Deficiência e Transtornos em Educação Física
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Deficiência e Transtornos em Educação Física - Rafael Carvalho da Silva Mocarzel
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO FÍSICA
Dedicatória e homenagem póstuma aos
professores doutores Alfredo Gomes de Faria Junior e José Maurício Capinussú
Durante minha vida acadêmica, assim como na vida pessoal cotidiana, tive experiências boas e más que ajudaram a me forjar como professor de Educação Física. Indubitavelmente, uma parte significante dessas experiências foi conhecer e conviver com pessoas que puderam me engrandecer e abrir horizontes antes nunca vislumbrados. Essas pessoas eram de fato profissionais que robustecem até os dias atuais (mesmo postumamente) o campo da Educação Física como um todo. Nesta coletânea teço uma modesta e singela homenagem (mas genuinamente sincera) a dois desses professores que cruzaram os caminhos da minha jornada e que para sempre carregarei seus ensinamentos. Refiro-me aos nobres professores doutores Alfredo Gomes de Faria Junior e José Maurício Capinussú.
Vim a conhecê-los no mestrado de Ciências da Atividade Física, da Universidade Salgado de Oliveira, em Niterói, RJ, em que fiz o mestrado entre os anos de 2009 a 2011. Ambos eram daquele tipo de professor que estará sempre de forma monumentalmente hierarquizada, ou seja, seus nomes já repousavam em um tipo de pedestal emérito, pois já tinham feito muito em nome da Educação Física e, mesmo assim, recusavam-se a parar de lecionar. Mais do que isso, foram professores de muitíssimos outros professores que já tinham cabelos brancos, além de estabilidade e renome no mercado de trabalho e no meio acadêmico. Assim, eram gigantes acadêmicos que tentavam, mesmo com as imensas dificuldades da idade, seguir em frente e perseverar na docência e pesquisa.
Desde o primeiro momento tive uma admiração por ambos, todavia por motivos quase que distintos. Faria Junior era um professor de pequena estatura e fala muito mansa (ao estilo Mestre dos Magos). Historicamente ligado aos princípios da educação escolar, foi um dos precursores no país a fazer a transição de conhecimentos da área pedagógica para a Educação Física de forma massiva. Seu nome se confunde com a história da organização e expansão da Educação Física brasileira, ganhando ainda mais ênfase no estado do Rio de Janeiro. Já Capinussú era um ex-fisiculturista com um humor apimentado e sarcástico. Um eterno contador de histórias que falava alto e ria sempre que possível. Gostava de participar de eventos acadêmicos, mesmo com as dificuldades de locomoção já no fim da vida. Foi muito vinculado à gestão, às instituições militares, aos estudos olímpicos e ao jornalismo esportivo, com ampla experiência em cobertura de megaeventos esportivos. Apesar de personalidades aparentemente tão distintas, eram declaradamente grandes amigos. Presenciei por duas ou três vezes um completar a frase do outro, algo que só grandes amigos de coração fazem.
Hoje, com extrema gratidão e com os olhos marejados e molhados enquanto me recordo de tais fatos e escrevo esta dedicatória, sinto profunda alegria e júbilo. Aos meus eternos mestres, com todo o carinho!
Professor Rafael Mocarzel
Prefácio
Recebi o convite do organizador desta obra, Prof. Dr. Rafael Carvalho da Silva Mocarzel para prefaciar um livro que trata de um tema fascinante e ao mesmo tempo complexo e desafiador para a área da Educação Física.
Percebe-se ao longo dos séculos que a relação de diversos segmentos da sociedade com a Pessoa com Deficiência sofreu modificações que são reflexos do próprio momento histórico e a Educação Física não foge disso.
Em um primeiro momento a Educação Física tem um caráter profilático, concentrando a sua área de conhecimento na doença e suas causas que geraram a deficiência para poder explicar as suas ações no sentido da reabilitação física. Com o tempo essa visão clínica muda de foco e passa a se preocupar com o indivíduo e não somente com a deficiência. Dessa forma, a Educação Física começa a perceber que a Pessoa com Deficiência, enquanto cidadão, é detentora de direitos, como a participação na vida escolar, com uma educação de qualidade. Assim sendo, surge uma nova Educação Física voltada para a participação de todos, inclusive a Pessoa com Deficiência.
Os autores dos capítulos, escolhidos sabiamente pelo organizador desta obra, com larga experiência acadêmica e prática, abordam questões inerentes à atuação do profissional de Educação Física desde ações pedagógicas no âmbito escolar até a prática do esporte como promoção da saúde e da inclusão da Pessoa com Deficiência na vida da sociedade.
