de modo significativo, para a (re)construção de significados nas diferentes esferas da comunicação humana.
A ação formativa apresentada em 2017 evidenciou conflitos na atividade das formadoras. Pimenta (2012) ressalta que, geralmente, ocorre um projeto articulado entre as instâncias formadoras – universidade, secretaria e escolas –, a fim de explicitar as necessidades dos professores frente aos conflitos e dilemas que vivenciam na atividade de ensinar. No caso da ação formativa proposta, essa questão configurou-se como verdadeira, ao evidenciar a necessidade de contemplar o conceito de multiletramentos e articular melhor a colaboração crítica à vivência das participantes.
Com um olhar na reflexão-na-ação e sobre-a-ação (SCHÖN ([1983] 2000), a ação formativa de 2019 considerou os aspectos sócio-histórico-culturais que constituem as participantes, as práticas sociais das formadoras, as vozes em conflito e a contradição sobre os conceitos apresentados, de modo que o desenvolvimento do conhecimento aconteceu em um processo de reconstrução permanente, com o intuito de ressignificar a teoria-prática, rumo a desenvolver futuras ações crítico-formativas.
Esse projeto articulado não se reduziu ao treinamento ou à capacitação das formadoras; buscou a reflexão nas ações de todas as participantes sobre o saber tácito implícito em nós, de modo que, ao percebermos como nossas descrições são de diferentes tipos – a depender dos propósitos, das linguagens disponíveis (SCHÖN [1983] 2000, p. 31), dos instrumentos, das regras e das estratégias –, precisaríamos refletir sobre como desenvolver ação formativa com vistas a uma prática transformadora.
Ao considerar o exposto, esta pesquisa insere-se no campo de investigação da Linguística Aplicada (LA), tanto Inter- quanto no sentido IN-disciplinar. Por ser uma ciência que dialoga com diferentes campos das Ciências Sociais, a LA busca a resolução de problemas da linguagem humana tanto no contexto escolar quanto fora dele. Moita Lopes (2006, p.19) ressalta que, para dar conta da complexidade dos fatos envolvidos com a linguagem em sala de aula, passou-se a argumentar na direção de um arcabouço teórico interdisciplinar
, a fim de entender como a teoria e a prática encontram-se envolvidas e atravessam as áreas do conhecimento.
Uma vez inserida na linguística aplicada transgressiva (PENNYCOOK, 2006) e INdisciplinar (MOITA LOPES, 2006), encontro nessa ciência a possibilidade de fazer uma pesquisa que pode ir além do que (ainda) é seguro, estável, normativo, já que possibilita elaborar mecanismos capazes de intervir, ressignificar e transformar diferentes espaços sociais.
Ademais, diante da multiplicidade de linguagens, mídias e tecnologias, novas formas de leitura e escrita são necessárias no contexto escolar e, ao propor para as formadoras questões de ensino-aprendizagem que aliem os multiletramentos, os gêneros discursivos e as sequências didáticas, o intuito é auxiliá-las na direção de melhor apropriação das diferentes linguagens que circulam nas mais diversas esferas comunicativas, e de modos de refletir sobre como se organizam, articulam, estruturam e interagem nesse grande mosaico multissemiótico (DIONIZIO e VASCONCELOS, 2013) materializado em nossas ações sociais.
À procura de uma ação ativa e crítica, a intenção em trabalhar com as formadoras de Língua Portuguesa surgiu diante de uma necessidade percebida e vivenciada enquanto professora da rede pública estadual de educação. As formações continuadas tinham como fundamento o trabalho com os gêneros discursivos por meio de sequências didáticas, de modo que houvesse uma articulação interdisciplinar. O foco era desenvolver o senso crítico do discente e, principalmente, a escrita, já que estavam diante do formato de avaliação para ingresso no ensino superior, o ENEM.
Inserida no contexto da escola pública, as vozes que se entrelaçavam nas formações continuadas entre professores e formadores não estabeleciam consenso teórico e prático. Não raro eram os embates, culminando, muitas vezes, em propostas de ações que não se efetivavam na sala de aula, como estabelecido. Minha prática docente, na época, já transitava de maneira transgressiva e indisciplinada, dada a forma como compreendia o fazer docente e como pensava ser possível promover uma educação que considerasse o educando como ser crítico e que precisasse de espaço para ser ouvido. Além disso, tentava ter o cuidado de promover ações de ensino-aprendizagem que vinculassem o mundo do trabalho, a educação superior e as práticas sociais como modi operandi de vida.
Nesse processo, muitas intercorrências didáticas e metodológicas alteraram o meu modo de agir e de compreender a educação. Diante de meu ingresso no ensino superior, estabelecer vínculos entre a Universidade e a SEE-AC era, então, um dos meus objetivos. Como formadora de profissionais que atuariam nas salas de aula do Estado, sentia-me na obrigação de mostrar-lhes que, no chão da sala de aula, os movimentos precisam ser articulados entre o saber científico, a prática e as realidades de vidas que formam o contexto escolar e, em especial, os educandos.
