A Modulação de Efeitos Temporais na Jurisdição Constitucional:: Pressupostos, Técnica e Aplicação no Controle Concentrado
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A Modulação de Efeitos Temporais na Jurisdição Constitucional: - Thomaz Ahrends Torelly Bastos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO DIREITO E CONSTITUIÇÃO
À minha mãe, por todo amor, consideração e incentivo a mim dispensados.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço especialmente à minha mãe, que, desde exemplo incontestável de servidora pública até incentivadora incansável do meu aperfeiçoamento profissional e pessoal, soube, como poucas, com dedicação e carinho tenro, transmitir a seu filho o legado dos valores para formação do bom homem. A ti, devo tudo que sou.
Também, agradeço a meu pai, tanto pelo exemplo de tenacidade na batalha da vida, pelo incentivo à investigação histórica, como pelas reflexões sobre a importância da formação como condição para construção sólida do ser humano.
Agradeço a todos os meus avós, em especial meu avô materno, por despertar em mim, ainda que de forma lúdica, o apreço pela curiosidade às coisas do mundo.
Agradeço à minha tia, Elizabeth Bastos Duarte, por emprestar carinhosamente seu brilhantismo linguístico para maturação e finalização do texto da presente investigação científica.
Agradeço à minha namorada, Eduarda Ardenghi Gonçalves, pelo amor, traduzido no apoio e na compreensão nos momentos de exaustão e dificuldade para manutenção do equilíbrio na atenção às diferentes perspectivas da vida.
Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação da UFRGS com os quais tive o privilégio do contato, em especial, ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Dieder Reverbel, pelo voto de confiança a mim depositado, pelas valiosas reflexões colhidas nas aulas, bem como pelo exemplo de devoção e dedicação acadêmica ao estudo dos temas estruturais mais nobres do Estado.
Agradeço a meu padrasto, Luiz Felipe Silveira, por cativar em mim a motivação emocional para seguir em frente, bem como por ter dedicado atenção especial à minha mãe nos momentos em que, por obrigações inconciliáveis, não pude me fazer presente.
Agradeço a meus amigos, especialmente os mais próximos e de longa data, que mesmo premidos pela intensificação massiva das atividades profissionais, inerente à fase de vida, fomentam constantemente o encontro para alimentar a alegria de viver, sempre transmitindo palavras de motivação e otimismo para novas conquistas.
Por fim, agradeço a Deus por sempre abençoar o caminho a ser traçado e nos confortar nos momentos de ansiedade, cansaço e luta em busca de uma vida melhor.
Convenons donc que force ne fait pas droit et qu’on n’est obligé d’obéir qu’aux puissances légitimes. Ainsi ma question primitive revient toujurs.
(J.J. ROUSSEAU, Du contrat social (1782), I, 3)¹.
PREFÁCIO
Os velhos tratadistas, desde os clássicos norte-americanos, jamais compreenderam o controle abstrato de normas perante os Tribunais Constitucionais. Nessa hipótese, o processo pode ser deflagrado sem partes litigantes (A versus pretensão resistida de B). As Leis n.º 9.868/99 e n.º 9.882/99 bem exemplificam essa afirmação. Estaria o dispositivo legal ferindo o princípio da separação dos poderes, ou outra norma constitucional, in abstrato. O cotejo da Lei com a Constituição, sem partes diretamente envolvidas, mas que os efeitos dessa decisão geram consequências para as partes sequer envolvidas nesse processo.
Jamais os juristas do século XIX e do início do século XX pensavam em tal instituto. Declarada a inconstitucionalidade de uma lei, no passado, dava-se a preferência (acordo de cavalheiros) para o Senado Federal suspender a eficácia da norma, nos moldes do que ainda hoje vem expresso no artigo 52, inciso X da CRFB/88. Das decisões em recurso extraordinário, com a repercussão geral e com a, hoje em moda, técnica dos precedentes, tal suspensão entrou em desuso, sem contar que o controle principal, por via de ação direta, já retira a eficácia da norma, com efeitos erga omnes.
