Escritos de Parceria
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Escritos de Parceria - Marcos Hidemi de Lima
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
A todas as pessoas que acreditaram neste livro.
A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo,
no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
Vinicius de Moraes
PREFÁCIO
Sobre margens, silêncios e outros abismos
Wellington R. Fioruci¹
Nas páginas da literatura, o leitor encontra, e às vezes enfrenta, rostos e vozes que dão corpo à argamassa da ficção. As personagens são um elemento essencial do fazer literário, como já bem entenderam a Teoria e a Crítica. A aceitação da verdade da personagem, como ensina Antonio Candido, é a pedra de toque da leitura. Literatura é um ser vivo, ainda que os mortos insistam em enviar suas mensagens pelas linhas do tempo. A história rediviva no espaço ficcional amiúde nos assombra, mas não nos paralisa, ao contrário, coloca-nos em movimento, nos faz deslocar por entre memórias e espaços inusitados. Desse modo, o leitor perspicaz experimenta e desperta, alimenta-se de uma ilusão que é concreta. Eis o paradoxo da ficção: a verdade das mentiras, nos termos de Vargas Llosa. Como revela a obra de outro mestre latino-americano, o bruxo portenho Jorge Luis Borges, a literatura, os espelhos e os sonhos são dimensões ou mundos paralelos dos quais nos nutrimos para que possamos ver o outro sob uma nova perspectiva, e não raramente nos (re)vermos. Lázaro de Tormes, um dos primeiros narradores e personagens da ficção moderna, já havia aprendido que o guia de cegos deveria saber um ponto mais do que o diabo. A literatura ensina a ver. Ela nos faz lutar o mais silencioso combate, travado dentro de nós mesmos, afinal:
Se a literatura contém a realidade, há realidades que fazem todo o possível por expulsar a literatura, é então que ela, o melhor dela, a que não é cúmplice ou escriba ou beneficiária desse estado de coisas, aceita o desafio e denuncia essa realidade ao descrevê-la [...].²
A história literária moderna e contemporânea, para nos restringirmos a este recorte, sempre esteve ligada à posição do autor na sociedade e, por conseguinte, à visão deste sujeito. Em algum grau e de forma mais ou menos consciente, expressava um parecer ideológico. Não raro, este ponto de vista dava vazão à palavra usurpada aos derrotados, libertava a voz dos excluídos, daqueles a quem, à margem da caravana do tempo, restavam apenas as migalhas da sociedade. Os salões aristocráticos e seus bailes refinados, as glórias e revezes de grandes figuras da história, os conflitos intimistas burgueses, enfim, essa literatura cujo eixo está na ideia de centro, teve que conviver frequentemente, ainda que a contragosto, com uma irmã rebelde, com estigma de bastarda. Assim se compreende porque alguns autores, apesar da genialidade e da relevância da produção, foram alijados muitas vezes das academias e dos cultuados círculos oficiais. Em A partilha do sensível, Jacques Rancière elucida-nos um pouco mais a relação entre arte, sociedade e inalienação:
As artes nunca emprestam às manobras de dominação ou de emancipação mais do que lhes podem emprestar, ou seja, muito simplesmente, o que têm em comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções da palavra, repatições do visível e do invisível. E a autonomia de que podem gozar ou a subversão que podem se atribuir repousam sobre a mesma base.³
No terreno literário também se apresenta a história do sujeito marginalizado, e como nos ensina a etimologia deste termo, trata-se daquele que se encontra no limite, isto é, na fronteira entre dois mundos. Depreende-se daí o espaço conflituoso que separa o aceito do preterido, o agraciado e o desgraçado. Não é casual que as sociedades modernas tenham alimentado com insidioso vigor a dualidade entre civilização e barbárie, que o genial José Martí tratou de desconstruir em um de seus textos mais célebres: Não há batalha entre a civilização e a barbárie, mas sim entre a falsa erudição e a natureza.