Saliente-se que, para desenvolver uma ação formativa junto às formadoras da SEE-AC, foi preciso uma reorganização teórico-prático-metodológica sobre minha própria formação. Essa reorganização foi essencial para que, diante das vozes, dos embates, dos gestos e das expressões, refletisse sobre a ação formativa desenvolvida por mim e sobre como poderia, colaborativamente, transformar o agir docente.
Guiada por Freire e Shor (1986), considero que (re)ver o ato de fazer e agir na educação precisa captar os mais diversos discursos produzidos, as frases, as expressões, os ritmos, as tonalidades, a linguagem corporal, a tolerância conceitual. Ou seja, é preciso rever a fala filosófica do professor, de modo a captar e a aproximar-se da fala do educando. Desse modo, os discursos produzidos foram intensos, não livres dos conflitos, em movimentos dialógicos-dialéticos, capazes de perceber as alteridades das participantes envolvidas no processo de fazer educação. Assim, meu estudo gerou movimentos que precisaram ser repensados, tanto na questão teórico-prático quanto nas práticas de agir das formadoras e desta pesquisadora-formadora.
Pelo exposto, o desenvolvimento deste estudo dar-se-á a partir da seguinte estrutura: na seção 2, do percurso teórico, serão apresentados: breve percurso histórico do ensino de LP no Brasil (BAÊTA NEVES, 1978; HILSDORF, 2007; BUNZEN, 2011; FARACO, 2016; sociointeracionismo e gêneros discursivos na Língua Portuguesa (BAKHTIN [1952-1953] 2016; VOLÓCHINOV [1929] 2017; BRONCKART [1997] 2006); sentidos e significados (VYGOTSKY [1926] 2010; [1931] 1991; [1934] 2005) na formação do formador; sequência didática (DOLZ et al. 2004); multiletramentos (NLG, 1996; KALANTZIS e COPE, [2000] 2006a; [2000] 2006b) e sua concepção no contexto escolar. A seção 3 é dedicada à metodologia de pesquisa, com base na Pesquisa Crítica de Colaboração (MAGALHÃES, 2009; 2010; 2011, 2012). A seção 4 refere-se à análise e à interpretação de dados. Finalizando, apresento as considerações (quase) finais.
2. PERCURSO TEÓRICO
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Se é dizendo a palavra com que, pronunciando
o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial.
Paulo Freire (1987, p.44-45)
Esta seção estabelece o diálogo na ação-reflexão entre a pesquisadora e os autores que fazem parte deste percurso teórico, mediatizados pelo mundo, pronunciando
vozes que significam, que transformam e que, por meio do diálogo, colocam-nos diante de novos caminhos, de novas significações.
Em face ao objetivo geral desta pesquisa, esta seção apresenta um breve percurso na formação de formadores no Brasil, por considerar que a prática docente, implicante do pensar certo, envolve situações dinâmicas, dialéticas, dialógicas entre o aprender, o fazer e o pensar sobre o fazer
(FREIRE, [1996] 2002, p. 22).
A seção apresenta, também, os aspectos conceituais, legais e históricos do ensino de LP no Brasil, tendo em vista que o ensino de língua/linguagem foi, durante séculos, pautado em um processo de exclusão, de homogeneidade, de tradição gramatical (BUNZEN, 2011) e que vem sendo, no confronto de vozes, ressignificado para um ensino pautado no contexto, na interação, no desenvolvimento crítico e reflexivo, a fim de que os educandos constituam-se como sujeitos agentes nas diversificadas atividades humanas.
2.1 Em busca de uma formação de formadores integrada, flexível e progressiva
Tendo em vista a contextualização do ensino de LP no Brasil, faz-se necessário apresentar alguns aspectos sobre a formação deste profissional do ensino, na compreensão de que desde a Lei 4.024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), aparece como pilar teórico a formação dos professores de maneira integrada, flexível e progressiva.
Como o Brasil vivenciava o clima da ditadura e da produção do capital, a LDBEN define, no Capítulo V, Art. 29, que a formação dos professores e dos especialistas para o ensino de 1º e 2º graus seria feita em níveis elevados progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais (econômicas) de cada região do país, e que atendesse aos objetivos específicos de cada grau, às disciplinas, às áreas de estudo e às fases do desenvolvimento dos educandos.
Esse elevar-se progressivamente abriu precedentes para que a formação mínima do professor para atuar em sala de aula não fosse o curso superior (bacharel ou licenciatura), mas sim o 2º grau – com cursos profissionalizantes de magistério –, o que bastava para que o concluinte atuasse no ensino do 1º grau, de primeira à quarta série.
Essa estrutura foi alvo de severas críticas de autores como Saviani (1982), Candau (1982), Pimenta e Gonçalves ([1990] 1995), que enfatizavam que a formação de formadores visava atender, basicamente, à situação político-econômica vivida pelo país na época, além de procurar formar um professor voltado à instrumentação técnica, capaz de aplicar os conteúdos exigidos, de executar tarefas, aspectos que o definiam como um professor de formação competente, capaz de garantir resultados instrucionais eficientes (PEREIRA, 2007; MARTINS, 2008). Esse é um dos equívocos relacionados à questão da formação dos professores e, não diferentemente da época, ainda hoje existe a crença
de que o bom professor é aquele que tem o domínio da sua área de conhecimento.