O trabalho que ora vem a público trata exatamente desses temas, com uma peculiaridade: aprofundam-se os efeitos pro futuro
das decisões de declaração de inconstitucionalidade, previstas nas Leis n.º 9.868/99 e n.º 9.882/99. A lei não existe, perde eficácia e validade, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) faz de conta que ela existe, até um tempo futuro determinado, para que o Executivo possa ajustar o orçamento, para que o Legislativo possa pensar numa saída, ou que o orçamento seja reajustado, arrastando-se recursos e dividendos de uma pasta a outra.
Inusitado e digno de nota é que o ATO INCONSTITUCIONAL é nulo ipso facto, desde o seu nascimento (Marshall e Rui Barbosa); natimorto, sendo nulo e írrito (no bom português de Rui Barbosa), desde o momento em que nasceu. Tal qual o ourives (na brilhante analogia de Paulo Brossard), que atesta a origem do anel, o STF é o que atesta a constitucionalidade da lei. Não sendo de ouro o anel analisado, não o é desde que foi feito. Não sendo constitucional a norma, não é lei desde que foi promulgada. Por isso a decisão de inconstitucionalidade é declaratória, retirando a vigência, a validade e a eficácia da norma, com efeitos ex tunc.
A doutrina moderna – desde Kelsen, na Áustria, e Leitão de Abreu, no Brasil – passou a aplicar a eficácia constitutiva negativa da inconstitucionalidade da lei. Ou seja, a lei é inconstitucional desde a sua decisão definitiva. Gerou efeitos até cessá-los, criou obrigação, mas de agora (ex nunc) em diante não gera mais, era válida, não sendo mais, foi eficaz, perdendo essa eficácia com a decisão transitada em julgado do STF.
A originalidade do trabalho está em examinar, à exaustão, os casos de controle de constitucionalidade com efeitos pro futuro. Admiro o trabalho do colega, aprendi muito com a sua dissertação, indico para leitura a importante obra. Bem escrito, didático e profundo no conteúdo, tornando-se, quem sabe, o primeiro livro a se debruçar sobre os efeitos pro futuro das decisões do STF no controle de constitucionalidade das leis.
Porto Alegre, 28 de janeiro de 2020.
Carlos Eduardo Dieder Reverbel
Professor de Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
APRESENTAÇÃO
A partir da identificação da ainda escassa doutrina jurídica nacional específica sobre o problemático tema da modulação de efeitos temporais no controle de constitucionalidade, viu-se a oportunidade para propor a pesquisa compilada na presente obra.
Ocorre que, a bem da verdade, a modulação de efeitos temporais no controle de constitucionalidade é apenas o desdobramento prático final do exercício de verificação constitucional tomado na Jurisdição Constitucional, havendo noções fundamentais que precedem a discussão e outras que são vetores centrais da própria técnica de aplicação. Diante de tal cenário, tornou-se imperativo e intuitivo aplicar ao tema o método tridimensional, o qual ainda se apresenta como o mais abrangente e adequado para exposição e compreensão de todos os aspectos necessariamente envolvidos na questão central, conforme será visto ao longo da obra.
Daí deflui que, antes de mais nada, o pressuposto essencial para debutar o tema é revisar, ainda que sucintamente, a construção lenta e gradual do Estado Moderno, que deságua, para nós, na morfologia política da hexapartição de poderes. Desenhada a arquitetura política do Estado, em seguida, tornou-se fundamental concentrar atenção à justificação do controle de constitucionalidade na Jurisdição Constitucional, resumida na síntese de tutela de valores últimos do Estado. Após, fez-se necessário aportar como se deu o método de proteção desses valores fundamentais no mundo, exsurgindo disso o antagonismo de dois modelos clássicos para exercício do controle de constitucionalidade, sendo um de vertente norte-americana e outro radicado na Europa continental.
