Direito Empresarial na ótica de uma Fundação
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Direito Empresarial na ótica de uma Fundação - Ana Paula de Albuquerque Grillo
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Reitora: Anna Maria Marques Cintra
EDITORA DA PUC-SP
Direção: Miguel Wady Chaia
Conselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (Presidente)
José Rodolpho Perazzolo
Ladislau Dowbor
Karen Ambra
Lucia Maria Machado Bógus
Mary Jane Paris Spink
Matthias Grenzer
Miguel Wady Chaia
Norval Baitello Junior
Oswaldo Henrique Duek Marques
Ana Paula de Albuquerque Grillo
José Rodolpho Perazzolo
Thaís Cíntia Cárnio
(organizadores)
Direito Empresarial
na ótica de uma Fundação
São Paulo
© Ana Paula de Albuquerque Grillo e outros. Foi feito o depósito legal.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Direito Empresarial na ótica de uma Fundação [recurso eletrônico] / orgs. Ana Paula de Albuquerque Grillo, José Rodolpho Perazzolo, Thaís Cíntia Cárnio. - São Paulo : EDUC, 2016.
1. Recurso on-line: ePub
Disponível no formato impresso: Direito Empresarial na ótica de uma Fundação / orgs. Ana Paula de Albuquerque Grillo, José Rodolpho Perazzolo, Thaís Cíntia Cárnio. - São Paulo : EDUC, 2016. ISBN 978-85-283-0526-5
disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas
Acesso restrito: http://pucsp.br/educ
ISBN 978-85-283-0562-3
1. Direito Empresarial - Brasil. 2. Associações sem fins lucrativos - Brasil. 3. Fundações - Brasil. I. Grillo, Ana Paula de Albuquerque. II. Perazzolo, José Rodolpho. III. Cárnio, Thaís Cíntia.
CDD 346.81064
346.81066
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Miguel Wady Chaia
Produção Editorial
Sonia Montone
Preparação e Revisão
Siméia Mello
Editoração Eletrônica
Gabriel Moraes
Waldir Alves
Capa
Equipe Educ
Obra de Luis Fernando Zulietti, da série de gravuras Etnografias Kalapalo, doada à Fundação São Paulo/PUC-SP
Administração e Vendas
Ronaldo Decicino
Produção do ebook
Waldir Alves
Rua Monte Alegre, 984 – sala S16
CEP 05014-901 – São Paulo – SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558
E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ
Apresentação
O quotidiano dos operadores de Direito costuma apresentar-se repleto de urgências a serem atendidas, consultas complexas a serem respondidas e problemas a serem evitados. Envoltos nesse emaranhado, por vezes o aprofundamento do estudo das matérias afetas à área de atuação torna-se um processo de difícil execução para os profissionais da área.
Justamente por isso, merece efusivos cumprimentos a gestão de conhecimento da Fundação São Paulo. Ela organizou um programa único de treinamento e aprimoramento da sua equipe jurídica, elevando o domínio temático sobre o Direito Fundacional a níveis excepcionais, culminando com a feitura deste livro.
Aqui o Direito Empresarial é abordado a partir da atuação de uma Fundação, dos seus desafios cotidianos, da sua especificidade, numa leitura transversal dos grandes temas do Direito de Empresa. Ousaríamos dizer que esta é uma experiência única no universo editorial jurídico brasileiro. Com certeza, estudiosos e operadores fundacionais encontrarão aqui reflexões enriquecedoras.
A presente obra apresenta o resultado de pesquisa aprofundada e bem estruturada de seus participantes. Os temas desenvolvem-se abrangendo desde aspectos bastante específicos, como a gestão fundacional, como tópicos multidisciplinares, que alcançam a relação das Fundações com o Direito do Trabalho, Direito Tributário, Direito Civil, dentre outros ramos dessa ciência, demonstrando a versatilidade de seus autores e o domínio que detêm sobre a matéria.
Outro ponto de convergência de todos os capítulos é a alta qualidade dos escritos, sempre voltados à efetividade prática e pertinência da questão analisada para o quotidiano das atividades desenvolvidas por essas importantíssimas entidades, que tão relevante papel desempenham na vida social.