⁴ No mundo contemporâneo das aldeias globais, a pretensa civilização dos ilustrados tem cada vez mais surrupiado aos excluídos o direito inclusive à sua aldeia local, já que o sistema os obriga a se deslocar em busca do sustento. Eis o cosmopolitismo do pobre, na feliz expressão de Silviano Santiago. Ou, segundo a alegoria de Zygmunt Bauman, todos somos viajantes, mas há claramente uma diferença entre aqueles que viajam porque podem, os turistas profissionais, e os que o fazem porque precisam, como os refugiados.
De fato, desfilam pelos espaços ficcionais a memória daqueles que buscam um lugar ao sol, sabendo ser impossível que lhes garantissem, na realidade fora do papel, um sob os holofotes. É fato que o texto literário não está isento das influências sociais, sua gênese, inclusive, pode ser rastreada a partir das relações entre o interesse dos leitores e as forças motrizes econômicas. Ainda assim, a arte insiste em seu papel ambivalente, ambíguo, que pode desmascarar e nos iludir os sentidos a uma só vez. Do mesmo modo, não interessa à literatura pregações, panfletarismos e moralismos, embora muitas vezes ela também tenha servido para tal. Cabe ao leitor atento e insone identificar o que é a isca e o que é o anzol, caso contrário, correrá o risco de ficar sem alimento ou de rasgar a própria garganta. Em uma passagem iluminada de Esaú e Jacó, o narrador machadiano pontua: O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio
⁵. Ler é também experienciar: a memória daqueles cujas vozes (também sussurros e gritos) ecoam nos livros fica tatuada na retina de quem lê com os olhos em alerta, em estado selvagem. Aos ouvidos moucos, resta a solidão e a ignorância.
Em uma passagem inspirada de Memoria del Fuego, o escritor uruguaio Eduardo Galeano narra uma cena escolar, com toques autobiográficos, e tece uma reflexão:
Eu fui um péssimo estudante de história. As aulas de história eram como visitas ao Museu de Cera ou à Região dos Mortos. O passado estava quieto, oco, mudo. Nos ensinavam o tempo passado para que nos resignássemos, consciências esvaziadas, ao tempo presente: não para fazer a história, que já estava feita, mas sim para aceitá-la. A pobre história havia deixado de respirar: traída nos textos acadêmicos, mentida nas salas, adormecida nos discursos das efemérides, haviam-na encarcerado nos museus e haviam-na sepultado, com oferendas florais, sob o bronze das estátuas e o mármore dos monumentos.⁶
O texto deve seduzir o leitor, convocá-lo e confrontá-lo se necessário. A leitura é o avesso da inércia, não pode transformar-se em monumento da memória ou, pior, em um mausoléu do passado. A memória deve permanecer viva e a máquina textual, em pleno funcionamento. O ato de decifrar os signos em rotação sugere o cruzamento de uma ponte em direção ao outro. Sendo assim, é imperativo concluirmos: a alteridade só se realiza fora do silêncio e da cegueira – e ocorre que esta pode ser uma doença do excesso e não da falta de luz. O entrelugar, a terceira margem do rio, é a própria literatura.
