O Agir Docente na Educação Profissional: Trabalho e Formação Sob um Olhar Macro e Microlinguageiro
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Sobre este e-book
A fim de contribuir com a formação de professores que atuam na educação profissional é que esta obra foi organizada. Mesmo que sejam apresentadas análises sobre ações docentes que se referem predominantemente à área de linguagens, é importante destacar que elas se realizam no coletivo de trabalho, em um processo de entrelaçamento de saberes docentes e científicos que dialogam com diferentes áreas. Essa compreensão interdisciplinar sobre o ensino está intrinsicamente relacionada com a concepção de formação integral de estudantes, alvo principal de uma instituição que visa à inserção de cidadãos para atuarem no mundo do trabalho.
A presente obra traz também à tona fatos, textos e sentidos que podem auxiliar o(a) leitor(a) a compreender um pouco da história da instituição — que se atrela à história da educação profissional no país — e reconhecer que certos conflitos que estão diante dos docentes desse contexto podem parecer totalmente novos, mas na verdade não o são, pois somente seu invólucro é de inovação, mas sua essência não foi alterada. Assim, olhar para o passado, nesse caso, é evitar que os erros e as angústias já superados voltem à tona e se instalem novamente no coletivo de trabalho, sem a ressignificação efetiva das ações docentes entre todos os atores envolvidos na educação profissional.
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O Agir Docente na Educação Profissional - Sueli Correia Lemes Valezi
Sumário
CAPA
CAPÍTULO 1
O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO
1.1 A BASE EPISTEMOLÓGICA PARA A CONSTRUÇÃO DO ISD
1.2 O DESENVOLVIMENTO HUMANO PELA MEDIAÇÃO DOS INSTRUMENTOS
1.2.1 Instrumentos: artefatos materiais ou simbólicos na mediação formativa
1.2.2 Os gêneros como instrumentos semióticos de mediação
CAPÍTULO 2
O TRABALHO EDUCACIONAL NA perspectiva sociodiscursiva INTERACIONISTA
2.1 TRABALHO: (RE)CONSTRUÇÃO DO HOMEM AO LONGO DA HISTÓRIA DAS INTERAÇÕES SOCIAIS
2.2 OS ESTUDOS DO ISD SOBRE LINGUAGEM E TRABALHO: UM OLHAR MULTIDISCIPLINAR
2.3 O GÊNERO DE ATIVIDADE DOCENTE SOB A PERSPECTIVA DA SEMIOLOGIA DO AGIR
CAPÍTULO 3
AS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO APLICADAS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
3.1 MUDANÇAS TECNOLÓGICAS: NOVOS LETRAMENTOS E NOVOS DESAFIOS AO TRABALHO DOCENTE
3.2 AS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS: (DES)VELANDO ALGUNS NÓS PARA AS AÇÕES DOCENTES
3.3 AVA: SUPORTE PARA OBJETOS DE ENSINO A SEREM DIDATIZADOS
CAPÍTULO 4
PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
4.1 NATUREZA METODOLÓGICA DA PESQUISA
4.2 LÓCUS E SUJEITOS DA PESQUISA
4.3 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DE DADOS
4.3.1 Pesquisa documental
4.3.2 Entrevistas semiestruturadas
4.3.3 Observação participante
4.3.4 Encontro final de confrontação
4.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
4.5 OS TEXTOS DO CORPUS DA PESQUISA
CAPÍTULO 5
O CONTEXTO MACRO E MICROTEXTUAL NA PREFIGURAÇÃO DA ATIVIDADE DOCENTE
5.1 AS TRANSFORMAÇÕES NO IFMT REVELANDO OS PARÂMETROS SÓCIO-HISTÓRICOS MAIS AMPLOS DO CENÁRIO DA PESQUISA
5.2 A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL SEMIOTIZADA PELAS DIRETRIZES CURRICULARES
5.2.1 Os parâmetros das condições de produção das Diretrizes Curriculares
5.2.2 A infraestrutura textual do documento
5.2.3 O conteúdo temático das Diretrizes: alguns recortes revelando práticas ideológicas
