Jurisprudência comentada dos tribunais alemães
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Jurisprudência comentada dos tribunais alemães - Flávia Campos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
F919j Fritz, Karina Nunes
Jurisprudência comentada dos tribunais alemães [recurso eletrônico] / Karina Nunes Fritz. - Indaiatuba : Editora Foco, 2021.
340 p.; ePUB.
Inclui bibliografia e índice.
ISBN: 978-65-5515-303-3 (Ebook)
1. Direito. 2. Jurisprudência. 3. Tribunais alemães. I. Título.
2021-2483
CDD 340
CDU 34
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949
Índices para Catálogo Sistemático:
1. Direito 340 2. Direito 34
Livro, Jurisprudência comentada dos tribunais alemães. Autora, Karina Nunes Fritz. Editora Foco.2021 © Editora Foco
Autora: Karina Nunes Fritz
Diretor Acadêmico: Leonardo Pereira
Editor: Roberta Densa
Assistente Editorial: Paula Morishita
Revisora Sênior: Georgia Renata Dias
Capa Criação: Leonardo Hermano
Diagramação: Ladislau Lima e Aparecida Lima
Produção ePub: Booknando
DIREITOS AUTORAIS: É proibida a reprodução parcial ou total desta publicação, por qualquer forma ou meio, sem a prévia autorização da Editora FOCO, com exceção do teor das questões de concursos públicos que, por serem atos oficiais, não são protegidas como Direitos Autorais, na forma do Artigo 8º, IV, da Lei 9.610/1998. Referida vedação se estende às características gráficas da obra e sua editoração. A punição para a violação dos Direitos Autorais é crime previsto no Artigo 184 do Código Penal e as sanções civis às violações dos Direitos Autorais estão previstas nos Artigos 101 a 110 da Lei 9.610/1998. Os comentários das questões são de responsabilidade dos autores.
NOTAS DA EDITORA:
Atualizações e erratas: A presente obra é vendida como está, atualizada até a data do seu fechamento, informação que consta na página II do livro. Havendo a publicação de legislação de suma relevância, a editora, de forma discricionária, se empenhará em disponibilizar atualização futura.
Erratas: A Editora se compromete a disponibilizar no site www.editorafoco.com.br, na seção Atualizações, eventuais erratas por razões de erros técnicos ou de conteúdo. Solicitamos, outrossim, que o leitor faça a gentileza de colaborar com a perfeição da obra, comunicando eventual erro encontrado por meio de mensagem para contato@editorafoco.com.br. O acesso será disponibilizado durante a vigência da edição da obra.
Data de Fechamento (06.2021)
2021
Todos os direitos reservados à
Editora Foco Jurídico Ltda.
Avenida Itororó, 348 – Sala 05 – Cidade Nova
CEP 13334-050 – Indaiatuba – SP
E-mail: contato@editorafoco.com.br
www.editorafoco.com.br
Sumário
Capa
Ficha catalográfica
Folha de rosto
Créditos
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
PARTE 1
DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. DECISÕES HISTÓRICAS: O CASO LÜTH E A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 O caso
1.2 Os personagens da história
1.3 O processo
1.4 A decisão do Tribunal Constitucional
1.5 A relevância da decisão
2. NEGAÇÃO DO HOLOCAUSTO NÃO É LIBERDADE DE EXPRESSÃO
3. ACERTANDO CONTAS COM A HISTÓRIA: ALEMANHA CONDENA TALVEZ O ÚLTIMO NAZISTA
