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O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada : Projetos em disputa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos Anos de Chumbo (1967-1974)
O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada : Projetos em disputa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos Anos de Chumbo (1967-1974)
O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada : Projetos em disputa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos Anos de Chumbo (1967-1974)
E-book356 páginas4 horas

O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada : Projetos em disputa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos Anos de Chumbo (1967-1974)

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Sobre este e-book

Este livro é um convite para mergulhar na história da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) durante o auge do terror da Ditadura civil-militar. Foi nos Anos de Chumbo (1967-1974) ? contexto de forte repressão, censura, vigilância e de crimes brutais cometidos por agentes do Estado (em especial contra estudantes) ? que a PUC-SP seria palco de debates calorosos sobre a Reforma Universitária, que discutia: "Qual Universidade nós queremos? Qual projeto de Educação nós defendemos?". Os protagonistas da nossa história são jovens estudantes da PUC-SP que se engajaram e se organizaram politicamente na universidade. Como o movimento estudantil atuava? Como era a sua relação com a direção universitária e a Igreja Católica no período? Quais os interesses e narrativas em jogo? Qual foi a sua participação nos rumos da Reforma da PUC-SP? Afinal, tal projeto pode ser considerado uma resistência ao modelo de ensino imposto pelo Regime Militar a partir do Acordo MEC-USAID? Estas são algumas perguntas que este trabalho pretende responder. Para tanto, analisamos documentos inéditos, como materiais do movimento estudantil do período e comunicados entre a Reitoria da PUC-SP e os órgãos repressores da ditadura, que foram consultados no acervo do DEOPS. Além disso, também entrevistamos ex-estudantes, professoras e professores da época, boa parte que segue lecionando na universidade até a atualidade, trazendo à luz fatos e reflexões que são mais atuais do que imaginamos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2021
ISBN9786525201061
O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada : Projetos em disputa na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos Anos de Chumbo (1967-1974)

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    O Movimento Estudantil Entre a Cruz e a Espada - Alexandre Gonçalves Terini

    CAPÍTULO I - OS ESTUDANTES E A REITORIA NA REFORMA DA PUC-SP

    1.1 UM HISTÓRICO: A CRISE, O MOVIMENTO E A UNIVERSIDADE CATÓLICA

    Ao longo das décadas de 1960 e 1970, a juventude se consolida como categoria social, e protagoniza movimentos cujo impacto superou os de décadas anteriores, adquirindo contornos dramáticos. Representada, sobretudo, nos movimentos de contracultura e nas lutas estudantis que irromperam ao redor do mundo, a juventude ‘aparece como um foco de contestação radical da ordem política, cultural e moral, empenhada numa luta contra o establishment, reivindicando uma inteira reversão do modo de ser da sociedade’. (MENEGOZZO, 2016, p. 314)

    O ascenso de conscientização e mobilização política nos anos 1960 e 1970 foi, mundialmente, uma efervescência político-social excepcional, um autêntico abalo sísmico nas estruturas dos regimes em vários cantos do mundo. A grande protagonista é a juventude. Em suas mais diversas camadas – universitária, secundarista, operária, camponesa – e com suas diversas cores de pele, os jovens, de 15 a 30 anos, de ambos os sexos.

    Por que a juventude? Provavelmente, porque a Segunda Guerra ceifou a vida de milhões de adultos e, logo após o seu fim, houve um estrondoso crescimento populacional apelidado de baby-boom entre 1946 e 1961. Assim, aumentou o número de jovens nas escolas e no mercado de trabalho e de consumo, o que também daria origem a um mercado específico ao público jovem.

    O avanço das tecnologias era a outra face desse novo mundo em gestação. O pacto de estabilidade global ao final da Segunda Guerra, de coexistência pacífica entre as potências mundiais, isto é, Estados Unidos, Europa e União Soviética (URSS), propiciou o impulso do capitalismo. A utilização de novos eletrônicos, como a televisão, começava uma nova era nos hábitos sociais. A mobilidade social levou milhões, que até então tinham uma escolaridade reduzida, para as portas das universidades. Um boom que reconfigurou o consumo, as expectativas e a vida de milhões.