Enfim, a todos os autores, congratulações pela excelência do trabalho desenvolvido. Aos leitores, bom uso da obra!
Ana Paula de Albuquerque Grillo
José Rodolpho Perazzolo
Thaís Cíntia Cárnio
organizadores
Sumário
Apresentação
Gestão fundacional:atualidade e responsabilidade
José Rodolpho Perazzolo
Mantenedora e mantida em instituições de ensino superior: sustentabilidade financeira versus excelência acadêmica
Andreza Carvalho Moreira
As contribuições das entidades sem fins lucrativos na consecução de políticas públicas efetuadas em parceria com o governo e os instrumentos de repasse de recurso público
Marli Galdino
Um estudo da lei n. 12.846/2013 e o seu impacto na governança corporativa: críticas e desafios
Ana Paula Cerqueira Maciel
Da qualificação das pessoas jurídicas privadas como organização social
Tânia Cristina Benatto Fernandes
A inovação como propulsora da sustentabilidade econômico-financeira de Fundações Privadas e ICTS
Ana Amélia de Andrade Ribeiro Nogueira
A terceirização na Fundação Privada
Claudia Miamoto Sassaki
As entidades sem fins lucrativos e os aprendizes
Renata Djehizian Mazzini
A contratação de trabalho voluntário: o trabalho voluntário desenvolvido na Fundação São Paulo
Christiane Salomão dos Santos
A imunidade contributiva de Fundação Privada de Educação, Beneficente de Assistência Social – uma análise sobre a contribuição ao Programa de Integração Social – PIS
Patrícia Neves Franco
Fundações Privadas de Ensino e o IOF valores mobiliários
Thaís Cíntia Cárnio
Tuca: patrimônio, memória e educação.O tombamento como instrumento legal de preservação em favor da educação
Ana Paula de Albuquerque Grillo
Relação de consumo em hospitais de ensino privados: a questão da sobrevivência sob a ótica do hospital
Claudio Aparecido Cosmos
Gestão fundacional:atualidade e responsabilidade
José Rodolpho Perazzolo
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As Fundações atuam entre nós nas mais diversas e nobres áreas do saber, da saúde, da educação, das artes e da assistência social. Privadas ou públicas, elas desenvolvem suas atividades, na maioria das vezes, em substituição ao Estado, que não consegue suprir as demandas sociais, ou em estreita parceria com o poder público. No Brasil e demais países, elas contam com o respeito e a simpatia dos cidadãos, quer pelas funções, quer pela seriedade da sua gestão. Esse papel protagonista das Fundações se destaca, de tal forma, neste início de século, que a União Europeia já pensa em criar um normativo comunitário para regulá-las, existindo ali uma instância para reuni-las.
Os Estados Unidos da América do Norte concentram o maior número de Fundações e as mais fortes no sentido patrimonial, também as incentivam e as fazem crescer ainda mais. Num capitalismo em plena transformação, elas se tornam instrumento de socialização da cultura e da segurança social.
A atualidade do tema é evidente, pois gerir uma Fundação é administrar um patrimônio de interesse social e mantê-la atuante é garantir a expectativa do grupo social. A doutrina pátria vem se interessando pelo tema do Direito Fundacional, haja vista as recentes publicações, bem como encontros e congressos sobre o tema. Há associações de Fundações que vêm se organizando e se transformando em fóruns de debates das questões próprias que lhes interessa.
De modo geral, podemos considerar essas iniciativas como primeiros passos para o aprofundamento desse tema. Os operadores do Direito têm se deparado com os entes fundacionais e devem conhecer suas características próprias e especificidades, pois tratá-las como se tratam as sociedades comerciais é um erro, uma injustiça.
Alguns doutrinadores começam a se destacar como estudiosos desse tema, dentre eles, podemos mencionar: Rafael, Graziolli, Saad Diniz, Sabo Paes, além da não menos renomada Maria Helena Diniz que, em 2007, realizou uma monografia sobre o tema. No Direito português, destacam-se, nos escritos mais atuais, Garcia (2009) e Casal Baptista (2006), que compôs a Comissão Nacional de Portugal para tratar das questões fundacionais.