3.1 O caso
3.2 O último processo por crimes nazistas?
3.3 O Brasil e o acerto de contas com o passado ditatorial
PARTE 2
BIOÉTICA
1. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO ADMITE A EXISTÊNCIA DE UM TERCEIRO GÊNERO
1.1 O caso
1.2 A decisão do BVerfG
1.3 A situação do intergênero no Brasil
2. CLÍNICA DE REPRODUÇÃO TEM DEVER DE INFORMAR A IDENTIDADE DO DOADOR DE SÊMEN
2.1 O caso alemão
2.2 O processo
2.3 A decisão do BGH
2.4 A situação no Brasil
3. PLANO DE SAÚDE DEVE COBRIR CUSTOS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL EM MULHERES MADURAS, DIZ BGH
3.1 O caso
3.2 O processo
3.3 A decisão do BGH
3.4 A importância da decisão
3.5 A situação comparada com o Brasil
4. A VIDA NÃO CONFIGURA DANO
4.1 O caso
4.2 BGH: vida humana não é dano ressarcível
5. MÉDICO E CLÍNICA SÃO CONDENADOS POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAR DOADOR DE ÓRGÃOS
5.1 A legislação alemã sobre doação de órgãos
5.2 O primeiro caso: doação de rim da filha ao pai
5.3 O segundo caso: marido fez doação de rim à esposa
5.4 A decisão do BGH
5.5 A importância da decisão
6. MÉDICOS SÃO ABSOLVIDOS DA ACUSAÇÃO DE SUICÍDIO ASSISTIDO
6.1 O processo de Hamburgo
6.2 O processo de Berlim: dois dias de agonia até a morte
6.3 A decisão do Bundesgerichtshof de Leipzig
6.4 Bundesverfassungsgericht reconhece suicídio assistido
PARTE 3
DIREITO DE FAMÍLIA
1. BGH: MÃE É QUEM DÁ À LUZ, LOGO, HOMEM NÃO PODE SER MÃE
1.1 Primeiro caso: mulher que deu à luz não pode ser pai
1.2 Segundo caso: homem não pode figurar como mãe na certidão
2. BGH NÃO RECONHECE AUTOMATICAMENTE DUAS MÃES DE UMA CRIANÇA
2.1 O caso
2.2 A decisão do Bundesgerichtshof
2.3 As repercussões do caso
2.4 A situação no Brasil
3. JUSTIÇA DE FRANKFURT PERMITE RETIFICAÇÃO DO NOME DE CRIANÇA SEM CONCORDÂNCIA DO PAI
3.1 O caso
3.2 O processo judicial
3.3 A decisão do OLG Frankfurt
3.4 A decisão divergente do OLG Frankfurt
3.5 A situação no Brasil
4. FIM DE UNIÃO ESTÁVEL CONSTITUI QUEBRA DA BASE DO NEGÓCIO DE DOAÇÃO
4.1 O caso
4.2 O processo
4.3 A decisão do Bundesgerichtshof
4.4 A inovação da decisão
4.5 A atual teoria da base do negócio
5. DENTRO DO CÍRCULO FAMILIAR HÁ ZONA LIVRE
PARA OFENSAS
5.1 A origem do imbróglio
5.2 O processo
6. NETA NÃO PODE DECORAR O TÚMULO DO AVÔ CONTRA A VONTADE DA TIA
6.1 O caso
6.2 A decisão do BGH: tia tem direito de cuidado póstumo
6.3 Direito de cuidado póstumo
7. TESTAMENTO COMO ÚLTIMA CHICANA
PARTE 4
DIREITO DIGITAL
1. LEADING CASE: BGH RECONHECE A TRANSMISSIBILIDADE DA HERANÇA DIGITAL
1.1 O caso
1.2 O processo
1.3 A decisão do Bundesgerichtshof
1.4 Abusividade da cláusula imposta pelo Facebook
1.5 O acesso dos herdeiros não viola o sigilo das comunicações e nem a proteção dos dados pessoais
1.6 Os limites da confiança nas redes sociais
1.7 Distinção entre conteúdo patrimonial e existencial
1.8 Reflexões para o direito brasileiro
2. 14 MIL PÁGINAS SÃO INSUFICIENTES PARA GARANTIR A TRANSMISSÃO DA HERANÇA DIGITAL
3. APPLE DEVE LIBERAR ACESSO DOS HERDEIROS AO ICLOUD
4. TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU DETERMINA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE SITES QUE UTILIZAM BOTÃO DE CURTIDA DO FACEBOOK