A cada capítulo, o leitor será levado a uma reflexão importante sobre o tema, bem como aprenderá aspectos técnicos sobre o assunto.
O propósito deste livro vai mais além do que falar de Deficiência e Transtornos dentro da área da Educação Física. Ele é um convite para se descobrir e se maravilhar pelo mundo da Pessoa com Deficiência.
Cláudio Diehl Nogueira
Possui doutorado em Educação Física, na área de Atividade Física Adaptada pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2018), mestrado em Ciência da Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco (1997) e graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Castelo Branco (1993). Aprovado no Concurso Público para a Carreira do Magistério Superior da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2019. Professor assistente da Universidade Castelo Branco/RJ. Tem experiência na área de Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: medida e avaliação, desporto adaptado, educação física adaptada, grupos especiais, classificação funcional desportiva, paralisia cerebral e cineantropometria. É membro do grupo de pesquisa em avaliação motora adaptada-GEPAMA/UNICAMP. É Classificador Funcional da CPISRA, da IFCPF, da BISFeD e da ANDE, na área da paralisia cerebral. Membro do Grupo de Estudos em Esportes para Pessoas com Paralisia Cerebral da UNICAMP/SP. Membro do Grupo Multicentro de Pesquisa em Avaliação Funcional de Pessoas com Lesão Medular e Lesão de Neurônio Superior. Email: cdnogueira@hotmail.com.
Orcid: 0000-0001-8890-7579.
Apresentação das obras da coletânea
Durante o triste processo de pandemia do covid-19, o qual que se proliferou fortemente no Brasil em 2020, a área da Educação Física sofreu um grande golpe no meio acadêmico e profissional. Ali, observei que vários colegas de profissão estavam com diversos estudos interessantes, mas que ficaram parados pelas dificuldades de apresentação e de publicação geradas pelo isolamento e pelo confinamento social.
Destarte, resolvi preparar um livro organizado, uma obra em que se tem um tema comum e no qual vários autores escrevem diferentes capítulos. O livro seria sobre a Educação Física de maneira geral. Convidei dezenas de colegas para ingressar nesse projeto e, para minha imensa satisfação e alegria, praticamente todos aceitaram participar. Mais do que isso, consegui compilar 40 artigos! Um número incrível de trabalhos, que, dessa forma, me possibilitou a organizar não apenas um, mas sim quatro livros! E é importante dizer que são artigos de autoria de professores oriundos de aproximadamente um terço do Brasil, atuantes tanto em universidades públicas quanto em privadas.
Sendo assim, esta coletânea desdobra-se em quatro obras que trazem estudos e colaborações aos campos da Licenciatura em Educação Física, do Bacharelado em Educação Física, das Lutas/Artes Marciais/Esportes de Combate em Educação Física e das práticas voltadas ao público com Deficiência e Transtornos em Educação Física.
Todas as obras foram feitas com carinho. Espero que aproveite a leitura e que estas obras possam colaborar com o engrandecer da Educação Física e da sociedade. Muito obrigado!
Professor Rafael Mocarzel
Sumário
1
ESPORTE PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: PASSADO, PRESENTE E PERSPECTIVAS FUTURAS 13
Patrícia dos Santos Vigário
2
SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DE PARATLETAS 27
Paula Esteves Carvalho, Cássio Murilo Almeida Lima Junior, Elizabeth Carvalho Lugão,
Divaldo Martins De Souza
3
ESTUDO DE FATORES EMOCIONAIS EM ATLETAS PARALÍMPICOS 45
Cássio Murilo Almeida Lima Junior, Divaldo Martins De Souza, Michele Cristina Cavallini Bezerra,
Vanessa Aquino de Morais
4
A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO CORPO DIFERENTE 59
Vera Lícia de Souza Baruki
5
CAPOEIRA E INCLUSÃO: ALGUMAS AÇÕES-REFLEXÕES-NOVAS AÇÕES 69
Edilson Fernandes de Souza, Henrique Gerson Kohl, Jean Adriano Barros da Silva,
Márcio Rodrigues dos Santos
6
INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA E
NO ESPORTE 81
Andrea Carmen Guimarães, Lúcio Marques Vieira Souza, Frederico Barros Costa,
Divaldo Martins De Souza
7
TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DOS CAPIXABAS NAS PARALIMPÍADAS ESCOLARES BRASILEIRAS:
UMA GESTÃO COMPARTILHADA 95
Mario Junior Freitas Corrêa, Katia Cristina Antonio, Leonardo Miglinas Cunha,
Luiz Claudio Locatelli Ventura
8
A PRÁTICA DA ATIVIDADE FÍSICA INCLUSIVA PARA PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO 109
Carlos Eduardo Lima Monteiro, Darlan Tavares Dos Santos, Michele Cristina Cavallini Bezerra,
Vanessa Aquino de Morais
9
AUTISMO E INCLUSÃO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR 127
Darlan Tavares Dos Santos, Rossana Pugliese, Carlos Eduardo Lima Monteiro,
Michele Cristina Cavallini Bezerra
10
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DOCENTES EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA COM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 139
Andréia Honorato Ribeiro
11
ELABORAÇÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS E ESPORTIVOS PARA AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA 155
Andréia Honorato Ribeiro
SOBRE OS AUTORES 177
1
ESPORTE PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: PASSADO, PRESENTE E PERSPECTIVAS FUTURAS
Patrícia dos Santos Vigário
Ao longo dos anos, o termo utilizado para se referir às pessoas com deficiência sofreu importantes mudanças, a fim de permitir uma adequada caracterização dessa população, sem a criação de estigmas, julgamentos e conceitos equivocados. Termos como incapacitado
, inválido
, deficiente
, pessoa com necessidades especiais
e portador de deficiência
foram então substituídos por pessoa com deficiência
, ressaltando que a deficiência é uma característica do sujeito, não o tornando incapaz.