    Portanto, seria a geração baby-boom que viveria as mudanças no mundo ao longo das décadas de 1960 e 1970. Mais do que isso, seria a chama da revolução, como diz Rosa Luxemburgo. O estopim e a unidade das diversas lutas de contestação mundial que teriam o auge em 1968 residiram, antes de tudo, em sua ascendência comum. Mas, para além da variedade das reivindicações específicas de país a país, quais palavras de ordem se repetem internacionalmente?

    Em uma conjuntura de Guerra Fria, tanto o bloco capitalista liderado pelos EUA, quanto o bloco comunista liderado pela URSS, foram alvos de questionamento e revolta. Esta onda teve seu auge em 1968, em que vários levantes populares irromperam quase simultâneos: de Paris a Praga e Moscou, passando pela Cidade do México, Rio de Janeiro, Córdoba, Tóquio, Madri, Washington etc. Destacaram-se mobilizações da juventude estudantil que, de forma geral, contestavam a violência policial, a censura e os regimes ditatoriais; o imperialismo e o capitalismo pela dominação, exploração, alienação do povo e da classe trabalhadora; assim como a discriminação racial, entre outras opressões (de classe, gênero, sexual etc). Enquanto, nos países do Leste governados pela URSS, o ponto central das manifestações eram as liberdades democráticas, mas não necessariamente uma rejeição ao socialismo. Por exemplo, os jovens manifestantes de Praga criticavam o autoritarismo ditatorial do regime reivindicando um socialismo verdadeiro, com democracia.

    A tendência geral de politização e radicalização que marcou o período teria levado muitos estudiosos posteriores a uma abordagem geracional de que nesse contexto, formou-se uma geração de jovens menos disposta a adaptar-se à servidão da civilização industrial tecnocrática e burocrática, interpretando que os novos hábitos de consumo e liberdade teriam favorecido uma crítica à disciplina produtiva.¹ Havia, geralmente, uma recusa das novas gerações em sofrer as consequências das reestruturações – reorganização da produção, reformas universitárias etc. – impostas pela lógica do capital. Por isso, o marxismo e o anticapitalismo se tornaram bastante difundidos entre a vanguarda jovem estudantil, que se radicalizava e aderia a organizações de esquerda de viés socialista e revolucionário.

    O acirramento da polarização da Guerra Fria a partir da Revolução Cubana bem debaixo das barbas do Tio Sam desencadeou um choque político-ideológico na América Latina, em que o movimento estudantil era uma das principais lideranças das forças de esquerda anti-imperialista. Toda essa circunstância motivaria uma operação coordenada pela CIA (Inteligência norte-americana) de sucessivos golpes comandados por militares locais doutrinados pela ideologia anticomunista e entreguista, atingindo o Brasil em primeiro lugar. Mas este fenômeno também teve como pano de fundo uma crise econômica herdada da industrialização tardia, desde a Era Vargas (1930-1945) e a modernização pelo plano de metas do governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), em que um de seus aspectos foi a crise na educação.

    A aceleração da implantação das indústrias de base, ao criar uma quantidade considerável e variável de novos empregos dos anos 1940 aos 1950, diante da deterioração dos tradicionais meios de ascensão social, descortinou a possibilidade de ascensão social por meio da educação. Havia, portanto, uma forte pressão social das classes médias por educação, mas encontravam várias barreiras: a mentalidade reacionária das elites, que viam na ampliação das vagas nas escolas públicas uma perda de status social e não associavam a educação ao desenvolvimento da sociedade; e o sistema educacional, que era incapaz de oferecer os recursos humanos e estruturais que demandava a expansão econômica. Isso se configurou como uma crise estudantil, pois havia uma grande defasagem na relação vagas/candidatos ao ingresso ao ensino superior. Esse déficit crônico criava a figura do excedente: o aluno que tinha a pontuação necessária no vestibular, mas não havia vagas na faculdade. Então, a consequência imediata foi a contestação do sistema educacional por estudantes, seguidos de professores, nas principais cidades, em favor de mais vagas, o que ao mesmo tempo foi uma forma de luta contra o elitismo da universidade brasileira².