Este artigo visa a colaborar com o debate sobre o tema, tendo como ponto de partida a prática da gestão fundacional privada, que já soma uma década. Este trabalho se organiza da seguinte forma: na primeira parte, apresentamos e discutimos o ente fundacional, sua origem, suas características e sua atualidade. Na segunda parte, focamos a Fundação Privada e sua atuação no cenário econômico.
Na terceira parte, apresentamos os princípios fundamentais da gestão fundacional, destacando também o velamento do Ministério Público, seu fundamento, extensão e a responsabilidade diferenciada do gestor fundacional. Na quarta parte, relatamos uma experiência concreta de gestão fundacional na busca da eficiência e da sustentabilidade com responsabilidade. Por fim, apresentamos as considerações finais.
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, o que pretendemos é torná-lo cada vez mais atual, instigar pesquisadores e doutrinadores a mergulhar no assunto e incentivar os gestores a aprimorar-se, bem como aprimorar suas ações, com a consciência, cada vez maior, da importância e da repercussão das funções que exercem.
O ente fundacional
O Código Civil Brasileiro, nos artigos 62 a 69, cuida das Fundações, ao tratar das pessoas jurídicas, no Título II. Não define a Fundação, mas destaca suas características especiais ao distingui-la na relação com outras pessoas jurídicas. No Brasil, não há um conceito legal de Fundação, é da doutrina que nos vem o conceito do ente fundacional:
Diniz (2007, p. 13) conceitua a Fundação como
um complexo de bens livres (universitas bonorum), colocado, por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas, sem intuito de lucro, a serviço de um fim lícito e especial com alcance social, em atenção ao disposto em seu estatuto.
Graziolli (2011) recupera a raiz latina do nome, fundare, significando manter, estabelecer, construir, destacando o aspecto patrimonial dessa pessoa jurídica. Conceitua Fundação como um patrimônio personificado destinado a uma finalidade social
(ibid.).
Nessa mesma perspectiva, os conceitos multiplicam-se, sendo a Fundação considerada uma organização com patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor, com personalidade jurídica atribuída por lei
(Saad Diniz, 2007) e um conjunto de bens personificado, conforme a vontade do seu instituidor
(Rafael, 2007).
Na doutrina lusa, destacamos o conceito moderno de Casal Baptista, que considera a Fundação como uma organização dotada de um patrimônio afecto à realização duradoura de um fim de interesse social
(2006).
Todos concordam que há dois traços característicos e típicos da Fundação que compõem sua natureza própria: o patrimônio e a finalidade, considerado o vínculo entre eles. Para que surja uma Fundação, nossa legislação exige que haja um patrimônio destinado a um fim social, previsto no parágrafo único do artigo 62, do Código Civil, um fim religioso, moral, cultural ou assistencial.
A lei estabelece ainda que essa destinação se dará por escritura pública ou por testamento; que haja a elaboração de um estatuto, artigo 65; que haja aprovação das normas estatutárias pelo Ministério Público, artigo 65; e, por fim, que haja o registro dos documentos constitutivos da Fundação, no Cartório de Títulos e Documentos, artigo 45 e artigo 119 da Lei de Registros Públicos. O negócio jurídico fundacional cria a Fundação, o registro a personifica. A personalidade jurídica da Fundação é alcançada pela concessão de ato estatal, representada pela aprovação dada ao negócio jurídico e pelo seu registro (Diniz, 2007).
Os doutrinadores lembram-nos que a Fundação tem sua origem na Antiguidade, sempre ligada à ideia de solidariedade entre os seres humanos. Há os que veem na grande Biblioteca de Alexandria, composta por doação dos Ptolomeus, a origem da Fundação. Ali, pela primeira vez, considerava-se um patrimônio desgarrado da pessoa dos seus proprietários com o fim de difundir o conhecimento e a cultura (Rafael, 2007).
Outros apontam os jardins de Platão como a gene da Fundação. Nos jardins de Academos, o mestre reunia sua escola científico-religiosa, que fora dedicada às musas de Atenas. Após a sua morte, a escola ficou sob os cuidados dos seus discípulos, seus sucessores em sua condução (Graziolli, 2011).