5.2.4 Os Cursos Superiores de Tecnologia: um nível educacional em construção
5.3 O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NO CURSO DE SISTEMAS PARA INTERNET
5.4 A DISTRIBUIÇÃO ARQUITETÔNICA DA SALA DE AULA PREFIGURANDO A AÇÃO DOCENTE
CAPÍTULO 6
O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: A SINGULARIDADE DO AGIR E O COLETIVO DE TRABALHO
6.1 A ENTREVISTA: TEXTOS REVELANDO REPRESENTAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
6.1.1 As condições de produção da entrevista
6.1.2 A planificação da entrevista
6.1.3 Os temas emergentes da entrevista: um olhar sobre si, sobre os outros e seu entorno
6.1.3.1 Formação inicial para o agir docente
6.1.3.2 Formação continuada para o agir docente na educação profissional
6.1.3.3 Saberes científicos para a transposição didática dos objetos de ensino
6.1.3.4 Implantação dos cursos de tecnologia e seus conflitos
6.1.3.5 Modelo didático do gênero relatório técnico
6.1.3.6 Formação para o agir mediado pelas ferramentas tecnológicas
CAPÍTULO 7
A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO PELO TRABALHO REALIZADO
7.1 O ENCONTRO FINAL SITUADO FÍSICA E SOCIALMENTE
7.2 O ENCONTRO FINAL: CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS E LINGUÍSTICO-DISCURSIVAS
7.3 A TOMADA DE CONSCIÊNCIA DO REAL DA ATIVIDADE EM UM AGIR LINGUAGEIRO
7.3.1 Os instrumentos semióticos de mediação desencadeadores de conflito e de desenvolvimento
7.3.2 Assobiar e chupar cana
: as NTIC e os desafios para o agir docente
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
SOBRE A AUTORA
SOBRE A OBRA
CONTRACAPA
O agir docente na
educação profissional
trabalho e formação sob um olhar
macro e microlinguageiro
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Sueli Correia Lemes Valezi
O agir docente na
educação profissional
trabalho e formação sob um olhar
macro e microlinguageiro
Aos meus filhos, Suellen e João Marcos, e à minha neta, Bella.
A vocês deixo este precioso legado: conhecimento.
AGRADECIMENTOS
A Deus, sempre e eternamente, por me conceder resiliência, coragem e disposição para a realização de mais um projeto em minha vida e algo tão intensamente sonhado.
À professora doutora Elvira Lopes Nascimento, pela caminhada, no meu doutoramento e em tantos outros especiais momentos, e por participar deste novo projeto ao prefaciar este livro.
À professora-colaboradora e sujeito da pesquisa, por ter me permitido adentrar em seu cotidiano profissional e, pela observação dialógica, revelar tão intensamente seus conflitos na/pela profissão docente e seus anseios por uma educação transformadora.
Ao meu esposo, Marcos, que, por mais de 35 anos, tem caminhado comigo, enfrentado pequenos e grandes desafios, mas também conquistado aprendizagens e vitórias. Hoje somos mais fortes, como 2=1, e sonhamos novos sonhos para a vida sempre valer a pena.
A todos e a todas que certamente caminharam — e ainda caminham — comigo, por tantos e tantos anos, para chegar até aqui: irmãos de sangue e de alma, amigos de profissão e de coração, estudantes e profissionais do ensino.
Gratidão… gratidão… gratidão...! E não são triviais palavras! É o meu profundo sentir e agir por todos que matizam o meu nascer e o meu pôr-do-sol.
O mundo pós-moderno
Tenho o céu
como limite para os meus olhos.
Já a grade da janela
é o obstáculo à visão perfeita.
Para se ter liberdade no olhar,
no alto dos arranha-céus nos encontramos.
Estando neles, as nuvens parecem
o único ser a me contemplar.
O pássaro canta chamando chuva.
A chuva vem e eles se desesperam em felicidade
Os sons são roucos,
e a cidade está embevecida pelo Sol.