    Para além dos partidos e coletivos independentes de esquerda, os estudantes se organizavam em torno da União Nacional dos Estudantes, a entidade máxima que protagonizou os processos políticos nos anos 1960. A UNE foi fundada por ocasião do I Congresso Nacional de Estudantes, no Distrito Federal (na época, o Rio de Janeiro), em agosto de 1937, tendo sido oficializada em dezembro de 1938. Várias organizações de esquerda estavam nela representadas, entre as quais a Ação Popular (AP), Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e a Política Operária (Polop).

    Até 1964 a UNE era legalizada, o que oferecia aos estudantes uma maior integração na organização social do país, permitindo com isso maior margem de pressão e negociação com o governo, assim como o financiamento federal da entidade. A UNE participou das grandes campanhas nacionais como O Petróleo É Nosso e a defesa da gratuidade do ensino, da escola pública e da Reforma Universitária, sendo esta última a principal bandeira de luta nos anos de 1960³.

    Os anos 1960 eram não apenas tempos de crise, mas também de grandes experiências no campo da educação para fins político-pedagógicos. Na mesma época em que o filósofo e educador Paulo Freire alfabetizava 300 cortadores de cana em apenas 45 dias em Recife com seu Método de Alfabetização Conscientizadora⁴, a UNE também avançava em seu projeto de integração de artistas e estudantes nas caravanas da UNE-volante, percorrendo regiões (sobretudo do Nordeste) e promovendo shows, exposições, peças teatrais, assembleias e debates acerca de questões socioeconômicas como forma de conscientização e mobilização da classe trabalhadora e estudantil.

    Através de vários encontros e seminários promovidos pela UNE, desde o início dos anos 60, também se aprofundavam e se radicalizavam os debates em torno da Reforma Universitária, tornando-se mais objetivos para propor de forma concreta um melhor modelo de universidade brasileira. Mas é necessário destacar que havia um acúmulo histórico e internacional acerca do debate sobre a Reforma Universitária, conforme Fávero:

    Suas raízes mais tenras podem ser identificadas na Carta de Córdoba (Argentina) de 21 de junho de 1918, impelindo a reforma universitária e a formação de federações nacionais de estudantes ou uniões nacionais entre 1920 e 1930 em quase toda a América Latina – Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Venezuela, México –, estendendo-se mais tarde a Cuba (Portantiero, 1978)

    [...] Os movimentos estudantis na América do Sul não foram malsucedidos por seu caráter de renovação acadêmica, mas por que, concomitantemente à renovação acadêmica, aderiram a um amplo projeto de reforma social, política e econômica – defendida por diferentes segmentos progressistas da sociedade – cuja realização significaria a deposição das oligarquias nacionais e a possível comoção dos grupos hegemônicos internacionais a elas vinculados.

    Assim também despontou no Brasil um movimento estudantil, sobretudo a partir de fins dos anos 1950 e início dos 1960, que defendia a democratização e socialização ampla da educação, do saber e da sociedade, incorporando um espírito inovador e vinculando a afirmação da cultura popular nacional à luta pela transformação social. Assim, o movimento estudantil passava a elaborar e defender um projeto de desenvolvimento socioeconômico nacional autônomo na contramão da hegemonia imperialista norte-americana e europeia, o que consequentemente era visto como ameaça à ordem pelas elites nacionais e internacionais.

    Em 1961, de 20 a 27 de maio, em Salvador, foi realizado o I Seminário Nacional da Reforma Universitária, promovido pela UNE com a participação de estudantes, professores, especialistas e até autoridades. Três temas foram tratados: A Realidade Brasileira, A Universidade no Brasil e A Reforma Universitária, de um adendo sobre o projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Desse seminário resultou a chamada Declaração da Bahia, que faz uma análise da estrutura social do Brasil, caracterizado como nação capitalista em desenvolvimento com fortes heranças coloniais. Em seguida, coloca como a universidade é produto desta sociedade deformada, sendo infiel às suas responsabilidades históricas ao agir de forma antidemocrática e elitista no acesso ao ensino superior e formando profissionais individualistas, sem maior preocupação com os problemas da sociedade. Por fim, coloca objetivos para uma reforma mais ampla: democratização do ensino; criação de cursos acessíveis a todos (de alfabetização, mestres de obras, sindicalistas etc.); assistência jurídica, médica, odontológica, técnica; e defesa de reivindicações populares e movimentos de massa.