Sumário
PALAVRAS AO LEITOR
AMÉRICA LATÍNDIA DE(ZERO)ICIZADA
Andréa Fleury Bertoncini
Marcos Hidemi de Lima
FLAUSINA, A DAS MALINAS LÁBIAS
Márcia de Fátima Martinez
Marcos Hidemi de Lima
Mentira e dissimulação em Noite de Almirante
Márcia de Fátima Martinez
Marcos Hidemi de Lima
A ESTRELA QUE DEVERIA TER SIDO E NÃO FOI
Ivonir Rodrigues Ayres
Marcos Hidemi de Lima
SONETOS A QUATRO MÃOS DE CAMÕES E VINICIUS
Márcia de Fátima Martinez
Marcos Hidemi de Lima
ESTEREÓTIPO LITERÁRIO E CINEMATOGRÁFICO DE JECA TATU
Ivonir Rodrigues Ayres
Marcos Hidemi de Lima
Marcas da ordem patriarcal em Fogo Morto
Almir Santos
Marcos Hidemi de Lima
MURILO MENDES, BICHO-DE-SEDA SURREALISTA
Adriana Cristina Martinez
Marcos Hidemi de Lima
OSCAR WILDE: A DECADÊNCIA E O SENTIMENTO
Mirian Ruffini
Marcos Hidemi de Lima
HOMOSSEXUALIDADE EM CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA
Elis Regina Melere
Marcos Hidemi de Lima
ALGUMAS MULHERES DE AUTRAN DOURADO
Ivonete Dias, Letycia Fossatti Testa
Marcos Hidemi de Lima
MANIFESTAÇÕES DO DUPLO EM O PERFUME, DE PATRICK SÜSKIND
Patricia Hofmã
Marcos Hidemi de Lima
SOBRE OS AUTORES
PALAVRAS AO LEITOR
Os 12 artigos reunidos neste livro já foram publicados anteriormente em revistas especializadas na área de Letras. Além disso, todos esses textos, ora reunidos neste volume, caracterizam-se por terem sido escritos a várias mãos. Dito de outra maneira, nos últimos anos busquei unir-me a variados parceiros para escrevê-los, e o resultado, a meu ver, foi bastante satisfatório, tanto no âmbito acadêmico como na esfera pessoal.
De forma bem evidenciada, esses artigos escritos de parceria estão ligados diretamente às preocupações relacionadas aos que, na sociedade, são considerados marginalizados, excluídos, situados na periferia. Isso está evidente na trama de Zero, romance de Ignácio de Loyola Brandão; na sofrida Flausina, do conto rosiano Esses Lopes
; em Deolindo e Genoveva, do conto de Machado de Assis Noite de almirante
; na humilhada Macabéa, do romance de Clarice Lispector A hora da estrela; no Jeca Tatu lobatiano tornado estereótipo no cinema; nos humilhados Lula de Holanda e José Amaro de Fogo morto, de José Lins do Rego; na degradação moral e social de algumas personagens de Oscar Wilde (ele mesmo espezinhado socialmente por conta de sua opção sexual); na figura patética de Timóteo, o homossexual do magistral romance de Lúcio Cardoso Crônica da casa assassinada, nas figuras femininas da trilogia de Autran Dourado composta por Ópera dos Mortos, Lucas Procópio e Um Cavalheiro de Antigamente ou no perturbador e angustiante Jean-Baptiste Grenouille, personagem central do romance O perfume, de Patrick Süskind.
No entanto existem dois artigos nos quais a questão da marginalização não fica evidenciada num primeiro olhar. Trata-se de Sonetos a quatro mãos de Camões e Vinicius
e Murilo Mendes, bicho-de-seda surrealista
. É preciso que o leitor acomode diante dos olhos a mesma lente que eu e meus companheiros de escrita empregamos para perceber certos nuances periféricos ocultos nas sutilezas e nos interstícios dos poemas analisados. Nos sonetos de Vinicius e Camões fica patente que a morte da mulher amada torna ambos os poetas sujeitos à margem da existência humana. Em Estudo nº 6
, poema muriliano aqui analisado, observa-se a libertação humana das correntes reacionárias da razão por intermédio da rebelião, e isso torna o poeta excluído da normalidade social.
Nesse livro, optei por dispor os artigos obedecendo à ordem cronológica de suas publicações. Três deles são de 2008. O primeiro desse ano é América Latíndia de(zero)icizada", publicado na revista Travessias, escrito por mim e por Andréa Fleury Bertoncini. Nesse mesmo ano, respectivamente nas revistas Língua & Letras e Trama, saíram Mentira e dissimulação em ‘Noite de almirante’
e Flausina, a das malinas lábias
, ambos os textos escritos em parceria com Márcia de Fátima Martinez.