Feitas essas anotações, que se constituem em pressupostos básicos, enfim se chega à técnica de modulação de efeitos temporais no controle de constitucionalidade, que, no país, além das questões de ordem prática envolvidas, foi estatuída com status legal e critérios valorativos que apresentam algum deficit de precisão conceitual, trazendo, nos aspectos materiais, receios quanto à sua correta e adequada aplicação, quais sejam: a segurança jurídica e o excepcional interesse social.
Com o exaurimento da parte teórica importante para compreensão integral da problemática posta em debate e para fins de verificação empírica, elegeu-se, então, o exame, de forma catalogada, de todos os casos já decididos pelo Supremo Tribunal Federal em que a Corte aplicou o tipo de modulação pro futuro, ou seja, ao mesmo tempo em que reconheceu, no mérito, a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, entendeu por bem, com base nos critérios legais dispostos, garantir a higidez temporária da norma inconstitucional com o precípuo objetivo de evitar ainda maior instabilidade constitucional, proporcionando um retorno seguro e racional para o estado de constitucionalidade.
Dito isso, tem-se a convicção acerca da pertinência do tema abordado e seu interesse para a sociedade brasileira, em especial, os operadores do Direito, o que justifica a investigação doutrinária debatida na presente obra. Com a certeza de alguma forma colaborar com o meio jurídico doutrinário, deseja-se desde logo uma excelente leitura e reflexão aos interessados.
Thomaz Ahrends
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
1
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 21
2
NOÇÕES PRELIMINARES: OS PRESSUPOSTOS 25
2.1 Uma síntese da morfologia política moderna do estado 25
2.2 Controle de constitucionalidade: a tutela de valores últimos 35
2.3 Sobre o modelo de estrutura cumulada-descentralizada-monista 39
2.4 Sobre o modelo de estrutura separada-centralizada-dualista 46
3
A MODULAÇÃO DE EFEITOS TEMPORAIS: A TÉCNICA 53
3.1 A problemática da modulação de efeitos temporais: entre politicidade e
constitucionalidade 53
3.2 Determinação de efeitos: critérios valorativos para aplicação 62
3.3 A segurança jurídica 70
3.4 O excepcional interesse social 80
4
DOS CASOS CONCRETOS: A APLICAÇÃO DA MODULAÇÃO PRO FUTURO NO CONTROLE CONCENTRADO 87
4.1 Concurso público e recursos humanos da administração pública 87
4.1.1 ADI 3430/ES 88
4.1.1.1 Do resumo do processo 88
4.1.1.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 89
4.1.2 ADI 3609/AC 91
4.1.2.1 Do resumo do processo 91
4.1.2.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 92
4.1.3 ADI 3819/MG 94
4.1.3.1 Do resumo do processo 94
4.1.3.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 95
4.1.4 ADI 4876/MG 98
4.1.4.1 Do resumo do processo 98
4.1.4.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 99
4.1.5 ADI 4125/TO 103
4.1.5.1 Do resumo do processo 103
4.1.5.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 104
4.1.6 ADI 1241/RN 107
4.1.6.1 Do resumo do processo 107
4.1.6.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 108
4.1.7 ADI 3415/AM 109
4.1.7.1 Do resumo do processo 109
4.1.7.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 110
4.2 Advocacia, tutela de direitos em juízo e assistência judiciária 114
4.2.1 ADI 4270/SC 114
4.2.1.1 Do resumo do processo 114
4.2.1.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 115
4.2.2 ADI 3022/RS 118
4.2.2.1. Do resumo do processo 118
4.2.2.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 120
4.3 Finanças públicas e previdência 122
4.3.1 ADI 3628/AP 122
4.3.1.1 Do resumo do processo 122
4.3.1.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 123
4.3.2 ADI 4425/DF 128
4.3.2.1 Do resumo do processo 128
4.3.2.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 130
4.3.3 ADI 4171/DF 136
4.3.3.1 Do resumo do processo 136
4.3.3.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 137
4.4 O pacto federativo, competências legislativas e fundos 141
4.4.1 ADI 1842/RJ 141
4.4.1.1 Do resumo do processo 141
4.4.1.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 142
4.4.2 ADI 3458/GO 145
4.4.2.1 Do resumo do processo 145
4.4.2.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 147
4.4.3 ADI 2240/BA 150
4.4.3.1 Do resumo do processo 150
4.4.3.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 151
4.4.4 ADI 429/CE 156
4.4.4.1 Do resumo do processo 156
4.4.4.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 157
4.4.5 ADI 3666/DF 158
4.4.5.1 Do resumo do processo 158
4.4.5.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 159
4.4.6 ADI 875/DF (ADIs apensadas n.º 1.987/DF, 2.727/DF e 3.243/DF) 161
4.4.6.1 Do resumo do processo 161
4.4.6.2 Das razões da inconstitucionalidade e a modulação pro futuro 163
5
APONTAMENTOS FINAIS 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 171
ÍNDICE REMISSIVO 201
1
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A atual conjuntura da universalidade do fenômeno jurídico² no Estado Democrático de Direito investe cada vez mais esforços no prestígio conferido às matérias de status constitucional e à essencialidade da Constituição e de sua defesa, o que, por si só, motiva a consideração a razões, tanto de caráter jurídico como até mesmo extrajurídico, para o empreendimento da presente investigação.