4.1 O caso Peek & Cloppenburg
4.2 O processo judicial na Alemanha
4.3 A decisão do TJE: responsabilidade até o momento da transmissão ao Facebook
4.4 As repercussões da decisão
5. TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU PROÍBE A VENDA DE E-BOOKS USADOS
5.1 O caso
5.2 A decisão do Tribunal de Justiça Europeu
5.3 As repercussões sociais
6. USO DE COOKIES REQUER CONSENTIMENTO ATIVO DO USUÁRIO
6.1 O processo na Alemanha
6.2 A decisão do TJE
6.3 A relevância da decisão
7. BGH MANDA FACEBOOK SUSPENDER IMEDIATAMENTE A COLETA ABUSIVA DE DADOS PESSOAIS
7.1 A coleta predatória de dados
7.2 O processo administrativo no Bundeskartellamt
7.3 A decisão do Bundesgerichtshof
7.4 As repercussões da decisão
7.5 A proteção de dados no Brasil
8. DIREITO AO ESQUECIMENTO NÃO É ABSOLUTO, DIZ BUNDESGERICHTSHOF
8.1 O caso da instituição de caridade
8.2 A decisão do BGH
8.3 O direito ao esquecimento no Brasil
9. É INCONSTITUCIONAL O ACESSO IRRESTRITO DE AUTORIDADES A DADOS PESSOAIS DOS CIDADÃOS
9.1 A decisão do Bundesverfassungsgericht
9.2 Os reflexos da decisão
10. POLÍCIA NÃO PODE FAZER E POSTAR FOTOS DE MANIFESTANTES NAS REDES SOCIAIS
10.1 O caso
10.2 A decisão do Tribunal Administrativo
10.3 A situação no Brasil
11. BOOKING.COM PODE VEDAR CLÁUSULA DE MELHOR PREÇO AOS HOTÉIS
12. PROIBIDA A VENDA DE MEDICAMENTO EM MÁQUINAS AUTOMÁTICAS
12.1 O caso
12.2 O processo
12.3 Venda em terminal não é venda à distância
12.4 A repercussão do caso
PARTE 5
TEMAS DIVERSOS
1. BANCO RESPONDE POR FALHA DE INFORMAÇÃO EM OPERAÇÕES DE INVESTIMENTO DE CAPITAL
1.1 O caso
1.2 O processo
1.3 A decisão do OLG Frankfurt a.M.
1.4 A decisão do BGH
1.5 A situação no Brasil
2. CONSUMIDOR INFORMADO DA VESPA NÃO A CONFUNDE COM MODELO CHINÊS
2.1 O caso Vespa
2.2 O processo no Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia
2.3 A decisão do Tribunal de Luxemburgo
2.4 Aspectos interessantes da decisão
3. TRIBUNAL DE STUTTGART NEGA GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAL
3.1 O caso
3.2 A disputa judicial
3.3 A decisão do OLG Stuttgart
3.4 O fundamento da decisão
3.5 Repercussões do caso
3.6 Tema atualíssimo: disputa pelos animais
4. ANIMAIS NO LOCAL DE TRABALHO
4.1 O processo
5. Estado pode hastear bandeira gay na frente de prédio público
5.1 O imbróglio
5.2 A decisão do VG Dresden
5.3 O problema da intolerância de gênero
6. BRIGA DE VIZINHOS
6.1 O caso das crianças
6.2 O caso dos pólens
6.3 O caso do sino das vacas
6.4 O caso das câmeras de segurança
7. DECISÕES HISTÓRICAS: O CASO DOS TAPETES DE LINÓLEO – HOMENAGEM AO MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR JUNIOR
7.1 O caso
7.2 A importância da decisão
7.3 O vanguardismo da decisão
7.4 O papel de Ruy Rosado de Aguiar no reconhecimento da culpa in contrahendo
8. ADVOGADO RESPONDE POR PRAZO ERRADO INFORMADO PELO CLIENTE
8.1 O caso
8.2 O processo judicial
8.3 BGH: dever de diligência
8.4 Decisão polêmica
9. QUEM ANDA A 200 KM/H NA AUTOBAHN TEM QUE TER ATENÇÃO REDOBRADA
10. É CONSTITUCIONAL LEI QUE LIMITA VALOR DOS ALUGUEIS, DIZ TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO
10.1 O novo direito de locação
10.2 As ações questionando a inconstitucionalidade da lei
10.3 A decisão do BVerfG
10.4 A relevância da decisão
11. BGH CONDENA CENTRAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR A RESPONDER POR DANO PROCESSUAL
11.1 O caso
11.2 O processo
11.3 A decisão do BGH
11.4 A configuração do dano processual
11.5 O estado da arte no Brasil
11.6 Caso brasileiro
12. DECISÕES HISTÓRICAS: O CASO DA FIANÇA – PARTE 1
12.1 Para entender o caso
12.2 O caso da fiança da filha do armador
12.3 A decisão do BVerfG
12.4 A relevância da decisão
13. DECISÕES HISTÓRICAS: O CASO DA FIANÇA – PARTE 2
13.1 O caso da fiança da esposa
13.2 A decisão do BVerfG
13.3 A importância da decisão
14. PEGAR COMIDA EM CONTAINER DE LIXO DE SUPERMERCADO É CRIME, DIZ TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO
14.1 O caso
14.2 O processo
14.3 A reclamação constitucional
14.4 A decisão do Bundesverfassungsgericht
14.5 Cabe ao Legislador regular a questão
14.6 As repercussões da decisão
PARTE 6
PANDEMIA DA COVID-19
1. CORONAVÍRUS BATE À PORTA DO JUDICIÁRIO ALEMÃO
1.1 Coronavírus e o Judiciário
1.2 Ministério da Justiça quer alterar o CPP alemão
1.3 Advogado denuncia juiz por tentativa de lesão corporal
2. Alemanha aprova pacote de mudanças legislativas contra a crise do coronavírus
2.1 Competência do Parlamento para declarar estado de epidemia
2.2 Restrições a direitos fundamentais
2.3 Indenização às famílias
2.4 Alívio para hospitais
2.5 Pacote de proteção social
2.6 Criação de fundo de estabilização econômica
2.7 Lei para atenuação dos efeitos da pandemia de Covid-19
3. LEI ALEMÃ PARA AMENIZAÇÃO DOS EFEITOS DO CORONAVÍRUS ALTERA TEMPORARIAMENTE O DIREITO DE LOCAÇÃO
3.1 Alterações no direito de locação
3.2 Primeiras críticas à lei
4. LEI ALEMÃ PARA AMENIZAÇÃO DOS EFEITOS DO CORONAVÍRUS ALTERA TEMPORARIAMENTE AS REGRAS DOS CONTRATOS ESSENCIAIS DE LONGA DURAÇÃO
4.1 A situação no Brasil
5. LEI ALEMÃ PARA AMENIZAÇÃO DOS EFEITOS DO CORONAVÍRUS CONCEDE MORATÓRIA DE CONTRATOS DE MÚTUO
5.1 A situação no Brasil
6. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO GARANTE DIREITO DE MANIFESTAÇÃO MESMO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
