"Na Vaga Claridade do Luar":: História & Literatura do Movimento Madrugada na Cidade de Manaus (1954-1967)
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"Na Vaga Claridade do Luar": - Arcângelo da Silva Ferreira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
À memória de meu eterno pai: Francisco. À vitalidade de minha mãe: Terezinha. Às manas: Marcela, Auxiliadora, Cristina, Peta
. Aos manos: Amilcar, Gilmar, Ainsten. Porto Seguro. À memória de Enoque. À Naiva. No instante eterno e no convívio de suas amizades (respectivamente). À Eli, minha gratidão. Teresa e Olga (filhas) com amor imenso
AGRADECIMENTOS
Foi um longo caminho até aqui. Um percurso que jamais poderia ter sido traçado sozinho. Pois foi trilhado graças à contribuição de instituições, professores e, especialmente, amigos e familiares.
No plano das instituições gostaria de agradecer ao curso de História (UFAM), por meio de seus professores. Em especial, a Eloína Monteiro, por sua sapiência e habilidade em acompanhar e dar sugestões para que seus alunos pudessem crescer intelectualmente, e Almir Diniz de Carvalho Júnior, primeiro a dar sugestões quando tomei a decisão de enveredar pelos estudos fronteiriços nesse enlace Clio/Calíope. À professora Patrícia Sampaio, pelas sugestões quando avaliou as origens da pesquisa que agora é apresentada no formato livro. Ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM). À Fundação de Amparo à Pesquisa no Amazonas – FAPEAM. À Biblioteca Pública do Estado, por intermédio de seus funcionários, especialmente na figura do seu
Wilson Cruz Lira. No que diz respeito às contribuições individuais, agradeço ao professor Marcos Frederico, por sua hombridade e serena exigência. Um incentivador dos estudos sobre a Literatura do Amazonas. Acerca das amizades, agradeço aos meus pais, Francisco e Terezinha, e irmãos, Marcela, Amílcar, Gilmar, Auxiliadora, Cristina, Maria (Peta
). Com vocês descobri o segredo de fazer amigos. Da mesma forma, à Graça Luzeiro, que acompanhou minha trajetória desde quando interiorano aportei em Manaus, minha gratidão é imensa. E a dona Zeíla, e Dercy, tia e avó de minhas filhas, que souberam com dedicação, mediante seus dinâmicos modos de ser, trazer alegria às crianças nos momentos em que eu estava dedicando tempo para produção intelectual deste livro. No plano do afeto, às mulheres de minha vida: Eli, Teresa e Olga. Mãe e filhas que nesses anos souberam conviver com as neuroses
e com as alegrias de quem opta por escrever um livro. Obrigado, minhas filhas, por terem me cedido parte de seu quarto para que eu pudesse pôr o computador. Por pacientemente
compreenderem que hoje não vai dá para irmos ao cinema, pra brincarmos na pracinha
. Obrigado, Eli, pelo amor que tem me dedicado todos esses anos e pelas opiniões proferidas sobre este trabalho.
Sem vocês não teria jamais trilhado esse longo caminho. Na convicção que muito ainda há por vir, por isso o passo anterior e os pósteros não serão, jamais, os decisivos...
À margem do lago, o porte secular de um mulateiro único da espécie em todo local. Diante de suas raízes angulosas, seu tronco escapelado, um banco de cimento. Casais distraídos repetem a vida através de lentas passadas, enquanto à noite lhes promete que o tempo deixara de existir pra os que amam. Estamos precisamente no ângulo em que a ferocidade de um javali em luta pela sobrevivência, dominando ao fundo um pequeno canteiro sem flores, emerge na vaga claridade do luar.¹
PREFÁCIO
NA VAGA CLARIDADE DA PROVÍNCIA
Mais do que um ensaio sobre o Clube da Madrugada, o historiador e ficcionista Arcângelo da Silva Ferreira escreveu um livro vigoroso sobre percursos literários produzidos no Amazonas. E também, como pórtico, refletiu sobre as relações entre História e Literatura.
Na verdade, o que temos é quase uma História da Literatura no Amazonas, pois o autor pontuou aspectos relevantes de nossas letras. Ele não esqueceu sequer a importância dos viajantes que percorreram o vale amazônico, bem como a influência que exerceram sobre pensadores de nossa terra.
Ao final, como prêmio ao leitor, vê-se a análise de obras de quatro importantes contistas do Clube da Madrugada: Arthur Engrácio, o telúrico; Carlos Gomes, o observador da liliputiana província; Francisco Vasconcelos, o reformador, quase revolucionário; Benjamin Saches, o de tendências existencialistas. Evidentemente, a relação de prosadores não se esgota com esses quatro ficcionistas, mas certamente o mapa das ideologias e experimentações formais é satisfatório e reflete o que era a cidade de Manaus em parte da segunda metade do século passado.
* * *
A presente obra constitui-se na publicação em livro da dissertação de mestrado de Arcângelo Ferreira, no Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, da Ufam, trabalho que tivemos o privilégio de orientar.