É truísmo afirmar que o controle de constitucionalidade³, ao lado dos direitos fundamentais e da organização político-institucional dos poderes, é um dos temas mais caros aos fins últimos do Estado. Se a forte influência do dogma da preponderância do Parlamento no curso do processo de especialização dos órgãos políticos e desconcentração do poder precedeu o exercício da jurisdição ordinária e da Jurisdição Constitucional, haveria de chegar o momento em que o problema da fiscalização de eventuais abusos legislativos
teria de se apresentar⁴. Mais cedo ou mais tarde, os aplicadores das leis confrontar-se-iam com o fundamental – mas já vetusto – dilema: ou a Constituição é o documento supremo de um Estado e todas as normas desconformes com ela devem ser expurgadas da ordem jurídica, ou se afasta a própria Constituição por prestígio às leis e à soberania do Parlamento. Trata-se, objetivamente, das causas fundantes do núcleo essencial do Estado Democrático de Direito. Ao menos em grande parte do mundo ocidental, escolheu-se a primeira opção.
A relevância jurídica do poder de rechaço da lei no âmbito do Direito Constitucional prescinde de justificação: uma vez que o sistema jurídico constitui-se como um conjunto de normas hierarquizadas, em cujo ápice está assentada a Constituição da República⁵, todas as leis e os atos praticados pelo Estado em qualquer de seus âmbitos e poderes (art. 2º da CF) devem guardar harmonia (formal ou material) com o disposto no texto constitucional. Mais do que isso: leciona o constitucionalismo que, na perspectiva político-histórica – a partir da concepção da necessidade de racionalização da vida em sociedade trazida pelo liberalismo clássico do século XVIII, enquanto estatuto jurídico político –, a Constituição, em última análise, tutela o primado do Direito. E, como é bem destacado pelo Min. Luís Roberto Barroso⁶, a existência do controle de constitucionalidade em um Estado Democrático de Direito pressupõe, inegavelmente, dois fatores: a supremacia da Constituição e a rigidez do texto constitucional.
O Brasil, assim como outros países⁷, ao fusionar em mesmo órgão as funções de controle das leis e de sua aplicação, faz do controle de constitucionalidade um problema e, por isso, encontra dificuldades de boa operacionalização⁸. A coexistência, de um lado, da matriz importada do modelo cumulado-descentralizado-monista, que é a regra do direito brasileiro do dogma da nulidade, oriundo do excepcionalismo norte-americano⁹, internalizado especialmente por Rui Barbosa e positivado no sistema brasileiro desde a Constituição de 1891; e, de outro lado, do modelo separado-centralizado-dualista da Europa continental, instituidor de órgão exclusivo, o Tribunal Constitucional (Emenda Constitucional de 07 de dezembro de 1929 à Constituição Austríaca de 1920), e influenciado pela Teoria Pura do Direito do mestre atemporal da escola jurídica de Viena, Hans Kelsen; leva, como será evidenciado na sequência, a um estado de verdadeira crise, traduzida pela insegurança jurídica e pela constante perturbação da ordem social, econômica e política¹⁰.