6.1 O caso
6.2 A decisão do Bundesverfassungsgericht
6.3 Protesto em Stuttgart
6.4 As repercussões das decisões
7. ALEMANHA INICIA FLEXIBILIZAÇÃO DAS MEDIDAS DE CONTENÇÃO E JÁ SURGEM DECISÕES JUDICIAIS CONFLITANTES A RESPEITO
7.1 As novas regras
7.2 O caso de Bremen
7.3 O caso da Bavária
8. AUXÍLIO SOCIAL RECEBIDO DURANTE A PANDEMIA É IMPENHORÁVEL
9. ESTADO NÃO RESPONDE POR PERDAS PATRIMONIAIS DE EMPRESA FECHADA POR CAUSA DO CORONAVÍRUS, DIZ JUIZADO DE HEILBRONN
9.1 A decisão de Heilbronn
9.2 As repercussões da decisão
10. Pai não pode entrar na sala na hora do parto por causa da pandemia
11. Justiça põe em quarentena todos os trabalhadores de fazenda na Bavária
11.1 O caso
11.2 A importância do caso
12. DECISÃO SOBRE A VIDA E A MORTE (AINDA) CABE AOS MÉDICOS, DIZ CORTE CONSTITUCIONAL ALEMÃ
13. Pandemia não pode impedir pai de visitar filho
13.1 O caso
13.2 A decisão do OLG Frankfurt a.M.
13.3 A situação no Brasil
14. PANDEMIA NAS ESCOLAS
14.1 Obrigatoriedade do uso de máscaras
14.2 Máscara ou viseira?
14.3 Direito a homeschooling
15. CORONAVÍRUS DIFICULTA VENDA DE INGRESSOS NO MERCADO PARALELO
15.1 O caso Viagogo
15.2 Segunda onda de coronavírus e os eventos
16. LEI 14.010/2020 CADUCA QUANDO A EUROPA ENFRENTA A SEGUNDA ONDA DE COVID-19
16.1 As medidas na França
16.2 O lockdown na Alemanha
16.3 As repercussões das medidas na Alemanha
16.4 Brasil e o coronavírus
16.5 A necessidade de revisão contratual
17. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO CONFIRMA FECHAMENTO DE RESTAURANTES DURANTE A SEGUNDA ONDA DE COVID-19
18. FECHAMENTO DE LOJA NÃO É VÍCIO NA COISA, NEM IMPOSSIBILIDADE, DIZ JUIZ DE HEIDELBERG
18.1 O caso
18.2 A decisão do LG Heidelberg
18.3 O problema da revisão contratual no Brasil
19. ALEMANHA DECRETA LOCKDOWN TOTAL PELA SEGUNDA VEZ NO ANO
19.1 Fim de uma era?
20. ENTREVISTA: PROF. DR. NILS JANSEN
21. ENTREVISTA: PROF. DR. JÖRG NEUNER
Apresentação
Com grande alegria recebi o convite da Editora Foco para reunir e publicar os principais comentários às decisões judiciais alemãs e europeias veiculadas na coluna jurídica semanal German Report, do portal de notícias Migalhas, durante os anos de 2019 e 2020.
O objetivo da coluna é, por meio da jurisprudência contemporânea, intensificar o diálogo entre os direitos brasileiro e alemão, os quais, como sabido têm base jurídica comum, apesar do distanciamento linguístico, uma vez que ambos pertencem à tradição jurídica romano-germânica e possuem uma base jurídica comum que torna ainda mais enriquecedor o diálogo.
O objetivo dessa obra é trazer ao público recentes decisões dos tribunais alemães, seja de primeira, segunda ou última instância, como o Tribunal Constitucional – o Bundesverfassungsgericht (BVerfG) – e o Bundesgerichtshof (BGH), a Corte infraconstitucional equivalente ao Superior Tribunal de Justiça, sem prejuízo de julgados relevantes das cortes europeias e de decisões históricas que marcaram o desenvolvimento científico do direito.
Isso não só permitirá ao leitor acompanhar o que se discute atualmente na Alemanha e na Europa, mas ainda fomentará, através de uma análise crítico-comparada, a reflexão e a autocrítica do direito nacional, o que muito contribui para a evolução da ciência e da prática jurídica.
O direito não evolui sem estudo comparado, como o comprova a história. Em um mundo cada vez mais conectado e interligado, as visões nacionalistas do direito, que taxam tudo o que vem de fora de importação acrítica, pouco têm a contribuir efetivamente para a solução de problemas que, em maior ou menor medida, desafiam todas as ordens jurídicas.
Além de retrocesso, essas ideias chauvinistas representam uma negação de nossa própria história e tradição, rica em grandes comparatistas, como Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Pontes de Miranda, Orlando Gomes e Clóvis do Couto e Silva, apenas para citar alguns renomados civilistas.
Esse diálogo mostra-se ainda necessário, pois permite estabelecer uma interlocução com a doutrina alemã contemporânea, superando-se o monólogo, ainda presente em parte da doutrina nacional, com a ciência jurídica germânica do século 19, como mostram as constantes referências – como se ainda atuais – a ideias e autores do pandectismo alemão como Bernard Windscheid, Heinrich Dernburg e Alois von Brinz, cujas teorias encontram-se superadas e/ou aperfeiçoadas em seu país de origem.
A jurisprudência privatista alemã é pouco conhecida no Brasil e a maioria dos casos chega, com anos de atraso, por meio da literatura estrangeira, especialmente portuguesa e italiana. Falta, portanto, uma fonte atualizada de decisões atuais acerca de variados ramos do Direito Privado.
Nesse sentido, a presente obra traz as principais decisões analisadas ao longo de 2019 e 2020 na coluna German Report, com alguns julgados inéditos. Atente-se que muitas das decisões comentadas, por provenientes de instâncias inferiores, não exprimem, evidentemente, o entendimento majoritário das Cortes superiores. Isso vale principalmente para os julgados relacionados a temas atuais, como a pandemia de coronavírus.
Elas têm, porém, dupla função: suscitar a reflexão sobre os temas que ocupam o jurista contemporâneo e servir como registro histórico a documentar os primeiros entendimentos acerca dos problemas causados pela pandemia de Covid-19 nos mais diversos setores da vida social, permitindo, no futuro, visualizar a evolução histórica de determinados posicionamentos.
Os temas abordados nos julgados são os mais variados, perpassando os ramos tradicionais do Direito Civil e adentrando em terrenos novos, como direito e internet, proteção de dados pessoais, herança digital, contratos digitais, biodireito, bioética, identidade de gênero, direito dos animais e a sempre atual temática da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais. Apresenta-se ainda ao leitor alguns julgados históricos que influenciaram decisivamente a ciência jurídica dos principais países europeus e latino-americanos.
Nesse sentido, merecem destaque o famoso Caso Lüth
, julgado paradigmático do Tribunal Constitucional sobre a eficácia dos direitos fundamentais no Direito Privado e o Caso dos Tapetes de Linóleo
, uma clássica decisão do Reichsgericht, o antigo Tribunal Imperial, sobre a violação de deveres laterais de conduta, oriundos do princípio da boa-fé objetiva, na fase pré-contratual, que deu o pontapé inicial para o desenvolvimento no direito alemão da responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo) e da teoria dos deveres laterais de conduta, chamados mais recentemente de deveres de consideração.