Pimenta e Gonçalves ([1990] 1995) discorrem que não é de todo correto imputar a essa lei toda a deterioração da formação dos professores, tendo em vista que qualquer lei efetiva-se pelas mãos de pessoas, mas, não é de todo incorreto apontar que houve pontos importantes como, por exemplo, uma formação esvaziada de conteúdo, não auxiliando nem a uma formação geral adequada e nem a uma pedagógica mais consistente. Isso ajudou a impulsionar a precariedade do ensino.
Foucault ([1999] 2005) alertava para o fato de que é possível que as máquinas do poder sejam acompanhadas de produção ideológica (da educação), mas é preciso observar os instrumentos de formação e de acúmulo de saber, os métodos de observação, as técnicas de registro, os procedimentos de investigação e de pesquisa, porque são aparelhos de verificação que se encontram no âmbito da dominação e não da soberania nacional.
A Lei 5.692/71 abriu precedentes para que se pensasse, sob suspeição, em como o docente transformou-se em um mero agente da preservação e da expansão da sociedade capitalista formadora de mão-de-obra qualificada para as exigências do mercado de trabalho, e/ou no seu papel ao ser considerado como um agente importante na organização da escola, dos alunos, da comunidade, em prol de uma sociedade mais justa e a favor dos mais humildes (WEBER, 2003).
Para essa expansão capitalista, o discurso ideológico utilizado para justificar o livre comércio, o sistema de trabalho, o gerenciamento da produção, entre outros, ressalta que o modelo imposto configura-se como o único capaz de realizar os objetivos emancipatórios da sociedade, o que leva, aparentemente, o governo a desenvolver políticas públicas que, segundo Severino (2011), efetivam as comandas neoliberais, adiando e inviabilizando uma educação que medeie a libertação, a emancipação e a construção da cidadania.
Candau e Lelis ([1988] 2011), por sua vez, fazem alusão ao fato de que um dos problemas mais perceptíveis na formação dos profissionais de educação encontra-se na relação teoria e prática. Destacam que se a formação do professor tiver o enfoque em uma visão dissociativa, a teoria e a prática estarão dissociadas, isoladas e opostas. A tendência a ser enfatizada será no plano teórico; se for positivo-tecnológica, o educador é concebido como um engenheiro
do comportamento humano e do currículo, com disciplinas instrumentais
vistas como aplicação das disciplinas teóricas
, com ênfase aos aspectos técnico-científicos
em detrimento dos filosófico-ideológicos
(CANDAU E LELIS [1988] 2011, p. 67). Caso tenha uma visão de unidade, teoria-prática serão o núcleo articulador da formação do educador, sendo trabalhadas juntas, constituindo um elo indissolúvel.
O que se verifica ao longo do tempo, na formação dos professores do Brasil, é que parece estarmos vivendo em campos de relatividades que discutem, em dados momentos, o trabalho do professor e sua formação; o pensamento do professor e sua história de vida; as relações entre cultura escolar e a cultura do professor; o lugar do saber do professor entre os saberes sociais (TARDIF, 2002a, p. 112) como se fossem unidades pedagógicas
separadas e o professor um espectador de todo esse processo, um ser assujeitado
(PÊCHEUX, [1983] 1997), submetido a regras e normas específicas que delimitam o seu discurso e o seu modo de experienciar a educação.
A tentativa de ruptura ocorre quando esse sujeito professor, em formação continuada, encontra no outro a fala heterogênea, conflituosa e tensa, que, em tentativas singulares, procura romper com esse assujeitamento, mesmo ciente de que não é completamente livre no campo social. É a interação que permite a cada um constituir-se como sujeito ao utilizar a linguagem para produzir sentidos (VOLÓCHINOV, [1929] 2017) que, em contextos situados, requerem tomada de posição, uma resposta para o embate dialógico e ideológico.
A formação do professor a partir dos anos 2000 procura correr em um campo de atuação que oriente, segundo alguns teóricos, a teoria-prática-reflexão (PIMENTA, [1994] 2005), o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE, [1996] 2002), a reflexão-na-ação, a reflexão-sobre-a-ação e a reflexão sobre a reflexão-na-ação (SCHÖN, 1992), a auto-heteroecoformação (FREIRE e LEFFA, 2013), de modo a construir novos repertórios a partir de uma prática refletida, que possibilite responder às necessidades e às situações que podem ocorrer no âmbito escolar.
É na incerteza que o professor pode criar, refletir, agir, pode reformar o pensamento para reformar o ensino (MORIN, 2014) e transformar o educando. Pimenta ([1994] 2005) pontua a necessidade de se formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares, instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas, que caracterizam o ensino como prática social em contextos historicamente situados. É inegável que ainda percorremos um longo caminho em prol de uma formação de professores integrada, flexível e progressiva. O que nos tem sido apresentado é uma formação de professores que, atravessada pelas mais diferentes questões sociais, econômicas e culturais, apresenta os mesmos dilemas apontados por Pimenta (2002), e que, muitas vezes, fazem com que o professor não compreenda o seu papel no campo educacional.
O papel