O papel do poder judiciário na implementação de políticas públicas: sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa
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O papel do poder judiciário na implementação de políticas públicas - Gabriel Martinez Raymundo
atuais.
1. O PODER JUDICIÁRIO NA HISTÓRIA
1.1 GENERALIDADES
O entendimento da sociedade é fundamental para compreender a formação do Estado e o fenômeno do constitucionalismo, este último como sendo o desenvolvimento das sociedades já formadas em decorrência de um Estado.
O dinamismo que nós temos hoje no corpo de um Estado é fruto de acontecimentos históricos relevantes que ocorreram no passado com o intuito de estabelecer a ordem. E que até os dias atuais continua de uma forma diferente.
Para iniciarmos o entendimento sobre o que é o Estado, devemos entender o que é uma sociedade.
Acerca do conceito de sociedade, esta pode ser definida como, segundo Paulo Bonavides (BONAVIDES, 2019, p. 65) sendo um conjunto de relações humanas, anteriores e contrárias ao Estado ou sujeitas a este.
Hans Kelsen (KELSEN, 1959, p. 04) já conceitua sociedade como sendo um livre jogo de todas as atividades exercido pela sociedade, e em consequência como ideal, talvez inexequíveis, mas que a base é a plena harmonia.
O Clovis Beviláqua em um artigo escrito sobre o tema define a sociedade como:
A sociedade é a formação natural da vida super-orgânica, tomada a palavra na sua acepção mais geral de homem permanente, constituído por condições históricas e por necessidades e interesses, tanto de ordem moral quanto de ordem econômica. As relações de família, a indústria, o comércio, as artes, a religião, os costumes, a moral são manifestações de vida da sociedade (BEVILÁQUA, 1930, p. 06).
A sociedade então é um agrupamento de pessoas em que cada uma delas expressa sua vontade subjetiva interna cujo esta, acaba gerando um efeito externo que modifica a coletividade.
Toda essa vontade deve ser contida e organizada por uma entidade superior, mais forte que o homem, que é o Estado.
O Estado quando nós o estudamos, não há como colocar de forma taxativa quando houve o seu aparecimento, mas há alguns conceitos na doutrina que nos dão alguns direcionamentos com relação ao seu surgimento. Claro que a sociedade é o primeiro elemento essencial para sua aparição.
De acordo com Wilhelm Koppers (KOPPERS, 1989, p. 44, apud DALLARI), o Estado é um elemento universal na organização social humana
.
Karl Schmitt (SCHMITT, 1989, p. 44, apud DALLARI), o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que nasce quando surge a ideia da prática da soberania, o que só ocorreu no século XVII
.
Essa força superior que é o Estado, segundo Clovis Beviláqua (BEVILÁQUA, 1930, p. 6), é um ente que regula o direito, tendo este o objetivo de conservar, desenvolver e harmonizar as expressões e atividades da sociedade e até mesmo estimulá-la quando necessário.
O Estado é a base para o exercício das atividades humanas em todos os seus sentidos, mantendo o bom convívio entre as pessoas, permitindo que cada uma delas possa se expressar sem que haja prejuízos por parte de terceiro. Ele não pode ser considerado apenas como um agrupamento de pessoas, mas uma força superior pela qual comanda este.
Manuel Gonçalves Ferreira Filho nos traz um conceito bem completo de Estado que colocado pela doutrina tradicional apresenta-se da seguinte forma (GONÇALVES FILHO, 2018, p. 77):
Segundo ensina a doutrina tradicional, o Estado é uma associação humana (povo), radicada em base espacial (território), que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).
Diante de tais bases apresentadas é importante frisar que o que faz do Estado um ente diferente da sociedade é o fato deste ter a soberania como principal característica. Essa última caracteriza-se por ser uma desvinculação de qualquer outro Poder ou Estado. Um Estado bem formado, por decorrência da soberania não aceita imposições de outros Estados, tem capacidade individual na tomada de decisões.