A variedade temática dos julgados dificulta conferir uma organicidade aos assuntos abordados. Nada obstante, procurou-se aglutinar os textos relacionados a direitos fundamentais, bioética, família e sucessões, direito digital, dentre outras temáticas diversas, expondo-se, contudo, as decisões relacionadas à pandemia de Covid-19 em ordem cronológica a fim de facilitar a compreensão e a reconstrução histórica desse período que vem sendo apontado por importantes historiadores como o marco de uma mudança de era.
Além disso, essa obra traz ainda entrevistas com dois importantes juristas alemães, Nils Jansen e Jörg Neuner, na qual eles expõem suas primeiras impressões sobre o momento de crise e analisam os impactos da pandemia no direito, principalmente nos contratos.
No atual estágio, não há dúvidas de que a pandemia foi o evento mais importante até agora desde a 2ª. Guerra Mundial, embora muitas pessoas – como não raro ocorre com os espectadores de um fato histórico – tenham dificuldades de perceber a relevância e excepcionalidade do evento. Ainda não há uma perspectiva real do fim da crise pandêmica, iniciada em dezembro de 2019 na China. A previsão inicial de que a pandemia estaria debelada após breve período de isolamento social e paralisação das atividades econômicas não essenciais mostrou-se equivocada, pois, quando se esperava o retorno à normalidade, veio a segunda onda de Covid-19 que a humanidade agora atravessa.
Espera-se, dessa forma, que essa obra sirva como fonte atualizada de pesquisa comparada com o direito alemão, que, pela sua peculiar capacidade de combinar o rigor científico do discurso com soluções justas, é reconhecidamente uma das mais avançadas ciências jurídicas da atualidade. Se os textos apresentados conseguirem despertar no leitor a reflexão, a obra já terá alcançado seu fim.
Verão de 2021.
PREFÁCIO
Aceitei, com muita honra, o múnus de fazer o prefácio deste livro Da Prof.ª Dr.ª Karina Nunes Fritz, que trata de decisões de tribunais europeus, notadamente os alemães, a respeito dos quais a autora traz valiosos comentários.
O direito alemão é extremamente rico, robusto, consistente e estável, sem perder o dinamismo das naturais evoluções da sociedade e do próprio direito, como ocorre com todo o ramo do saber, especialmente com o direito que apreende as necessidades da sociedade para regular as atividades das pessoas, das empresas e dos Estados.
A autora é graduada em direito, tem especialização em direito constitucional, fez o Mestrado em Direito Civil na PUC-SP, sob a orientação do Prof. Dr. José Manoel de Arruda Alvim Netto, havendo obtido o título respectivo em 2005.
Foi para a Europa e, em 2006, obteve o Mestrado (LL.M.) na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg – onde eu também estudei em 1985/1987 –, sob a orientação do Prof. Reinhard Greger, que foi professor titular em Erlangen e juiz do BGH (Bundesgerichtshof), tribunal federal alemão equivalente ao nosso STJ (Superior Tribunal de Justiça). Aposentou-se em 2011. Para a obtenção do título no LL.M. a autora apresentou dissertação sobre a quebra da base do negócio jurídico.
Interessante trazer aqui uma curiosidade. Foi cunhada na Alemanha, logo em seguida ao término da primeira guerra mundial (1914-1918), a tese da necessidade de manutenção do equilíbrio do contrato, quando houver quebra na base objetiva e/ou subjetiva do negócio jurídico. O idealizador da tese foi o Prof. Paul Oertmann,¹ que era professor titular de Direito Civil na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg, onde a autora, sessenta e cinco anos depois, obteve título acadêmico defendendo dissertação sobre o mesmo tema, na mesma universidade e na mesma cadeira de seu criador.
Fez o doutoramento na prestigiada Humboldt Universität, em Berlin, sob a orientação do Prof. Stefan Grundmann, que já esteve algumas vezes no Brasil para participar de eventos acadêmicos. A autora foi responsável por um desses eventos, que foi uma palestra proferida pelo Prof. Grundmann na PUC-SP, em que eu estava presente e pude ajudar na tradução, especialmente nos debates.
A tese que a autora apresentou em Berlin, que lhe deu o título de doutora em 2017, versou sobre o importante tema da responsabilidade pela ‘culpa in contrahendo’, tese criada e desenvolvida por Jhering,² aplicável em grande medida no direito brasileiro, notadamente pela cláusula geral da boa-fé objetiva, do CC 422.³ A tese da Prof.ª Karina Nunes Fritz, com base na ‘culpa in contrahendo’, teve como objeto a responsabilidade pré-contratual e foi premiada pela Humboldt, em 2018, como a melhor tese de doutoramento em Direito Civil no semestre de verão de 2017.⁴
Atualmente a autora é advogada, consultora jurídica e professora convidada na UERJ e na PUC-Rio na área do Direito Civil.
Como o leitor pode notar, a autora deste livro tem as melhores qualificações acadêmicas e profissionais e comentou a jurisprudência europeia e alemã com grande competência e maestria.
A propósito, o livro que ora tenho a honra de prefaciar, preenche uma lacuna na literatura especializada brasileira. Em língua portuguesa há livros correlatos, que têm como objeto temas distintos dos que agora são apresentados pela autora.
O professor da Universidade de Hamburgo, Jürgen Schwabe, editou livro a propósito do aniversário de cinquenta anos do Tribunal Constitucional Federal Alemão (BVerfG – Bundesverfassungsgericht), livro esse concebido e escrito em alemão e traduzido para o português.⁵
No Brasil houve a iniciativa de comentar-se a jurisprudência do BVerfG, especificamente quanto ao tema dos direitos fundamentais, trabalho de grande importância para o Direito Constitucional, composto, até o momento, por três volumes.⁶
Mas faltava um comentário à jurisprudência europeia e, especialmente, a alemã, no tocante ao Direito Privado, especialidade da autora, Prof.a Karina Nunes Fritz. Por isso a importância deste livro, específico para o Direito Privado.