    Pouco depois, no dia 6 de julho, foi realizado em Porto Alegre o I Encontro da Região Sul, do qual resultou a declaração Diretrizes para uma Universidade Sulina. Nesse encontro retomaram-se alguns temas do Seminário de Salvador, sendo: autonomia universitária, participação dos estudantes na administração e orientação didática da Universidade, modificação do sistema de ingresso na Universidade com a criação do Colégio Universitário⁶.

    Resultado disso foi que, no final do mesmo ano, foram promulgadas duas leis de grande importância para o avanço da pauta:

    1) A Lei 3998, de 15/12/61, criando a Universidade de Brasília (UnB), projeto de autoria dos professores Darcy Ribeiro (Ministro da Educação de 1962 a 1963) e Anísio Teixeira, a partir de uma concepção totalmente nova de universidade, nas suas funções e objetivos. Propunha reformas na organização e funcionamento do sistema educacional que visavam dar conta das novas demandas da sociedade de democratização do ensino superior e de seu desenvolvimento cultural autônomo. Este plano serviria de base para a elaboração do projeto de Reforma Universitária do governo do presidente João Goulart, o Jango (1961-1964).

    2) A segunda lei era a 4024, de 20/12/1961, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, depois de 15 anos de discussão no Congresso Nacional e na sociedade brasileira. Embora pela primeira vez se esboçasse um sistema de educação, na parte do ensino superior, essa lei já se apresentava defasada em relação aos problemas colocados nas discussões da Reforma Universitária. Entretanto, era instituído no seu artigo 78 um instrumento, naquele momento, de grande importância para a luta pela Reforma Universitária, ou seja, a representação estudantil, com direito a voto, em todos os colegiados das universidades. Esse dispositivo deu origem à reivindicação do movimento estudantil, no ano seguinte, da representação na proporção de um terço de cada colegiado⁷.

    Em 1962, realizou-se o II Seminário Nacional da Reforma Universitária, em Curitiba, de 20 a 27 de março, também promovido pela UNE, resultando na Carta do Paraná. Na mesma linha da Declaração da Bahia, o documento destacou o papel da universidade na formação de uma cultura e consciência nacional e a importância da participação dos estudantes nos órgãos colegiados das universidades, como previsto na Lei de Diretrizes e Bases. Definiu essa participação dos estudantes na proporção de 1/3, uma vez que a LDB deixava para o estatuto essa previsão. No final da segunda parte, inclusive, elabora uma crítica à própria Universidade de Brasília, uma vez que, segundo os estudantes, embora essa universidade fosse iniciativa concretizadora da Reforma Universitária, ela pretendia ser fonte de uma elite educacional no país, enquanto toda a luta estudantil consistia na supressão do caráter aristocrático da educação brasileira.

    Levada essa proposta às autoridades, foi rejeitada, dando origem a uma mobilização estudantil sem precedentes na história, paralisando as universidades em nível nacional na chamada Greve do 1/3. Esse episódio demonstra a importância estratégica que tinha a pauta da participação democrática dos estudantes nos órgãos colegiados da universidade para o movimento estudantil da época no processo da Reforma Universitária. Se, por um lado, não foi conquistado o 1/3, por outro, houve uma intensa mobilização da opinião pública para os problemas da universidade brasileira e da sociedade em geral, desde seu elitismo e alienação até a sua forma estrutural de organização⁸.

    Na sequência da Greve do 1/3, a UNE realizou em 1963 o III Seminário Nacional de Reforma Universitária, em Belo Horizonte, seguindo as ideias e discussões da Carta do Paraná. A resolução ficou intitulada UNE: Luta Atual pela Reforma Universitária, descrita pelo então presidente da entidade José Serra, que, segundo o documento, buscava conectar a teoria e a prática de forma a levar o problema da reforma às bases, para efetuar a libertação do povo brasileiro.