Estabelecida a sociedade e formado o Estado, damos início ao constitucionalismo, que pode ser caracterizado como a estruturação continuada da sociedade e do Estado, criando direitos para o cidadão e limitando o poder do Estado.
O constitucionalismo em sentido amplo existe desde os tempos primitivos, mas neste período não havia constituições escritas, todas as decisões acerca da organização de pessoas decorriam de costumes, condutas pautadas no comportamento humano. Ponto interessante sobre o constitucionalismo primitivo é o fato dos hebreus usarem a Bíblia como instrumento de imposição de limites, cabendo aos profetas, dotados de legitimidade popular, fiscalizar e punir os atos dos governantes que ultrapassassem limites bíblicos (NOVELINO, 2011, p. 52).
Tratando do constitucionalismo antigo, voltamos para Roma e Grécia onde se debruçam suas principais características. Em Roma o termo (constitutio) era utilizado, no Baixo Império Romano, para designar qualquer lei feita pelo imperador. E na Grécia, houve regime político absolutamente constitucional, que alcançou a democracia.
De uma forma muito mais rápida na Idade Média, o constitucionalismo começa a ganhar mais corpo e estabelecer limites mais concretos nas ações do detentor do poder e também afirmar os direitos individuais (TAVARES, 2020, p. 28).
Destaque nessa época para o constitucionalismo britânico na data de 15 de junho de 1215, ano do aparecimento da Carta Magna Libertatum, outorgada na Inglaterra, pelo Rei João, filho de Henrique II, que mais tarde se tornaria o legendário João Sem Terra.
João Sem Terra teve um governo desastroso e cheio de perdas, com cobrança elevada de tributos que tinham o objetivo de proteger suas terras no período de guerra contra a França. Diante de diversos fracassos do governo, os barões ingleses decidiram tomar a cidade de Londres e forçar o Rei a assinar a Magna Carta, documento que determina que os reis tenham seus poderes limitados.
Os precedentes da Carta Magna são importantes pelo fato de mais tarde, com o decorrer da história, incorporar-se aos ordenamentos jurídicos vindouros.
Alguns direitos a serem exemplificados que aparecem no texto são o direito de petição, a instituição do júri, a cláusula do devido processo legal, o habeas corpus, o princípio do livre acesso à justiça, a liberdade de religião, a aplicação proporcional das penas etc. (ALBUQUERQUE, 1957, p. 154).
Além da Carta Magna, há também na Inglaterra o Petition of Rights de 1628 que também foi um exemplo vigoroso desse pacto. No primeiro caso o Rei João sem Terra firmou acordo com os seus súditos. O Petition of Rights, os parlamentares firmaram com o Rei Carlos I, da Inglaterra, os termos de garantia dos direitos dos cidadãos ingleses.
Depois da Idade Média, inicia-se o constitucionalismo moderno e este acaba por dar mais roupagem às limitações dos poderes do Estado. O século XVIII, teve o fortalecimento de certos princípios que passaram a ser adotados pela maioria dos Estados, sob a forma de direitos e garantias fundamentais.
Os Estados Unidos e a França são os primeiros países a serem palco desse constitucionalismo, a Carta americana de 1787, nasce em substituição ao Articles of Confederation, instituindo o federalismo, a rígida separação dos Poderes e o Presidencialismo. O texto escrito é curtíssimo, resumindo-se em sete artigos, alguns dividindo-se em várias seções. E com o passar do tempo sofreu vinte e seis emendas, e as dez primeiras, aprovadas em 25 de setembro de 1789 e ratificadas em 15 de dezembro de 1791, consagraram a técnica do Bill of Rights, conhecida desde o ano de 1689 (AVELINO, 2007, p. 22).
Já a Constituição Francesa de 1791 foi a primeira carta escrita da França e de toda a Europa. O documento demorou em torno de dois anos para ser criado pela Assembleia Nacional Constituinte de 1789. Teve seu surgimento em decorrência da Revolução Francesa.