De um lado vejo seu despertar,
Do outro ele se fecha em esplendor.
Suores anônimos se evaporam
Formando, descompassadamente,
um só corpo.
Nessas horas não há individualidade,
não há identidade solitária.
Todos correm para um mesmo objetivo,
pois o capitalismo impera sobre os seres.
Não importa o tom de pele,
Não importa o idioma,
e a religião muito menos.
Todos são iguais perante a lei
da ganância e do desespero sôfrego.
É a sobrevivência.
(Sueli Correia Lemes Valezi)
PREFÁCIO
Experiência sem teoria é cega,
mas teoria sem experiência é um mero jogo intelectual.
(Immanuel Kant)
Para escrever o prefácio de um livro que é resultante de longa experiência profissional, aliada à pesquisa e à reflexão sobre as relações existentes entre linguagem-trabalho-ensino, é preciso assumir a premissa inovadora da sua autora, Sueli Correia Lemes Valezi, sobre o ensino como trabalho: ele é dotado de complexas implicações subjetivas e socioculturais que precisam ser estudadas.
Essa premissa justifica minha expectativa de que o livro não só possa contribuir para as reflexões e discussões sobre o trabalho educacional e sobre o papel que a linguagem aí representa, mas também para a construção de um quadro teórico e metodológico de base discursiva que nos auxilie a desvendar o enigma da profissão professor.
Por seu investimento teórico e sua criatividade metodológica, este livro fornece, sem dúvida, uma contribuição substancial ao desenvolvimento das ciências da formação. Entretanto, seu interesse maior está na colocação dessa exigência científica a serviço de uma convicção fundamentalmente social e política: para a necessária melhoria da qualidade e da eficácia das formações é urgente, hoje, (re)valorizar a profissão de professor, e essa (re)valorização requer que sejam conhecidas, compreendidas e clarificadas as questões que estão em jogo, a significação e as condições de realização desse métier particular que é o ensino.
A autora baseia suas reflexões na problemática que envolve o trabalho no contexto de ensino profissional tecnológico. No decorrer de sua carreira profissional, presenciou várias transformações históricas, políticas, econômicas e, consequentemente, educacionais, que provocaram e ainda provocam conflitos entre os profissionais que trabalham em um instituto federal, instituição criada como consequência da vertiginosa expansão da educação profissional.
Nesse contexto singular, a centralidade deste trabalho toma como tema as questões demandadas pela atividade docente no nível superior tecnológico, implantado na instituição como atendimento a uma das exigências impostas dentro das mudanças políticas do governo com a ampliação da Rede Federal de Ensino Profissional no Brasil.
Nesse contexto de dificuldades, a autora visualizou a atividade do docente da educação profissional de nível tecnológico como um campo fecundo de investigação das práticas docentes afinadas com o novo paradigma de ensino de línguas, ou seja, com propostas didáticas filiadas a uma teoria de gêneros que contemple a análise de textos em sua complexa formação macro e microestrutural. Para isso, seguiu uma sistematização que não ficasse apenas na superficialidade arquitetônica dos textos, como muitos manuais didáticos propõem, mas que promova eficazmente uma análise linguística para atender às necessidades de formação dos alunos, especialmente em se tratando do contexto com o qual ela é confrontada como docente.
Indagações emergentes desse contexto surgiram: como é (re)construída a formação do professor para atuar na educação profissional de forma a atender às especificidades exigidas em cada curso? Como (re)construir um agir profissional de modo a acompanhar as práticas linguageiras instrumentalizadas pelas novas tecnologias de informação que fazem parte do cotidiano de vários cursos da instituição? A autora, imersa nesse coletivo de trabalho, discute a atividade do professor, partindo de uma reflexão sobre a necessidade de haver uma mudança nas […] práticas, nas intenções e nas posturas dos docentes
, pensando em uma educação tecnológica reflexiva, questionadora, responsável perante o desenvolvimento social do ser humano
(BAZZO, 2010, p. 13). Ela posiciona-se fortemente na tese de que a mera transmissão de técnicas, em um contexto cujo acesso à informação é fácil e rápido, não é suficiente para a formação do aluno, pois há necessidade do desenvolvimento de capacidades relacionadas ao cognitivismo e à epistemologia.