Insere-se o ensaio na chamada literatura periférica, posto ser essa a condição das obras literárias produzidas no Amazonas. As condições de predomínio econômico observadas em nível nacional transferem-se para a cultura das regiões pobres
do Brasil. E tal é o caso dos estados do Norte. O cânone nacional, formado pela percepção dos críticos e historiadores situados principalmente no Rio e São Paulo, privilegia a literatura produzida na parte rica
do país. Assomam no cânone oficial alguns poucos escritores nordestinos e alguns – menos ainda – nortistas.
Observando a historiografia literária brasileira sob esse prisma, vemos que a salvação
de escritores como José de Alencar, Aluísio Azevedo e Inglês de Souza se deve ao fato de se terem transferido e integrado ao meio literário predominante. Mesmo hoje, em que as comunicações poderiam ter eliminado o fosso, continuamos a ser, como bem define Márcio Souza, uma região de fronteira
. Por sinal, Márcio Souza é uma das exceções nesse quadro discriminatório, como o são também Milton Hatoum e Thiago de Mello (e, em menor escala, apesar de seu enorme talento, o de Astrid Cabral). Entretanto são autores que vivem ou viveram no centro
e ali se projetaram.
Isso não significa que o Amazonas não tenha escritores com talento e produção literária que os credenciem à visibilidade nacional. Apenas são vítimas de um colonialismo interno
difícil de ser extirpado. É o caso dos quatro contistas observados pela lupa analítica de Arcângelo e que constituem o âmago de seu trabalho.
Toda obra, se tiver méritos, deve ter uma função social; caso contrário, é fonte de mero entretenimento, ou seja, produtora de alienação. Nessa galeria é impossível colocar o presente ensaio. De imediato, chamo a atenção para o fato de que, a partir deste momento, em que "Na vaga claridade do luar" deixa o ostracismo das estantes de pós-graduação e vê a luz do dia, será impossível estudar o Clube da Madrugada, bem como qualquer um dos ficcionistas elencados – Arthur Engrácio, Carlos Gomes, Francisco Vasconcelos e Benjamin Sanches – sem se consultar esta obra. Ela dá uma contribuição significativa aos estudos literários do Amazonas e, mais que isso, às próprias questões relativas à Teoria Literária, devido às reflexões que já salientamos sobre o entrelaçamento entre História e Literatura.
Foi entre 1954 e 1967, fase inicial e mais criativa do Clube da Madrugada, que a cidade de Manaus deixou de ser mera reprodutora de padrões culturais estabelecidos pelo Sudeste. Se a produção poética dessa agremiação, em suas primeiras manifestações, se inspirou nos temas e no formalismo da Geração de 45 brasileira, também se diversificou em argumentos políticos e visualizações telúricas – estas últimas se caracterizando como uma forma de autonomia.
Essas manifestações líricas não foram ignoradas, tanto que há análises argutas sobre livros e poemas significativos do período. É importante chamar a atenção para o que se diz sobre poetas da envergadura de Elson Farias, Alencar e Silva, L. Ruas, Luiz Bacellar.
Surgido num momento especial da História do Amazonas (em outubro de 1954 os trabalhistas ganharam as eleições para o governo), o Clube da Madrugada significou a ruptura com um passado de acomodação. Menos de dez anos depois de novembro daquele ano, se envolveria direta ou indiretamente com os acontecimentos políticos desencadeados pela Ditadura Militar.
Tal momento não poderia ser ignorado – e, de fato, não o foi. Como também não foram esquecidas as preliminares da fundação do Clube, os anos imediatamente anteriores, quando se viveu o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Acrescente-se a esses méritos que viemos salientando as fotos ilustrativas, como a da Cidade Flutuante, uma peculiar favela aquática que brotou à frente de Manaus. E também a icônica foto de uma reunião do Clube da Madrugada, nos anos 1970, ao pé do mulateiro da praça da Polícia. Ao centro, de camisa negra, está Aluísio Sampaio, presidente da entidade na ocasião. Veem-se também poetas como Aldísio Filgueiras, Ernesto Penafort, Jorge Tufic; os pintores Van Pereira e Moacir Andrade; o músico Pedro Amorim; o ensaísta e futuro senador Jefferson Peres.
Nessa foto, tirada possivelmente num sábado, dia das reuniões, há membros efetivos e simpatizantes. A manhã é clara devido ao sol. Simboliza a foto o mesmo sol que o Clube, surgido numa madrugada de segunda-feira, na vaga claridade do luar
, trouxe não só para a Literatura, mas para a cultura do estado. Sem dúvida, a Geração Madrugada, tendo sido a segunda do Amazonas (a primeira se situa na época do ciclo da borracha), foi certamente a de maior vigor.
Este livro de Arcângelo Ferreira, produzido na vaga claridade
da província literária do Amazonas, ilumina como um facho a nossa situação. Embora não seja sua preocupação, o autor nos leva a refletir sobre o porquê do esquecimento de que somos vítimas. Nossa claridade literária é vaga apenas porque uma espessa cortina veda a sua visão. Este livro certamente é uma iniciativa para descerrá-la.
Marcos Frederico Krüger
Prof. Dr. da Universidade do Estado do Amazonas
Imagem 1 - Sócios do Clube da Madrugada, reunidos na Praça Heliodoro