O documento manteve a monarquia constitucional, limitando os poderes reais, estabeleceu o princípio da Separação de Poderes, porém este não tinha o rigor dos americanos. O Poder Legislativo era exercido por uma Assembleia Legislativa única, composta por 745 representantes eleitos livremente pelo povo, de acordo com o critério censitário. Para votar o cidadão tinha de habitar na França, ter pelo menos 25 anos de idade e pagar imposto no valor de três dias de trabalho.
O Poder Executivo era exercido pelo rei, que tinha o poder de sancionar os projetos de lei, aprovados em três assembleias sucessivas.
E Poder Judiciário era composto por juízes, os quais integravam um Tribunal de Cassação.
A Constituição Francesa de 1791 inspirou a feitura dos Textos Constitucionais franceses de 1814, 1830, 1875 e 1946, e a Constituição Belga de 1831, além de outras constituições europeias (NOVELINO, 2011, p. 57).
Finalmente iniciamos o constitucionalismo contemporâneo ou o neoconstitucionalismo, que são fenômenos que nós vivemos atualmente e são resultados das constituições atuais.
Atualmente vivemos em um mundo completamente dinâmico no que tange a economia, cultura, política, liberdades e exigências sociais. E para melhor exemplificar, nada melhor do que a Constituição Federal de 1988, em que a mesma apresenta uma longa redação e diversas emendas com intuito de direcionar o andamento da sociedade. Não é errado que o Estado busque meios de atingir todas as exigências da sociedade, mas diante de uma inflação de leis e necessidades sociais, acaba por ocasionar ações dos três poderes, com o objetivo de cumprir com o que foi estabelecido nos textos normativos, muitas vezes um interferindo na competência do outro.
Essas constituições que abrangem uma complexidade de direitos sociais são chamadas de constituições dirigentes.
As Constituições dirigentes de acordo com André Ramos Tavares (TAVARES, 2020. p. 180), são Constituições sociais que correspondem a um momento posterior na evolução do constitucionalismo, que passa a consagrar a necessidade de que o Estado atue positivamente, corrigindo as desigualdades sociais e proporcionando, assim, efetivamente, a igualdade de todos. É chamado de o Estado do Bem Comum.
Quando falamos de bem comum, iniciamos um estudo com relação a atuação do Poder Judiciário como principal ator na execução de atos que visam a imposição políticas na busca desse bem-estar social.
1.2 OS TRÊS PODERES
Em uma nação democrática é necessário que haja a separação dos poderes, com o escopo de evitar abusos por parte de um governo totalitário detentor de todas as funções do Estado. Embora o assunto seja bastante discutido nos dias atuais pela doutrina acerca da função daquele, a existência divisória do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário estabelece um sistema de freios e contrapesos, impondo independência, harmonia e respeito entre si, esta estrutura apresentada por Montesquieu é fundamental para o bom movimento do Poder Público.
Com o Brasil não seria diferente, posto que a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em seu art. 2° São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
O filósofo francês, Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como Montesquieu, tinha como principal objetivo a salvaguarda da liberdade individual ao escrever sua mais famosa obra O Espírito das Leis
. Em sua obra o autor apresentava o princípio como essencial para garantir tal direito e de maior importância para a democracia em um Estado.
Cada poder irá exercer uma função, assim o Legislativo elabora as leis de acordo com os anseios do povo, o Executivo coloca em prática o que foi determinado em benefício da sociedade e por fim o Judiciário julga os casos, aplicando a lei (MONTESQUIEU, 2012, p. 44).
Segundo André Ramos Tavares (TAVARES, 2020, p. 963) a doutrina da separação dos poderes, contudo, serve atualmente como uma técnica de arranjo da estrutura política do Estado, implicando a distribuição por diversos órgãos de forma não exclusiva, permitindo o controle recíproco, tendo em vista a manutenção das garantias individuais consagradas no decorrer do desenvolvimento humano. E é na Constituição que se encontra o grau de interdependência e colaboração entre os diferentes órgãos existentes e as suas