A autora deparou-se, então, com as primeiras motivações para a sua pesquisa: a busca por bases epistemológicas centrais que o interacionismo sociodiscursivo tem enfrentado na atualidade, relacionadas à amplitude da tarefa a que se propõe, abordadas de dois ângulos pelo seu autor (BRONCKART, 1999): 1. de um lado, apresentar uma teoria sobre o estatuto, os modos de estruturação e as condições de funcionamento da linguagem, na forma como se materializa em suas empirias linguageiras — trabalho da linguística, como ciência geral da linguagem; 2. de outro, considerar que esse foco na linguagem decorre da convicção de que ela é o instrumento fundamental da gnosiologia e da praxiologia especificamente humanas. Da gnosiologia, isto é, a capacidade da nossa espécie de apreender aspectos do universo de onde se originam, de elaborar conhecimentos e de organizá-los em mundos representados. Da praxiologia, isto é, do modo como os membros da espécie humana se situam nesses mundos e neles organizam formas dinâmicas que são suas ações individuais.
Essa base epistemológica articula a pesquisa de Sueli Correia Lemes Valezi ao objetivo fundamental do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999), que é demonstrar o papel da linguagem no conjunto dos aspectos do desenvolvimento humano, e, portanto, seu papel central nas orientações explicitamente dadas para esse desenvolvimento pelas mediações educativas e/ou formativas. Tem-se aí um projeto que vai além da linguística para tornar-se uma ciência integrada do humano
, centrada nas dinâmicas formadoras das práticas sociais linguageiras em que se materializam os gêneros textuais. Nessa perspectiva sociointeracionista da linguagem, a autora apresenta sua abordagem com base em gêneros, em que as compreensões oral e escrita são vistas como práticas sociais linguageiras.
Filiando-se, em termos filosóficos e políticos, na corrente de pensamento hoje conhecida como interacionismo social, o Interacionismo Sociodiscursivo (conhecido no Brasil como ISD) assenta na filosofia monista herdada de Spinoza, na concepção marxista do social, do trabalho e da história e na compreensão vigotskiana da linguagem como determinante no desenvolvimento humano, em termos filogenéticos e ontogenéticos. Para esse ponto de vista, é decisiva a tese central de Vygotsky (1987) [1934]: é a apropriação da linguagem que viabiliza o salto qualitativo, do desenvolvimento biológico para o sócio-histórico, que caracteriza a espécie humana.
O interacionismo sociodiscursivo, que se deve a Jean-Paul Bronckart (1999) e em que trabalham hoje equipes de investigação em diferentes países (pioneiramente Suíça, Espanha, Brasil, Argentina, Portugal), propõe-se levar adiante a compreensão da centralidade da linguagem na especificidade do ser humano e nas diferentes etapas do seu desenvolvimento.
Os gêneros de textos, tidos como […] um primeiro sistema da língua, em estreita relação com as redes de atividades humanas e com a sua organização social
(BRONCKART, 1999, p. 79), estão presentes em todas as esferas sociais, por isso não é possível mensurar a quantidade de texto escritos e orais existentes na sociedade. Em relação à produção textual, a qual acontece de forma processual, as diferentes formas de agir são trabalhadas por meio de um projeto de classe.
Em síntese, Sueli Correia Lemes Valezi deseja compreender o agir humano que se (re)configura nos textos, ao mesmo tempo, integrando a busca de compreensão do funcionamento dos diferentes níveis da textualidade e de suas relações com o contexto, com os gêneros de textos e com o desenvolvimento humano. A partir desse foco, ela elabora materiais didáticos e avalia suas próprias experiências didáticas para as quais elegeu a Plataforma Moodle, como suporte repositório para mediar os dispositivos, e as ações de sala de aula virtual, no contexto da pesquisa-ação em que implementou sequências de atividades didáticas que elegeram gêneros de texto como objeto de ensino e aprendizagem.