Em 2009, o artigo A estrela que deveria ter sido e não foi
foi o resultado da parceria entre mim e Ivonir Rodrigues Ayres, cuja divulgação ocorreu pela Revista Científica/ FAP. No mesmo ano, a revista Estação Literária divulgou Sonetos a quatro mãos de Camões e Vinicius
, outro artigo que escrevi junto com Márcia de Fátima Martinez.
Estereótipo literário e cinematográfico de Jeca Tatu
foi resultado de nova parceria entre mim e Ivonir Rodrigues Ayres, cuja publicação foi feita na revista Luminária, em 2011. No ano seguinte, junto com Almir Santos, então meu aluno de iniciação científica, escrevemos "Marcas da ordem patriarcal em Fogo morto", que acabou publicado na revista Letras Raras.
Em 2013, Adriana Cristina Martinez e eu publicamos na revista Trama o artigo Murilo Mendes, bicho-de-seda surrealista
. No ano seguinte, eu e Mirian Ruffini publicamos Oscar Wilde: a decadência e o sentimento
na revista Travessias. Na revista Mosaico, no segundo semestre de 2015, foi publicado "A homossexualidade em Crônica da casa assassinada", minha parceria com Elis Regina Melere.
Em 2016, na revista Vocábulo, minha parceria com Ivonete Dias e Letycia Fossatti Testa resultou no artigo Algumas mulheres de Autran Dourado
, e foi publicado no mesmo ano, nos Cadernos do IL, o artigo intitulado "Manifestações do duplo em O perfume, de Patrick Süskind", escrito em parceria com Patricia Hofmã.
Embora existam outras, são duas as principais motivações que me levaram a trazer esses artigos para o suporte do livro. A primeira relaciona-se ao fato de não haver grande difusão de textos científicos disponíveis em periódicos especializados, a despeito de serem veiculados em publicações bastante conceituadas. A última visa suprir a necessidade de apresentar variados textos num volume único, o que facilita sobremodo a vida do pesquisador, do professor e do aluno de Letras e de áreas afins.
Marcos Hidemi de Lima (Org.)
AMÉRICA LATÍNDIA DE(ZERO)ICIZADA
Andréa Fleury Bertoncini
Marcos Hidemi de Lima
Apesar de ser um romance que tem mais de 40 anos, a disposição aleatória de elementos na página, a subversão linguística e a linguagem caótica operadas em Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, ainda surpreende os leitores, acostumados ao velho formato dos romances divididos em capítulos que ocupam ordeiramente cada página do livro.
Obviamente, para o leitor acostumado à linguagem da internet, a leitura deste livro talvez não cause tanta surpresa, entretanto é conveniente lembrar que quando o livro foi escrito, não se imaginava que haveria uma rede de informações acessível de qualquer microcomputador, com uma rapidez inimaginável, como é o caso deste mosaico chamado internet, disponível nos dias atuais. Sob essa ótica, o romance de Loyola antecipa este mosaico, guardando-se as devidas proporções com relação ao tempo em que o livro foi escrito, isto é, no fim da década de 1960 e início da de 1970, quando os recursos tipográficos quase tornaram a empreitada, se não impossível, inviável.
Desde 1960, Loyola buscava aprimorar uma ideia surgida de um conto — que tratava sobre um grupo de amigos que vai a uma vila em busca de um garoto que teria música na barriga — escrito para uma antologia de histórias urbanas, organizada por Plínio Marcos para a Editora Senzala e que não chegaria a ser lançada. Escreveu, depois, diversas novelas que estabeleciam paralelos com o núcleo da história sobre o menino com música na barriga, ao mesmo tempo em que colecionava recortes de jornais, prospectos e anúncios. Com isso, acabou reunindo material suficiente que lhe permitiu ter um retrato sem retoques do homem comum, vivendo numa cidade violenta e num clima ditatorial. Em 1974, o proto-romance tinha aproximadamente 800 páginas, sob o título A inauguração da morte.