    No seminário, há um projeto de Emenda Constitucional e outro de substitutivo à Lei de Diretrizes e Base que tinham quatro pontos fundamentais em destaque: cátedra vitalícia; vestibular; verbas universitárias; e a participação estudantil nos órgãos colegiados. Sobre o instituto da vitaliciedade da cátedra, a emenda em seu artigo 168, VI, estabelecia que o acesso e permanência nas funções do magistério, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, estarão regulados por critérios baseados na carreira do professor e na verificação periódica da capacidade científica e pedagógica dos docentes ⁹.

    Em resumo, as medidas práticas de reformulação estrutural do ensino superior brasileiro propostas pelos estudantes iam desde melhorias materiais no campus universitário até no modelo de gestão administrativa, acadêmica e curricular, como, por exemplo: o cogoverno (a gestão da instituição pela massa estudantil e trabalhadora); a supressão da trincheira do vestibular (substituída pela verificação do mérito do estudante); a luta contra a vitaliciedade da cátedra (acesso e permanência de docentes); e a universidade do povo, que não pertence apenas aos alunos que estudam, mas a sociedade, inclusive o seu vínculo com outros centros sociais.

    Além das lutas específicas no setor educacional e cultural, a UNE deixava claro seus planos de ação ligados às questões políticas mais globais, envolvendo outros setores sociais, como trabalhadores sindicais urbanos e camponeses. Por isso, a UNE integrou-se em uma ampla frente de partidos e movimentos sociais antilatifúndio e anti-imperialismo, que incluía também a Frente de Mobilização Popular (FMP), a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a Liga Camponesa, setores progressistas da Igreja Católica, entre outros. As principais reivindicações da frente ampla foram sintetizadas nas chamadas Reformas de Base: reforma agrária, urbana, tributária, fiscal, bancária, administrativa e universitária¹⁰.

    Porém, as Reformas de Base apresentadas pelo governo Jango ao Congresso Nacional foram barradas. Então, como instrumento de pressão, foi realizado em frente à estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, o Comício das Reformas (também conhecido por Comício da Central) em 13 de março de 1964, reunindo cerca de 150 mil pessoas, incluindo movimentos populares, sindicais, camponeses, estudantis, servidores públicos e militares, católicos progressistas, etc. Tinha por meta demonstrar a decisão do governo federal de implementar as Reformas de Base e defender as liberdades democráticas e sindicais. Na ocasião, o então presidente da UNE, José Serra, fez um discurso enérgico, sob muitos aplausos, enfatizando a necessidade de mobilização contra o golpe que se avizinhava, embora também fazendo críticas e elogios às medidas de Jango na questão prioritária da UNE, que era a ampliação de vagas nas universidades, entre outras pautas da Reforma Universitária¹¹.

    O golpe civil-militar de 1964¹² - desencadeado em 31 de março e consumado em primeiro de abril – interromperia todas as experiências progressistas, incluindo as do campo da educação. Estando as Forças Armadas no poder da República, apoiadas pela elite política conservadora e os capitalistas nacionais e internacionais assessorados pelo governo de Lyndon Johnson (1963-1969) então na presidência dos EUA, instala-se o estado de terror político: universidades invadidas por militares, pessoas perseguidas e presas arbitrariamente, aposentadas compulsoriamente ou cassadas ou expulsas do país, pois representavam uma ameaça à consolidação da ditadura e à implantação do modelo econômico de domínio do capital estrangeiro.

    Os empresários do ensino não viam com bons olhos a Reforma Universitária que se ensaiava na organização e funcionamento da Universidade de Brasília, por isso se aliaram aos militares na condução do golpe e instauração da ditadura civil-militar no Brasil, que duraria 21 anos, de 1964 a 1985. Os estudantes, tendo a UNE na ponta de lança, eram vistos como uma das principais ameaças. Nas palavras de Álvaro Vieira Pinto: [...] o estudantado brasileiro se apresenta aos olhos dos grupos reacionários como classe revolucionária, cujos movimentos são suspeitos, perigosos e requerem a mais atenta repressão, levada às violências mais brutais.¹³

    Não por acaso, logo na noite entre o dia 31 de março e primeiro de abril de 1964, a sede da UNE foi invadida, incendiada e fuzilada por tropas militares, assim como a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida uma semana depois (9 de abril).