Trata-se de um trabalho notável, portanto, que tive a honra e o prazer de orientar. Estou convicta de que o estilo austero da argumentação científica consegue aflorar a profundidade das reflexões da autora sobre a sua própria experiência.
Não duvido que esse prazer de leitura será compartilhado por todos aqueles que vão mergulhar nesta obra.
Elvira Lopes Nascimento
Docente do Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina
Londrina, 16 de janeiro de 2023.
REFERÊNCIAS
BAZZO, Walter Antonio. Ciência, Tecnologia e Sociedade: e o contexto da educação tecnológica. 2. ed. rev. e atual. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2010.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. 2. ed. Trad. Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: EDUC. 1999.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1987 (1934).
APRESENTAÇÃO
[…] a língua penetra na vida através de enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua.
(Bakhtin, 2000, p. 282)
Ser professora da educação profissional tem sido um grande desafio desde quando ingressei nela em 1997. Na arena de conflitos que perpassaram minha caminhada, tenho a certeza de que minha aprendizagem se desenvolveu intensamente. Mesmo que, nos palcos da minha ação docente, tenha colhido muitos aplausos, nos bastidores foi preciso muito preparo, criação e suor, especialmente porque vivi grandes transformações sociais e institucionais.
A Rede Federal de Educação Profissional no Brasil, desde sua implantação em 1909, constantemente tenta se reinventar
, com isso surgem novos cursos e nova estrutura organizacional. Uma das reinvenções
foi a implantação do nível superior — formação de tecnólogos —, ocorrida quando a antiga Escola Técnica Federal de Mato Grosso (ETF)
se tornou Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet)
. Hoje somos institutos federais, que também ofertam bacharelados e licenciaturas.
Assim, nós, professores, habituados com o agir docente nos cursos de nível médio — formação geral ou formação integrada ao ensino técnico —, fomos impelidos a atuar no novo nível de ensino sem termos recebido capacitação para isso. Essa ausência de formação para novas reorganizações curriculares e institucionais sempre produziu embates que revelam que desconstruir e reconstruir saberes é processual e longo. É preciso entender que não podemos aprender a pilotar em pleno voo
.
Assim, a atividade docente, na educação profissional de nível tecnológico, tornou-se para mim um campo bastante fecundo para uma investigação sistematizada. Propus-me então a desenvolver uma pesquisa — parcialmente apresentada nesta obra — a fim de colaborar com a formação de professores para atuar não apenas nos cursos desse nível de ensino, mas também nos demais oferecidos pela instituição. Isso significa investir na (re)construção de modelos de agir para os que já estavam atuando e, por extensão, para aqueles que ainda ingressariam nele.
Mesmo que os dados e resultados aqui revelados se refiram predominantemente à área de linguagens, é preciso compreender que a atividade docente não se realiza de forma isolada, mas no coletivo de trabalho, em um processo de entrelaçamento de ações didáticas e saberes docentes de diferentes áreas do conhecimento. O trabalho nunca é isolado — nem pode ser —, especialmente em se tratando de uma instituição que visa a uma formação de estudantes de forma integrada para atuarem no mundo do trabalho.
O diálogo entre diferentes áreas científicas e tecnológicas se realiza nos diferentes agires linguageiros na prática educativa, como em encontros de formação, de ações interdisciplinares e/ou informais, ou ainda em conflitos de trabalhos cotidianos. É nesses momentos que os agentes-professores desenvolvem novas capacidades para seu agir em sala de aula. Assim, os resultados de uma investigação em torno do agir do professor de Língua Portuguesa da educação profissional tecnológica contribuem para o desenvolvimento de ações em favor da melhoria de todo o coletivo de trabalho — do micro estende-se ao macrossocial.