Após a primeira revisão, restaram cerca de 150 páginas. O texto foi entregue ao amigo e escritor Dorian Jorge de Andrade, que sugeriu novos cortes — acatados pelo autor. Andrade falou a respeito do romance com Luciana Stegagno Picchio, que lecionava Literaturas Portuguesa e Brasileira na Universidade de Roma. A professora interessou-se por Zero (ainda apenas um datiloscrito) e, após lê-lo, encaminhou-o para a editora Feltrinelli, de Milão, que o lançou numa série intitulada I Narratori
, que até então só havia publicado um brasileiro: Guimarães Rosa. Portanto, antes da publicação no Brasil, Zero foi precedido por esta edição traduzida para o italiano por Antonio Tabucchi, em 1974. A primeira edição brasileira só saiu em 1975 para ser proibida no ano seguinte, graças à tesoura da censura, que percebeu no livro a crítica acirrada aos anos de ditadura militar.
Para que se possa ter pelo menos uma noção do formato de mosaico da obra de Loyola, já aludida alguns parágrafos acima, serão apresentadas análises de algumas páginas de Zero, com o intuito de comprovar as antecipações no uso de espaço que o autor fez neste romance, desde sua estreia. É conveniente, antes de prosseguir o estudo sobre essa obra de Loyola, que a definição do vocábulo mosaico seja explicitada. Antonio Houaiss, em seu dicionário, informa que a palavra possui múltiplos significados:
1 ART.PLÁST ARQ imagem ou padrão visual criado pela incrustação de pequenas peças coloridas (de pedra, mármore, vidro, esmalte ou cerâmica) sobre uma superfície (p.ex., uma parede, um piso), aglomeradas e fixadas por um cimento 2 ART. PLÁS ARQ a superfície decorada por esse processo 3 ART. PLÁS ARQ a arte ou processo de criar tais imagens; mosaicismo 4 CONSTR pavimento composto de ladrilhos ou pequenas peças coloridas e variadas 5 p.ext. ou fig. o que quer que lembre um mosaico.⁷
Celebrado por sua estrutura anormal, o livro, segundo o próprio escritor, é estruturado em narrativas paralelas, não apresentando começo, meio e fim delineados. Nessa atmosfera caótica e desorganizada, a narrativa pode ser dividida em três partes:
1ª) José, o protagonista, trabalha como uma mata-ratos em um cinema; vive, depois, em um depósito de livros censurados e diverte-se visitando um faquir, num circo de monstruosidades e pregadores;
2ª) O não-herói apaixona-se por Rosa e arranja um novo emprego; casa-se e torna-se ladrão;
3ª) Junta-se com um grupo de guerrilheiros liderados por Gê; a esposa é sacrificada em um ritual de origem africana; José acaba drogado em uma cela californiana.
Malcolm Silverman observa que mesmo sendo José "a principal figura de Zero, nunca vai além de uma atitude tipicamente passiva frente aos acontecimentos pulsantes que o cercam"⁸. O protagonista objetiva tão somente sobreviver em meio à vida violenta e miserável desse país da América Latíndia, amanhã
, expressão utilizada pelo narrador para determinar o lugar imaginário em que se desenrolam os fatos. Mas tudo nesse presumido país fictício lembra o Brasil das décadas de 1960 e 1970: assaltos a bancos, sequestros de embaixadores, cientistas tendo de abandonar o país, estudantes presos, crianças morrendo na fila do INPS, tortura, sonho da casa própria, fome, burocracia, machismo, rituais demoníacos etc.
Ao denunciar este estado de coisas, o romance reafirma seu contato com a indústria cultural: o jornalismo impresso, o rádio e a televisão. Torna-se evidente, dessa forma, o aniquilamento da individualidade, a repressão e o estímulo ao preconceito promovido pelo poder e pela mídia, e, dentro desse sistema opressivo e massificante, o personagem José representa o sujeito dilacerado por essa situação, à procura de uma maneira de afirmar a sua individualidade.
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