No dia 30 de março de 2007, aconteceu em Nova Iorque a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada por representantes da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, a Convenção foi promulgada pelo Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009. Nela, ficou definida que pessoas com deficiência são aquelas que possuem:
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas" (BRASIL, 2014, p.22).
Com o objetivo de exaltar a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência, a Convenção destaca, no seu artigo 30, questões relacionadas à participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte. Os Estados Partes devem se comprometer a incentivar a participação de pessoas com deficiência em atividades esportivas de todos os níveis, prover recursos adaptados e adequados, assegurar a acessibilidade em eventos esportivos e garantir que crianças com deficiência também participem de atividades esportivas, de lazer e recreativas, inclusive na escola (BRASIL, 2014). Esses direitos devem ser garantidos, uma vez que se sabe que a prática de exercícios físicos e esportes está relacionada a efeitos benéficos em múltiplas esferas, incluindo aspectos físicos, psicológicos, emocionais e sociais.
O PASSADO
A Europa e os Estados Unidos concentram as primeiras informações sobre a prática de esportes por pessoas com deficiência, porém, de modo assistemático. No período das Guerras Napoleônicas, ocorridas entre os anos de 1799 e 1815, há registros da prática e de competições de críquete em um hospital no distrito de Greenwich, na Inglaterra, por pacientes com amputações. Em 1988, na Alemanha, criou-se um clube esportivo para pessoas com deficiência auditiva e, anos mais tarde, na França, aconteceram os primeiros Jogos Internacionais para Surdos, ou Jogos do Silêncio (SILVER, 2018). Nos Estados Unidos, do início da década de 1920, ao final da Segunda Guerra Mundial, os esportes tinham um caráter maior de socialização, não sendo encontrados registros de competições.
Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a prática de esportes por pessoas com deficiência começou a ganhar forma e sistematização, fortemente influenciada e motivada pelo neurocirurgião Ludwig Guttmann (1899-1980). Alemão e judeu, Guttmann se refugiou na Inglaterra com sua família com o objetivo de fugir do terror imposto pelo regime nazista do ditador Adolf Hitler. Lá, na pequena cidade de Stoke Mandeville, recebeu um pedido do governo inglês: abrir, no hospital local, um serviço de atendimento aos indivíduos com lesão medular, majoritariamente ex-combatentes da guerra (INTERNATIONAL PARALYMPIC COMMITTEE, 2018).
As dificuldades foram inúmeras: ser estrangeiro e refugiado, não ter o domínio adequado da língua inglesa, a falta de equipamentos específicos para o tratamento e a reabilitação dos pacientes e a resistência de membros da equipe de saúde. No entanto, nenhum desses fatores foi suficiente para desmotivar e desencorajar a atuação de Guttmann, o qual se manteve firme em suas convicções.
Até a chegada de Guttmann, o tratamento dos indivíduos com lesão medular no Hospital de Stoke Mandeville era feito por métodos arcaicos e ineficientes, basicamente com uso de opioides para o alívio da dor crônica e imobilização dos membros acometidos. Por isso, o sofrimento físico, emocional e psicológico era constante. Com isso, os pacientes se viam sem perspectiva de vida e muitos tentavam o suicídio, pois viver era um sacrifício. Pela ineficiência dos métodos de tratamento, infecções do trato urinário eram recorrentes, assim como as úlceras de decúbito que, em casos mais graves, levavam os pacientes à septicemia e à