Para o recorte da tese defendida, em 2014, ora apresentado, abordo resultados que dialogam com as seguintes questões de pesquisa: i. como estão construídas as representações sobre o agir do docente da educação profissional tecnológica nos textos que prescrevem o trabalho do professor pelas instâncias nacionais e locais?; 2. Do ponto de vista das dimensões psicológicas, o que revelam as representações de um indivíduo singular em relação ao seu agir e quais são suas implicações no coletivo de trabalho e na formação docente para o trabalho na educação profissional tecnológica?
Ao tentar responder a essas questões, busco contribuir para o desenvolvimento da formação do docente da educação profissional, especialmente porque novas
coerções de instâncias superiores voltam a pressionar a instituição para implantar mudanças que parecem ser inovadoras, mas que, no final do ato, revelam-se mais um recrudescimento do trabalho docente. Comumente o caráter de urgência do processo não permite que se invistam em eventos de formação para que o docente internalize saberes e compreenda o que, como e para que fazer as mudanças.
O agir docente de forma singular aqui apresentado também traz à tona fatos —pelos textos analisados — que podem auxiliar o(a) leitor(a) a compreender um pouco da história da instituição — que se atrela à história da educação profissional no país — e refletir que os conflitos que se agigantam diante de nós hoje como docentes desse contexto não são totalmente novos. Eles, na verdade, insistem em se manter vivos e atuantes. Olhar para o passado, nesse caso, é não repetir os mesmos erros e isso, sem dúvidas, é promover o desenvolvimento humano.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPÍTULO 1
O interacionismo sOciodiscursivo
[…] a palavra primitiva não é um símbolo direto de um conceito, mas sim uma imagem, uma figura, um esboço mental de um conceito, um breve relato dele – na verdade, uma pequena obra de arte.
(Vigotski, 2008, p. 93)
O ISD aceita todos os princípios fundadores do interacionismo social […], não é uma corrente propriamente linguística, nem uma corrente psicológica ou sociológica; ele quer ser visto como uma corrente da ciência do humano.
(BRONCKART, 2006, p. 10)
Este capítulo reserva-se ao registro das balizas epistemológicas gerais que nortearam o desenvolvimento da pesquisa, como os pressupostos vinculados ao interacionismo sociodiscursivo (ISD) e conceitos de autores que contribuíram com o arcabouço teórico-metodológico dessa vertente de estudos sobre linguagem, textos, gêneros e discursos e sua aplicabilidade didática em torno do ensino de línguas. Entre os autores filiados ao ISD, destaca-se Bronckart (1999, 2006, 2008), que entende a linguagem como instrumento propiciador do desenvolvimento humano, inaugurando sua engenharia de análise textual na obra Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismo sociodiscursivo.
Na construção do seu arcabouço teórico, o ISD dialoga especialmente com autores como Vigotski (2007, 2008) e seus conceitos sobre desenvolvimento humano, mediação e instrumento psicológico. Os autores do ISD discutem também as obras dos filósofos Marx e Engels, como O Capital, Thèses sur Feuerbach, Dialectiquede la nature e outras (BRONCKART, 1999) para fazer referências ao tema materialismo histórico. Ainda temos Rabardel (1999), com suas concepções sobre artefatos e gênese instrumental que subsidiam a compreensão do desenvolvimento humano pela mediação das ferramentas materiais e simbólicas. Complementando essa concepção de instrumentos, são introduzidos os conceitos de gêneros com contribuições de Bakhtin (2000), Bakhtin e Volochinov (2002), Marcuschi (2002), Rojo (2008), Fairclough (2001) e Schneuwly (2004).
1.1 A BASE EPISTEMOLÓGICA PARA A CONSTRUÇÃO DO ISD
O ISD faz uma releitura de várias correntes filosóficas e linguísticas para delinear seu arcabouço teórico-metodológico. Partindo de bases teóricas filiadas a várias vertentes disciplinares das ciências humanas e sociais, mais especificamente a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia e a Linguística, Bronckart (1999) fundamenta sua proposta teórico-metodológica para subsidiar os estudos sobre textos/discursos, os estudos relacionados à didática das línguas e, mais recentemente, os estudos que envolvem a linguagem e trabalho (BRONCKART, 2008, 2009). Conforme assevera o autor,