O público brasileiro, assim, toma contato com a jurisprudência alemã atualizada sobre o direito privado, com as importantes anotações da autora, cuja experiência com o direito alemão é notória.
Os tópicos escolhidos pela autora para comentar, foram extraídos de casos paradigmáticos, de grande atualidade como, por exemplo, a eficácia dos direitos fundamentais na esfera do direito privado (Caso Lüth), que abre o livro, onde a autora faz importante comentário sobre a decisão do Bundesverfassungsgericht.
A atualidade e importância dos julgados comentados estão, ainda, caracterizados pelos temas: o de que homem não pode constar do registro civil da criança como mãe
porque, segundo o Bundesgerichtshof (BGH), mãe é quem dá à luz, tarefa natural – e materialmente impossível de ser desempenhada pelo homem; iCloud deve disponibilizar aos herdeiros o acesso à conta do falecido; negação do holocausto não é, propriamente, liberdade de expressão; não é de reconhecer-se automaticamente o registro de duas mães no assento de nascimento da criança; planos de saúde devem cobrir custo de inseminação artificial em mulheres maduras; é possível a transmissão de herança digital; médicos são absolvidos por haverem participado de suicídio assistido; BVerfG admite a existência de um terceiro gênero; clínica de inseminação artificial tem o dever de informar a identidade do doador de sêmen; uso do cookies exige consentimento ativo do usuário e não somente passivo, entre outros temas.
Como se vê, os temas são modernos, atuais e de grande relevância para o direito privado, razão da grande oportunidade que a autora nos dá a todos, de tomar conhecimento do estágio atual do direito alemão e da jurisprudência sobre os casos mais significativos dessa modernidade.
Os comentários da autora são realizados de forma direta e objetiva, quase que em linguagem jornalística, o que dá ao livro a possibilidade de ser lido e entendido pelo público fora do direito, aumentando o espectro de abrangência dos destinatários do texto da Prof.ª Karina Nunes Fritz.
Há, ainda, duas entrevistas com os juristas alemães Nils Jansen (Universidade de Münster) e Jörg Neuner (Universidade de Augsburg), ambos titulares da cadeira de Direito Civil de suas universidades que falam sobre o direito privado em geral e, mais especificamente, sobre os impactos da pandemia de Coronavírus (COVID-19) na seara do direito privado.
O livro, em suma, é de extrema atualidade e, muito embora seja de fácil leitura, os comentários são feitos de forma profunda por quem conhece o direito privado, a doutrina e a jurisprudência alemãs, que é a Prof.ª Dr.ª Karina Nunes Fritz.
Estão de parabéns a autora, a Editora Foco e, principalmente, o público leitor, destinatário deste livro que se destina a ser um referencial brasileiro sobre a jurisprudência alemã.
São Paulo, abril de 2021.
Nelson Nery Junior
Professor Titular da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Lista de Abreviações
AG Amtsgericht (Juizado especial)
BGB Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil)
BGH Bundesgerichtshof (Superior Tribunal Federal, equivalente ao Superior Tribunal de Justiça)
BGHZ Entscheidungen des Bundesgerichtshofs in Zivilsachen (Coletânea oficial das decisões do BGH)
BImSchG Bundesimmissionsschutzgesetz (Lei federal de proteção contra imissões)
BTDrucks. Bundestagdrucksachen (Anais dos trabalhos legislativos do Parlamento alemão - Bundestag)
BVerfG Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional)
BVerfGG Bundesverfassungsgerichtsgesetz (Lei interna do Tribunal Constitucional)
BVerfGE Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts (Coletânea oficial das decisões do Tribunal Constitucional)
BVerwG Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Federal Administrativo)
EuGH Europäischer Gerichtshof (Tribunal Europeu de Luxemburgo)
GG Grundgesetz (Lei Fundamental alemã)
GmbH Gesellschaften mit beschränkter Haftung (Sociedade de responsabilidade limitada)
KG Kammergericht (Tribunal de segunda instância de Berlim)
LG Landgericht (equivalente às varas de primeira instância)
NJW Neue Juristische Wochenschrift (Nova Revista Semanal Jurídica)
OLG Oberlandesgericht (equivalente aos tribunais de justiça brasileiros)
RG Reichsgericht (Tribunal Imperial)
RGZ Entscheidungen des Reichsgerichts in Zivilsachen (Coletânea oficial das decisões do Tribunal Imperial)
StGB Strafgesetzbuch (Código Penal)
TPG Transplantationsgesetz (Lei de transplante)
TSG Transexuellengesetz (Lei dos transexuais)
VG Verwaltungsgericht (Juízo administrativo de primeira instância)
ZPO Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil)
1. Paul Oertmann. Die Geschäftsgrundlage: ein neuer Rechtsbegriff, Leipzig: Deichert, 1921. O trabalho pioneiro de Oertmann recebeu contribuições da doutrina e jurisprudência alemãs, das quais ressalto: Karl Larenz. Geschäftsgrundlage und Vertragserfüllung, 3. ed. München: Beck, 1963 (1. ed.: München: Beck, 1951).↩
2. Rudolf von Jhering. ‘Culpa in contrahendo’ oder Schadenersatz bei nichtigen oder nicht zur Perfection gelangten Verträgen, in ‘Jherings Jahrbücher für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Privatrechts’, Vierter Band, Jena: Verlag Friedrich Mauke, 1861, 1. Aufsatz, p. 1-112, reproduzido em Rudolf von Jhering. Gesammelte Aufsätze aus den Jahrbüchern für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Privatrechts, v. 1, Jena: Verlag Friedrich Mauke, 1881, VI. Aufsatz, p. 327-425. Este artigo de Jhering, dada sua magna importância para o direito privado alemão, tem sido constantemente republicado.↩
3. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código Civil Comentado, 13. ed. São Paulo: Ed. RT/Thomson Reuters, 2019, coment. 29 CC 422, p. 867.↩
4. Karina Cristina Nunes Fritz. Die ‘culpa in contrahendo’ im deutschen und brasilianischen Recht: ein Vorvertragsregime auf der Grundlage der deutschen Schuldrechtsdogmatik, Berlin: Walter de Gruyter, 2018.↩
5. Jürgen Schwabe. Cinquenta anos e jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2005.↩
6. Leonardo Martins. Tribunal Constitucional Federal Alemão: decisões anotadas sobre direitos fundamentais, v. I e II, Konrad Adenauer Stiftung, 2016 e 2018 e v. III, São Paulo: Marcial Pons Brasil, 2019.↩
Parte 1
DIREITOS FUNDAMENTAIS
1
DECISÕES HISTÓRICAS:
O CASO LÜTH E A EFICÁCIA
HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Um dos casos mais paradigmáticos julgados pelo Bundesverfassungsgericht é o chamado Caso Lüth, o leading case que deu origem na Alemanha à discussão acerca da eficácia dos direitos fundamentais no direito privado. Trata-se do processo 1 BvR 500/51, julgado pelo 1o Senado da Corte em 15.01.1958 e publicado no repertório de jurisprudência BVerfGE 7, 198. O julgado aborda tema central para o direito brasileiro, pois discute a forma como os direitos fundamentais se irradiam pelo direito privado¹.
1.1 O caso
Erich Lüth, diretor de imprensa da cidade de Hamburg, convocou, em 20.09.1950, a população alemã a boicotar o filme Amada imortal
(Unsterbliche Geliebte) do cineasta Veit Harlan, que seria exibido em festival de cinema da cidade. A razão do boicote foi o fato de Harlan ter sido o grande cineasta durante o governo nazista e ter produzido, a pedido de Joseph Goebbels, o filme Jud Süß, que teve inspiração na figura de Joseph Süß Oppenheimer, um alto funcionário da fazenda no governo de Karl Alexander von Württemberg (1684-1737). O filme tinha claro caráter discriminatório e antissemita .
Foto do polêmico filme antissemita encomendado por Joseph Goebbels, Ministro de Propaganda de Hitler.
1.2 Os personagens da história
Harlan começou sua carreira depois de 1933, quando Adolf Hitler já tinha subido ao poder, e em pouquíssimo tempo se tornou um cineasta de prestígio, devido em parte ao intenso contato com a cúpula nazista, especialmente com Goebbels. Com o fim da 2a. Guerra Mundial e o colapso do regime nazista, os aliados iniciaram um processo de caça às bruxas, denominado processo de desnazificação
(Entnazifizierungsverfahren), ocasião na qual Harlan fora acusado duas vezes.
O Tribunal de Guerra, na época, reconheceu a clara tendência antissemita
do filme Jud Süß, bem como sua aptidão de, na conjuntura de então, influenciar tendenciosamente a opinião pública a justificar e/ou tolerar a perseguição aos judeus. Considerando que Harlan participou como diretor e roteirista do filme, ele compreendeu bem o fim e os efeitos visados pelo filme, tendo, consequentemente, preenchido – objetiva e subjetivamente – o suporte fático do crime contra a humanidade, disse o Tribunal de Guerra.
Mas o cineasta foi proclamado inocente das acusações em razão da excludente de culpabilidade do § 52 do Código Penal alemão (Strafgesetzbuch), alegada por Harlan em sua defesa: estado de coação. Isso, porque, quando o filme foi rodado, em novembro de 1939, a Alemanha já se encontrava em estado de guerra com a Polônia e Goebbels dizia que cada alemão era um "soldado do Führer", devendo cumprir seu dever, sob pena de se submeter às mais severas punições, inclusive pena de morte. Dessa forma, não havia de facto possibilidade de escolha para Harlan: ou ele fazia o filme ou corria risco de morte.
Embora o Tribunal de Guerra não tenha encontrado fatos concretos que demonstrassem a coação sofrida por Harlan, também não conseguiu verificar sua inexistência. Por isso, concluiu pela existência da excludente a partir das circunstâncias nas quais o acusado estava envolvido. Isso levaria Lüth a afirmar posteriormente que a absolvição de Harlan teria sido apenas formal, com o significado de uma condenação moral.
Lüth, por sua vez, era uma personalidade engajada na reconstrução da relação entre alemães e judeus, tendo iniciado, inclusive, uma ação Paz com Israel
, que contou com o apoio de grande parcela da sociedade e da igreja cristã. A par de seu histórico de vida, Lüth, ao saber que o filme de Harlan seria exibido durante o festival de cinema, em um pronunciamento, exortou os cinemas e teatros a não exibir o filme e o público a não assisti-lo.
Deve-se salientar que Lüth não foi o único a se manifestar contra a exibição do filme e apresentação de Veit Harlan como um dos maiores expoentes da cinematografia alemã, feita pelas empresas produtora e distribuidora do filme. Com efeito, quarenta e oito professores da Universidade de Göttingen, onde Rudolf von Jhering lecionou, assinaram um manifesto contra a obra e o deputado Dr. Schmid-Tübingen pronunciou-se energicamente no Parlamento (Bundestag) em Berlim contra a exibição do filme, condenando moralmente o cineasta.