Todos concordam, no entanto, que o Direito Clássico romano já reconhecia a existência de um patrimônio vinculado a determinado fim. Ainda que o Direito Positivo romano não reconhecesse autonomia jurídica a um patrimônio, era comum separar bens e destiná-los à manutenção das crianças pobres, ao culto funerário, aos jogos ou à distribuição de alimentos (Sabo Paes, 2013).
Foi com o advento das instituições eclesiásticas, no tempo de Constantino, que o Direito evoluiu, no sentido de permitir instituições distintas das pessoas físicas que as compunham. As sociedades de piae causae, surgidas às voltas da Igreja, foram reconhecidas por decreto de Constantino. Eram instituições que viviam como apêndices da instituição mãe, a Igreja (Rafael, 2007).
Na Idade Média, a ideia de Fundação avançou. As piae societas cresceram, as corporações de ofício surgiram e, em muitos casos, faziam as vezes dessas primeiras. Aos poucos e com o avançar do tempo, as sociedades pias ligadas à Igreja vão dando lugar às associações de espírito laico, marcadas pela necessidade de ser bom
.
Na Idade Moderna, com um Estado laico, a Fundação vai criando autonomia jurídica. Sobretudo o Direito alemão e o francês, segundo Graziolli (2011), resistiram à ideia de Fundação. O primeiro, porque não atribuía personalidade jurídica para ente distinto das pessoas que o integravam; o segundo, porque não admitia doação de patrimônio para ente jurídico futuro.
O Direito inglês, por sua vez, acolheu com maior compreensão o ente fundacional. Com a promulgação do Estatuto dos Costumes da Caridade, em 1601, a Inglaterra enumerava, não exaustivamente, as ações de caráter filantrópico e as isentava de impostos. Esse Estatuto compôs a Common Law e orientou, também nos Estados Unidos, o tratamento dado às Fundações, que deveriam ter um traço que as distinguia das demais entidades: a falta de ânimo de lucro (non-profit corporation) (Sabo Paes, 2013).
Fora da Europa, as Fundações surgem nos Estados Unidos e no Canadá. A guerra civil americana e suas consequências fizeram surgir Fundações para amenizar os sofrimentos. A doutrina lembra-nos as doações feitas por Benjamin Franklin às cidades de Boston e Filadélfia, para promover jovens artífices; a iniciativa de George Peabody, que instituiu, no século XIX, o Peabody Educational Found, destinado à educação nos estados do sul e sudoeste norte-americanos; e o Smithsonian Institution, fundado por James Smithson. Todas essas iniciativas tiveram como motivação o desejo de que mais pessoas participassem da riqueza angariada por seus instituidores (ibid.).
No século XX, as guerras mundiais travadas nos palcos europeus também fizeram com que ali florescessem Fundações em favor dos que sofrem e em favor da cultura e do desenvolvimento do espírito humano. Pessoas solitárias e sem descendentes, muitas vezes mortos nas guerras, deixaram seus bens para essas finalidades. Rafael (2007) lembra que a Suécia, com um povo altamente politizado e consciente das questões sociais, deteve durante décadas o título de país das Fundações
.
Na América Latina, elas também estão presentes. No Brasil, os doutrinadores são unânimes em apontar como primeira experiência fundacional a iniciativa de Romão de Matos Duarte, em 1738, no Rio de Janeiro. Esse benemérito, solteiro e milionário, separou quantia considerável de seu patrimônio e a destinou para amparar os expostos na roda
da Santa Casa de Misericórdia. A roda
era uma caixa giratória onde se punham as crianças rejeitadas, resguardando-se a identidade das mães.
A Fundação Romão de Matos Duarte passou a funcionar paralelamente à Santa Casa, não gozando ainda da autonomia própria de Fundação, como a entendemos hoje, por falta de diploma legal que a regulamentasse (Saad Diniz, 2007).
Foi o início do século XX que trouxe consigo a regulamentação da entidade fundacional, como a conhecemos atualmente. A lei n. 173, de 10 de setembro de 1903, do governo de Rodrigues Alves, conferiu personalidade jurídica a entidades com fins literários, científicos e religiosos. O Código Civil de 1916 consolidou, no texto civil codificado, o ente jurídico já existente (Rafael, 2007).