A presente investigação científica tem, pois, três clivagens em perspectiva. Em um primeiro momento, parte-se das noções pressupostas estruturais sem as quais não se pode renunciar; refere-se à compreensão adequada da morfologia contemporânea do Estado e do inventário da consolidação do marco do estudo dos matizes de cada um dos modelos de controle de constitucionalidade existentes no mundo (o modelo cumulado-descentralizado-monista e o modelo separado-centralizado-dualista)¹¹. Em seguida, analisa-se a técnica da modulação de efeitos temporais na realidade da Jurisdição Constitucional brasileira, desde sua natureza até seus referenciais teóricos e critérios de aplicação prática. Ao final, sob o viés empírico, selecionou-se, para fins de registro e compilação, todos os casos julgados no Brasil com atribuição de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade exclusivamente pro futuro.
Tem-se a convicção acerca da pertinência do tema abordado e seu interesse para a sociedade brasileira, em especial aos operadores do Direito, o que justifica a presente obra, que, a partir da tridimensionalidade supra, debate um dos temas mais caros ao Estado e, em especial, à Jurisdição Constitucional.
2
NOÇÕES PRELIMINARES: OS PRESSUPOSTOS
Para os fins da presente obra, antes de mais nada, não há como trazer o tema a lume sem se partir de alguns pressupostos inafastáveis, que se constituem como justificação da correta visão da alocação da Jurisdição Constitucional na morfologia política do Estado. Efetivamente, em ordem de importância, esse é o pressuposto estrutural primeiro sem o qual a correta compreensão acerca do tema ora investigado fica prejudicada. Uma síntese é suficiente para iniciar o projeto de exame da modulação de efeitos temporais no controle concentrado de constitucionalidade. Registre-se, finalmente, que, apesar de o tema da separação dos fins e funções do Estado não ser objeto central do trabalho, sua planificação adequada colabora para correta compreensão do fenômeno do controle de constitucionalidade.
2.1 Uma síntese da morfologia política moderna do estado
A racionalidade moderna do estudo da Teoria Geral do Estado, da Ciência Política e do próprio Direito Constitucional identifica, para fins de justificação polissêmica de atingimento do bem comum mediante a estabilidade do Direito Público, clara e adequada morfologia política do Estado, a ser constituída a partir da separação dos fins e das funções do Estado¹², partindo-se da predeterminação holística de que a cada fim é entregue ao menos uma função, e cada função é exercida por um poder político do Estado¹³.
Alicerçada no lento e gradual processo de desenvolvimento da humanidade, essa compreensão moderna verticaliza em níveis tais fins e funções do Estado em um sistema bifronte, seccionando o campo da política do campo jurídico do Estado, conforme testemunha o processo histórico que, resumidamente, ora se passa a deduzir.
A partir da crise do Reino Medieval Feudal, descentralizado politicamente, essencialmente estamental e com sistema agrário fechado, debutou o Estado Ocidental¹⁴ e, com ele, o início da separação entre a esfera autônoma pública e as relações entabuladas de natureza eminentemente privada¹⁵ com vistas à superação da onipresença do caos. O sucesso da unificação nacional no continente europeu tem resposta no apoio fundamental da nobreza e da burguesia, bem como, em alguns casos, até mesmo da Igreja. Viu-se, assim, a consolidação do soberano, politicamente concentrado e exageradamente hipertrofiado, com justificação teórica tanto no poder divino¹⁶ como na imprescindibilidade de expurgar a violência multifacetada do Estado de Natureza¹⁷.
Tal modelo concentrado do Estado Nacional Moderno, alçado ao seu apogeu no Ancien Régime, reconfigurou, calcado na soberania da Coroa e idealizado teoricamente pela concepção bodiniana (1530-1596)¹⁸,