1.3 O processo
Diante da exortação ao boicote, o cineasta, a produtora do filme Domnick-Film-Produktion GmbH e a distribuidora Herzog-Film GmbH entraram com medida liminar perante o juízo da comarca de Hamburg a fim de proibir Lüth, dentre outras coisas, a exortar os cinemas e teatros a não exibir e o público a não assistir ao filme.
O juízo de primeira instância condenou Lüth a abster-se da convocação ao boicote, pois entendeu que isso seria um ato ilícito contrário aos bons costumes, tipificado no art. 826 BGB. Ele visava, em última análise, impedir o retorno de Harlan como uma figura representativa do cinema alemão. Mas isso não se justificaria, porque Harlan fora absolvido nos processos criminais movidos contra ele, entendeu o julgador.
Além disso, depois da absolvição penal no Tribunal de Guerra, a organização de cinema alemã retirou todas as restrições anteriormente impostas à liberdade de exercício profissional de Harlan, de forma que qualquer restrição ao exercício desse direito fundamental, proveniente de quem quer que seja, seria contrária aos bons costumes, disse o juiz. Em outras palavras: a conduta de Lüth contrariava a concepção democrática do direito e dos bons costumes do povo alemão.
Lüth apelou da decisão de primeira instância, prolatada em 22.11.1951 pelo Landgericht Hamburg no processo Az. 15 O 87/51. Mas o Tribunal de Justiça (Oberlandesgericht – OLG) de Hamburg negou provimento à apelação. Acatando os argumentos da sentença, o OLG Hamburg acrescentou que a conduta de Lüth violava o núcleo da personalidade artística de Harlan, a última área inviolável da liberdade humana
, ferindo inegavelmente a dignidade humana do cineasta, o que configuraria, em qualquer circunstância, ofensa aos bons costumes. Por essa razão, Lüth moveu queixa constitucional perante o Bundesverfassungsgericht.
1.4 A decisão do Tribunal Constitucional
O BVerfG sublinhou inicialmente que uma sentença de primeiro grau, por consistir ato do poder público (Poder Judiciário), pode ferir o direito fundamental do autor da queixa constitucional sempre que esse direito fundamental deva ser observado na sentença. Sempre que os tribunais inferiores adentram no campo jusfundamental, restringindo de forma inadmissível, por meio da interpretação, a pretensão de eficácia de um direito fundamental, é competência da Corte Constitucional assegurar a eficácia do valor específico do direito fundamental em questão.
Para a Corte, Lüth tinha o direito de manifestar publicamente sua opinião sobre o filme e a pessoa do cineasta, bem como convocar a população a boicotar sua exibição. O direito fundamental à livre manifestação de opinião é uma expressão direta da personalidade humana no meio social e, por isso, um dos direitos humanos mais essenciais. Não por outra razão, o art. 11 da declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, o considera um des droits les plus précieux de l´homme
.
Ele é, além disso, um direito constitutivo de uma ordem estatal livre e democrática, pois permite o permanente confronto de ideias e a luta por opiniões, que é um elemento vivo da liberdade e da democracia, sublinhou a Corte alemã. Em suma, ele é a base da liberdade. A manifestação do pensamento é livre. Contudo, quando ela intervém e restringe bem jurídico de outra pessoa, que goza de maior proteção face à liberdade de expressão, essa intervenção passa a ser inadmissível, sendo necessário, então, uma ponderação dos direitos fundamentais em colisão.
O direito à livre manifestação do pensamento precisa retroceder diante de interesse de hierarquia e proteção mais elevada, embora só no caso concreto se possa realmente identificar qual o interesse preponderante, afirmou o Tribunal. Entretanto, a proteção de um bem jurídico privado pode – e deve, sublinhou o BVerfG – retroceder quando se trata de uma disputa de ideias acerca de questões essenciais que tocam a esfera pública.
Para decidir se uma convocação ao boicote contraria os bons costumes, é necessário analisar os motivos, os fins e os meios da manifestação, bem como se o exortador não ultrapassou a medida necessária e adequada da intervenção nos interesses alheios. No caso, Lüth não perseguia fins próprios e egoísticos, mas um interesse fundamental do povo alemão.
Com efeito, o Tribunal Constitucional sublinhou que os motivos que impulsionaram Lüth não eram contrários aos bons costumes, já que ele não perseguia interesses puramente egoísticos de natureza econômica, pois não era concorrente de Harlan, nem das empresas cinematográficas e isso foi inclusive alegado e reconhecido em primeira instância.
O objetivo da manifestação dele foi apenas impedir o retorno de Harlan como um representante do cinema alemão. Ele fora motivado pelo receio de que a volta de Harlan ao cinema pudesse significar – principalmente no exterior – uma influência nazista sobre a cinematografia alemã, despertando a impressão de que nada havia mudado na cena cultural alemã em relação ao período do nacional-socialismo, época na qual Harlan foi um dos grandes expoentes.
Esse receio toca uma questão fundamental para o povo alemão, disse de forma muito consciente o BVerfG, pois nada prejudicou mais a imagem – e a autopercepção – dos alemães do que a cruel perseguição aos judeus durante o nazismo. Existe, portanto, um interesse fundamental de que o mundo tenha certeza de que o povo alemão se afastou dessa ideologia e de que não a condena por motivos oportunistas, mas por uma mudança interna em suas convicções, afirmou a Corte.
Esse receio do autor da queixa constitucional resultava da situação da época, pois até na Suíça a exibição do filme "Unsterbeliche Geliebte" gerou protestos e foi proibida, não por seu conteúdo e