Hoje, as Fundações espalham-se pelos continentes do mundo. No estado de São Paulo, elas somavam 511 ativas em 2009. Representavam um patrimônio de mais de 87 bilhões de reais, patrimônio este de domínio da sociedade. Exerciam atividades de educação e pesquisa, de saúde, de assistência social, culturais, de assistência às universidades e outras (Graziolli, 2011).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou pesquisa quantitativa sobre as Fundações Privadas e associações sem fins lucrativos, que hoje são mais de 290 mil no Brasil e empregam mais de 2 milhões de trabalhadores, em dados de 2010, consultados em seu sítio eletrônico. A maior expansão das Fundações Privadas no Brasil ocorreu na década de 1980, atingindo seu ápice na década de 1990. Coincidência ou não, momento histórico em que o país se redemocratizava e o sentimento de cidadania se fazia presente.
Na Europa, berço das Fundações, a atuação delas já desperta a comunidade para a necessidade de um marco regulatório. Nesse sentido, em 1999, o governo português montou um grupo de trabalho para elaborar uma lei de base das Fundações. Esse grupo desenvolveu seus estudos e, em 2003, elaborou um Modelo Legal para as Fundações de utilidade pública na Europa e uma proposta de um Estatuto Europeu para as Fundações. A maioria dos códigos civis europeus cuida das Fundações sem descer a detalhes.
Esse trabalho para a Europa é de grande importância, visto que muitas Fundações atuam em contextos internacionais e alguns aspectos, inclusive fiscais, necessitam ser regulamentados. O Centro Europeu de Fundações, criado em 1989, com sede em Bruxelas, tem contribuído muito com opções legislativas que muitos países europeus têm adotado (Casal Baptista, 2006).
Nos Estados Unidos, entre tantas iniciativas voltadas e implementadas pelas Fundações, que ali encontram campo fértil de desenvolvimento, merece destaque o Centro de Fundações, criado em 1956, como uma organização voltada a informar o cidadão em geral sobre as Fundações e seus fundos de filantropia, para que possam se engajar nas ações dessas entidades sociais. Hoje é o mais completo banco de dados sobre a matéria nos Estados Unidos, sendo seu sítio eletrônico visitado diariamente por milhares de pessoas do mundo inteiro. Por essas razões, não há como o Direito fechar os olhos para a expansão fundacional que estamos vivenciando na atualidade.
A Fundação Privada e a prática de atividades econômicas
A lei brasileira não veda o exercício de atividades ditas econômicas pelas Fundações, apenas condiciona que a realizem no estrito cumprimento das finalidades estatutárias da entidade (Sabo Paes, 2013). Por atividades econômicas, entendemos os atos de produção de bens, mercadorias e serviços para satisfação das necessidades materiais da sociedade (Saad Diniz, 2007). Atividade econômica não se confunde com comércio. Essa distinção é matéria já superada pela teoria da empresa.
Sabemos que, em termos econômicos, as Fundações, pela sua natureza, enquadram-se no chamado terceiro setor, o qual pode ser definido como um conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos, dotados de autonomia administrativa própria que possuem como objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil, visando ao seu aperfeiçoamento. Essa expressão foi criada por pesquisadores, nos Estados Unidos, na década de 1970, e espalhou-se pela Europa e demais continentes a partir de 1980 (Sabo Paes, 2013).
Ressalta-se a importante participação do terceiro setor no campo educacional. Cada vez mais o Estado, como classicamente o definimos e o estruturamos, vem demonstrando a necessidade de maior participação e de compromisso ético dos cidadãos e cidadãs, de tal forma que o conceito de Estado-provedor se desmonta a cada dia e esse novo cenário requer a participação da sociedade organizada e questiona o Direito. Sábia a lição de Garcia:
O poder estadual de definir, desenvolver e avaliar as políticas públicas não é mais, como antes, o poder governamental, um poder que atua centralizadamente numa cadeia de obediências, sendo executado de acordo com uma lógica vertical, como exige a pirâmide legal de Hans Kelsen. Pelo contrário, o poder estadual de definir, desenvolver e avaliar as políticas públicas é um poder de conferir coerência a ações sociais, movimentos sociais em movimento, a que se vem chamando poder de governança. (2009, p. 252)
Essas mudanças sociais que enfrentamos neste início de século nos fazem compreender a importância do terceiro setor. A construção de uma sociedade cidadã só será possível com o empenho e o trabalho de todos.