    O então reitor Anísio Teixeira e o vice Almir de Castro da UnB foram surpreendidos por tropas do exército e por policiais de Minas Gerais. Os militares chegaram em 14 ônibus, com três ambulâncias já preparadas para possíveis confrontos. No campus, invadiam salas de aula, revistavam estudantes, procuravam armas e material de propaganda subversiva. Buscavam também 12 professores que deveriam ser presos e interrogados. Nove professores foram demitidos, além do reitor e do vice-reitor. As demissões foram feitas com base no Ato Institucional nº 1 (AI-1), que previa investigação sumária, com demissão e dispensa de funcionários públicos, contra quem tivesse atentado contra a segurança do país, o regime democrático [sic] e a probidade da administração pública ¹⁴.

    A invasão da UnB marcou uma mudança nas intervenções na universidade. A partir daí, o governo militar usou outras estratégias para combater o que considerava subversão acadêmica: entre elas, a exclusão de professores e estudantes de programa de bolsas, a produção de material contra docentes e depoimentos falsos.

    A segunda invasão aconteceu no ano seguinte. Em 8 de setembro de 1965, os professores entraram em greve por 24 horas. A greve foi uma resposta à demissão de três professores, afastados por conveniência da administração. No sábado, os alunos também aderiram ao movimento. Nesse mesmo dia, o novo reitor imposto, Laerte Ramos de Carvalho, solicitou o envio de tropas militares ao campus. Segundo ele, a greve era uma falta grave e pichações que apareceram na UnB revelavam ameaças de depredação aos prédios. As tropas chegaram na madrugada do dia 11 de outubro e cercaram as entradas do campus. Alunos e professores eram impedidos de entrar. Uma semana depois, o reitor demitiu quinze professores, alegando que eles eram os responsáveis pelo ambiente de perturbação. Houve reação: 223 dos 305 professores da Universidade (90% do quadro) entregaram seus pedidos de demissão.

    Mas não parou por aí: o novo ministro da educação, Flávio Suplicy de Lacerda, nomeado pelo novo presidente general Humberto Castello Branco (1964-1967), aprovou a Lei nº 4.464 (conhecida como Lei Suplicy), no dia 9 de novembro de 1964, fez uma nova regulamentação dos órgãos de representação estudantil no ensino superior: criou regras restritas para o Diretório Acadêmico (DA) e Diretório Central dos Estudantes (DCE) e criou novas entidades de caráter nacional e estadual, o Diretório Nacional de Estudantes (DNE) e os Diretórios Estaduais de Estudantes (DEE), colocando assim as entidades já existentes – UNE e UEE (União Estadual dos Estudantes) – na ilegalidade. A lei também proibiu que os órgãos estudantis legais realizassem qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, além de limitar e desincentivar a participação das diretorias das entidades criando várias restrições.

    Entretanto, o movimento estudantil se radicalizava cada vez mais chegando ao seu ápice na onda nacional e internacional de manifestações em 1968 que, no Brasil, culminou na Passeata dos Cem Mil na cidade do Rio de Janeiro após o assassinato do estudante secundarista Edson Luís, se espalhando pelo país em ocupações de universidades e escolas e a instalação do governo dos estudantes. Ao mesmo tempo, o movimento sindical operário realizava fortes greves nas fábricas de Osasco (SP) e Contagem (MG), ganhando também a solidariedade do movimento estudantil.

    Nesse contexto, ocorreu o famoso confronto conhecido como a Batalha da Maria Antônia, em 2 de outubro de 1968, iniciado quando estudantes que ocupavam o prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) desde julho daquele ano foram atacados por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie e integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) enquanto cobravam pedágio na Rua Maria Antônia para custear o Congresso da UNE. O ovo arremessado por um mackenzista levou os uspianos a revidarem com pedras e tijolos, acabando em trocas de rojões, foguetes, coquetéis Molotov e tiros.

    Porém, este confronto foi apenas um prenúncio da nova escalada repressora (ainda mais brutal) que viria a seguir. Em outubro, a polícia invadiu o Congresso da UNE que ocorria clandestinamente na cidadezinha de Ibiúna (interior de SP). 739 estudantes foram presos, incluindo as principais lideranças

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