No tocante à intervenção das Fundações no mercado para obtenção de recursos que possibilitem a realização dos seus fins, parece haver quase unanimidade dos doutrinadores entendendo ser possível esse movimento.
Em que pese, por sua natureza, a Fundação não pode ter caráter lucrativo, isso não significa a impossibilidade de que ela preste serviço remunerado, incrementando o seu patrimônio na busca dos escopos estatutários. Assim, há Fundações que podem, devem e necessitam trabalhar o pecúlio, para manter-se e atingir seus objetivos. Pode haver, também, as que são auxiliadas por seus participantes e vivem de doações. Há ainda um terceiro grupo que poderá sobreviver à custa de subsídio público.
Como ensina Saad Diniz (2007), o que fica claro, em todos os casos, é que o patrimônio de afetação (Zweckvermögentheorie) não é suficiente para manter viva a Fundação Privada.
Sérgio de Andréa Ferreira (apud Saad Diniz, 2007) aponta que a doutrina evolui no sentido de admitir atividade econômica às Fundações de tal forma que já se aceita a chamada Fundação-Empresa, que consiste na titularidade de cotas ou ações de sociedade comercial ou, até mesmo, na manutenção da Fundação como um estabelecimento empresarial, desde que os resultados positivos sejam integralmente aplicados nos fins fundacionais.
Há teses contrárias a essa visão que se resumem à inadequação da pessoa jurídica (Fundação) para o exercício da atividade econômica; tensões entre as finalidades empresariais e fundacionais; ausência de regulamentação e consequente abuso da pessoa jurídica fundacional. Todas essas teses não merecem guarita, uma vez que, como já dissemos, a Fundação só garantirá sua perenidade na medida em que gerar resultados econômicos superavitários.
Ela está inserida dentro de uma ordem econômica, devendo atuar nos ditames dessa ordem, sem perder sua essência e o enfoque social que persegue. Ademais é de se destacar que a Constituição Brasileira elevou à categoria de norma principiológica a vinculação de toda propriedade à sua função social. O professor Gustavo Saad Diniz (ibid., p. 531) discorre sobre a função econômica das Fundações Privadas afirmando que:
as Fundações têm a necessidade de produzir resultados econômicos através do patrimônio dotado. Observe-se que o patrimônio não se constitui somente de bens imóveis ou móveis, o que seria visão restrita. Na verdade, o conjunto de bens e interesses transferidos para a Fundação é que permite uma compreensão irresignada de que há uma dotação de bens vinculada a uma finalidade. Inclui-se a capacidade de produção de rendas (Erträgefähigkeit) como um componente do patrimônio.
Destaca-se a dimensão produtiva do patrimônio fundacional. Uma Fundação que atue no campo educacional, que mantenha um hospital ou um instituto de pesquisa, com certeza, terá direito, senão dever, de cobrar pelos serviços prestados, de quem pode pagar e de prestar serviço gratuito aos hipossuficientes. Aí reside a boa gestão fundacional.
Princípios da gestão fundacional – velamento do Ministério Público
Fazer cumprir os fins fundacionais, conservar o patrimônio e produzir bens economicamente fruíveis para garantir seu patrimônio devem ser as principais metas daqueles que têm a responsabilidade de administrar as Fundações Privadas.
Agir sempre com diligência, cuidados e zelo necessários, bem como com lealdade, sinceridade, franqueza e, sobretudo, honestidade garantem a boa gestão fundacional (Diniz, 2007).
As Fundações, ainda que privadas, são patrimônios de interesse público e, por isso, a elas se devem aplicar os princípios constitucionais previstos no artigo 37, da Carta Magna: a legalidade (limitando as suas ações aos comandos legais e estatutários, realizando aquilo que esses diplomas permitam), a impessoalidade (seu interesse será sempre o social), a publicidade (divulgando seu balanço financeiro e seu balanço social), a moralidade administrativa (agindo o administrador com ética, atuando com mais zelo na sua função do que na administração dos seus próprios bens), a economicidade (todos os recursos devem ser empregados para a finalidade social a que se destinam) e a eficiência (com capacitação constante daqueles que a servem). Acima da lei ou do estatuto, esses princípios devem ser observados com atenção especialíssima (Da Silva, 2009)
A responsabilidade dos gestores fundacionais é tema que se impõe à reflexão, sobretudo se, conforme demonstramos, levarmos em conta o poder social que, como entidade do terceiro setor, as Fundações Privadas possuem. Cada vez mais se deve exigir da gestão fundacional alto grau de especialização e responsabilidade.
Uma boa e eficaz gestão fundacional beneficia toda a sociedade. Nas Fundações Privadas, dirigentes e conselhos não podem agir por sua própria vontade, é necessário cumprir a vontade do instituidor, todos estão submissos a essa vontade e aos ditames estatutários e legais. Os gestores fundacionais agem em nome e em consonância com os interesses de outrem, por essa razão, nessa complexa relação jurídica, aplica-se o instituto da responsabilidade civil (Graziolli, 2011).
Como agem em nome da Fundação, devem responder por desvios que possam cometer, por dolo ou culpa, civil e criminalmente. Lembram os doutrinadores que a nossa legislação não possui normas específicas sobre a responsabilidade dos gestores das Fundações. Todos concordam que, por analogia, deve-se aplicar à responsabilidade dos atos de gestão nas Fundações, a lei n. 6404/76, Lei das Sociedades Anônimas. Graziolli (2011) acrescenta a esse normativo legal o artigo 927, do Código Civil, que trata da responsabilidade civil em geral.
É no seu artigo 158 que a lei n. 6404/76 disciplina a questão. Essa norma tem os seguintes pressupostos aplicáveis às Fundações: 1. adequação das normas pertinentes à responsabilização dos administradores; 2. compatibilidade com o direito das Fundações Privadas, expurgando-se tudo o que for conflitante com o sistema fundacional; 3. forte conteúdo principiológico que regulamenta a responsabilidade dos administradores; e 4. necessidade de integração por analogia, para interpretação pautada na segurança jurídica (Diniz, 2007).
Graziolli (2011) identifica como dirigentes aqueles que praticam os atos de gestão e os integrantes dos colegiados de fiscalização, orientação e determinação superiores, remunerados ou não, e que respondem, cada qual, na sua esfera de responsabilidade.
Não há uma norma que estabeleça uma organização interna para as Fundações Privadas, mas é usual uma estrutura que compreenda ao menos um conselho curador, um conselho fiscal e uma diretoria executiva, como instâncias mínimas para o seu funcionamento.
Analisando em conjunto a Lei das Sociedades Anônimas e o artigo do Código Civil, podemos concluir pela existência de duas regras básicas: 1. a irresponsabilidade do dirigente por atos regulares de gestão e 2. a sua responsabilidade civil por atuação antijurídica quando, na esfera das suas atribuições e poderes, agir com culpa ou dolo ou agir com violação da lei ou do estatuto (ibid.).
Quando os administradores violam ordem legal, ficam sujeitos às sanções de ordem interna, como, por exemplo, perda de seus cargos, bem como respondem civilmente com reparação dos danos causados. Revestindo-se de tipicidade penal, poderão responder, também, criminalmente por seus atos.
Quando os administradores violam preceito estatutário, nos termos do artigo 158, § 2º, da lei n. 6404/76, responderão, também, por seus atos. A doutrina ensina que a responsabilidade é objetiva, isto é, caracteriza-se sem ocorrência de dolo ou culpa. Oliveira (apud Graziolli, 2011) ensina que se presume a culpa quando o administrador viola a lei ou o estatuto, agindo com excesso ou abuso de poder.
Na esfera penal, os administradores estarão sujeitos às sanções, desde que cometam ações que se enquadrem nos tipos penais previstos no ordenamento jurídico. Enquanto na esfera cível, o enquadramento é aberto, bastando a ação que viole normativo ou cause dano, na esfera penal é fechado, só sendo passível de punição as ações que se enquadrem nas figuras previstas em lei.